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Argumentos em favor da pedagogia do esporte:

implicações para a prática pedagógica

 

*Graduada em Educação Física

Universidade Adventista de São Paulo – UNASP Campus Hortolândia/IASP

Faculdade Adventista de Educação Física – FAEF

**Especialista em Pedagogia do Esporte Escolar

Universidade Adventista de São Paulo – UNASP Campus Hortolândia

Professor da Faculdade Adventista de Educação Física – FAEF

Coordenador da Área de Educação Física Escolar – IASP

***Doutor em Educação Física

Universidade Adventista de São Paulo – UNASP Campus Hortolândia/IASP

Professor da Faculdade Adventista de Educação Física – FAEF

Coordenador Pedagógico do Projeto Campus-Pelé e do Paulínia F.C.

Pró-reitor Acadêmico da Universidade do Futebol

Talita Piccinato Perez*

tltpp@hotmail.com

Riller Silva Reverdito**

riller.reverdito@unasp.edu.br

Alcides José Scaglia***

ascaglia@terra.com.br

 

 

 

Resumo

          A Pedagogia do Esporte nesse início de século XXI tem recebido a contribuição de diferentes autores, instigados pelo status de fenômeno sócio-cultural alcançado pelo esporte e o desafio de sustentarem uma abordagem inovadora, capaz de romper com os modelos tradicionais e apresentar parâmetros que sejam suficientes para sustentar uma prática educativa mediada por implicações e condutas pedagógicas. O objetivo desse estudo é apresentar argumentos em favor de uma pedagogia do esporte comprometida com o sujeito às implicações pedagógicas para o ensino do esporte, onde o professor assuma as responsabilidades hodiernas para a prática educativa. O estudo aconteceu metodologicamente sobre os fundamentos da investigação bibliográfica de revisão, onde buscamos verificar a contribuição de diferentes autores, para então defendermos uma concepção orientada para a formação do sujeito e o caráter educativo por excelência do esporte. Desse modo, defendemos o processo de ensino e aprendizagem no esporte, facilitado pelo seu caráter educativo por excelência, priorizando o despertar no ser humano da sua condição mais humana, autônoma e critica. Ao professor, cabe a responsabilidade de mediador, na interação entre o agente a ser transformado (aluno) e o agente facilitador de uma ambiente propicio para a transformação, em uma via ininterrupta em direção ao conhecimento.

          Unitermos: Pedagogia do esporte. Jogo. Prática pedagógica. Educação Física.

 

Abstract

          Sport Pedagogy in beginning 19TH century has received contribution of different authors, instigated for the status of partner-cultural phenomenon reached for sport and the challenge to sustain innovative approach, be cable to break with traditional models and shows parameters that be enough to sustain an educative practice mediated for pedagogical implications and behaviors. The objective of this study is to present arguments in favor a sport pedagogy compromised with the citizen to pedagogical implications for the sport learning, where the teacher accepts the responsibilities for the educative practice. The study happened methodologically about the bases of the review bibliographic research, where we search to verify the contribution of different authors, for this to defend a conception oriented to citizen formation and the educative character of the sport. In this way, we defend the teaching and learning process in the sport facilitated to its educative character, prioritizing to awake in man its condition more human, autonomous and critical. For the teacher, the mediator responsibility, in the interaction between the agent to be transformed (student) and facilitated agent of a propitious environment to transformation, in the way uninterrupted in direction to the knowledge.

          Keywords: Sport pedagogy. Game. Pedagogic practice. Physical Education.

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 13 - N° 125 - Octubre de 2008

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Introdução

    A Pedagogia do Esporte na atualidade vêm sendo amplamente estudada, sempre com o intuito de valorizar e resgatar o Homem como ser sócio-cultural, trazendo significados e re-significados, quando Reverdito (2005) nos afirma a importância da prática esportiva como facilitadora no processo ensino-aprendizagem e seu caráter educativo.

    A evolução do fenômeno esportivo aconteceu rapidamente, contando com colaboradores de vários ramos da ciência, nas quais podemos citar: a bioquímica, a biomecânica mecânica do movimento e a cinesiologia, fisiologia do exercício no estudo das alterações orgânicas decorrentes de uma atividade física especifica, com o objetivo de aumentar a eficiência de quem participa efetivamente da prática esportiva. Dentre as diversas disciplinas das Ciências do Esporte, a pedagogia do esporte tem uma contribuição irrefutável. (PAES, 2006).

