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Modernidade, transformações sociais e o desenvolvimento

da cultura de tempo livre do trabalhador rio-clarense

Modernidad, cambios sociales y desarrollo de la cultura del tiempo libre del trabajador rioclarense

Modernity, social changes and development of culture of free time of rio-clarense employees

 

*Professor Mestre pela Universidade Estadual Paulista

**Professor Doutor do Departamento de Educação da

Universidade Estadual Paulista Campus de Rio Claro

***Professora Doutora do Departamento de Educação Física da

Universidade Estadual Paulista Campus de Bauru

(Brasil)

Américo Valdanha Netto*

valdanha@uol.com.br

Samuel de Souza Neto**

samuelsn@rc.unesp.br

Dagmar Aparecida Cynthia França Hunger***

dag@fc.unesp.br

 

 

 

Resumo

          As transformações sociais provenientes da modernidade estão diretamente ligadas com as mudanças da relação do homem com o trabalho e seu tempo. O Município de Rio Claro – SP tem em sua história alterações significativas oriundas desse momento marcadas pela fixação da Companhia Paulista de Estradas de Ferro na cidade, onde, entre diversas influências sociais e econômicas, promoveu a formação de um clube para seus funcionários, o Grêmio Recreativo dos Empregados da Companhia Paulista de Estradas de Ferro, o qual contribuiu para incutir os valores e ideais da nova ordem social nos habitantes da cidade.

          Unitermos: História do Esporte. Clube Esportivo. Esporte em Rio Claro

 

Resumen

          Los cambios sociales de la modernidad se vinculan a los cambios relacionados con el hombre con su trabajo y su tiempo. Rio Claro - SP tiene en su historia cambios significativos que vienen marcados desde la creación de la Compañía Paulista de Ferrocarriles en la ciudad, donde, entre varias influencias sociales y económicas, han impulsado la creación de un club para sus trabajadores, llamado Gremio Recreativo de los Empleados de la Compañía Paulista de Ferrocarriles, que contribuyó a introducir los valores e ideas para el nuevo orden social en los habitantes de la ciudad.

          Palabras clave: Historia de los Deportes. Sporting Club. Deportes en Río Claro

 

Abstract

          The social changes from modernity have been connected to the changes related to the man with his work and his time. Rio Claro - SP County has in its history meaningful changes which came from such moment set up by Companhia Paulista de Estradas de Ferro in the city, where, among several social and economical influences, promoted the development of a club for its employees, called Grêmio Recreativo dos Empregados da Companhia Paulista de Estradas de Ferro which contributed to introduce the values and ideas to the new social order in the city inhabitant.

          Keywords: History of Sports. Sporting Club. Sports in Rio Claro

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 14 - Nº 133 - Junio de 2009

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    Este artigo corresponde a uma parte da Dissertação de Mestrado intitulada “A Companhia Paulista de Estradas de Ferro, o Grêmio Recreativo e o Município de Rio Claro: relações de trabalho e lazer – um estudo exploratório”, defendida no programa de Pós-graduação em Ciências da Motricidade da Universidade Estadual Paulista, sob Orientação do Prof. Dr. Samuel de Souza Neto e Co-orientação da Profa. Dra. Dagmar Aparecida Cynthia França Hunger.

Introdução

    Este artigo faz parte de uma dissertação que almeja resgatar a memória do esporte no município de Rio Claro a partir da relação da Companhia Paulista de Estradas de Ferro (CPEF), uma instituição fabril moderna, capitalista, inaugurada em 1876, com o Grêmio Recreativo dos Empregados da Companhia Paulista de Estradas de Ferro (GRECPEF), o clube de seus funcionários, idealizado com o intuito de promover atividades para o tempo livre dos ferroviários.

    O tempo livre tem sido assunto de profundas discussões que ocupam e ocuparam considerável espaço entre as publicações acadêmicas, principalmente, a partir da década de 70, período relacionado à reabertura e aprofundamento das discussões sobre trabalho e repressão, quando ensaios, relatos de pesquisas e teses acadêmicas, começam a aparecer em grande quantidade discutindo, “desde questões técnicas internas ao processo de trabalho, até as formas de resistência operária e lutas sindicais em torno do controle do trabalho”. (TENCA, 2002, p. 8)

    Trabalho e tempo livre mantêm uma relação de dependência, onde o primeiro é quem dita os momentos do segundo. Assim, estudar o tempo livre do trabalhador se faz necessário para que seja possível conhecer caminhos que auxiliaram na construção da sociedade como a conhecemos nos dias atuais.

    O Município de Rio Claro tem em sua história “uma evidente dependência da produção fabril no desenvolvimento de sua sociedade urbana” (BILAC, 1978), e dentro deste contexto a CPEF foi presença histórica marcante nos Municípios por onde seus trilhos passaram e estabeleceram estações e oficinas. Em Rio Claro a empresa, além de instalar sua malha ferroviária, também implantou suas oficinas de máquinas e vagões, e como forma de ampliar seus interesses de organização do trabalho a CPEF incentivou e apoiou seus funcionários na fundação de um clube recreativo para que toda “família ferroviária” (TENCA, 2002, pg. 260) pudesse se encontrar no tempo livre, desde o trabalhador menos graduado até os chefes da seção, sem distinção de qualquer natureza, o que ajudaria na construção de uma unidade fabril de relacionamento. “A Companhia Paulista procurava garantir o entretenimento de seus funcionários nas escassas horas de folga, buscando fortalecer os laços da grande família” (TENCA, 2002, p. 261).

