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A relação professora/aluna com necessidades especiais
nas aulas de Educação Física da escola comum

 

 *Autora. Acadêmica de Educação Física

**Co-autor. Doutor em Ciências do Movimento Humano

Centro Universitário Metodista IPA/UNIVATES

(Brasil)

Juliana Medeiros*

Atos Prinz Falkenbach**

julianaesef@hotmail.com

 

Resumo

          O presente estudo investigou a relação da professora com sua aluna com necessidades especiais nas aulas de educação física da escola comum. O estudo é qualitativo e utilizou entrevista com a professora e observações das aulas de educação física. A coleta de informações permitiu destacar as seguintes categorias: a relação professora/aluna com necessidades especiais nas aulas de educação física e a formação inicial como influência na relação com a aluna com necessidades especiais. O estudo evidenciou uma relação de ajuda da professora com sua aluna, tanto em nível pessoal como pedagógico, graças à sensibilidade e apesar da insegurança mostrada pela professora. A formação inicial se encontra fragilizada e inadequada quando se trata de trabalhar com alunos especiais, porém a professora demonstrou estar receptiva, pois a todo instante tentou favorecer a participação da aluna nas aulas sempre que possível.

          Unitermos: Educação Física. Inclusão. Necessidades Especiais. 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 12 - N° 117 - Febrero de 2008

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Introdução

    A justificativa do estudo pode ser iniciada a partir das reflexões de uma inclusão satisfatória no âmbito escolar e para uma boa relação entre o professor de educação física e alunos com necessidades especiais. Para SASSAKI (1997), o professor deve tratar o aluno com igualdade, claro que respeitando as suas restrições pessoais, uma vez que todos os alunos possuem suas próprias características, capacidades e necessidades de aprendizagem, bem como podem, em um dado momento, apresentar alguma dificuldade na aprendizagem.

    Na escola a inclusão pressupõe, que todos, sem exceções, devem participar da vida escolar, onde deve ser desenvolvido um trabalho pedagógico que sirva para todos os alunos indiscriminadamente (PAULON, 2005).

    Buscando desvendar estas questões da relação da professora de educação física com sua aluna com necessidades especiais a pesquisa se voltou para o estudo das satisfações e das dificuldades da professora, tanto ao nível da formação na graduação, quanto da sua percepção pessoal. Pensando nas competências relacionais da professora com a aluna, temos dois aspectos importantes: a) a formação na graduação, essencial para o professor possuir uma didática adequada para atuar com alunos com necessidades especiais, e; b) a capacidade de receber emocionalmente o aluno com necessidades especiais. Para uma aproximação favorável com o aluno, o professor deve obter conhecimentos e competências para a ação da inclusão que facilitam a obtenção de uma relação positiva com alunos com necessidades especiais no desenvolvimento das aulas.

Temática do estudo

    Para que haja efetivamente a prática da inclusão, os educadores, precisam aprender a aceitar as diferenças individuais, incentivar e promover a valorização das pessoas e a cooperação entre elas. Portanto, a inclusão é uma ponte para a formação de um novo tipo de sociedade através de suas transformações (SASSAKI, 1997). A inclusão não deve ser apenas colocar um aluno com necessidades especiais na escola comum e sim, é saber e aprender como vamos lidar com as diferenças e principalmente como vamos lidar com as nossas emoções.

    O professor é a pessoa com uma relação mais próxima e que tem maior contato com o aluno com necessidades especiais, ele é o responsável pela organização do ensino a fim de facilitar as interações sociais, seria bem mais fácil, uma ação conjunta com os outros profissionais que estão presentes na escola, o certo seria que todos pudessem trabalhar juntos (SAINT-LAURENT, 1997).

    A inclusão de alunos com necessidades especiais na educação física é bem complicada na sua história, a educação física no Brasil do século XIX e início do século XX, estava voltada para formar indivíduos fortes e saudáveis, deixando de lado os corpos “doentes”, gerando com isso uma forma de exclusão (SANTIN, 2001). A educação física estava mais voltada na escola para a preparação física, deixando de lado a formação por completo dos alunos.

    Por receio ou mesmo preconceito, a maioria dos alunos com necessidades especiais tendem a ser excluídos das aulas de educação física, mas a participação nessa aula pode trazer muitos benefícios para esses alunos, particularmente no que diz respeito ao desenvolvimento das capacidades perceptivas, afetivas, de integração e inserção social, que levam este aluno a uma maior condição de consciência, em busca da sua futura independência (PCN, 1998).