    Mesmo com os avanços significativos dessa área e destacando a sua contribuição irrefutável, muito ainda se faz necessário para começarmos a desvendar uma pedagogia do esporte comprometida com a prática pedagógica. Dois fatores contribuiriam significativamente para que a prática pedagógica permanecesse marginalizada no esporte: a) os professores incumbidos de ensinar esportes não acreditavam suficientemente que esporte se ensina, pautando-se em idéias instrumentalistas e inatistas, onde a habilidade para praticar alguma modalidade esportiva é herdada por alguns poucos privilegiados; b) distância exorbitante entre o que os professores acreditam estar ensinando e como estão ensinando, devido à insuficiente compreensão das implicações próprias que cercam o ato de ensinar. (SCAGLIA, 1999; REVERDITO, 2005; REVERDITO; SCAGLIA, 2006).

    Desse modo, através de um estudo de revisão bibliográfica, certos da contribuição do esporte enquanto facilitador decisivo para a construção da humanitute, o que não poderá acontecer desprovida de responsabilidades, pois se trata da formação do sujeito, levantamos argumentos em favor de uma pedagogia do esporte orientada por princípios e condutas pedagógicas às implicações pedagógicas para o ensino dos esportes.

Argumentos em favor de uma pedagogia do esporte

    Quando se inicia uma discussão em pedagogia do esporte, autores como Freire (2003), Nista-Piccolo (2003), Mesquita (2004), Graça e Mesquita (2006), Paes (2006), Scaglia (2007), dentre outros, encontramos um significativo esforço dedicado a uma pedagogia preocupada com a formação do indivíduo na sua totalidade, crítica e autônoma.

    Encontramos no século XXI muitas abordagens, das quais já foram construídas, desconstruídas, e reconstruídas, como nos mostra Reverdito (2005), sempre com intuito de solucionar erros, procurar verdades e acima de tudo, a de revolucionar paradigmas na busca incessante por uma proposta inovadora, que segundo Scaglia e Souza (2004), sejam capazes de romper o reducionismo paradigmático do tecnicismo.

    A pedagogia do esporte por muito tempo esteve a serviço de uma abordagem tecnicista, que prioriza a construção de um indivíduo preparado para executar movimentos pré-determinados para então, posteriormente, automatizá-los, separando o ensino da técnica do contexto do jogo. Por conseguinte, formando jogadores pouco criativos, apresentando um reduzido conhecimento em ações que exijam tomadas de decisões frente a situações imprevisíveis e aleatórias, de acordo com Garganta (1995), Scaglia e Souza (2004).

    Segundo Paes (2006) e Scaglia (2003), a evolução do esporte sugere uma prática pedagógica que priorize, além dos métodos e procedimentos, a preocupação com quem faz o gesto, estimulando-o a identificar e resolver problemas e ainda proporcionando a criação de novos gestos. Para estes autores, os jogos que hoje conhecemos, foram criações da humanidade, que ao longo de sua historicidade, suas transformações, chegaram-se as modalidades esportivas que hoje são consideradas institucionalizadas.

    O Homem vem se utilizando da necessidade de aprender desde os tempos mais remotos, pois para sobreviver às adversidades impostas no seu cotidiano foi sempre necessário se adaptar, criar e aprender para preservar sua espécie, por exemplo, tiveram que aprender a caçar, conhecer as plantas, frutos e raízes para o seu sustento, aprendeu a transformar materiais que dispunham, como pedras e madeira para criar armas para a caça, utensílios para comer e roupas para se proteger do frio, aprendeu a criar estratégias para fugir de possíveis predadores e se utilizou de animais que ele próprio domesticou para ajudar na proteção e na caça. (FREIRE, 2003).

    Como podemos observar, não nos foi resignada nenhuma habilidade em especial, como a velocidade da chita, ou a visão aguçada de uma águia, porém nos foi concedido o maior dom, que é a capacidade de aprender, como nos faz refletir as palavras de João Batista Freire:

    Tornou-se, essa criatura humana, por excelência, um aprendiz. E foi assim, com essa preocupação de ter que aprender a cada momento para garantir sua permanência neste mundo, que surgiu a pedagogia, a técnica e a arte de aprender e de ensinar, que leva cada criatura humana a transformar e transformar-se permanentemente. (FREIRE, 2003, p. 7).