    Nesse contexto é que se desenvolve o Grêmio Recreativo dos Empregados da Companhia Paulista de Estradas de Ferro (CPEF), idealizado e fundado no século XIX, no ano de 1896, uma época em que as grandes instituições voltadas para o lazer da classe trabalhadora ainda não tinham sido criadas no Brasil (o SESC e o SESI datam de 1946).

    Dessa forma são trabalhadas nesse artigo fontes primárias e secundárias, através de uma pesquisa do tipo exploratória e de natureza qualitativa, com o objetivo de refletir sobre as mudanças oriundas da modernidade e a influência que essas exerceram na formação histórica de uma cultura de uso do tempo livre pelo trabalhador rio-clarense. Optar por um modelo de pesquisa do tipo exploratória está vinculado à constatação do pouco conhecimento acumulado e sistematizado referente ao objetivo desse artigo, haja visto que esse tipo de pesquisa permite “aumentar o conhecimento do pesquisador acerca do fenômeno que deseja investigar em estudo posterior, mais estruturado.” (SELLTIZ et_al, 1974, p. 60).

Modernidade: o tempo, o trabalho, o corpo, o lazer e o esporte

    O nascimento da sociedade industrial é o marco das mudanças significativas nos modelos de organização do tempo e das atividades diárias que antes eram conhecidos. Essa nova sociedade se desenvolve do movimento da Revolução Industrial, iniciado no século XVIII, na Inglaterra, e marca o período dos tempos modernos, conhecido na divisão histórica do tempo como Idade Contemporânea. É nesse período que ocorre, entre diversas mudanças, a mecanização dos meios de produção, uma real oposição ao meio de produção artesanal conhecido e vivido na Idade Média.

    Essas mudanças dos meios de produção promoveram profundas alterações nas relações do homem com seu trabalho, a partir delas, novos laços e modelos surgiram para guiar as relações entre as pessoas e construir uma nova cultura.

    O trabalho industrial impunha uma cultura própria, de economia de gestos, de produzir mais no menor tempo possível, de acumulação de bens, uma cultura absurda para quem vinha do meio rural, onde o trabalho, ainda que longo e cansativo, respeitava os ritmos naturais. (CAMARGO, 1986, p. 35)

    O momento da Revolução Industrial faz parte de um período de mudanças, ainda maior, conhecido como Modernidade. Segundo Berman (1986), a Modernidade compreende um longo período histórico, podendo ser divido em três momentos: o primeiro começa no século XVI e vai até o século XVIII e é marcado pela transição, onde os primeiros passos das mudanças são dados, as pessoas iniciam a experiência com a vida moderna. A segunda fase começa com a Revolução Francesa, uma era que aflora os sentidos revolucionários nas pessoas, provocando diversas mudanças nos meios sociais pessoais e políticos. No entanto, Berman (1986), sugere que esse mesmo público moderno do final do século XVIII e início do século XIX, “ainda se lembra do que é viver, material e espiritualmente, em um mundo que não chega a ser moderno por inteiro” (BERMAN, 1986, p. 16), a grande mudança de valores acontece no terceiro momento e é marcada pela expansão da modernização no século XX, apresentando ao mundo a cultura do modernismo.

    Essas passagens representam momentos de diversas modificações estruturais que ocorrem na organização social. O homem começa a vivenciar novas experiências em suas relações, seja com outras pessoas, com seu trabalho ou com o uso de seu tempo. A modernidade se apresenta como transformadora de valores, quebrando as particularidades encontradas em diversos grupos, rompendo com costumes, valores e relacionamentos, propondo uma uniformidade em todos os campos.

    Evidências dessas mudanças estruturais de organização social, oriundas da modernidade, podem ser identificadas após a revolução industrial, quando ao sair de um ambiente rural para trabalhar nas cidades, o homem abandona um contexto de vida baseado nos laços de comunidade para viver no núcleo urbano através de um sistema de organização baseado nos laços de associação, em um ideal de sociedade. Para Berman (1986, p. 15) “ser moderno é encontrar-se em um ambiente que promete aventura, poder, alegria, crescimento, autotransformação, e transformação das coisas em redor – mas ao mesmo tempo ameaça destruir tudo o que temos tudo o que sabemos tudo o que somos”.

    Essa mudança será o ponto mais significativo que irá alterar a particularidade de vida, de cada pessoa, e representa também, nesse momento, as transformações nas relações do homem com seu corpo na modernidade e com as atividades que o envolve, a partir dessa nova organização social decorrente das relações entre mão de obra, trabalho e tempo.

