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A deificação de um ídolo:
Maradona, entre o divino e o pagão

   
*Mestres em História / UFRJ.
**Mestres em História / UFRJ.
(Brasil)
 
 
Maurício Drumond*
msdrumond@yahoo.com.br  
Ricardo Pinto dos Santos**
ricardobull@bol.com.br
 

 

 

 

 
Resumo
     Este artigo é uma reflexão sobre o papel e a imagem construída em torno de Diego Maradona, maior ídolo do futebol argentino. Neste estudo tentamos demonstrar que Maradona ultrapassou as barreiras futebolísticas e se tornou um dos maiores ídolos da história de seu país, transcendendo o campo esportivo, e sendo por vezes comparado a um deus no cotidiano do povo argentino. Este ensaio não busca responder perguntas, mas levantar novas questões sobre um objeto já muito estudado pela academia argentina, porém não encerrado, visto agora sob um olhar de fora.
    Unitermos: Futebol. Maradona. Argentina. Brasil.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 12 - N° 113 - Octubre de 2007

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Dieguito... "El pibe de la luna".
¡Dieguito... es grande como el sol!
¡Dieguito... es nuestra fortuna!
Dieguito... regálanos un gol
.
(Domenico "Mimo" Politanó)

Nem príncipe, nem rei. Deus.
(Camisa com foto de Maradona,
a venda nas lojas de Buenos Aires).

Introdução

    Para qualquer estudioso do esporte na América Latina, visitar a cidade de Buenos Aires é mais do que uma obrigação acadêmica, é um grande prazer. E como historiadores e pesquisadores de futebol, faltava a nosso currículo uma boa visita aos nossos vizinhos e grandes rivais futebolistas. Neste ano, enfim, conseguimos um tempo, entre todas as obrigações, para uma boa visita a cidade do tango e do futebol. Na verdade, cidade de muito mais; de pessoas maravilhosas, de espaços públicos muito bem ocupados, de magníficas livrarias e com uma noite muita agitada. Obviamente, as diferenças sociais também estavam evidentes, mas, como bons turistas, preocupei-me com outras coisas.

    Dentre estas coisas, uma nos chamou mais a atenção e nos causou, sem sombra de dúvida, certo espanto. Pensávamos que, como brasileiros, já tivéssemos visto as mais desvairadas adorações de torcedores a craques de seus times ou mesmo representantes de seu país. Porém, caminhando pelas largas avenidas e ruas movimentadas da cidade, nos deparamos com um fenômeno de causar perplexidade.

    O fenômeno se chama Diego Armando Maradona. Jogador brilhante e surpreendente, ele conseguiu, com seus companheiros, levar a seleção Argentina a um título mundial no México, seguido por um vice-campeonato em 90; e por isto imortalizaram-se na história do futebol mundial. Gênio incontestável da bola, foi idolatrado em todos os clubes por que passou - Argentinos Juniors, Boca Juniors, Barcelona, Nápoli, Sevilla e Newell's Old Boys. Mas quem conhece a capital Argentina sabe que a paixão por Maradona vai para além do futebol, assim como das paixões convencionais pelo clube do coração.

    Don Diego, como é conhecido, é uma fronteira viva entre o divino e pagão, entre o bem o mau. Jogador que foi personagem de diversos escândalos relacionados ao universo das drogas, conseguiu mobilizar e encantar milhões de pessoas com a sua genialidade dentro das quatro linhas. Notadamente na Argentina conseguiu muito mais, conseguiu transcender as fronteiras do futebol e atingir em cheio os corações e mentes argentinas.

    Nenhuma das histórias contadas sobre o futebol conseguiria expressar, ou mesmo superar, a experiência de uma visita ao Estádio do Club Atlético Boca Juniors, oficialmente nomeado Alberto J. Armando, mas mundialmente conhecido como La Bombonera. À entrada do Museo de la Pasión Boquense, encontra-se de guarda, com a mão direita ao peito e a bola ao pé esquerdo, portando a faixa de capitão, uma estátua em bronze de tamanho natural do ídolo Argentino. O grande detalhe é que a estátua, inaugurada em novembro de 2006, foi feita por um grupo de fãs e hoje ocupa posição de destaque no hall central do museu.

    No entanto, a presença de Dieguito não se restringe ao estádio do clube que o projetou internacionalmente. Maradona pode ser visto por todos os cantos de Buenos Aires. No mundialmente conhecido Caminito, um dos mais belos pontos turísticos da cidade, o visitante é recebido pela estátua de Maradona vestindo o uniforme do time de La Boca, acompanhado pelas estátuas de Evita Perón e Carlos Gardel (ver foto). Aqui, a figura do craque se funde à história argentina, colocado junto a um panteão de símbolos pátrios mitificados.

    Até mesmo com um simples passeio pelas lojas de material esportivo de Buenos Aires conseguimos notar um algo a mais na paixão por Maradona. As camisas, os pôsteres e os cartazes a venda nas lojas e até mesmo em bancas de jornal deixavam claro o grau de adulação ao ídolo. Se Pelé é declarado, no Brasil e em grande parte do mundo, o rei do futebol, Maradona é, para eles, o Deus. Produtos em que a palavra "Dios" (Deus) é escrita com o número 10 no lugar das letras "i" e "o" - D10S - são encontrados por toda a cidade. Como exemplo podemos citar uma camisa com a inscrição "YO VI A D10S", ou mesmo apenas a corruptela "D10S" exibida em pôsteres, camisetas e bonés.

