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Folia-de-Reis: representações de
uma comunidade de pescadores
Folia-de-Reis: imaginario de la comunidad de pescadores
Folia-de-Reis: imaginary world of a colony of fishermen

   
*Especialista em Educação Física Escolar - UFJF
Governador Valadares - Brasil
**Doutor em Ciências Sociais - PUC/SP

Membros pesquisadores do GESPCEO
(Brasil)
 
 
Professora Romena Olívia de Souza*
romenaolivia@hotmail.com  
Prof. Luiz dos Anjos**
jluanjos@terra.com.br
 

 

 

 

 
Resumen
     El presente estudio trata de la identificación de los grupos de danzas populares existentes en el Norte de Espírito Santo. La región posee un vasto campo cultural en el cual encontramos grupos de danzas de diferentes orígenes, que son: Folia-de-Reis, Folia-de Bois, Congo y Ticumbi. El objeto del estudio se limitó a catalogar los movimientos y expresiones corporales de esas danzas, teniendo la Folia-de-Reis como objeto específico de análisis. En el proceso metodológico, utilizamos entrevistas abiertas con liderazgos de los grupos culturales y de observaciones etnográficas en dos grupos previamente elegidos. Identificamos en los grupos de Folia-de-Reis singularidades destacadas que permiten un estudio de los movimientos corporales presentados en sus expresiones.
     Palabras clave: Folia-de-Reis. Danzas. Educación Física.
 
Abstract
     This study sets out to identify the groups of folkloric dances that occur in the north of Espiríto Santo. The northern region of Espiríto Santo boasts a vast cultural field where we found dance groups of different origins which are: Folia-de-Reis and, Congo. The object of the study was limited to classifying the movements and body expressions of these dances, taking the Folia-de-Reis and Congo as the specific object of analysis. In the methodological procedure, we conducted open-ended interviews with the leaderships of the cultural groups and made ethnographic observations on two previously chosen groups. In the groups of Folia-de-Reis, we identified marked peculiarities that allow for a more in-depth study that can pedagogically incorporate the body movements demonstrated in their expressions.
     Keywords: Folia-de-Reis. Dances. Physical Education.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 11 - N° 99 - Agosto de 2006

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Introdução

    Identificando as diversas matrizes culturais e artísticas, e discutir como elas se mostra e com quais características se apresentam entendemos ser esse um dos papéis do pesquisador que empreende um estudo das relações sociais e culturais numa região povoada por múltiplas faces culturais, como a do Norte do Espírito Santo.

    A perenidade dos elementos culturais se torna difícil num mundo globalizado no qual os recursos tecnológicos estão em constante evolução, tendo a sociedade meios disponíveis e opções variadas de diversão e lazer. O interesse pela cultura parece não ser um dos elementos capazes de figurar no universo de entretenimento no mundo urbano. No entanto, não podemos argumentar que esse campo não tem merecido ou não venha a merecer atenção de diversas áreas do mundo econômico e social. Cada vez mais cresce a busca pelo campo do conhecimento cultural, revelando formas de apreensão das mais diversas expressões e manifestações culturais regionais.

    Os traços culturais, as manifestações e expressões de dada comunidade ou grupo social vêm recebendo atenção também no campo acadêmico. A Sociologia e a Antropologia já há tempo vêm dando atenção a esses fatores, pois se trata de um dos objetos de estudo dessas áreas. A Educação Física, recentemente, inicia seus estudos, destacando a riqueza das expressões corporais, procurando tematizá-las, pedagogizá-las e inseri-las no contexto escolar.

    Mas o que nos leva a discutir e estudar os conhecimentos históricos e culturais, sabendo-se que a Educação Física tem-se ocupado de outros campos e aplicabilidades, tendo o esporte como centro de suas atenções e estudos? Ocorre que, nas manifestações culturais com fortes conotações populares, encontram-se incontáveis expressões corporais as quais podem servir à Educação Física, tornando-se parte de seus conteúdos que, pedagogizados, possam ser instrumentos de educação no interior da escola. O estudo propõe analisar essas manifestações populares para que, na escola, possamos aplicar como temas transversais garantindo possibilidades de sua contextualização para a Educação Física, História, Geografia e Estudos das Artes.

     Problematizamos nosso estudo perguntando se dentre as faces culturais existentes na região de São Mateus, entre elas a folia-de-reis e grupo de congo o que promove a continuidade dessas tradições? Desta forma propomos identificar as plasticidades das expressões e movimentos corporais causados pelas migrações culturais provinda de um outro mosaico cultural. Essas identificações nos fazem empreender este estudo com características antropológicas.

    No processo de investigação, utilizamos como instrumento de entrevista aberta com lideranças de dois grupos de folia-de-reis existentes na Vila Mamoeiros e um líder de grupo de congo, tendo como objetivo identificar na fala dos entrevistados quais as relações sociais existentes entre os atores do grupo e o papel de cada um e o imaginário coletivo e individual que permeia cada ator do grupo. Dentre essas observações, nas falas das lideranças, procuraremos identificar o que é comum a todos no grupo. Faremos observações etnográficas junto aos grupos de folia-de-reis, congo de São Benedito e ticumbi, quando de suas apresentações no período de 2004.