Organização social: as relações entre mão de obra, trabalho e tempo

    Por definição, comunidade é um grupo de habitantes irmanados por um mesmo legado cultural e histórico, “o termo comunidade abrange todas as formas de relacionamento caracterizadas por um grau elevado de intimidade pessoal, profundeza emocional, engajamento moral, coerção social e continuidade no tempo”. (NISBET in_ FORACHI, 1978, p. 255)

    Evidencia-se que o conceito de comunidade atende a necessidade de explicar o modelo de relação entre as pessoas existente até o momento histórico da revolução industrial, que gerou um processo de mudança que num primeiro momento rompe com as bases tradicionais de relacionamento conhecidos e vividos no âmbito da comunidade. Essa transformação de valores ocorre pela implantação dos ideais capitalistas no trabalho e pela formação do Estado - nação, onde, “entre tantas alterações, como as relações de vizinhança e compadrio, está a diminuição da importância do grau de parentesco entre as pessoas em relação às instituições e aos governos” (HOBSBAWN, 1995, p. 333). É o desenvolvimento do individualismo que move as esferas econômicas e sociais nas sociedades industriais, pondo fim à segurança do coletivo em prol da liberdade individual, onde as relações humanas são trocadas por relações quantificadas, subvertendo a ética, os valores e as normas tidos até então como universais. (UGARTE, 2005, p. 4)

    O valor da palavra perde espaço, dando vez aos contratos. Fazer parte e conhecer o cotidiano de amigos e parentes passa a ser considerado invasão de privacidade. O apoio que antes se encontrava no seio da comunidade desaparece e é transferido para a sociedade, para o Estado ou o patrão. Para Dubet (1994, p. 41) a sociedade faz oposição à comunidade e é o modo moderno de se viver em conjunto, conduzindo o homem, ao encontrar e participar dessa nova ordem de estrutura social, a não perceber que as mudanças não se limitam apenas à maneira de se relacionar com outras pessoas, mas também a alterações no modo com que o mesmo lida com o seu tempo diário e com seu corpo.

    Na realidade, a idéia de tempo conhecida, e vivida no seio da comunidade era resumida em dia e noite, ou ainda em estações do ano. Tudo era voltado para a colheita (CAMARGO, 1986), a distribuição do tempo, no decorrer do dia, pode-se considerar, acontecia de maneira natural. Os limites do corpo, do desejo e da necessidade natural do trabalho, era o que determinava o inicio e o fim das tarefas, bem como as pausas que seriam realizadas.

    Elias (1998), explica que nas sociedades mais simples, o código social não inclui grandes problemas com o tempo, mas à medida que aumenta a complexidade e a divisão de funções com a chegada da industrialização, concomitante ao aumento da necessidade de autodisciplina e do autocontrole, há necessidade de um controle do tempo, o relógio. (ELIAS, in:__UGARTE, 2005, p. 3)

    A Revolução Industrial trouxe para o homem uma carga muito grande de trabalho diário que era repetitivo além de exigir maior rapidez e sincronismo, o que causava uma fadiga mais acentuada do que a atividade artesanal ou agrícola. O homem rural tinha seu dia distribuído de acordo com suas necessidades, e sempre havia espaço para os momentos de descontração, seja em família ou com outras pessoas da mesma comunidade. Não existia a idéia de lazer, nem atividades direcionadas para o mesmo, o que existia era a compreensão da necessidade de um período de descanso e o desejo em participar dos costumes de seu grupo em momentos que diferem do trabalho ou que sejam para comemorar os resultados do trabalho. Na lógica de racionalização do tempo não havia um momento dedicado para o Lazer, esse era considerado desnecessário, pois era um tempo onde não haveria produção. Camargo (1986) aponta que as longas jornadas de trabalho deixavam o tempo apenas para o sono.

    Este fato provocou uma reação por parte dos operários, através de greves e reivindicações, o que levou a reflexões sobre trabalho e o tempo, com exigências de maiores períodos determinados para descanso, dentro do período determinado do dia, e diferente do período determinado para o trabalho. (CAMARGO, 1986, p. 33)

    Com a mobilização dos trabalhadores uma nova mudança em sua relação com o tempo de trabalho acontece, sendo que, agora, mesmo com as lutas e a conquista de um tempo maior, fora do trabalho, o homem, antes acostumado em locar seu descanso no momento em que fosse necessário, teria de adaptar-se ao momento que lhe era dado para isso. Esse tempo é conhecido como tempo liberado, que corresponde ao tempo que existe além das obrigações do trabalho.

    O conceito de Tempo Liberado é definido por Dumazedier (1975, p. 57) como tempo que não é dedicado ao trabalho, neste o trabalhador poderia cumprir algumas funções do ser humano como aprimoramento intelectual, artístico, social, familiar, religioso e político. Essa forma de ocupação do tempo teria como objetivo combater o ócio como um estado inerte, vazio. O indivíduo depois de todas as obrigações poderia usar este tempo de forma que preenchesse suas necessidades existenciais. Esse tempo, onde há a ausência de obrigações, não somente do trabalho, mas também políticas, religiosas, artísticas, escolares e familiares, foi apresentado por Dumazedier (1975, p. 58) como Tempo Livre, esse é produto do tempo liberado, inserindo nele o lazer.

    Dumazedier (1975) sugere em sua teoria que para o aparecimento do lazer duas condições se fizeram necessárias: uma datação do tempo livre, onde esse tempo livre saísse do conjunto das atividades rituais mágico-religiosas; e a outra condição diz respeito ao corte nítido entre as horas de trabalho e as horas de descanso, através de uma regulamentação da duração do ano de trabalho, com definição de final de semana, férias, aposentadoria,... Lazer pode ser compreendido como

    um conjunto de ocupações às quais o indivíduo pode entregar-se de livre vontade, seja para repousar, seja para divertir-se, recrear-se e entreter-se ou, ainda, para desenvolver sua informação ou formação desinteressada, sua participação social voluntária ou sua livre capacidade criadora, após livrar-se ou desembaraçar-se das obrigações profissionais, familiares e sociais. (DUMAZEDIER, 1979, p. 20).

