efdeportes.com
Estratégias de hidratação antes, durante
e após o exercício em atletas de elite

 

Professora do Curso de Biomedicina

Centro Universitário Feevale, Novo Hamburgo, RS

(Brasil)

Rejane Giacomelli Tavares

tavares.rejane@gmail.com

 

 

 

Resumo

          As estratégias de hidratação antes, durante e após a atividade física, como forma de manter os líquidos corporais e prolongar ou manter pelo maior tempo possível o rendimento do indivíduo tem sido cada vez mais discutidas no meio científico e esportivo. Alterações das funções fisiológicas conseqüentes das perdas hídricas comprometem o desempenho, tornando-se assim fatores determinantes de fadiga. Este artigo de revisão discute a necessidade de repor as perdas hídricas associadas à atividade física, apresentando algumas estratégias, como por exemplo, a importância da reposição hídrica associada à oferta de nutrientes e eletrólitos, como um importante recurso ergogênico e o prejuízo dos processos de termorregulação, ambos ligados à diminuição do desempenho. Assim, além da oferta de água, as estratégias discutidas nesta revisão procuram também avaliar a disponibilidade de carboidratos e eletrólitos, quer como agentes facilitadores da própria reposição hídrica ou como fonte exógena de substratos.

          Unitermos: Hidratação. Exercício. Atletas de elite.

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 13 - Nº 123 - Agosto de 2008

1 / 1

Introdução

    O equilíbrio hídrico corporal representa a diferença líquida entre a ingestão e a perda de líquidos. O turnover normal de líquido corporal em um adulto sedentário varia de 1 a 3 L/dia, a variação acontece devido principalmente às diferenças na perda de água insensível ou na evaporação da umidade pela pele (Sawka et al., 2005). Amplas variações na ingestão de líquidos são controlados pelos rins, que podem produzir mais ou menos urina, dependendo das mudanças nos volumes de líquidos corporais. A perda de água pela respiração é geralmente ignorada com relação ao equilíbrio hídrico porque isso é geralmente compensado pela produção de água que ocorre durante o metabolismo aeróbico (Sawka et al, 2005). Durante o dia, costumamos regular o equilíbrio líquido do nosso organismo diariamente, de maneira muito boa, impulsionados pela sede e pela fome, combinadas ao livre acesso a alimentos e bebidas (Cheuvront & Sawka, 2006).

    A prevenção da desidratação pela ingestão regular de fluidos é uma medida importante para assegurar o bem-estar físico e mental, não somente em atletas como em todas as pessoas. Embora esse fato seja amplamente divulgado, dezenas de pessoas continuam a sofrer os efeitos da desidratação, que por vezes pode levar à morte. Dentre os efeitos provocados pela desidratação, podemos citar o aumento da osmolalidade, da concentração de sódio no plasma e a diminuição do volume plasmático (Murray, 1997; Machado-Moreira et al, 2006). Quanto maior a desidratação, menor a capacidade de redistribuição do fluxo sanguíneo para a periferia, menor a sensibilidade hipotalâmica para a sudorese e menor a capacidade aeróbica para um dado débito cardíaco (Maughan & Gleeson, 2004). A temperatura do ambiente também é um fator extremamente relevante para o surgimento e agravamento dos sintomas da desidratação (Meyer & Perrone, 2004). Vários estudos a respeito das modificações do balanço hídrico em ambientes quentes demonstraram que, em resposta a esse fato, ocorre um aumento da sudorese, com conseqüente aumento da ingestão de líquidos, estabilização ou diminuição na excreção da urina e aumento da concentração da urina (Murray, 1997; Sawka et al, 2005; Cheuvront & Sawka, 2006).