    O professor de educação física deve sempre garantir condições de segurança para o aluno com necessidades especiais, deve fazer adaptações, criar situações de modo a possibilitar a sua participação, sempre visando todas as possibilidades que favoreçam o princípio da inclusão. Além disso o professor de educação física deve favorecer o desenvolvimento e o aperfeiçoamento motor de seu aluno, onde se encontram a força muscular, a coordenação motora, a flexibilidade corporal, o equilíbrio motor, a velocidade e a resistência e além do desenvolvimento motor deve favorecer o desenvolvimento da formação humana e da afetividade dos alunos, como responsabilidade, cooperação, respeito pelos outros, solidariedade, organização, criatividade, confiança em si mesmo (GALLARDO, 2004).

    O Graduado em Educação Física dentre as suas competências e habilidades atuando como um profissional da saúde deve estar apto a desenvolver ações de prevenção, reabilitação, promoção e proteção a saúde, sempre assegurando que sua prática seja realizada de forma segura e integrada (BORGES, 2001).

    Com base na literatura atual se tratando da relação presente entre o professor e seu aluno com necessidades especiais, as atitudes presentes na vida do professor encontradas no processo de inclusão escolar estão desde a rejeição total até a aceitação condicionada. O professor muitas vezes tem apresentado dificuldade em desempenhar o trabalho pedagógico que favoreça a inclusão (CORREA, 2002).

    Uma das reações mais comuns do professor de um aluno com necessidades especiais é afirmar que não está preparado para enfrentar as diferenças. Estes motivos podem ser explicados, por um lado, pela insegurança e pelo medo de enfrentar o novo. Por outro lado pela falta de competência profissional para atuar nesta situação (CARDOSO, 2004).

    Visando a formação do professor de educação física, a mesma deve estar associada a uma prática reflexiva, para que possa ser de preferência cumprida a legislação que rege a inclusão de forma natural e reconhecida, menos como uma imposição.

Procedimentos metodológicos

    O presente estudo investigou a relação da professora de educação física de uma escola estadual da cidade de Porto Alegre com sua aluna com necessidades especiais, com base nos seguintes objetivos: a) verificar se o processo de inclusão estava presente na prática pedagógica da professora; b) analisar se a formação na graduação pode interferir na relação da professora/aluna com necessidades especiais; e; c) analisar e identificar os aspectos positivos e negativos presentes na relação professora/aluna com necessidades especiais.

    O estudo realizado se ajustou as características do modelo qualitativo, que teve como objetivos a investigação, descrição, analise e interpretações das informações que foram recolhidas durante a realização da entrevista feita com a professora e a observação da aulas de educação física (NEGRINE, 1999).

    A escolha da escola observada se deu a partir de várias visitas em escolas estaduais da cidade de Porto Alegre. A escola foi escolhida pelo critério do caráter inclusivo, onde houvesse pelo menos, a presença de um aluno com necessidades especiais matriculado e que freqüentasse regularmente a escola. Também foi fundamental que a aluna participasse das aulas de educação física com um professor devidamente habilitado para a função. As aulas de educação física da escola foram ministradas por uma professora formada há 16 anos.

    A entrevista realizada com a professora foi organizada no modelo semi-estruturado, que permitiu obter informações com questões abertas que foram previamente definidas pela pesquisadora, mas que ao mesmo tempo permitiram explorações que não estavam previstas anteriormente. É importante ressaltar que as observações iniciaram antes da realização da entrevista com a professora, para que a pesquisadora não tivesse nenhuma indicação anterior ou influência sobre a interpretação desta relação entre a professora e sua aluna. Somente após algumas observações foi realizada a entrevista com a professora para assim poder verificar as relações entre o que foi observado e o que foi respondido pela mesma.

    O procedimento de triangulação de dados proposto por Triviños (1995), permitiu destacar duas categorias de análise a partir do discurso da professora e das observações das aulas de educação física, onde se encontra: a) a relação professora/aluna com necessidades especiais nas aulas de educação física; e; b) a formação na graduação como influência na relação professora/aluna com necessidades especiais.

A relação professora/aluna com necessidades especiais nas aulas de Educação Física

    É bem claro a partir do discurso da professora de educação física, que muitas vezes a relação entre professora/aluna pode ser boa independente de qualquer condição, mas isso só ocorre se a professora aprender e compreender o fato de aceitar a todos, apesar das dificuldade encontradas, então a professora relata:

    “a minha relação com ela é bem tranqüila, ela é bem receptiva, ela conversa bastante comigo e me entende, ela também tenta realizar sempre que possível todas as atividades que eu passo para o grupo” (entrevista 01, em 11/04/07)

    Porém muitas vezes esta relação pode ser perturbada por outros fatores como consta nos estudos de Falkenbach et al.(2007). Os estudos apresentam o fato de que muitos professores se sentem inseguros e isolados dos demais profissionais que estão presentes na escola e também sentem falta de preparo para trabalhar e receber alunos com necessidades especiais, mesmo assim alguns professores podem manter uma relação positiva com estes alunos. A partir disso encontra-se também outro relato da professora:

    “Eu faço o melhor que posso, dentro das minhas possibilidades, sei que poderia fazer mais, mas não me sinto com muitas condições até porque não recebo apoio de quase ninguém da escola e não recebo informações para saber como trabalhar com esta aluna” (entrevista 01, em 11/04/07).