    A conceituação de tempo liberado, livre e de lazer faz parte da transformação pela qual a sociedade passa com a revolução industrial. Porém as mudanças não se restringem a uma nova organização temporal da vida do trabalhador, mas também são alteradas as relações do homem com sua mão de obra e o produto produzido. Para Camargo (1986), a busca do melhor padrão de vida das cidades impunha um preço duro. Isso é facilmente compreendido quando observamos as linhas de montagem e as longas jornadas de trabalho que não obedecem à ordem natural de trabalho e repouso. Além disso, os gestos artificiais e repetitivos rompem com a relação de tempo e produto do trabalho, pois esse passou a ser fragmentado e de difícil compreensão. O trabalhador não é mais responsável pelo produto, mas sim por parte dele. Podemos sugerir que, em síntese, há um tempo natural, humano, uno, integral, do campo que a indústria opôs a um tempo artificial, alienado da produção, que não se integra nem à dinâmica familiar, torna-se difícil explicar para a família o trabalho que se executa.

    Trabalhar, antes da revolução industrial, tinha um significado que extrapolava os limites da produção. Na fase artesanal, a mão de obra buscava suprir apenas as necessidades, era um sistema de trocas das mercadorias, ou de produção interna do que era preciso na família e na comunidade. O ofício seja de artesão ou das técnicas para o trato com o campo nascia a partir das experiências acompanhadas através dos mais velhos. O filho de marceneiro observava e aprendia com o pai as técnicas que este provavelmente deve ter conhecido da mesma maneira.

    Esse conhecimento, que segundo Barata (2004) era um conhecimento do “fazer saber”, um modelo onde à experiência sobressai à teoria é característico de um período que perde espaço com as mudanças da modernidade. Em seu texto o autor ainda salienta que existia um saber das coisas, um saber cuja gramática não é regida por regras de comunicação verbal. Portanto, era base das maneiras de troca de informação e de inserção nas atividades cotidianas e utilitárias para a comunidade. O aprendizado era informal, pois acontecia no ambiente familiar.

    No mundo moderno, industrializado, os espaços privados da vida familiar deixam de ser valorizados como o lugar do aprender-fazer. O conhecimento é institucionalizado. O ofício deixa de ser aprendido prioritariamente através da prática, pois as habilidades passam a ser envolvidas por um conhecimento teórico. Barata (2004) afirma que essa relação entre o ofício e a aprendizagem é fruto do conhecimento do “saber fazer”, próprio do ideal de sociedade.

    No âmbito desse processo a racionalização do trabalho valoriza a competência, colocando a necessidade de obtenção dos resultados como oposição aos laços familiares, de parentesco, de vizinhança, onde o fazer passa a ser sistematizado. Esse é o marco de surgimento dos cursos técnicos e profissionalizantes, mas também de um novo paradigma: o corpo como maquina; e do esporte como espetáculo.

Corpo e atividade física: o esporte

    O esporte contemporâneo, conhecido e apreciado por milhões de pessoas, apresenta características distintas das conhecidas em suas raízes. Alterações que ao longo do tempo promoveram inúmeras transformações e tantas interpretações, indo das festividades gregas ao consumo em massa de um espetáculo esportivo.

    São diversos os estudos que indicam que o desenvolvimento do esporte moderno está atrelado ao crescimento do capitalismo e sua maneira de organização social, dessa forma

    o esporte moderno pode ser entendido como uma atividade corporal de movimento de caráter competitivo surgida no âmbito da cultura européia por volta do século XVII e XIX e que com esta expandiu-se para o resto do mundo... O esporte moderno é o resultado de um processo de modificação (eu diria de esportivização) de elementos da cultura corporal / movimento das classes populares da Inglaterra (...) e também de elementos da cultura corporal / movimento da nobreza inglesa. (...) sua expansão relaciona-se com o processo de industrialização e conseqüente urbanização das populações. (PILLATI; HIRATA, 1991, p. 2)

    No entanto, para compreender o esporte moderno e sua importância na sociedade industrial se faz necessário apresentar as mudanças de relacionamento do homem com seu corpo e desse com as atividades físicas, para que se tenha claro que o esporte nasce como um fruto da sociedade industrial, momento que o corpo passa a ser considerado uma construção social (FINCK, 1994).

    O conceito de corpo remete a questão da natureza e da cultura, e não apenas a uma entidade natural. Para Paim e Strey (2004),

    a nossa sensação física passa, obrigatoriamente, pelos significados e elaborações culturais que um determinado ambiente social nos dá. O significado de corpo varia de acordo com a sociedade, varia em função do estatuto do indivíduo naquele contexto. Desse modo, a aparente realidade imutável, que significa que todos os indivíduos têm corpo, deve ser pensada dentro de um contexto cultural específico. Assim o corpo, não fala por si próprio, se ele anuncia algo é aquilo que a própria cultura o autoriza a falar.