    Os efeitos da desidratação induzida pelo exercício têm sido estudados através da comparação de diversas respostas fisiológicas de indivíduos quando estes não repõem as perdas de líquido durante um exercício prolongado, ou as repõem parcialmente. No início do exercício ocorre uma diminuição do volume plasmático, influenciada pelo tipo e pela intensidade do exercício (Machado-Moreira et al, 2006). Essa redução pode evoluir, ou ser compensada pela ingestão de líquidos durante o treino. O ideal é que seja ingerida uma quantidade de líquidos idêntica àquela perdida. Por outro lado, o excesso de ingestão de líquidos deve ser evitado, uma vez que também pode comprometer o desempenho e a saúde do indivíduo. Têm sido propostas em consensos internacionais recomendações sobre a hidratação com o intuito de minimizar os efeitos negativos das perdas hídricas sobre as respostas fisiológicas ao exercício.

    Segundo o Colégio Americano de Medicina do Esporte (ACSM) (1996) e National Athletic Trainer’s Association (NATA) (Casa et al, 2000), para assegurar o estado de hidratação, os atletas devem ingerir aproximadamente 500 a 600mL de água ou outra bebida esportiva duas a três horas antes do exercício e 200 a 300mL 10 a 20 minutos antes do exercício, bem como durante o exercício, onde os atletas devem começar a beber logo e em intervalos regulares, com o objetivo de consumir líquidos em uma taxa suficiente para repor toda a água perdida através do suor, ou consumir a maior quantidade tolerada (Murray, 1997; Machado-Moreira et al, 2006). Para a saúde pública esta recomendação é importante porque ela obriga os organizadores de eventos esportivos a incluírem postos de hidratação quando da organização do evento e, para os participantes dá a oportunidade de se hidratarem. Entretanto, dependendo da velocidade dos corredores, da distância entre um posto e outro e do volume de fluido ingerido, que pode ter grandes variações, a reposição do suor perdido não pode ser assegurada.

    Além disso, recomendações para a adição de quantidades adequadas de carboidratos e eletrólitos para eventos com duração maior do que uma hora também são relatadas. Recomenda-se a adição de sódio (0,5 a 0,7g/L de água) na solução de reidratação se o exercício durar mais do que uma hora (ACSM, 1996). Isto pode ser vantajoso por melhorar o gosto, promovendo a retenção de líquidos e possivelmente revertendo a hiponatremia em alguns indivíduos que tenham ingerido quantidades excessivas de líquidos.

    Como já relatado, o estado de hidratação interfere na osmolalidade plasmática e na concentração de sódio no plasma, já que esses dois parâmetros possuem relação direta com a quantidade de líquido corporal circulante. Como uma conseqüência de alterações nesses parâmetros, alguns autores sugerem que haja um aumento da temperatura esofagiana, devido ao estímulo para redução na sudorese que acontece em maiores níveis de desidratação. Segundo Marquezi & Lancha Júnior (1998), quanto maior o percentual de desidratação, maior o limiar para a sudorese, menor a sensibilidade para a sudorese e menor a produção de suor. Este aumento de temperatura pode ser percebido também na temperatura retal, porém somente depois de decorridos 60-80 minutos de exercício.

    Em relação à freqüência cardíaca, esta é aumentada em resposta ao déficit de fluidos que ocorre durante o exercício. Mesmo uma desidratação leve (1% da massa corporal) pode aumentar o esforço cardiovascular. O aumento de freqüência cardíaca, associada ao menor volume de ejeção, pode limitar a capacidade corporal de transferir calor dos músculos em contração para a superfície da pele, aumentando os riscos de complicações térmicas (Brito & Marins, 2005).

    A função renal durante exercícios prolongados não é afetada por níveis de desidratação inferiores a 4% e é aumentada durante a recuperação em indivíduos que retêm líquido durante o exercício (Mountain et al, 2006). Estudos clássicos também observaram que a função renal não foi influenciada por níveis de desidratação inferiores a 7%. Anúria foi registrada em um corredor que bebeu inadequadamente e perdeu 11% do peso corporal durante uma ultramaratona de 88km (Machado-Moreira et al, 2006; Cheuvront & Sawka, 2006).