    Na ânsia em privilegiar a aprendizagem, baseada em uma concepção de transmissão de conteúdos, os professores esqueceram-se de que continuam a aprender. Tornaram-se audaciosos suficientes, a ponto de pensarem que tudo sabiam. Conseqüentemente, os levou a cometer erros sobre o modo de ensinar. Nessa concepção, foi tirada dos aprendizes a possibilidade de aprender por suas próprias vivências, delimitando-os assim ao reducionismo de apenas reproduzir aprendizagens já testadas, sem a possibilidade de criar e recriar.

    Foi-nos tirada à condição e a capacidade de seres inteligíveis para a de seres condicionados a soluções pré-determinadas. Corroborando com Freire (2003), para que possamos proporcionar aos novos aprendizes a arte de aprender, sem depender única e exclusivamente do ser ensinante, uma vez que ele próprio também será um eterno aprendiz, devemos assumir a condição de agentes que irão ajudar a aprender. Dessa forma, de acordo com Freire (1996, p. 25) “quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender”.

    Assumindo assim, o compromisso para com os educandos de agentes facilitadores, instigadores e indagadores, de seu processo de aprendizagem e vivência esportiva. Para isso, são necessárias estratégias que possibilitem ao aluno uma vivência mais contextualizada, aproximando-o ao máximo da realidade do jogo, fazendo com que ele perceba e compreenda sua lógica complexa e, por conseguinte, aumente seu repertório de respostas em situações de problemas existentes no jogo.

    Estamos longe de sermos detentores de todo o conhecimento, o que nos possibilita crescermos juntos com nossos educandos, exercendo assim a condição única de seres humanos; seres inteligentes, capazes de criar, reinventar e re-significar diferentes jogos/esportes. Afinal, graças a essa liberdade de re-significar, através dos jogos, a humanidade pode recriar, do futebol, o futvolei, do vôlei, o vôlei de areia, do basquete, o basquete de rua, dentre outras variações.

    Podemos fazer menção a profissionais que não se deixaram aprisionar pela forma mecanicista e limitadora, na qual estamos sendo expostos por um grande período da história, deixando acesa dentro delas a curiosidade e o inconformismo, na busca por novos meios e transformações na prática de jogos/esporte. (FREIRE, 1996).

    Como exemplo, fazemos referência, aos praticantes e profissionais que vêm se dedicando à tarefa de transformar, adaptar e reinventar os jogos/esportes, proporcionando sua prática à população com limitação física ou mental, como é o caso do basquete para cadeirantes, futebol para cegos, natação e atletismo para as mais diversas limitações, vôlei para amputados e tantas outras adaptações, que podemos ver acontecer em sua forma mais plena no para-panamericanos, que aconteceu no Rio de Janeiro em 2007. Não encontramos melhor forma de representar a essência das propostas inovadoras, a determinação de profissionais e praticantes por inovar a forma de se ensinar e praticar os jogos\esportes.

    Estamos ainda colhendo frutos de anos de um ensino voltado para a simplória transmissão de conhecimento, sem considerar todo um contexto histórico dos educandos, fazendo com que a mudança desses conceitos seja um grande conflito por quem ingressa na carreira acadêmica, que visa romper com os paradigmas cartesianos, que a abordagem tecnicista foi construída (SCAGLIA; SOUZA, 2004).

Dentre os principais problemas, destaca o fato de que aqueles que estão labutando para romper com o modelo tradicional, foram formados nele.

    Partindo das questões levantadas, já podemos visualizar e adentrar ao desafio de superar os paradigmas reducionistas propostos para o ensino dos esportes, o qual ressalta e nega a capacidade inteligível do ser humano de se adaptar/aprendizagem, frente aos problemas que se apresentam em seu contexto.

A pedagogia do esporte que defendemos

    A pedagogia que defendemos é aquela em que a preocupação central seja com quem executa o gesto. Uma pedagogia orientada para além da simples condução ao saber, onde se valoriza a interação entre aluno-professor, em que, segundo Paulo Freire (1996, p. 25), o “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção”.

    O professor no processo ensino-aprendizagem deverá assumir o papel de agente mediador e incentivador na busca do saber. A função do professor, longe de ser o único detentor das tarefas de ensino, deverá estimular os alunos a buscarem outras fontes para aprendizagem, fazendo com que encontrem soluções próprias para problemas contextualizados. (GRAÇA; MESQUITA, 2006).