    Os indícios das atividades físicas ou de uso do corpo podem ser encontrados por todas as fases da construção de nossa sociedade atual. Albuquerque (2001, p. 2) afirma que as representações corporais que experimentamos hoje, e que tem para nós a força da natureza, foram gestadas apenas há quatro séculos, onde desde os desenhos encontrados nas cavernas, passando pelos textos de Homero, ou ainda marcando a história política romana, também em treinamento de cavalheiros para defenderem seus feudos, fazendo parte das transformações apresentadas por Norbert Elias em “O Processo Civilizador” ou ainda na construção da revolução industrial. Marques (1997) sugere que o corpo tem se forjado sempre na perspectiva da própria história da humanidade, onde cada grupo, religião, classe, família, cada momento histórico da vida do Homem, esteve sujeito às interpretações do corpo, bem como sua utilidade, funcionalidade e existencialidade. Para Daólio (1995), no corpo estão inscritas todas as regras, todas as normas e todos os valores de uma sociedade específica, por ser ele o meio de contato primário do indivíduo com o ambiente que o cerca. Dessa forma, Marcel Mauss (1974) evidencia que toda a sociedade, em qualquer tempo e em qualquer lugar, sempre desenvolveu modos eficazes e conseqüentemente tradicionais de trabalhar o corpo do ser humano, em virtude de necessidades emergentes do corpo social. Desde a educação dos sentidos até as técnicas simbólicas, o corpo sempre foi alvo de manipulações físicas e simbólicas no interior das sociedades “na intenção de adestrar os indivíduos através da socialização a partir de processos de aprendizagem prática moral impostos pelo regime moderno de poder” (FOUCAULT, 1987).

    No período marcado pela Revolução Industrial, a Modernidade, o corpo passa ser objeto de um novo sistema, alvo de transformações e controles na intenção da produção fabril. As formas de uso do corpo na modernidade foi muito trabalhada por Foucault, e o autor se concentrou nos estudos de poder datados do final do século XVIII até o século XX e entendeu que a disciplina como técnica de poder e controle do corpo é fenômeno típico da Idade Moderna, decorrente da industrialização e do capitalismo emergente. Para Foucault (1987), o poder tem eficácia produtiva e isso explica seu alvo, o corpo, mas não para censurá-lo, reprimi-lo ou adestrá-lo, pois não se explica o poder apenas pelo seu potencial repressivo, mas pelo seu interesse em gerir a vida humana, isto é, controlar a vida humana no sentido de maximizar seu potencial e aperfeiçoar sua capacidade. Os conceitos e categorias de Foucault partem da modernidade onde o mesmo apontou para a disciplina como instrumento da docilização do corpo e entendeu que a disciplina é técnica de poder, no entanto, ela está na instituição como instrumento que permite o controle minucioso do corpo e lhe impõe a relação de docilidade-utilidade (FOUCAULT, 1984).

    Essa manipulação do corpo visa à disciplina fabril que o homem necessita para adaptar-se à realidade de produção da indústria e do capitalismo. Esse fenômeno é decorrente da explosão demográfica do século XVIII e da necessidade de utilização racional, intensa, máxima, em termos econômicos desses corpos à disposição do capitalismo (RODRIGUES, 2006)

    O corpo, (MARQUES, 1997), transforma-se em um objeto de uso, um utensílio, uma ferramenta a ser utilizada segundo os interesses econômicos, sociais, políticos e ideológicos da classe dominante, (MARQUES, 1997) e a característica competitiva da modernidade unida aos novos interesses de uso do corpo abre campo para o desenvolvimento de atividades que privilegiassem a concorrência entre as pessoas, esses fenômenos modernos penetram no universo das atividades físicas, transformando seu universo.

    Emerge no seio da modernidade um novo conceito para as atividades físicas, o Esporte, diferente dos conceitos e funções da competição que se conhecia até então. Pilatti (1994) diz que é um equivoco vincular ou correlacionar à história do esporte moderno com a Grécia antiga, sendo que na verdade este período é marcado pela origem de atividades físicas similares aos movimentos também utilizados no esporte moderno. O esporte marca o distanciamento das atividades físicas do que chamou Helal de reino lúdico (HELAL, 1990). As atividades passam por um processo de secularização e racionalização, fenômenos típicos da modernidade,

    que foram levados para dentro do universo esportivo, assim, podem ser considerados fenômenos conjunturais, provenientes de determinadas circunstancias, próprios de uma época. E eles caracterizam um lado do esporte moderno, justamente o lado que o diferencia do esporte de outras épocas. (HELAL, 1990, p. 61)

    Dessa forma trata-se de estabelecer um novo ponto de referencia que envolve a transformação do corpo na modernidade. O questionamento que prevalece fica por conta de conceituar as atividades existentes antes do esporte moderno. São essas as atividades que ainda trazem consigo uma cultura própria, ancestral, trazida pelos grupos, e que apesar de serem domínio público e estar presente em varias regiões, encontramos regras e maneiras distintas de vivenciá-las. Estas atividades corporais conceituam-se como “Jogo” (HELAL, 1990), e esses nasceram com um caráter religioso e lúdico.