    Após um período em que a recomendação de “não beber” durante o exercício predominou (até aproximadamente 1970), surgiram protocolos de hidratação que têm como objetivo ensinar os indivíduos a se hidratarem para atingir o equilíbrio hidroeletrolítico, e os mesmos se tornaram um paradigma. Estes protocolos determinam o quanto e o quê se deve ingerir e de quanto em quanto tempo os líquidos devem ser repostos durante o exercício (Murray, 1997). Assim, dados científicos consistentes para o entendimento do mecanismo fisiológico e nutricional da ingestão de fluidos são de fundamental importância.

Avaliação do estado de hidratação

    O homem é o único animal que, voluntariamente, se abstém de ingerir líquidos. Mas, por outro lado, também tem muito pouca capacidade para receber esses mesmos líquidos com a mesma rapidez com que os perde. O organismo humano tem uma capacidade limitada de absorção de líquidos que é cerca de 12 ml/Kg de peso corporal/hora (Maughan & Gleeson, 2004). Este fato é bastante importante, uma vez que ao produzir-se a perda de água, é inevitável um tempo longo para o jogador recuperar o seu equilíbrio hídrico (Castilho et al, 2002).

    O mecanismo da sede é sensível às concentrações plasmáticas de sódio, à osmolalidade e a seu volume (Machado-Moreira et al, 2006). O aumento na concentração de sódio e diminuição do volume sanguíneo resulta num aumento na percepção da sensação de sede. Se a ingestão for somente de água rapidamente desaparece a vontade de beber devido à pressão osmótica e reduz também o volume a ser bebido, causando o desaparecimento da sensação de sede. Como resultado, ocorre um decréscimo prematuro na ingestão de fluidos, portanto, antes da reposição adequada de líquidos. A presença de pequenas quantidades de sódio ajuda a manter a pressão osmótica orientada para a sensação de sede e garante a ingestão de um volume maior de líquidos. A fisiologia do fenômeno certamente é bem entendida pelos “Bartenders” (atendentes de bares) que colocam à disposição dos usuários um fácil acesso ao sal através do oferecimento de “salgados” (Murray, 1997; Mountain et al, 2006).

    Outro fato importante é que não se deve esperar ter sede para beber água, já que um desporto atrasa sempre o aparecimento da sensação de sede e, quando ela é percebida, já foi perdido um excesso de água e surgiu a fadiga. O mecanismo fisiológico de compensação da sede não é prontamente desencadeado, pelo que, quaisquer que sejam as condições climáticas e a intensidade da duração do esforço, é imprescindível suplementar o atleta com líquidos desde o seu início, e mesmo antes dele, com intervalos regulares e a um ritmo suficiente para substituir convenientemente as perdas de líquidos (Castilho et al, 2002; Maughan & Gleeson, 2004; Machado-Moreira et al, 2006).

    O estado de hidratação é um fator determinante para a prática de atividades físicas. Desta forma, o conhecimento do estado de hidratação do indivíduo antes, durante e após o exercício torna-se importante para a sua prática constante. Além disso, avaliar o estado de hidratação é fundamental para evitar os problemas de saúde devido à desidratação.

    A escolha de um método de avaliação da hidratação adequado é um aspecto controverso na ciência do equilíbrio hídrico (Oppliger & Bartok, 2002). Todas as técnicas de avaliação da hidratação variam muito com relação a sua aplicabilidade devido às limitações metodológicas, tais como as circunstâncias necessárias para se fazer às medições (confiabilidade), facilidade e custo da aplicação (simplicidade), sensibilidade para se detectar pequenas, mas significativas mudanças no estado da hidratação (exatidão) e o tipo de desidratação prevista (Oppliger & Bartok, 2002; Sawka et al, 2005). Estimativas populacionais das necessidades hídricas são baseadas em dados qualitativos e quantitativos (Sawka et al, 2005). Levantamentos sobre a ingestão de fluídos fornecem dados qualitativos, enquanto que estudos sobre o balanço hídrico e acesso bioquímico oferecem suporte quantitativo para adequação de relatórios de ingestão. A combinação de líquido corporal total e da osmolalidade plasmática representam o “padrão ouro” para avaliação de hidratação (Tabela 1).