    E mais que isso, de acordo com Nista-Piccolo (2003), devemos considerar que antes da prática esportiva propriamente dita, devemos priorizar os direitos da criança de primeiramente brincar, e na nossa ambição, mais do que tudo, brincar de praticar esportes, já que nessa perspectiva, nossa preocupação central será educar o sujeito em sua forma mais plena.

    Para podermos compreender um pouco essa concepção de pedagogia do esporte, cuja preocupação esteja centrada na formação do indivíduo que joga, considerando o esporte educativo por excelência, quando entre outras coisas, conforme Jorge Olimpio Bento (1991) apud Scaglia e Souza (2004, p. 3):

  • proporciona obstáculos, exigências, desafios para se experimentar, observando regras e lidando corretamente com os outros;

  • quando cada um rende mais, se esforçando muito, sem nunca sentir isto como uma obrigação imposta exteriormente;

    E ainda podemos acrescentar a essa concepção, as palavras de Nista-Piccolo (2003, p. 11), nas quais ela ressalta que:

    Ensinar a praticar esporte é preparar o aluno para executar determinadas habilidades por meio da descoberta do prazer de se exercitar. E conscientizá-lo de suas capacidades e limitações. E mostrar diferentes maneiras de aprender um movimento. A ludicidade da proposta pode ser o caminho dessa conscientização.

    Nesse universo a autora ressalta o árduo trabalho do atleta, que mesmo treinando um determinado esporte, no qual lhe é proporcionado momentos de glória, precisando ultrapassar os limites de seu corpo, devemos ser capazes de fazer que com que esses atletas possam sentir o prazer, sensação de alegria em estar buscando o seu máximo, levando-o ao pleno sucesso.

    Tendo em vista essa perspectiva, professores e técnicos não poderão se reduzir à condição de meros animadores ou reprodutores de modelos de práticas esportivas, uma vez que seu papel é de extrema importância ao praticante que inicia um determinado esporte. A aplicação errônea de uma proposta poderá condená-lo a desmotivação, impedindo-o de enxergar seu potencial, levando até a sua própria desistência. Assim, praticantes e espectadores não poderão ser apenas consumidores passivos, mas sujeitos conscientes de sua condição, reflexivos e críticos. (SCAGLIA, 1999; REVERDITO, 2005).

    Ocasionalmente encontramos profissionais desmotivando crianças a prática de determinado esporte, em função de suas características antropométricas e até mesmo culturais, rotulando a criança de que ela não é capaz de aprender, colocando a culpa no biótipo ou na velha história que se tem de nascer com o “dom”. Longe da conclusão de que alguém é incapaz de aprender, nos deparamos com conclusões inatistas e achismos, revelando a incompetência de ensinar quando diz que aquela criança é incapaz de aprender determinadas especificidades, características dessa ou daquela modalidade. (REVERDITO; SCAGLIA, 2007a).

    A culpa de mal profissional é transferida para aquela (criança) que poderia ampliar imensamente seu repertório motor e as respostas para situações problemas. Deixa-se de lado a proposta de se educar o indivíduo por inteiro e na sua plenitude por meio de desculpas como, por exemplo, você é grande demais para praticar ginástica olímpica, ou pequena demais para o vôlei ou basquete. Privando aquela criança de experenciar outras práticas e porque não dizer, de estar ‘jogando um balde de água fria’ na animação de uma criança que inicia na prática esportiva.

    Acreditamos em uma prática esportiva mediada pela ação do agente pedagógico, como facilitadora de cidadãos melhores, acrescentando ainda, cidadãos autônomos, capazes de refletirem e transformarem sua prática esportiva, deixando de serem meros repetidores. (SCAGLIA; SOUZA, 2004; REVERDITO, 2005).

    [...] em todo momento em que uma prática pedagógica estiver promovendo o desenvolvimento esportivo, que contemple a generosidade e o respeito às regras e adversários, além da tomada de consciência sobre a prática do esporte e sua ideologia, o esporte se mostrar-se a educativo. (SCAGLIA; SOUZA, 2004, p. 4).

    Paes (2006) destaca que o campo de estudo e de aplicação em pedagogia do esporte, se demonstra fértil e preparado para mais pesquisas e novas propostas. E mais que isso, corroborando com as palavras de Freire (1996, p. 28), para essa vontade de contínuo aprimoramento não cessar devemos manter “... vivo em nós o gosto da rebeldia que, aguçando nossa curiosidade e estimulando sua capacidade de arriscar-se, de aventurar-se, de certa forma nos ‘imuniza’ contra o poder apassivador do “bancarismo”.