    Os jogos num primeiro momento de sua existência, foram marcados pelas festividades, sejam elas de fundo ritual, religioso, recreativo, etc. Mas com o tempo esses passaram a ser influenciados pelas condições históricas e sociais, ganhando novos significado e função. Entretanto, ao serem submetidos a regras específicas, universais, irredutíveis a qualquer necessidade funcional para sua prática, os jogos deixaram de fazer parte de um calendário coletivo - antes relacionado com o período de colheita ou de adoração aos santos - para estarem inseridos num calendário próprio, diferente, não somente no tempo, mas também na relação do homem com seu empenho e participação, passando para um modelo denominado de esporte, que reproduz em suas ações e objetivos os ideais da nova sociedade industrial e capitalista

    O tempo do esporte tem relação com produção e trabalho, é o profissionalismo esportivo. A performance do atleta esta condicionada com um maior numero de horas dedicadas ao treinamento (tempo). Podemos identificar a relação entre produção (performance) e tempo (treinamento) e dinheiro (trabalho) no esporte moderno. (FINCK, 1994, p. 44). O jogo praticado (ferramentas) em séculos anteriores veio sofrendo transformações, surgindo o “esporte moderno” (maquina), vivenciado e consumido por todos, gerando a “indústria do esporte”. (MADRID, 1994). Nesse sentido, constitui-se um campo esportivo, proveniente de uma ruptura (progressiva ou não) das atividades ancestrais (jogos) até se constituir num campo de praticas específicas com lutas próprias, onde se coloca e investe toda uma cultura ou uma competência especifica. (PILATI, 1994). Com isso modernamente o esporte se afirma como conjunto de normas restritas, cada vez mais especificas, racionalizadas e pautadas pela disciplina e obediência as regras codificadas para cada modalidade. O seu sentido moderno o mostra como parte das necessidades geradas pelo modo de produção capitalista. (PINTO, 1996, p.175). É possível identificar relações entre esporte, trabalho e produção, ao tomarmos por base as teorias citadas por Lenk, que são de adaptação e compensação.

    A primeira relaciona esporte e trabalho, isto é, o esporte seria um meio de adaptar o indivíduo ao mundo do trabalho, exercitando-o através do esporte para que posteriormente possa desempenhar produtivamente sua função como trabalhador. Na teoria da compensação o esporte cumpriria entre outras, as funções de: suprir, enriquecer, identificar, integrar e libertar o individuo. O mundo do esporte seria uma reprodução do mundo industrial, onde o indivíduo superaria dificuldades. Em outras palavras, o esporte serviria para moldar o homem para o trabalho, para uma produção maior, o tempo utilizado na pratica do esporte seria um investimento, que lhe proporcionaria um treinamento e uma compensação para desempenhar melhor o seu trabalho. (FINK, 1994, p. 45)

    No Brasil, o esporte é organizado e difundido através da instituição clubística (RODRIGUES, 1994), esses são formados por influência dos Ingleses que chegaram ao país a partir da expansão da malha ferroviária e de fabricas de tecelagem. Após esse primeiro momento Pinto (1996) afirma que

    como pratica social integrada aos interesses dos governantes em expandir o capitalismo, o esporte passou a se destacar em nosso país tendo seu desenvolvimento motivado por transformações econômicas, sociais, investimentos em novas tecnologias associadas ao desempenho físico, criação de cursos de pós-graduação em Educação Física e formação de profissionais da área no exterior. (PINTO, 1996, 178)

    Em sua função e inserção o esporte pode ser conceituado de acordo com sua dimensão social, como sugere Tubino (1992, p. 7), compreendido sob três dimensões sociais: o esporte-educação, o esporte-performance ou de rendimento e o esporte-participação ou popular. Resumidamente, pode-se considerar que o esporte-educação está vinculado a três questões pedagógicas importantes: a integração social; o desenvolvimento psicomotor e as atividades físicas educativas. Quanto ao esporte performance ou de rendimento, considera-se que os seus praticantes são talentos esportivos e dedicam parte de sua vida à profissionalização. Já o esporte participação ou popular, nasceu efetivamente nos grupos e nas comunidades, sendo considerado uma modalidade de lazer - o seu caráter desinteressado favorece os princípios básicos do prazer, da descontração, da diversão e do bem-estar de todos praticantes.

    O esporte participação é o que pode ser considerado como mais antigo, devido sua natureza de formação, tendo sido consolidado após a revolução industrial e utilizado, como apresentado anteriormente, para envolver os trabalhadores em atividades que reproduzissem os valores do novo sistema de organização social e econômico, além de promover atividades que auxiliassem na capacitação física do trabalhador para a jornada de trabalho. As outras duas manifestações (educação e performance) são variações evolutivas do esporte participação. Sobre o assunto, Goellner (2005) discursa sobre esta, apontando as seguintes particularidades...vale ressaltar que o esporte que hoje vivenciamos é aquele que se consolida no fim do século XIX e início do XX e que se traduz como signo de uma sociedade que enaltece os desafios, as conquistas, as vitórias, o esforço individual. É o “esporte moderno”, que se origina no século XVIII e se expressa nas public schools inglesas, espaço de construção dos corpos e dos valores burgueses. O esporte que passa a ser ensinado consoante as regras sociais e morais daquele tempo e que, ao modificar alguns dos antigos jogos populares, impõe a necessidade de uma educação do corpo e do espírito dos jovens de forma a despertar lideranças e a personificar, em carne e osso, os ideais representativos de um grupo social específico. (GOELLNER, 2005, p. 3)

    Dessa forma o esporte moderno aparece vinculado à estrutura de uma sociedade industrial que tem na sua eficácia e eficiência as referências de um novo paradigma. No âmbito desse contexto o esporte participação aparece de maneira privilegiada vinculado ao tempo livre, bem como pode ser considerado como aquele que também reproduz os valores do novo sistema de organização social e econômico, visando desenvolver atividades que auxiliassem na capacitação física do trabalhador.