Tabela 1. Marcadores utilizados para avaliação do estado de hidratação.

Fonte: Cheuvront & Sawka , 2006

Ingestão de fluidos antes do exercício

    Segundo a ACSM (1996), “Recomenda-se que os indivíduos consumam uma dieta nutricionalmente balanceada e bebam quantidades adequadas de fluidos durante as 24h que precedem o evento, especialmente durante o período entre a última alimentação e o exercício. Esta recomendação visa promover uma boa hidratação antes do exercício ou da competição. Ainda recomenda-se que os indivíduos bebam cerca de 500 ml de fluidos cerca de 2h antes do exercício, para promover uma hidratação adequada e dar um intervalo para que o excesso de água seja eliminada”.

    Os benefícios fisiológicos no desempenho de atletas em treinamento ou competição quando estão bem hidratados e apresentam uma boa reserva muscular de glicogênio já é bem documentada e aceita no meio científico. Do ponto de vista do balanço hídrico, quando o atleta compete em estado de desidratação ele já entra em desvantagem. Em um estudo realizado por Armstrong et al (1985), atletas correram 5.000 metros (aproximadamente 19 minutos) e 10.000 m (aproximadamente 40 minutos), em duas situações: normalmente hidratados e desidratados. Quando a desidratação foi de aproximadamente 2% do peso corporal (foi ministrado um diurético antes do exercício) a sua velocidade decresceu significativamente (6% a 7%) tanto nos 5.000 m como nos 10.000 m. Para qualificar melhor a situação, o exercício praticado em ambientes quentes exacerbam os efeitos da desidratação e o desempenho é prejudicado (Sawka et al, 2005; Machado-Moreira et al, 2006), percebendo-se uma temperatura interna maior e também uma maior frequência cardíaca durante o período de exercícios.

    Do ponto de vista prático, a freqüência e cor da urina, assim como o volume devem ser acompanhados, pois estes dados auxiliam na avaliação do estágio de desidratação (Murray, 1997). Urinar poucas vezes, pequeno volume e com coloração escura indicam um estado de desidratação, portanto o atleta deve continuar a beber antes de iniciar o exercício. A monitoração da excreção urinária é uma das recomendações mais comuns nas atividades ocupacionais, como na indústria de mineração na qual os trabalhadores ficam expostos a condições atmosféricas adversas como calor excessivo e elevada umidade do ar (Murray, 1997).

    Em relação ao tipo de líquido utilizado para hidratação, a ingestão de isotônico antes do exercício tem apresentado algumas vantagens em relação à água. Os pontos positivos de uma hidratação com carboidratos, são: manutenção da glicemia sanguínea, diminuição na possibilidade de hipoglicemia, aumento no tempo de exercício, menor índice de percepção do esforço, absorção intestinal mais rápida e níveis de glicemia ideais durante o exercício. Como pontos negativos tem-se: possível sensação de plenitude gástrica, desconforto gástrico e custo financeiro. Em relação à água, os pontos positivos são: rápido esvaziamento gástrico, desnecessária adaptação para a palatabilidade da solução e custo praticamente zero, entretanto os efeitos negativos da água são: não permitir a manutenção da glicemia e alterar a qualidade do exercício (Nassis et al, 1998; Brito & Marins, 2005).

    Por outro lado, pode também se pôr em questão a existência do risco de beber demasiada quantidade de água. Muitos atletas sabem que a ingestão de volumes elevados de líquidos antes de uma partida desportiva conduz, desde que a velocidade de esvaziamento gástrico não seja rápida, a uma indisposição gastrointestinal, que inclui os vômitos (Castilho et al, 2002).