São Mateus, sua imigração e seus povos formadores: princípios para entendermos os recortes culturais

    São Mateus, cidade situada no Norte do Estado do Espírito Santo, colonizada pelos portugueses por volta de 1544, recebendo a denominação atual em 21 de setembro de 1566, devido à visita realizada à povoação pelo Padre José de Anchieta, no dia dedicado a São Mateus.

    Conta com o Rio São Mateus, com a extensão de 65 km, o qual, pela população, é chamado de Rio Cricaré (Kiri-Kerê), 'dorminhoco, manso' na língua indígena, o qual foi palco da história brasileira. Por suas vias, os navios negreiros e dos colonizadores adentravam ao Espírito Santo pelo Porto da Povoação. Conforme Nardoto (1999), o padre José de Anchieta, em visita ao povoado de São Mateus, o jesuíta teria mudado o nome do rio para São Mateus, acompanhando o nome do povoado, no entanto, em meio à população esse nome não vingou, ficando portanto, a denominação indígena.

     São Mateus faz limites com nove municípios, os quais se distinguem pela sua formação étnica, como Vila Valério, Nova Venécia e São Gabriel da Palha, que possuem uma forte formação étnica e cultural italiana e alemã. De outra forma, Conceição da Barra distingue-se pela sua impregnação dominante da cultura indígena e negra, identificando-se com o próprio município de São Mateus, promovendo fortes bricolagens e recortes culturais.

    Sua área é ocupada por 256.919ha. de plantação de eucaliptos, o que, historicamente, acarretou fatores que influenciaram na cultura da região. Na década de 1970, houve um crescimento populacional com uma explosão demográfica causada por dois grandes projetos econômicos estruturais. Esses projetos estavam relacionados com a exploração das jazidas de petróleo por parte da Petrobras e de reflorestamento do Norte do Estado com eucaliptos pela Aracruz Celulose S.A. e Cia. Vale do Rio Doce (Florestas Rio Doce).

    Se, de um lado, as contribuições desses dois grandes projetos tiveram reflexos positivos na economia do Estado do Espírito Santo e da região mateense, no entanto, lançando um olhar crítico, mas assentado nos aspectos históricos e cultural, podemos apontar conseqüências negativas que podem ser identificadas. No decorrer das décadas de 40 e 50, a região do litoral Norte do ES foi povoada por famílias vindas do sul da Bahia. Usando de um esforço de síntese, nessa região constata um solo fértil para agricultura e com desenhos geográficos que implicam facilidade do cultivo, devido à sua formação rochosa plana e divisa com o Oceano Atlântico, mereceu disputas na ocupação dessas terras, no decorrer da história mateense. Com o desenvolvimento econômico a partir dos anos finais de 1960, a região litorânea, de terra fértil, passou a ser ocupada pelas plantações de eucaliptos da Empresa Aracruz Celulose. Houve migração forçosa para as zonas urbanas, dos municípios de litorâneos, desfazendo os grupos de identificação cultural, como folia-de-reis, congo, marujada, pastorinhas e jongo. Esses grupos se misturaram tornando um mosaico cultural que trouxe certas distinções culturais entre os grupos que se encontram nessa região.

A luta incessante pela conquista do campo simbólico
[...] estamos num mundo
onde domina o amálgama das raças,
das etnias e das civilizações
[...] a história da humanidade toda
é a história do contato, das lutas,
das migrações e das fusões culturais

(BASTIDE, 1978, p. 23).

    Procurando dar um salto histórico, é impossível relatar a história de São Mateus e não mencionar a importância de diversos grupos étnicos que, ao se miscigenarem, originaram a população mateense. Essa importância não se prende às questões socioeconômicas, conforme a literatura tem apontado, quando historiciza a formação de uma região, mas se encontra no campo cultural e das relações sociais intrínsecas ao desdobramento de fatos socioantropológicos que se identificam individualmente ou nos grupos que compõem a região.

    Na formação de São Mateus, a convivência, nem sempre pacífica, entre brancos, negros e índios, esteve relacionada com as questões do domínio cultural de um grupo pelo outro. O que queremos enfatizar é que a grande "guerra" se deu no campo simbólico não se limitando, conforme nos aponta a História oficial, no campo da composição de forças físicas (logísticas), mas no campo das esferas culturais que adentravam na materialidade subjetiva. A batalha da qual tratamos é de mais difícil harmonização entre os povos formadores, chegando ao ponto de argumentarmos que, no início do século XXI, num olhar mais distinto, parece ainda não se findou, embora as conseqüências aparentemente não afetem os grupos étnicos atuais. Valores, costumes, tradições, religiosidade e um vasto feixe cultural pertencente a este ou aquele povo, ou grupo social, foram os umbrais que, uma vez ameaçados, simbolizavam a extinção de sua própria identidade.