    O que aparece também nos estudos de Chaves et al. (2006) é a falta de estrutura física nas escolas estaduais para aceitar e acolher alunos com necessidades especiais, aparece no estudo que as condições físicas e estruturais das escolas podem selar as dificuldades do processo de inclusão, a maioria das escolas são antigas e não estão adequadas para esta finalidade. A professora também reflete sobre isso, o qual pode ser uma das barreira para a inclusão e para uma boa relação entre elas:

    “Tenho muita dificuldade com ambiente físico da escola, acho que não é muito adequado para a menina cadeirante, também pela minha falta de preparo, pois não tenho muitas chances para adaptar a aula no espaço existente” (entrevista 01, em 11/04/07).

    O que se encontra também na literatura atual, é o fato de que para obter uma relação positiva com o aluno o professor deve primeiro recebe-lo emocionalmente antes de analisar quem ele é, pois pode acontecer do professor tratar o aluno com pré julgamentos, levando em conta a sua aparência, agindo assim com preconceito. Com este pré- julgamento pode existir uma barreira na relação de professor/aluno, o certo seria se o professor recebesse e tratasse o aluno com necessidades especiais com ternura e de “coração aberto” para que este aluno pudesse criar uma relação de segurança e de respeito com o professor, para com isso evoluir no seu crescimento pessoal e de aprendizagem (FALKENBACH, 1999).

A formação na graduação como influência na relação professora/aluna com necessidades especiais

    A partir do discurso da professora no que se refere a relação presente entre ela e sua aluna com necessidades especiais aparece claramente a questão da formação como uma das barreiras para uma melhor aproximação da professora, o que aparece muitas vezes, é que a formação na graduação não oferece uma base sólida para o desenvolvimento de uma aula de educação física para alunos com necessidades especiais, a professora reflete sobre isso e relata:

    “Não temos base nenhuma para trabalhar com alunos especiais, a nossa formação não é suficiente para trabalhar com este público e também pelo fato de nunca esperarmos que vamos ter um aluno especial, por isso muitas vezes nem procuramos nos aprofundar neste assunto, até quando tem cursos nunca escolhemos os que estão relacionados a este assunto porque sempre achamos que nunca vai acontecer de termos um aluno especial” (entrevista 01, em 11/04/07).

    No que se refere a adaptação da aula de educação física pela presença da aluna cadeirante a professora relata:

    “Quando monto a minha aula penso numa atividade em que ela possa realizar junto com a turma, então sempre quando vou montar a minha aula penso nela antes e depois nos outros, isso é um pouco complicado, pois não sei se com isso estou excluindo os outros alunos, então sempre tem uma atividade que ela não realiza, por ser uma atividade mais agitada” (entrevista 01, em 11/04/07).

    Essa é uma das dúvidas que aparece muitas vezes, de até que ponto a inclusão funciona, pois no discurso da professora aparece a possibilidade da exclusão dos outros alunos.

    O que também aparece no discurso da professora é a sua felicidade em conseguir adaptar a aula, mesmo não tendo tanta experiência e entendimento sobre as necessidades especiais, a professora relata:

    “ Um dos pontos positivos em dar aula para ela, é ver ela incluída com o resto do grupo de alunos, ver ela tentando participar da aula e vejo que ela nunca desiste de tentar realizar alguma atividade, fico muito feliz em ver a satisfação quando ela consegue realizar as atividades propostas na aula” (entrevista 01, em 11/04/07).

Considerações finais

    O presente estudo teve como preocupação inicial investigar a relação entre a professora e sua aluna com necessidades especiais nas aulas de educação física da escola comum. Tendo como bases a capacidade da professora receber emocionalmente a aluna com necessidades especiais, e também, a formação na graduação, como fatores essenciais para a professora desenvolver uma didática adequada para atuar com alunos com necessidades especiais. A partir desses pressupostos, o estudo resultou nas duas categorias estudadas.