Ingestão de fluidos durante o exercício

    “Durante a prática esportiva, os atletas devem começar a beber cedo e em intervalos regulares no intuito de consumir fluidos em uma freqüência que possa repor a água perdida através da sudorese ou então consumir o máximo tolerável. Recomenda-se a ingestão de fluidos com temperatura inferior à ambiental (entre 15ºC e 22ºC)”.

    Esta é talvez a recomendação mais importante no posicionamento do ACSM (1996), pelo fato de identificar claramente que o objetivo ideal da ingestão de fluidos durante o exercício é o de prevenir qualquer nível de desidratação e reconhecer que é difícil de ser atingido. A importância de manter o organismo plenamente hidratado se reflete nas respostas cardiovasculares, termorreguladoras e de desempenho, que são otimizadas quando ocorre a reposição de 80% da sudorese ocorrida durante o exercício, já que a desidratação, mesmo pequena (1,8% do peso corporal) pode alterar o desempenho esportivo (Meyer & Perrone, 2004).

    O efeito ergogênico da ingestão de carboidratos durante o exercício já foi consistentemente demonstrada em inúmeros experimentos, muitos dos quais foram efetuados utilizando etapas de treinamento com duração de uma a quatro horas ou mais (Coggan & Coyle, 1991; Nassis et al, 1998). A ingestão de soluções de carboidratos (4 a 8 % de carboidratos) contendo combinações de sacarose, glicose, frutose e maltodextrina demonstrou que quando 45g de carboidrato era ingerida por hora, ocorria uma significante melhora no desempenho atlético (Coogan & Coyle, 1991). Este fato, ou seja, melhora no desempenho atlético, pôde também ser observado mesmo quando os pesquisadores (Murray et al, 1991) forneceram entre 20 a 25g por hora; contudo a ingestão de quantidades mais elevadas de carboidratos é recomendada. Salienta-se que a velocidade de utilização do carboidrato pelo organismo é da ordem de 60 a 75g/hora ou seja de 1 a 1,5g/minuto. Não foi observada nenhuma vantagem com quantidades de carboidratos superiores, ao contrário, as bebidas contendo quantidades superiores a 7% (cerca de 17g/copo) podem provocar uma diminuição na velocidade de absorção intestinal (Shi et al, 1995) o que aumenta o risco de mal-estar gastrointestinal (Murray et al, 1991). O(s) mecanismo(s) específico(s) que o organismo utiliza para melhorar o desempenho quando é fornecido o carboidrato ainda é motivo de pesquisa, mas existe uma concordância geral que tal fato ocorre porque é liberado maior quantidade de combustível para os múculos (Coogan e Coyle, 1991; Nassis et al, 1998). Durante uma atividade física intensa a demanda metabólica de carboidratos é elevada; a sua ingestão assegura parte dessa demanda, ajudando na manutenção do processo de oxidação.

    As bebidas esportivas contém, via de regra, mais de um tipo de carboidrato e geralmente apresentam combinações de sacarose, glicose, frutose e maltodextrina. Essas combinações são aceitáveis quer do ponto de vista sensorial, quer do ponto de vista fisiológico. As bebidas que contém apenas frutose não são indicadas devido ao fato da frutose ser absorvida mais lentamente a nível intestinal (Shi et al, 1995) e é convertida em glicose no fígado antes de ser metabolizada pelos músculos, tornando, portanto, a frutose pouco efetiva como fonte de energia para o desempenho atlético (Murray et al, 1989).

Ingestão de fluidos após o exercício

    A performance e a saúde de praticantes de exercício podem ser melhoradas se o processo de recuperação iniciar logo após o término de uma sessão de treino ou competição. A hidratação pós-exercício é dos fatores responsáveis pela manutenção de fluídos e eletrólitos e pelo armazenamento de glicogênio muscular e hepático. Os principais objetivos da rehidratação pós-exercício incluem a reposição das perdas de água, de eletrólitos e de carboidratos (Meyer & Perrone, 2004; Brito & Marins, 2005; Cheuvront & Sawka, 2006). Para otimizar o processo de recuperação dos indivíduos a reposição de líquidos pós-exercício deve ser cerca de 150% da perda do peso corporal (Meyer & Perrone, 2004; Brito & Marins, 2005).