    A civilização branca, isto é, sua técnica, logo pretendeu destruir as civilizações negras e índias; no entanto, o índio e o negro incapazes de se opor pela técnica ou pela civilização, opuseram-se ao branco por meio da cultura. Em outras palavras, incapazes de influir materialmente negros e índios influíram espiritualmente - por exemplo, por meio da religião, no que foram auxiliados pelo ambiente hostil ao branco e pelos mestiços. A força dessa influência, não podendo acompanhar a técnica moderna branca, arrastou o branco para sua cultura primitiva.

    Cada grupo, cada povo, estando de posse e procurando resguardar seus valores simbólicos, encontrados, principalmente no campo religioso, uma vez ameaçado por outras forças culturais, teve que aceitar o enfrentamento que foi mais austero no campo de luta das forças simbólicas, pois esse campo não significava só a identidade que unia materialmente os diversos grupos. A perda desses valores significava o domínio e o avanço de outros campos simbólicos, estranho a estruturas que permitiam a continuidade de um povo. Assim, apoderar do campo psicológico era sinal de vitória da luta, de ganho de valores e poder para introdução no seio do imaginário, apoderando-se de um novo campo simbólico o qual tornaria um grupo ou um povo destituído de sua historicidade.

    Teoricamente a luta foi deslocada e se travou no campo simbólico (BASTIDE, 1978). O autor considera o campo simbólico como um espaço existente no pensamento coletivo de um grupo que, por meio de uma crença, dá sustentação e forma rédeas de resistências opondo-se a outras crenças. Para tanto, o campo simbólico se baseia nas experiências das pessoas de uma dada comunidade, num dado tempo e espaço. Esse conceito, neste texto, será empregado como local de preservação dos símbolos culturais encontrados sobretudo nas crenças que fundam um coletivo. O campo simbólico se manifesta no imaginário coletivo onde mantêm vivos valores, comportamentos e atitudes. O grupo se entende como sujeito de suas ações e se identifica com os objetos que fornecem pertencimento ao que é seu e do grupo.

     É por meio da cultura que o homem atribui significados e compreensão às coisas, como uma dimensão extrínseca ao seu próprio corpo. São programas que modelam o comportamento e lhe dão valor simbólico - o campo simbólico faz com que o homem se torne inteligível na leitura das coisas humanas. O homem, sendo dependente dos significados simbólicos, não poderá sobreviver sem os sistemas que lhe dêem direção, residindo aqui o objeto que queremos discutir ao falarmos de luta no campo simbólico. Por isso, qualquer fato que venha colocar os símbolos em situações que afetem ou tornem incompreensível o que está diante de seus olhos, ou que ameacem a sua totalidade, torna o homem angustiado e indefeso (BALANDIER, 1999).

    Dada essa fragilidade, por vezes a realidade abre brechas nas construções simbólicas e o homem se depara com sua impotência diante dos fatos - então volta a buscar guarida em seus sistemas simbólicos. Essa guarida permite aqui contextualizarmos a busca da manutenção dos rituais que índios e negros procuravam manter na luta incessante contra o domínio e a cooptação branca. Essa luta levou às mais diversas relações no sentido de preservação e conservação de suas tradições e de manter vivo o campo simbólico que, resguardado pela memória coletiva, garantiria a continuidade de entendê-los como sujeito de suas práticas ritualísticas.

    As relações e os cruzamentos entre elementos culturais populares ocorrem ora de forma diacrônica, construindo novos cenários, moldando e modificando estruturas verbais e corporais. Esse fenômeno vem ocorrendo tendo singularid ades em cada região onde os fatos se mostram; ora construindo um cenário sincrônico que apontam relações de interesses nas quais os grupos se beneficiam.

    Colhendo subsídios para debater esses fenômenos, buscaremos em atores que foram protagonistas na construção desse novo cenário na própria região de São Mateus. Segundo um personagem, nos informou que em São Mateus, - "[...] havia grupos de jongo que não tinham relações com as esferas das festas católicas [...]. De um lado, as hierarquias verticais, ritos, ritmo, cânticos e expressões Oficiais, de outro, Grupos Populares de manifestações populares com seus cânticos, suas expressões corporais e expressões verbais. A via das manifestações são assimétricas, pois de um lado as expressões corporais, verbais e de ritmos são os pontos de particularidades entre os grupos.

    Aqui se percebem duas situações em que os objetivos se particularizam. De um lado o popular, identificado nos grupos que, na sua maioria, pertenciam a grupos étnicos afros e de outro suas expressões e manifestações onde o corpo é sujeito dessas expressões. Enquanto que os grupos populares dançam, canta, a hierarquia da Igreja permite-se e os aceitam, porque os limites ainda não foram ultrapassados. [...] Mas quando percebia alguma coisa diferente eles eram rechaçados" [...], segundo informa o personagem. [...] E então o que eles fizeram? passaram a usar das mesmas denominações em suas homenagens e conseguiram ser aceitos".