    Quanto à categoria da relação entre a professora e sua aluna com necessidades especiais nas aulas de educação física pude compreender que:

  1. O discurso da professora é favorável à inclusão de alunos com necessidades especiais;

  2. Apesar do discurso favorável, os relatos da professora também destacam a insegurança e as dúvidas de como tratar a aluna;

  3. A professora também relata a inexistência de uma ação integrada de toda a comunidade escolar, situação em que a professora atua muitas vezes sozinha com a aluna com necessidades especiais;

  4. É perceptível a questão da estrutura física da escola como uma das barreiras para o processo de inclusão. Fator que pode dificultar a relação entre a professora e a aluna, porque há dificuldades em adaptar a aula no espaço existente.

    Quanto à categoria da formação na graduação como influência na relação da professora de educação física com sua aluna com necessidades especiais pude destacar que:

  1. A formação na graduação da professora apresenta carências de conteúdo e de experiência para o desenvolvimento de uma aula de educação física para alunos com necessidades especiais;

  2. Os currículos do curso superior de formação do profissional de educação física se mostram carentes para a finalidade da inclusão de alunos com necessidades especiais nas aulas de educação física da professora da escola comum;

  3. A insegurança e a fragilidade da professora diante de sua aluna cadeirante, pode ser atribuída a uma formação inadequada;

  4. A professora demonstra muita sensibilidade e esforço para conseguir adaptar a aula de educação física em virtude da presença de sua aluna cadeirante.

    A partir da descrição das categorias é possível perceber uma relação de ajuda entre a professora e sua aluna com necessidades especiais, tanto em nível pessoal como pedagógico, ou seja, de auxilio no aprendizado e na participação da aluna nas aulas de educação física.

    Com base nesta reflexão é possível compreender que o processo de inclusão está presente na prática pedagógica da professora. Está presente uma vez que a professora reconhece a aluna e estabelece uma relação afetiva com a aluna em suas aulas.

    O que aparece também é que apesar da formação inicial fragilizada para saber como trabalhar e como receber um aluno com necessidades especiais, a professora demonstrou estar de receptiva e de acordo com o estudo ela tentou favorecer a participação da aluna nas aulas de educação física sempre que possível.

    Com a descrição do estudo foi possível conhecer os aspectos positivos e negativos presentes na relação da professora e sua aluna cadeirante. Os aspectos positivos presentes são: a) a receptividade da professora; e; b) o esforço da professora para incluir a aluna nas práticas das aulas de educação física. Os aspectos negativos presentes são: a) a carência da estrutura física da escola; b) a formação na graduação distanciada do tema da inclusão de aluno com necessidades especiais; e; c) o isolamento da professora em relação a ajuda pedagógica da comunidade escolar.

Referências

  • BORGES, C. O professor de educação física e a construção do saber. Campinas, Papirus Editora, 2001.

  • CARDOSO, M. Aspectos históricos da educação especial: da exclusão à inclusão - uma longa caminhada. STOBAUS, C. Educação especial: em direção á educação inclusiva. Porto Alegre, EDIPUCRS, 2004.

  • CHAVES, F., FALKENBACH, A., BATTISTELI, G., MEDEIROS, J., APELLANIZ, A. A questão da integração e da inclusão nas aulas de educação física. In. III Congresso Sulbrasileiro de Ciências do Esporte, Santa Maria, 2006.

  • CORREA, R. Forma - ação de professores. GUIMARÃES, T. Educação inclusiva: costruindo significados novos para a diversidade. Belo Horizonte, Lições de Minas, 2002.

  • FALKENBACH, A., BATTISTELI, G., MEDEIROS, J., APELLANIZ, A. A formação e a prática vivenciada dos professores de educação física com a inclusão de crianças com necessidades especiais na escola comum. Lajeado, 2007 (mimeo).

  • FALKENBACH, A. A relação professor/aluno em atividades lúdicas: a formação pessoal dos professores. Porto Alegre, Edições EST, 1999.

  • GALLARDO, J. Educação Física: contribuições à formação profissional. Ijuí, Unijuí, 2004.

  • NEGRINE, A. Instrumento de coleta de informações na pesquisa qualitativa. A pesquisa qualitativa na Educação Física: alternativas metodológicas. Porto Alegre, Sulina, 1999.

  • PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS. Educação Física. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília, MEC/SEF, 1998.

  • PAULON, S. Documento subsidiário á política da inclusão. Brasília, Secretária da educação especial, 2005.

  • SAINT-LAURENT, L. A educação de alunos com necessidades especiais. MONTOAN, M. A integração de pessoas com deficiência: contribuições para uma reflexão sobre o tema. São Paulo, MEMNON, 1997.

  • SANTIN, S. Educação Física: da alegria á opressão do rendimento. Porto Alegre, EST, 2001.

  • SASSAKI, R. Inclusão: construindo uma sociedade para todos. Rio de Janeiro, WVA, 1997.

  • TRIVIÑOS, A . Introdução a pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1995.

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