Rio Claro, CPEF e o tempo livre do trabalhador

    O Município de Rio Claro é fundado em 1845, fruto de uma vila originada da passagem de tropeiros que iam a Minas Gerais a procura de ouro. O desenvolvimento socioeconômico da cidade está diretamente ligado a expansão das lavouras do café no interior do Estado de São Paulo, onde o transporte era um constante problema para os produtores devido os grandes custos, sendo que o café percorria todo o caminho com suas sacas amarradas no lobo de mulas, passando pelas estradas precárias, o que ocasionava grande perda da produção pelo caminho, pois o café demorava entre 10 e 15 dias para ir de Rio Claro ao porto de Santos (SANTOS, 2002).

    Quanto mais se interiorizava a produção, isto é, quanto mais se expandia à fronteira agrícola do café, os custos elevados se constituíam num freio natural ao processo de acumulação. A implantação de um sistema ferroviário se fazia necessário para que se tornasse a produção economicamente vantajosa. Nesse contexto, a ferrovia apresentava-se como a única resposta ao grave problema de escoamento da produção cafeeira do oeste paulista, principalmente para São João do Rio Claro e municípios vizinhos, localizado no sertão cafeicultor. (GARCIA, 2001, p. 141)

    Os trilhos da CPEF chegaram a Rio Claro em 11 de agosto de 1876 (DINIZ, 1973), como um prolongamento da via férrea que unia Jundiaí á Campinas. Rio Claro permaneceu como ponta de trilho da Paulista até 1884, quando, por dificuldades de escoamento da produção do café de regiões mais ao interior do Estado, é criada em 15 de outubro de 1884 a Companhia Rio Claro de Estrada de Ferro (GARCIA, 2001, p. 145), que ligava Rio Claro até a cidade de São Carlos, um empreendimento sem subvenção governamental, realizado apenas com investimento dos grandes Barões do café, o que a diferenciava de todas as ferrovias do país, dando uma medida de desenvolvimento e concentração de riqueza na região, como apontado por Diniz (1973) em seu trabalho.

    A chegada da estrada de ferro, logo em seu início, promove um aumento significativo no número de moradores no perímetro urbano da cidade (BILAC, 1978). Era preciso mão de obra para a construção da linha férrea e posteriormente para sua manutenção, além dos novos trabalho com cargas e transporte de passageiros. Porém as maiores alterações ocorrem a partir de 1882, quando se instalam no município de Rio Claro as oficinas de reparação e montagem dos comboios CPEF. A instalação das oficinas permitiu uma diversificação funcional do núcleo urbano (BILAC, 1978), promovendo os primeiros traços de um sistema de organização baseado nos laços de associação, em substituição ao modelo rural, firmado nos laços de comunidade.

    Esse “novo morador da cidade” encontra trabalho com o ofício que aprendeu dentro de seus laços familiares. Graças a seus conhecimentos, como por exemplo, com ferramentas e marcenaria, as famílias eram sustentadas a partir de trabalhos com pequenos reparos de portas, telhados, janelas,... Porém, o dinheiro ganho era pouco, o que fazia os pais encaminhar seus filhos para um emprego na ferrovia, para Tenca,

    não se ganhava bem, mas para uma cidade sem empregos, a Paulista era um porto seguro. E ela, a empresa, não fechou os olhos para isso. Ao contrário, fez disso um de seus esteios, talvez o mais forte, de sustentação de sua estrutura de organização e controle do trabalho: a Paulista tornara-se uma grande família. (TENCA, 2002, p. 245)

    Fazer da empresa uma grande família ajudava os trabalhadores a conviver melhor com o dia a dia, onde as relações entre as pessoas, antes valorizadas por seu grau de parentesco ou atuação na comunidade, perdem espaço para um processo alienante de trabalho que conduz ao crescente individualismo, característico dos laços de sociedade. A CPEF construiria sua própria comunidade, ou seja, oferece a seu trabalhador todas a possibilidades de relações de uma comunidade. Na verdade, como Rago e Moreira (1992, apud GARCIA) afirmam, essas concessões fazem parte de um controle dos passos do trabalhador, unindo a estes benefícios à idéia de que trabalhadores e patrões fazem parte da mesma comunidade, lutando por interesses comuns.

    Esta atitude estendia o controle da fábrica ao tempo liberado dos trabalhadores, onde a empresa assume características paternalistas, dando a seus funcionários, a impressão da organização de uma comunidade privilegiada, pois uma das preocupações da CPEF era desenvolver entre os funcionários, formas de cultura e de lazer. As atuações da CPEF, como afirma Garcia (1992), eram através do cineminha da paulista, do teatro ferroviário e do Grêmio Recreativo dos Funcionários da Companhia Paulista de estradas de Ferro de Rio Claro (GRECPEF). Essa atitude contribuía para incutir nos funcionários princípios de organização racional do trabalho, oposto ao modelo de produção artesanal da comunidade.