    Aqui, não se revela a questão institucional mas de resguardar o espaço das consciências individuais. Torna-se mais complicado, pois estão em jogo vários níveis de convicções pessoais e os princípios de determinadas cosmovisões. Há, sim, um espaço a defender e por isso não se permite juntar. O que poderia ser simples aceitação de um pelo outro, se configura numa aceitação tática com a estratégia em ambos os grupos, no sentido de continuidade de seu campo simbólico. No entanto as cosmovisões eliminam qualquer possibilidade de perder o espaço cedido, pois expressam uma disputa que tem expressões concretas na vida cotidiana. Por meio das cosmovisões identificamos a configuração e os recortes que vão sendo construídos, promovendo apropriações territoriais qual é alvo de disputa. Revelando a ocupação de espaço, um novo cenário vai aos poucos configurando novos recortes, promovendo entrecruzamentos culturais, de tradição, de expressões e manifestações verbais e gestuais/corporais.

    Quando um grupo sente-se ameaçado e sem forças de opor, parte-se para o disfarce (Valente, 1976). Ao disfarçar ou ceder espaço podemos indagar que pelo lado dos grupos populares havia autenticidade da convicção e na aceitação da composição com outro campo simbólico? Ou no desenrolar das trocas dos espaços teríamos a continuidade ou a perda de imaginários coletivos dos atores populares? São situações e realidades ambivalentes que colocam sérias questões do habitus, posições que se evidencia cada vez mais que imergimos na observação dos atores que se encontram nos grupos de origens populares. Na identificação dos personagens dos grupos de folia-de-reis, essa observação identifica na figura do Mestre e do Contramestre. Há um diacronismo de expressões corporais e expressões verbais, em que cânticos, ritmos e movimentos corporais se renovam revelando novos contornos estéticos que passam a constituir novas identidades culturais.

    O próprio Bastide (1978) e Valente (1976), apontam nessa direção, quando os blocos de maracatu eram, na verdade, associações de negros com alguns brancos revolucionários para discutirem questões pertinentes às informações de revoltas e formas de oposição ao estado social em que viviam. Um ritmo de cantorias com alegorias, cores e danças entrou em choque com o ritmo lento e hierárquico Oficial. Nesse cruzamento, as festas, de homenagens, não perderam suas características, mas se tornaram mais atraentes, lúdicas e animadas.

    Assim manifestação, sem qualquer expressão pelo corpo, deu lugar à animação dos "blocos" dos negros que, num sentido coletivo, construíram e refizeram novos contornos estéticos desempenhando papéis nas festas, sendo, portanto, protagonistas nos desfiles/encenações. Assim, as festas de mastro em homenagens a São Benedito e a outras denominações possuem suas faces que conotam as identidades e características de ambos os campos simbólicos.


O fazer popular: suas festas, seus ritos, suas expressões e transformações

    Para melhor analisarmos as características e singularidades das danças populares, é necessário que conheçamos o locus em que elas estão inseridas. Julgamos que duas definições são suficientes. Segundo Pacheco (1994), a continuidade dessas manifestações têm sido pela oralidade. Para Bastide, oralidade é toda maneira de pensar, sentir e agir que constitui uma expressão de experiência peculiar da vida de qualquer coletividade humana, integrada numa sociedade. Essa experiência tem sido preservada por meio da tradição oral, por um povo ou grupo populacional. Grande parte dos elementos popular encontra-se retida e acondicionada na memória popular.

     São festas que mantêm entre si similaridades e diferenças construídas e cravadas em ritos originados de costumes que se fixaram no âmago de cada uma das comunidades participantes, possibilitando a compreensão de suas particularidades. Aqui, vamos falar das festas de contextos sagrados e profanos. A diferença entre as festas sagradas e profanas pode parecer imperceptível ou insignificante quando se observa de um modo superficial ou generalizado, porém veremos que essa diferença é visível, primordial e é também, geradora de discussões, a qual deve tratar com suporte metodológico-científico e amparado por conhecimentos da Antropologia.

    É fundamental salientarmos que tanto as festas populares sagradas como as profanas, independente de suas classificações e conceitos, desempenham uma função social, na medida em que seus participantes compartilham elementos em comum de seu simbolismo e sua visão de mundo. Nas festas populares de caráter sagrado, o principal objetivo é a homenagem a uma determinada deidade. Incorremos ao risco, de forma audaciosa, reconhecendo a legitimidade de Caillois, em sua obra O Homem e o Sagrado (1950) e buscando com ele um diálogo, quando diz que essas festas exibem uma espécie de dom de fascinação, além de retratar seu caráter sagrado.

    Torna-se praticamente obrigatórios nos voltarmos mais uma vez a Caillois (1950) com a finalidade de entendermos alguns aspectos da relação entre o sagrado e o profano. Caillois (1950) diz: "O profano tem sempre necessidade do sagrado, é constantemente impelido a apodera-se dele e com avidez e arrisca-se assim a degradá-lo ou a ser ele próprio aniquilado". Conforme Caillois (1950), mesmo que tentássemos delimitar com precisão esses dois mundos, vão seria nosso esforço, pois eles só se definem rigorosamente um pelo outro. O autor prossegue: "Excluem-se e supõem-se.[...]. O sagrado seria uma propriedade estável ou efêmera a certas coisas, a certos seres, a certos espaços, que podem se revestir de um prestígio sem igual aos olhos do indivíduo ou da coletividade". O sagrado é perigoso e de difícil manejo. O problema consiste em saber utilizá-lo. Mesmo que o ser ou o objeto consagrado não sofra modificações na sua aparência, ele é transformado em sua totalidade e, a partir desse momento, infere nas pessoas uma mudança de comportamento em relação a ele. O objeto que foi consagrado poderá suscitar pavor e veneração. Como exemplo pode identificar o significado atribuído a bandeira nos grupos de folia-de-reis.