    Rebeldia essa que tem como força criadora o aprender. E para aprender, segundo Freire (1996, p. 28), é necessário que se faça parte a comparação, a repetição, a constatação, a dúvida rebelde, as curiosidades não facilmente satisfeitas, sendo essas as significativas vantagens dos seres humanos “a de se terem tornado capazes de ir mais além de seus condicionantes”.

    Nessa perspectiva, tanto com relação a Paes (2006) como Freire (1996), em que devemos manter aceso em nós a busca incessante pelo melhor e o aprofundamento constante, podemos mencionar outro dever e mais do que isso, desafio irrefutável do educador: manter acesa em nossos educandos a chama do querer descobrir, tão facilmente notado na fase em que as crianças tudo questionam e onde muitas vezes são podadas.

    Nossa compreensão parte do esporte apresentado, tratado e vivenciado de forma representativa da vida, ou seja, em sua forma resumida e dinâmica, tendo sua estrutura, organização, coabitando nesse universo a explosão de sentimentos, sensações e anseios, por qual todo indivíduo já passou ou passará ao longo de sua vida. Nesse caso, o esporte se demonstra um facilitador de aprendizagem para a vida, dando a oportunidade ao indivíduo de viver uma metáfora da própria condição de sujeito no mundo e do mundo no sujeito, com todas suas avalanches de emoções e situações em curtos e rápidos momentos que o jogo propicia. (BALBINO, 2005).

    Pautamos essa reflexão norteada, em um primeiro momento pela arte de educar: “Educar é mais que transmitir conteúdos, é mais que determinar comportamentos restritos, educar é ensinar a viver”. (Freire 2005 apud Reverdito 2005, p. 68); e, “o esporte indiscutivelmente é um excelente facilitador na educação e formação de jovens”. (REVERDITO, 2005, p. 68).

    Para a construção de um indivíduo na sua totalidade, é necessário levar em consideração sua história de vida, integrada a sua cultura corporal e social, para assim aluno e professor construírem juntos, aumentando não só seu repertório motor e cognitivo, mas também estimulando a valorização de suas vivências, fazendo com que se sinta parte integrante e essencial no processo de ensino-aprendizagem, instigando sua auto-estima e a construção de sua criticidade, mostrando o quanto importante é sua contribuição.

    [...] quem forma se forma e re-reforma ao formar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado. É neste sentido que ensinar não é transferir conhecimentos, conteúdos nem formar é ação pela qual um sujeito criador dá forma, estilo ou alma a um corpo indeciso e acomodado. Não há docência sem discência. (FREIRE, 1996, p.25).

    Após termos explanado algumas idéias de autores renomados, que dissertam sobre uma pedagogia que priorize a formação do indivíduo na sua totalidade, crítica e autônoma, levantamos a seguinte questão: qual caminho, a percorrer, seria capaz de nos transportar da teoria para a prática?

    Nesse ponto, de acordo com Freire (1996), a curiosidade pode ser considerada o ponto inicial, partindo do pressuposto que a criança está sempre procurando descobrir novas possibilidades, desde quando na barriga de suas mães, sugamos os dedos numa seqüência sem fim de novas descobertas, o engatinhar, o balbuciar, as novas palavras, o andar, a fase dos porquês.

    Portanto, se na condição de educadores queremos possibilitar aos nossos educandos uma formação em sua totalidade, devemos ser capazes de manter em nós e neles “a curiosidade como inquietação indagadora como inclinação ao desvelamento de algo, como pergunta verbalizada ou não, como procura de esclarecimentos, como sinal de atenção que sugere alerta faz parte integrante do fenômeno vital”. (FREIRE,1996, p.35).

    Freire (1996, p. 35) acrescenta ainda que “não existe criatividade sem a curiosidade que nos move e que nos põe pacientemente impacientes diante do mundo que não fizemos, acrescentando a ele algo que fazemos, e tendo a curiosidade humana como manifestação presente à experiência vital, ela vem sendo histórica e socialmente construída e reconstruída.”, ou seja, não nos tornando seres passivos e permissivos destinados a assistir a história passar sem nos tornar parte integrante e ativa dela, direcionando a nossa prática educativa para o desenvolvimento da curiosidade crítica, insatisfeita, indócil.