    A ingestão somente de água não é eficiente na restauração do estado de hidratado, pois diminui a osmolalidade plasmática, suprimindo a sensação de sede e aumentando a eliminação de urina. A diluição do sangue reduz o impulso da sede, anulando grande parte do desejo de beber líquido ficando a reposição hídrica comprometida (Meyer & Perrone, 2004; Brito & Marins, 2005).

    Para restabelecer o equilíbrio hidro-eletrolítico recomenda-se que, após o exercício, seja utilizada uma bebida que contenha mais eletrólitos do que aquela que se utiliza durante o exercício (Mountain et al, 2006). Entretanto, a adição de eletrólitos nas bebidas é controversa.

    Em relação ao sódio, sua presença na bebida se justifica por melhorar a palatabilidade, auxiliar na reposição do conteúdo deste eletrólito perdido no suor, diminuição da produção de urina e facilitação da absorção dos carboidratos. Alguns autores discordam dessa indicação, já que a quantidade de sódio fornecida pelas bebidas isotônicas é minúscula quando comparada com o teor desse íon no sangue (Murray, 1997). O sódio plasmático se difunde livremente no trato intestinal após a ingestão de fluidos, isto porque o gradiente de concentração entre o sódio plasmático e o conteúdo deste no intestino favorece fortemente o influxo do sódio. A perda excessiva do sódio pode gerar no atleta um estado de hiponatremia, entretanto esses quadros não são comuns em atletas, sendo mais freqüente em exercícios com mais de 4 h de duração ou ingestão de grandes quantidades de água sem ingestão de sódio. O teor de sódio no suor é superior ao de outros minerais, porém esses valores são significativamente menores do que aqueles encontrados no plasma (plasma = de 138 a 142 mmol/l; suor = de 25 a 75 mmol/l) (Mountain et al, 2006). Caso o atleta se hidrate apenas com água as concentrações plasmáticas de sódio no suor tendem a aumentar de acordo com a duração da atividade.

    Sobre o potássio não existe consenso sobre sua adição nas bebidas para atletas. Alguns autores não consideram necessário incluir este mineral nas bebidas energéticas já que a perda de potássio no suor é desprezível (Marins at al, 2000b; Brito & Marins, 2005). Uma baixa significativa nas concentrações de potássio ocorrem quando o atleta se utiliza de diuréticos. Uma pequena quantidade de potássio na recuperação pode melhorar a retenção de água no espaço intracelular, além de reduzir a perda de potássio devido a retenção de sódio pelos rins.

    Para o cálcio e o cloro Marins et al. (2000a) afirmam que estes eletrólitos são repostos adequadamente com uma alimentação equilibrada, não sendo necessária sua reposição no exercício, pois verificou-se que a hidratação tanto com água quanto soluções carboidratadas não alteram sua concentração no suor.

    A ingestão de carboidratos é recomendada para promover a ressíntese de glicogênio hepático e muscular. As reservas totais de glicogênio são limitadas (80-100g no fígado e 300- 500g no músculo) e suficientes para apenas uma a três horas de exercício contínuo. Para quem pratica exercício físico intermitente e de alta intensidade e está treinando ou competindo em sessões muito próximas, uma rápida ressíntese de glicogênio se torna ainda mais importante. São basicamente 3 fatores que afetam a ressíntese de glicogênio após o exercício: a quantidade e o tipo carboidrato consumido, e o momento de ingestão. A ressíntese de glicogênio ocorre mais rapidamente nas primeiras duas horas após o exercício (média de 7 a 8 mmol/kg/ h), sendo que após a ressíntese diminui para aproximadamente 5 a 6 mmol/kg/h (Meyer & Perrone, 2004; Brito & Marins, 2005) . Estudos também têm mostrado os efeitos da adição de proteínas e aminoácidos com carboidratos nas taxas de ressíntese de glicogênio muscular. A razão de acrescentar proteína é que ela promoveria uma maior ressíntese de glicogênio muscular devido ao aumento dos níveis de insulina. Entretanto, o aumento de insulina sanguínea não necessariamente aumenta a captação de glicose ou ressíntese de glicogênio pela musculatura ativa, já que a ressíntese de glicogênio parece atingir um platô, sem benefícios adicionais quando a ingestão de carboidratos é superior a 100g a cada 2 horas (Meyer & Perrone, 2004, Brito & Marins, 2005).