    O sagrado exerce um poder de atração muito forte sobre o profano, originando neste um desejo praticamente incontrolável de apropriação seguido de aniquilação. A assimilação é possível e percebida, porém a extinção é teoricamente utópica. Com base nas palavras de Caillois (1950, p. 22) "[...] ambos são necessários ao desenvolvimento da vida: um como meio onde ela se desdobra, o outro como a fonte inesgotável que a cria, que a mantém, que a renova".

    Se o profano alcançasse êxito em sua tentativa de extermínio ao sagrado, conseqüentemente, constataríamos um duplo extermínio, seria o homicídio do sagrado seguido pelo suicídio do profano. A presença do profano nas festas poderia extinguir o sagrado, portanto torna-se necessário o sagrado incorporar-se a ele para evitar uma ação de destruição por parte das forças profanas. Essa junção acaba promovendo um ponto de equilíbrio sincronizado, capaz de "neutralizar" a capacidade destrutiva do profano.

    No profano, o sagrado está latente, no entanto, nesse festejo, não é ele que prevalece; predomina o espírito lúdico, visa mais ao divertimento que a qualquer outro objetivo. Mas são semelhantes seus componentes, quase idênticos: teatralizações, música e dança combinadas, repletas de tambores e batuques. Pode-se dizer, que é a associação simultânea de teatro, auto e poesia de origens portuguesas, somadas a formas afro-brasileiras e à inspiração indígena.

    Entre os grupos que encenam festas sagradas e profanas, mais conhecidos do Estado do Espírito Santo, estão as bandas de congo, os jogadores de jongo, o ticumbi e a folia-de-reis. Embora, em algumas regiões, os três primeiros grupos sejam muitas vezes confundidos e tratados como se fosse único, devido principalmente à semelhança nas características de seus atores, seja na indumentária, nos instrumentos musicais, nos movimentos corporais, e também devido ao intercâmbio que realizam, sendo comum estarem inseridos numa mesma apresentação. Encontramos subsídios nas observações etnográficas que nos auxiliaram a compreender e discernir esses quatro grupos. Trataremos desse tópico com a profundidade necessária, descrevendo cada um deles e seu papel nas festas e nos folguedos.


As danças populares: herança cultural

    Devido à forma de exposição que empregamos ao contexto das festas de conotações sagradas e dos folguedos, presume-se que não existam dúvidas a respeito de suas diferenças e características.. Antecedemos que não foi com facilidade que essas danças perduraram contemporaneamente. Os mecanismos de resistência desenvolvidos por essas práticas corporais tornam seu estudo muito mais intrigante e surpreendente ao revelar a importância do caráter subjetivo, mascarado e protegido pelos seus atores sociais. Autores como Pacheco (1994), Nardoto (1999) e Lyra (1999), que estudam a cultura e o folclore espiritossantense não descrevem as plasticidades e os movimentos corporais das danças e manifestações culturais por eles analisadas. Essa é uma possibilidade e um dos estudos futuros que nos espera assim que teoricamente finalizarmos acerca dessas manifestações.

    A dança do congo de São Benedito pode ser observada durantes os festejos referentes ao ciclo natalino, nos últimos dias de dezembro e se estendendo ao mês de janeiro. O congo é marcado pela espontaneidade de seus participantes e tem um significado espiritual e cultural, pois, além de representar homenagens, promove a transmissão das tradições de um povo, que encontrou nas danças/práticas corporais uma alternativa de perpetuar sua história, seus costumes e suas crenças.

    Na região de São Mateus (ES), os protagonistas desse espetáculo se deslocam da cidade de Conceição da Barra, município localizado nas proximidades de São Mateus, carregando bandeiras e cantando e, nas dependências da igreja, retomam a cantoria acompanhada das danças.

     A dança do congo é caracterizada por um bailado rigoroso, com algumas manobras complicadas sob ritmo cadenciante. É saltitante e marcada pela ginga e cruzamento de pernas e pés. Os movimentos são rápidos em direção horizontal, com deslocamentos laterais singulares ao movimento de um pêndulo. Os atores trocam de lugar e realizam evoluções. Observamos que movimentos bruscos realizados com os quadris e cabeça estão presentes, principalmente nos atores femininos, que em movimentos frenéticos de cabeça, tronco e quadris realizam movimentos de giros com o corpo, finalizando em movimentos sincronizados entre cabeça, tronco e quadris. Algumas modificações são notadas de acordo com o município, porém os movimentos essenciais permanecem.