    A deificação de Maradona pode ser verificada em várias outras camisetas, que exibem o jogador com inscrições como "el papa es alemán pero Dios es argentino"; "al séptimo dia, descanso" (com a foto do jogador descansando, sentado em uma bola); "Diego Armando Maradona - Dios Mio". Uma destas camisetas explicava com perfeição a nova "religião" argentina. Na frente trazia as inscrições "La Biblia" (com o desenho de uma bola); "El Templo" (o estádio); "La Fe" (a torcida vibrando); e "El Dios" (a figura de Maradona com a camisa 10, comemorando um gol). Nas costas da camisa, podia-se ler: "Maradona, sos mi locura, mi vida, mi pasión, mi religión".

    Estes são apenas alguns dos exemplos que podemos dar acerca da paixão que o polêmico astro desperta em seu povo. Mesmo com todos os percalços de sua carreira e dos problemas enfrentados pelo jogador em sua vida particular, Maradona não parece possuir detratores na Argentina. E se os tem, estes que se cuidem ao criticar o jogador. Este fato ficou patente em nossa visita a uma loja de souvenires ao lado do estádio La Bombonera, na qual fomos hostilizados ao tirar uma foto ironizando um cartaz onde se lia "no aceptamos malos comentarios acerca de Maradona" (ver figura), tapando nossas bocas como quem diz, "só não falo mal porque não posso", no mais puro humor carioca sobre nossos grandes rivais.

    Notadamente que, como brasileiros, temos ídolos no futebol. De Pelé a Ronaldinho, vário foram aqueles que quando criança tentamos imitar - não tão bem é claro. Mas Maradona aparenta estar acima de uma mera idolatria esportiva.

    Tal é a paixão gerada pelo ídolo que alguns torcedores criaram a burlesca Igreja Maradoniana. Seus adeptos possuem um calendário próprio, de acordo com o qual estaríamos no ano 46 d.D (Depois de Diego), e celebram duas datas festivas anuais. A primeira é no dia 22 de junho, celebrando o dia em que o jogador fez o gol contra a Inglaterra na Copa de 1986. A segunda seria o natal da Igreja (chamado de Natividad por seus membros), no dia 30 de outubro - dia do nascimento do jogador. Em uma reportagem para a Reuters, Alejandro Verón, co-fundador da Igreja, faz questão de dessacralizar a cerimônia do "natal maradoniano" do ano de 43 d.D, dizendo: "somos todos católicos romanos, nosotros tenemos un Dios de razón, el cual es Cristo, y un Dios del corazón, que es Diego" 1. Verón ainda afirma que a Igreja possui por volta de 20 mil pessoas "convertidas" através do sítio da Internet2, possuindo "fiéis" por todo o mundo.

    No entanto, apesar de seu caráter irônico, a organização pode nos mostrar muito do que o ex-jogador de futebol representa para o país. É interessante notar que esta Igreja não foi fundada por em Buenos Aires, mas na cidade de Rosário, na província de Santa Fé. Seus fundadores não são ligados a nenhuma equipe pela qual Maradona tenha jogado. Sua idolatria vem de seus feitos pela seleção e pelo que representa o ídolo para a nação.

    Diego Maradona começou sua carreira no clube Argentinos Juniors, sendo intitulado "el pibe de oro" (o garoto de ouro). No entanto, foi após a sua ida ao Boca Juniors que o jogador se consolidou como o maior craque argentino. Os dois anos que jogou no clube de La Boca foi mais do que suficientes para que o camisa 10 se identificasse com o clube, para onde retornou após sua suspensão por doping na Copa de 1994 para encerrar a carreira.

    Mesmo com toda sua identificação com o time de La Boca, don Diego é reverenciado até mesmo pelos torcedores do River Plate, maior rival do Boca Juniors. Para nós, cariocas, seria o mesmo que ter os torcedores do Vasco da Gama idolatrando Zico, maior ídolo do Flamengo. Talvez tenha sido este nosso estranhamento maior sobre este fenômeno. Apesar de reconhecermos em Pelé o maior jogador de futebol de todos os tempos, por via de regra temos como ídolos no esporte atletas identificados com nossa paixão clubística. A identificação de jogadores como Zico, Roberto Dinamite, Ademir da Guia e Rogério Ceni com clubes como Flamengo, Vasco da Gama, Palmeiras e São Paulo, respectivamente, é muito grande para que um torcedor de outro clube o idolatre. Por mais que este possa reconhecer a qualidade do craque e torcer por este na seleção nacional, ele estará para sempre marcado pelo clube com o qual se identificou3.

    Assim, vimos que a paixão dos argentinos - ou pelo menos dos portenhos - por Maradona ultrapassou as barreiras dos gramados, das cores dos clubes que defendeu, e se espalhou por toda a sociedade. Amantes ou não do futebol reconhecem o ídolo como um símbolo da Argentina. Diego Armando Maradona não é apenas um ex-jogador de futebol, ele se tornou a maior celebridade nacional, tendo até mesmo seu próprio programa na TV em 2005, "La noche del Diez". Maradona, mesmo com todos os seus percalços e pecados, se tornou maior do que qualquer outro ídolo argentino, talvez ao lado de Eva Perón, e se encontra em algum lugar entre o divino e o pagão.


Notas

  1. "Iglesia Maradoniana celebra el cumpleaños de su máximo ídolo pagano", http://www.sitiosargentina.com.ar/notas/notas_viejas/80.htm, descarregado em 13 de fevereiro de 2007.

  2. http://www.iglesiamaradoniana.com.ar

  3. O fato desta identificação jogador/clube ter se tornado uma raridade no futebol atual não será enfocado neste ensaio. O ponto a ser considerado é que, de fato, Maradona possui uma forte identificação com o Club Atlético Boca Juniors e ainda assim parece também ser idolatrado por torcedores de outros grandes clubes rivais.

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revista digital · Año 12 · N° 113 | Buenos Aires, Octubre 2007  
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