    Outras bebidas, como refrigerantes carbonadas, com mais de 10% de carboidratos (a maioria dos refrigerantes gaseificados, por exemplo, contem 10-12% de carboidratos) estão freqüentemente associados a câimbras abdominais, náuseas e diarréias. Além disso, os refrigerantes não contêm sódio, portanto são ineficazes para a reidratação (Brito & Marins, 2005).

    A utilização de cerveja como repositor hídrico é totalmente inadequada, pois o álcool provoca efeito diurético, além de afetar a velocidade de reação, coordenação óculo-manual, diminuição da força, velocidade, resistência muscular e resistência cardiovascular, podendo aumentar o risco de lesões e danos no exercício. Shirreffs & Maughan (1997) demostraram que indivíduos que consumiram bebida contendo 4% de álcool têm grandes perda urinária quando comparados com zero, 1 ou 2% de álcool.

    Em relação ao café não se encontrou nenhuma referência recomendando sua utilização como agente hidratante, entretanto comprovou-se efeitos ergogênicos da cafeína quando utilizada junto a soluções carboidratadas (150mg/l) (Brito & Marins, 2005; Mendes & Brito, 2007).

    A reposição adequada de água, eletrólitos e carboidratos pode igualmente beneficiar a recuperação em atividades intermitentes e de alta intensidade. Entretanto, a determinação exata de quanto os atletas devem beber para se reidratarem ainda não está satisfatoriamente demonstrada e necessita de mais pesquisas.

Conclusão

    As discussões sobre o volume de líquido a ser ingerido antes, durante e após o exercício para se manter um estado de hidratação adequado, bem como a composição das bebidas utilizadas são temas que ainda requerem maiores debates. É importante ressaltar que as recomendações aqui enfocadas são decorrentes de estudos com indivíduos jovens, saudáveis e, muitas vezes, bem condicionados, o que pode dificultar a sua aplicação de forma mais ampla.

Referências bibliográficas

  • AMERICAN COLLEGE OF SPORTS MEDICINE. Position stand on exercise and fluid replacement. Med. Sci. Spots Exerc. 28:i-vii, 1996.

  • ARMSTRONG, L.E., COSTILL, D.L, FINK W.J. Influences of diuretic-induced dehydration on competitive running performance. Med. Sci. Sports Exerc. 17:456-461, 1985.

  • BRITO, C.J. & MARINS, J.C.B. Caracterização das práticas sobre hidratação em atletas da modalidade de judô no estado de Minas Gerais. Revista Bras. Ciência e Movimento. 13(2): 59-74, 2005.

  • CASA, D.J.; ARMSTRONG, L.E; HILLMAN, S.K; MOUNTAIN, S.J.; REIFF, R.V.; RICH, B. S. E. ; ROBERTS, W.O; STONE, J.A. NATA: National Athletics Trainer´s Association Position Statement. Journal of Athletic Training 35 (2,): 212- 224, 2000.

  • CASTILHO, M. C. BATISTA, F., SILVEIRA, M.I. A Importância da Hidratação de um Jogador de Futsal. PubliCE Standard. 18/12/2002. Pid: 89.

  • CHEUVRONT, S.M. & SAWKA, M.N. Avaliação da Hidratação de Atletas. Sports Science Exchange. 46: 1-4, 2006.