     Na mesma região, mais próxima ao município de Aracruz, identificamos outros movimentos cinéticos. Há um ritmo marcado pelos pés, circundando o solo, ora realizando pequenos saltitos, sem deslocamentos laterais. Não identificamos movimentos entrecortados com os pés e circundução do tronco. Julgamos a existência desses movimentos, pois localização desses grupos de congo em Aracruz, é formada por índios e esses possuem seus movimentos com os pés, diferente dos negros que realizam seus movimentos com os quadris. Julgamos não existir um trânsito de atores de diferentes manifestações culturais na sua realização. Seus personagens são exclusivos e não permitem compartilhar seus papéis com personagens de outras manifestações culturalmente transformadas.

    Colhendo informações com líderes de grupos de congo nos informa "é o símbolo da dor ... essa contorção foi um jeito arrumado para livrar da dor lá do passado". Um segundo líder nos diz "... esse jeito a gente faz prá dançar e pra homenagear o santo padroeiro nosso". Aqui revelam dois significados que nos coloca frente aos referenciais deste estudo. De um lado a dança, os movimentos corporais indicam uma situação histórica guardada na memória do corpo e de outro, corrobora o que Bastide (1978) argumenta que as danças foi um disfarce para que o campo simbólico fosse preservado.

    O congo possui presença de instrumentos rústicos: tambores, bombos, cuícas, chocalhos, triângulos e pandeiros, feitos pelos próprios participantes. Ao som desses instrumentos, desfilam pelas ruas cantando versos referentes à escravidão. São toadas tristes que, no entanto, não os impedem de dançar.

    Observamos que nos grupos de congo da região de São Mateus, conserva a tradição centenária, diferente das bandas de congo próximas da Capital, Vitória. Os instrumentos além de serem feitos artesanalmente não se identificam o uso da baqueta e são denominados de grupos de congo, enquanto que próximo aos municípios de Vila Velha, Serra e na zona urbana de Vitória são denominados de bandas de congo, tendo uma característica mais comercial.

    Identificamos nessa manifestação a possibilidade de conservação do campo simbólico, materializado e guardado no imaginário coletivo desses grupos que, na objetividade dessa "força", leva a preservar e estabelecer novas formas sociais de continuidade de uma cultura. Historicamente, os grupos de congo produziram e produzem uma rede de relações não apenas cerimoniais, mas matrimoniais, de interesses mútuos, que revigoram e atualizam os vínculos entre seus atores nas localidades afastadas ou no interior do próprio município, mas que se une na decorrência dos festejos.


A folia-de-reis e seus aspectos sociais

    Aqui, procuraremos fazer referência à folia-de-reis em seus mais diferentes aspectos. Os grupos analisados-observados estão localizados na região dos municípios de São Mateus e Conceição da Barra. Tal preposição é de que a escolha que nos leva a dissertar a respeito dessa festa é que ela, entre outras por nós identificados, permanece viva no imaginário dos grupos existentes revelando nessa manifestação cultural maior plasticidade de movimentos corporais.

    A folia-de-reis possui peculiaridades que a distinguem de outras danças populares pois, conforme identificamos em nossos estudos, absorve e permite a integração de componentes de outras manifestações culturais já extintas. Tal fenômeno cultural caracteriza a folia-de-reis em múltiplos aspectos estéticos, revelando e modelando certa plasticidade que renova e cria diferentes faces de expressão. Essa estética que é objeto de análise observa na folia-de-reis e na sua derivação como folia-de-bois e reis-de-bois. Nas danças, devido ao trânsito de diferentes atores em seu interior, permitiram a interação com outras expressões. E, de acordo com a predominância dos atores denomina-se folia-de-reis ou folia-de-reis-de-bois.

    É de grande relevância essa discussão, pois a não distinção entre folia-de-reis e folia-de-bois nos levaria a uma exclusão teórica do que já discutimos anteriormente. É fundamental salientar que, após analisarmos diversas publicações e monografias produzidas no campo acadêmico, estas não atribuíram relevância a essa questão. Vale lembrar que, devido ao trânsito existente entre os personagens de ambas as manifestações artísticas, isso faz com que haja confusão e equívocos em nomeá-los e distingui-los. A observação por nós realizada reside, basicamente, em dois personagens, os Reis Magos e a figura do boi, sendo que na Vila mamoeiros, em São Mateus, o que predomina é a figura dos Reis Magos e secundariamente um contingente de atores de origens de culturas transformadas.

     No grupo em que a presença dos Reis Magos desempenha um papel mais importante, como protagonistas nas apresentações ou onde lhes é rendida homenagens em conjunto com os personagens de Maria, José, Herodes e os Reis Magos a festa é denominada folia-de-reis. Quando, no conjunto das expressões, o personagem de destaque é o boi e a teatralização gira em torno de sua morte e ressurreição, não existindo exaltação à figura dos Reis Magos, ou sendo insignificante, deixa de ser folia-de-reis e transforma-se em folia-de-bois.