    Outro ponto importante é quanto à jornada de trabalho. Na CPEF essa era extensa, o tempo de trabalho ultrapassava às duzentas horas mensais obrigatórias, o que resultava em uma jornada mínima de oito horas, incluindo os sábados, como afirma Tenca (2002 p. 259). Essa extensão da jornada de trabalho unida às raras oportunidades de lazer encontradas na cidade de Rio Claro no final do século XIX, fizeram com que a Paulista apoiasse seus funcionários na formação de um Grêmio Recreativo, o que levaria seus funcionários a partilharem do mesmo ambiente, mesmo fora do horário de trabalho, buscando fortalecer os laços da grande família. O clube é criado em uma época que as grandes instituições voltadas para o lazer da classe trabalhadora ainda não haviam sido criadas no Brasil. O SESC e o SESI datam de 1946, o Grêmio data do final do século XIX.

    O GRECPEF foi e é um projeto que mobilizou o alto escalão da CPEF desde o momento de sua fundação, datada em 05 de Agosto de 1886, como afirma Garcia (1992).

    Sua criação recebeu todo o apoio das oficinas, no que diz respeito à construção, mão de obra, material, etc. Ele foi construído pelos ferroviários e era mantido pelos seus associados, que também eram exclusivamente ferroviários. Sua diretoria composta por funcionários da administração da CPEF. (GARCIA, 1992, p. 180)

Considerações finais

    Uma mudança na sociedade compreende uma mudança de valores. A passagem para o modo de produção Industrial foi determinante para o desenvolvimento urbano em detrimento do setor agrário, momento que marca a separação do trabalho e não trabalho, ambos tendo o "tempo" como principal relação para sua existência. São essas transformações que propiciam a delimitação das atividades de tempo liberado.

    No tempo liberado, como apontou Dumazedier (1975), estão compreendidas atividades que não fazem parte do tempo de trabalho, produtivo e racionalizado pela cultura industrial. Esse tempo, liberado, é destinado para que sejam cumpridas outras obrigações que antes do processo de Revolução Industrial já faziam parte do cotidiano da vida na comunidade. São atividades sociais, religiosas, políticas e familiares, que antes da divisão temporal evidenciada pela modernidade misturavam-se com o tempo de trabalho, haja vista que este era determinado por ciclos e ritmos naturais.

    O modelo de organização social moderno, conhecido como "sociedade", não apenas limita o tempo de trabalho e o tempo destinado para outras obrigações, mas também abre espaço para o desenvolvimento de um novo momento, um outro tempo, diferente dos outros, caracterizado pelo descompromisso, conhecido como tempo livre, e nele estão inseridas as atividades de lazer.

    Na modernidade os "momentos livres", mesmo pertencendo ao trabalhador, são determinados pela relação capital-capitalismo. Novos valores começam a se estabelecer entre trabalho e tempo livre do trabalho. As atividades são sistematizadas e trazem em seu interior valores que reproduzem os modelos de produção. Isso faz com que as empresas comecem a oferecer a seus funcionários formas para fazer uso de seu tempo livre.

    No Município de Rio Claro esse quadro teórico, representativo das mudanças de valores da modernidade, encontra fundamento no âmbito da relação entre a Companhia Paulista de Estradas de Ferro (CPEF) e a cidade. Os trilhos da ferrovia marcam o início da urbanização e da produção fabril, dando base para as alterações na organização social e de relacionamento dos trabalhadores com seu tempo. A população rio-clarense vai, aos poucos, se tornando parte da CPEF, a maior empregadora do Município, e a empresa aproveita essa dependência para construir o que Tenca (2002) chamou de "família ferroviários”, unindo parentes, amigos, e até mesmo desconhecidos, em um único laço, criando assim a sua própria comunidade, uma característica tão forte que marca gerações de trabalhadores ferroviários da cidade. Para promover essa inter-relação entre os funcionários e seus familiares a CPEF promovia piqueniques, seções de cinema e implantou uma cooperativa. No entanto, o principal meio para essa interação foi provavelmente o Grêmio Recreativo dos Empregados da Companhia Paulista de Estradas de Ferro (GRECPEF), sendo que esse unia os trabalhadores não somente em atividades de lazer, mas também em sua construção predial. Pode-se sugerir que esse envolvimento fez com que o trabalhador da CPEF não se limitasse a sentir-se satisfeito pela empresa lhe proporcionar um espaço de social de lazer, mas também faz com que esse se sinta importante e de certa forma proprietário do local, sendo que em suas horas livres ajudava a erguer as paredes do clube.

    Ao longo de seus 112 anos o clube permanece com raízes ferroviárias, sendo um ponto de encontro para gerações de trabalhadores da CPEF e da FEPASA, mas desde os anos de 1960 o crescente número de associados que não tem relação com a ferrovia ganha espaço e leva para outros lugares do Município rastros da cultura "Gremista" (como é conhecido o associado do clube). Esse fato atual agregado à construção histórica da sociedade rio-clarense sugere que o GRECPEF tem significativa importância e influencia na construção de uma cultura de tempo livre em Rio Claro.

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