  • COGGAN, A. & COYLE. E.F. Carbohydrate ingestion during prolonged exercise: effects on metabolism and performance. In: Holloszy, J.O., ed. Exercise and Sports Science Reviews. Baltimore, MD: Williams and Wilkins, 19:1-40, 1991.

  • MACHADO-MOREIRA, C.A.; VIMEIRO-GOMES, A.C.; SILAMI-GARCIA, E.; RODRIGUES, L.O.C. Hidratação durante o exercício: a sede é suficiente? Revista Brasileira de Medicina do Esporte. 12 (6): 405-409, 2006.

  • MARINS, J. C. B., DANTAS, E., H., M., NAVARRO, S. Z. Deshidratación y ejercicio físico. Selección. 3:149-163, 2000 a.

  • MARINS, J. C. B., DANTAS, E., H., M., NAVARRO, S. Z., Variaciones del sodio y potasio plasmáticos durante el ejercicio físico: factores asociados. Actividad física y salud. 62:48-55, 2000 b.

  • MARQUEZI, M.L. & LANCHA JUNIOR, A.H Estratégias de Reposição Hídrica: Revisão e Recomendações Aplicadas. Revista Paulista de Educação Física. 12 (2): 219-227, 1998.

  • MAUGHAN, R. & GLEESON, M. As bases bioquímicas do desempenho nos esportes. 1.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004.

  • MENDES, E.L & BRITO, C.J. O consumo de cafeína como ergogênico nutricional no esporte e suas repercussões na saúde. Efdeportes.com 105: 2007. Disponível em http://www.efdeportes.com/

  • MEYER, F. & PERRONE, C.A. Hidratação pós-exercício –Recomendações e Fundamentação científica. Revista Brasileira de Ciência e Movimento, Porto Alegre, 12 (2): 87-90, 2004.

  • MOUNTAIN, S.J.; CHEUVRONT, S.N., SAWKA, M.N. Exercise associated hyponatraemia: quantitative analysis to understand the aetiology. British Journal of Sports Medical. 40: 98-106, 2006.

  • MURRAY, R., PAUL, G.L, SEIFERT, J.G., EDDY, D.E., HALABY, G.A. The effects of glucose, fructose, and sucrose ingestion during exercise. Med. Sci. Sports Exerc. 21:275-282, 1989.

  • MURRAY, R., PAUL, G.L, SEIFERT, J.G., EDDY, D.E. Responses to varying rates of carbohydrate ingestion during exercise. Med. Sci. Sports Exerc. 23:713-718, 1991.

  • MURRAY, B. Reposição de Fluidos. Sports Science Exchange. 13: 1-6, 1997.

  • NASSIS, G.P; WILLIAMS, C.; CHISNALL, P. Effect of a carbohydrate-eletrolyte drink on endurance capacity prolonged intermittent high intensity running. British Journal of Sports Medical. 32: 248-252, 1998.

  • OPPLIGER, R.A. & BARTOK, C. Hydration testing for athletes. Sports Med. 32: 959-971, 2002.

  • SAWKA, M.N., CHEUVRONT, S.N, CARTER R. Human water needs. Nutrition Reviews. 63(6): S30-39, 2005.

  • SHI, X., SUMMERS, R.W, SCHEDL, H.P., FLANAGAN, S.W., CHANG, R.T., GISOLFI, C.V. Effects of carbohydrate type and concentration and solution osmolality on water absorption.Med. Sci. Sports Exerc. 27:1607-1615, 1995.

  • SHIRREFFS, S.M. & MAUGHAN, R. J. Restoration of fluid balance after exercise-induced dehydration: effects of alcohol consumption. J. Appl. Physiol.. 83:1152- 1158, 1997.

Outros artigos em Portugués

  www.efdeportes.com/

revista digital · Año 13 · N° 123 | Buenos Aires, Agosto de 2008  
© 1997-2008 Derechos reservados