    Identificamos variações em que a presença dos Reis Magos constitui a adoração ao sagrado. Já quando a presença do boi obtém destaque, identificamos como profana, (mesmo que a figura dos Reis Magos exista, porém de forma inferiorizada) ou reis-de-bois, pois a teatralização se encerra na encenação de morte e ressurreição do boi, provocando o divertimento dos participantes e espectadores, marginalizando a exaltação aos Santos Magos. Já a expressão folia-de-bois poderia ser chamada também de folguedo do boi, pois o aspecto religioso praticamente inexiste, tendo como objetivo somente a diversão caracterizada pela cantoria, dança e encenação da lenda do boi. Essa denominação não encontra na região da Vila mamoeiros.

    Pode ser observado que estamos trabalhando com duas denominações: folia-de-reis, e reis-de-bois. No reis-de-bois encontramos dois personagens centrais da folia, em que o destaque, teoricamente, fica para ambos. A encenação do auto é de acordo com a região, pois pode haver homenagens aos três Reis Magos, ficando para esses o papel central dos autos. É possível identificar grupos que permitem ao boi ser o personagem de destaque, roubando a cena. Aqui a classificação dessa festa só é possível quando, no conjunto dos autos e teatralizações, identificarmos o cenário que aponta homenagens aos Reis Magos ou o contágio do divertimento provocado pela personagem do boi.

    As diferenças regionais também interferem no calendário de realização das festas sagradas e profanas. Observamos que a data de comemoração da folia-de-reis não é a mesma em todas as regiões e municípios do Espírito Santo. Existem lugares que comemoram essa festa no período de 24 de dezembro (véspera de Natal) a 6 de janeiro; entre 6 de janeiro e 3 de fevereiro (dia de São Brás); entre 23 de dezembro e 6 de janeiro e entre 31 de dezembro a 6 de janeiro, data na qual se comemora o dia dos Santos Reis, quando todos os grupos se reúnem para fazerem suas manifestações. No entanto, o que definirá essas datas será a homenagem que os foliões atribuem.

    Durante todo esse período, dezenas de pessoas cumprem seus papéis sociais na folia-de-reis; alguns envolvidos diretamente com os aspectos de encenações, e outros estruturando o que diz respeito às dimensões "recreativas" e de diversão do espetáculo.

     A folia-de-reis é previamente planejada pelos seus atores sociais. Seus participantes se organizam em grupos, cerca de seis meses ante de forma extensiva e intensiva a cada semana quando aproxima os três últimos meses. Há um rígido respeito a divisão de trabalho e a hierarquia interna. Necessitam de ensaios periódicos para melhorar e aperfeiçoar a apresentação do grupo, como se pode observar na fala de um ator onde "[...] a participação nos grupos exige certa permanência, por isso, os grupos são considerados fechados, isto é, somente participam de forma efetiva nas representações seus próprios integrantes".

     Foliões se interagem distribuindo e executando as diversas funções para cada componentes da folia: gestos, falas, objetos, expressões que circulam entre os domínios do sagrado e do profano, objetos e atitudes que adquirem caráter sagrado (bandeira, cantorias) e seus "oponentes" conferidos ao domínio do profano (brincadeiras, diversão, ações e gestos ligados ao riso, acrobacias e saltos).


Folia-de-reis e seus atores

    A folia-de-reis pode ser numerosa ou não. É composta tradicionalmente por homens e as mulheres quase sempre são excluídas, na Vila Mamoeiros elas têm papel na organização de ensaios das crianças. Cabe ressaltarmos que, nos três grupos analisados as mulheres participam ativamente, compondo cerca de um terço dos grupos. Os grupos de folias permitem a presença de crianças, e segundo uma personagem [...] as crianças no grupo é uma forma deles aprenderem e continuar com a folia". É um aprendizado solidário, social, pois cada adulto quer ser padrinho de uma criança, para que futuramente ela diga, "[...] foi tal fulano que me colocou na folia", diz uma liderança de um grupo. Tal fato traduz-se numa forma de proporcionar sua perpetuação entre as gerações. É considerado fundamental para conservar a tradição que a criança a cada ano, cresça e adquire respeito e responsabilidade incentivando-as a manter a tradição.


Os atores

O mestre: A administração geral dos preparativos da folia é de responsabilidade do mestre. É o mais velho e o principal elemento do grupo, tem autoridade total, é responsável pela cantoria, pelo perfeito desempenho dos demais; é também encarregado de prover as necessidades materiais da corporação: uniformes, instrumental, bandeira. Ainda se observa na figura do mestre um elo de um sincretismo com as manifestações religiosas de forte cunho afro. São mestres ou responsáveis que são donos de terreiros de Umbanda, palhaços que trazem guias de seus orixás. Nos grupos da Vila Mamoeiros não se identifica essa convergência na figura do mestre e dos palhaços.

O palhaço: Com seu jeito cínico e dissimulado, representa ora os soldados do rei Herodes que ora o próprio Diabo. Ao palhaço fica destinado o papel cômico, símbolo do deboche, da diversão e da alegria contidas nesta festividade. O seu jeito alegre e suas vestimentas coloridas são responsáveis pela distração e divertimento de quem assiste o desempenho.. Geralmente possuem habilidades de acrobacias e saltos. Na Vila Mamoeiros os palhaços executam passos de frevo, mortais, espacatos, possuindo grande versatilidade corporal.