Implicações para a prática pedagógica no ensino dos esportes

    O ato de ensinar, em qualquer contexto que seja realizado, deverá ser mediado por uma constante atitude de reflexão sobre suas implicações. No ensino do esporte, acreditamos ser necessário partir da busca de um novo referencial metodológico. (REVERDITO; SCAGLIA, 2007b).

    Corroborando com Scaglia (1999), Nista-Piccolo (2003), Reverdito (2005), entendemos que em se tratando da iniciação de crianças à prática esportiva, os jogos e brincadeiras são facilitadores do processo de aprender a aprender, quando traz os sonhos e as fantasias do mundo infantil, aproximando o mundo da fantasia ao mundo realidade, do jogo jogado ao jogo jogante. Assim, o esporte ensinado por meio de um olhar, em que a proposta metodológica vai de encontro às necessidades do aluno e dos seus objetivos.

    Dentre os inúmeros aspectos que poderíamos exemplificar, considerando toda a complexidade envolta ao ato de ensinar, a prática educativa, por conseguinte, ensinar esporte, que em nada diminui em relação às outras disciplinas (português, matemática, ciência...), podemos relacionar: o despertar e desenvolver a motivação pelo resultado, ou seja, sentirem-se motivados a se superarem a cada novo desafio, como conseguir realizar um saque próximo a rede em uma aula, e em outra conseguir realizá-lo mais afastado da rede e a cada novo treino a distância com relação à rede aumenta até que seu aluno consegue fazer com que a bola passe por cima da rede efetuando o saque; a busca pelo resultado a qual nos referimos não cabe apenas no esporte de alto rendimento, mas sim a cada avanço que conseguimos juntos aos nossos alunos e, desse modo acarretaremos a melhoria na concentração, determinação, ambição e auto-superação. No âmbito social encontramos o desenvolvimento da autonomia, autoconfiança, orgulho, prazer, coleguismo, pontualidade, sinceridade, disciplina e capacidade de comunicação, sendo o esporte de total relevância para a formação da personalidade de crianças.

    Porém devemos manter-nos atentos com possíveis sobrecargas e excessivas exigências com relação aos nossos alunos. Na ânsia de obter resultados rápidos, tanto em relação ao educador como no lado dos pais que desejam realizar seus sonhos através de seus filhos e como conseqüência, eles podem desenvolver o estresse infantil, nervosismo, sobrecarga, lesões, fadiga mental, frustração e até depressão, além de atrapalhar o desenvolvimento de atividades nas áreas escolares, recreativas e sociais. (PEREZ, 2007).

    Sabendo de nossa responsabilidade para com a educabilidade do sujeito, o pedagogo deverá ser um agente mediador, capaz de dosar o nível de exigências, para que os alunos possam sempre ter prazer na prática de esportes, em vez de condená-los a frustrações e inseguranças. Deverá ser capaz de fazê-los aproveitar diferentes emoções, por exemplo, saber lidar com vitórias e derrotas, êxitos e fracassos, desenvolver e aprimorar a capacidade de se criar e transformar problemas em soluções, compreender a competição e identificar a necessidade do outro para que possa existir o jogo, aprender que nem sempre somos capazes de realizar sozinho um trabalho que deverá ser feito em equipe, desenvolver a capacidade de liderar e ser liderado, sem se abdicar do direito de questionar. (PEREZ, 2007).

    Educar o indivíduo no e por meio do esporte, vai de encontro à possibilidade de se aprender a viver, conviver e ser, pois o que mais se aproxima da complexidade da vida é a complexidade do esporte e ainda mais a do esporte coletivo. Nas palavras de Scaglia (2007, p.1) “o jogo coletivo exige um jogador inteligente que seja capaz de aproximar cada vez mais o pensamento e ação, em situações diversificadas e imprevisíveis.”

    Desse modo, uma pedagogia do esporte voltada como preocupação maior o desenvolvimento do indivíduo na sua totalidade crítica, autônoma e seu desenvolvimento mais pleno na complexidade que envolve toda sua historicidade, sendo assim, de acordo com as palavras de Scaglia e Souza (2004, p. 7):

    Ensinar esportes deve ser entendido como uma prática pedagógica, desenvolvida dentro de um processo de ensino-aprendizagem, que leve em conta o sujeito aluno, seu contexto, além de seus vários ambientes relacionáveis, criando possibilidades para a construção desse conhecimento, inserindo e fazendo interagir o que o aluno já sabe, com o novo, ampliando-se assim, sua bagagem cultural. A aula deve permitir a troca, a interação, sujeito – meio - esporte.

    Portanto, cabe aos pedagogos e defensores de uma pedagogia do esporte, modificar esse pensamento, aproximando a teoria da prática, em que, por meio das múltiplas formas e contextos que se manifestam as práticas esportivo-corporais, possam ser instrumento formador, para além de apenas atletas, cidadãos críticos, conscientes e criadores.

Considerações finais

    Sendo a pedagogia do esporte uma disciplina das Ciências do Esporte, a qual se encontra em constantes mudanças e novas re-significações, nos torna claro a grande necessidade de aprofundamento e novos estudos, como Paes (2006) ressalta, pois já que em seu contexto existe uma enorme gama de possibilidades. Tendo em vista que nessa área nos são apresentados as mais variadas e distintas abordagens e metodologias, porém que se ligam no objetivo de estarem buscando constantemente soluções, objetivando o aprimoramento nas questões que permeiam o ensino-aprendizagem, sempre enfocando a preocupação com quem executa o gesto e sua formação ampla, considerando-o como um ser histórico, que possui valiosas contribuições em todo o processo de ensino-aprendizagem, tanto para o educador como para o educando, pois ambos ensinam e aprendem mutuamente, buscando novos conhecimentos, e em nosso caso tendo o jogo/esporte como instrumento facilitador de todo processo, já que este possui o status de fenômeno sócio-cultural, de acordo com Reverdito (2005).

    E ao utilizarmos as práticas esportivo-corporais, como facilitador do processo de ensino-aprendizagem, que priorize o despertar do ser humano em sua condição autônoma, crítica e mais humana, tomamos para nós professores a responsabilidade para e com a formação global do indivíduo, que através do ambiente do jogo exteriorizam manifestações intrínsecas como o desejo, prazer, euforia, que estão diretamente ligados a momentos da vida do indivíduo no âmbito moral, social, afetivo e espiritual, fazendo a interação entre o agente a ser transformado (aluno) e o agente facilitador de um ambiente propício para a transformação, acontecendo em uma via ininterrupta em direção ao conhecimento. (REVERDITO, 2005).

    Pedimos a compreensão para utilizarmos um poema de Loris Malaguzzi apud Kunz (2002, p.31), considerando sua riqueza, que ele exprime toda incoerência do nosso sistema educacional, que dicotomiza a criança em partes, retirando a possibilidade de uma aprendizagem ampla de maior significado e assimilação, mantendo unido o que impossível dividir que é o ser-humano como um todo integrado a uma rede complexa da vida, que habita um mundo objetivo e subjetivo, ou seja, seu mundo intrínseco e extrínseco.

Ao contrário, as Cem existem

De Loris Malaguzzi

 

A criança é feita de cem

A criança tem cem mãos

Cem pensamentos

Cem modos de pensar, de jogar e de falar.

Cem sempre cem

Modos de escutar

As maravilhas de amar.

Cem alegrias para cantar e compreender

Cem mundos para descobrir

Cem mundos para inventar

Cem mundos para sonhar

A criança tem cem linguagens

E depois cem, cem, cem...

Roubaram-lhe noventa e nove

A escola e a cultura lhe separam a cabeça do corpo

Dizem-lhe:

de pensar sem as mãos

de fazer sem a cabeça

de escutar e de não falar

de compreender sem alegrias

de amar e maravilhar-se

só na Páscoa e no Natal

Dizem-lhe:

de descobrir o mundo que já existe

e de cem

roubaram-lhe noventa e nove

Dizem-lhe que o jogo e o trabalho

a realidade e a fantasia

a ciência e a imaginação

o céu e a terra

a razão e o sonho

são coisas que não estão juntas.

Dizem-lhe

Que as cem não existem

A criança diz: ao contrário, as cem existem.

    O ensino do esporte, quando comprometido com o sujeito que prática, traz vivências maravilhosas e laços tão fortes com nossos companheiros que jamais poderão ser quebrados. Passe o tempo que for, dias, semanas, meses, anos ou até décadas, sempre nos recordaremos de um jogo, de um ponto ou um gol feito, que fará renascer novamente a maravilhosa sensação da superação de um desafio, tão forte quanto que no instante em que aconteceu, aquela emoção inexplicável de glória e felicidade revelando porque o universo do esporte coletivo ou individual, formal ou não formal é tão fantástico e mágico.

Referências bibliográficas

Outro artigos em Portugués

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