    A figura do palhaço exerce no interior da folia as atividades ligadas ao lado profano e lúdico. Sempre usando uma máscara confeccionada nos mais diversos materiais (pele de animais, tecidos, papelão, napa) essa figura/ator, ao lado da folia, executa danças e chulas com extrema comicidade.

Os foliões: Compostos de pessoas simples, geralmente de origem rural, representam a maioria dos participantes da festa. Todos os foliões estão sujeitos a uma estrita disciplina. Na observação identificamos que entre os foliões há uma multiplicidade de atores das mais distintas matrizes culturais. Observamos crianças e adultos que no grupo que tipifica os bichos da companhia/grupo, os atores fazem evolução de gingas, de passos de frevos, como ferrolho, passa-passa, agacha-agacha, pernadas e outros movimentos. Outros atores executam evoluções de saltos, mortais, gingas e espacatos. São migrantes de distintas regiões que não encontrando grupos semelhantes, foram aceitos aos grupos de folia para continuarem com sua memória cultural contida no corpo e que há necessidade de expressarem. Um líder de grupo de folia nos diz [...] essa gente precisa disso, eles vieram de uma região e lá tinham esse costume de apresentar pelo menos uma vez por ano. [...] aqui não tem e o único lugar que eles podem dançar (expressarem corporalmente) é aqui na folia. De outro lado, esse mesmo informante nos diz [...] o que faz com que os grupos não acabem é que cada membro que entra sempre faz um voto prá sair sete anos e quando está quase acabando esses sete anos ele faz outro voto e assim vai vida inteira".

    Entre roupas coloridas, ritmos de instrumentos de percussão, a tradição se mantém por duas distintas matrizes: de um lado a tradição, o peso de manter vivo algo que o corpo quer se expressar - os movimentos corporais, residindo aqui, o lado profano; de outro, os atores que mantém guardado um campo de valores, de símbolos que faz enfrentar as intempéries sociais. Se voltássemos a Bastide (1978) e Valente (1976), os enfrentamentos políticos ocorreram nos encontros das confrarias das capoeiras, dos maracatus e das festas que simbolizavam um campo mútuo das relações nas quais os negros, o povo, enfim os grupos dominados economicamente puderam se organizar para desvencilhar do domínio cultural.

A indumentária: Varia conforme o gosto e posses de cada grupo, não havendo uma constante quanto ao tecido, feitio e cores. Alguns componentes do grupo trajam roupas coloridas, com chapéus enfeitados com flores e espelhinhos. Os atores que encenam os bichos, geralmente são encenados por crianças, que no decorrer dos anos vão ganhando posições e como diz um personagem mirim [...] meu grande sonho é chegar a ser mestre do grupo. Usam máscaras de cutia, gambá, preguiça, coelho, etc produzidas de variados materiais, retirados de sucatas ou adquiridos no comércio.

    Dentre os objetivos propostos, observamos a multiplicidade de atores contida na folia-de-reis, seus movimentos e suas relações. A descrição etnográfica traduziu o contexto do grupo e não de cada ator, diferente do congo onde descrevemos os movimentos por se tratar de contexto diferente onde há semelhança nos movimentos corporais. A folia-de-reis se torna uma análise e descrição de difícil observação devido a sua multiplicidade de atores com distintos movimentos singulares.

    Conforme Lunhing (2002), nas festas populares há uma transferência hierárquica pra cada ator que faz parte dos grupos onde cada um se transforma na própria personagem e que, na instituição Oficial, se torna difícil qualquer aproximação. O que anima esses grupos não desapareceu, contudo se manifesta de forma sincrética que na possibilidade de manter vivo o imaginário coletivo, constroem e reconstroem expressões que, no jogo da manifestação, o que é sagrado e estabelece na vida social se transforma em dança.


Análise final dos estudos

    Finalizar m estudo, que a nosso ver trata-se de um ensaio preliminar, podemos ficar devendo, pois tanto a fundamentação teórica como os objetivos analisados fiquem incompletos. Nesse estudo, não consideramos que o objeto analisado seja tomado em sua natureza como possível conhecimento a ser pedagogizado. Expressões e movimentos corporais, não devem ser concebidos como meras expressões e estímulos que apresenta uma face biológica e motora do corpo, tampouco um auxílio servindo como conteúdos para os diversos conhecimentos tratados na escola. Esses devem ser vistos como construções históricas da humanidade, ou de um grupo, como forma de emancipação e confronto com a dominação e submissão no decorrer das relações sociais antagônicas.

    Coube nesse estudo discutir o corpo e sua especificidade cultural, partindo da consideração que de o corpo expressa valores e significados de um dado grupo social. As danças, expressões e movimentos corporais são considerados elementos da cultura, são fenômenos que expressam, um sentido, um significado, não sendo um elemento redutor que não avança e não se transforma. Assim a folia-de-reis se apresenta e garante possibilidade que em seu interior, outros elementos culturais provindos de distintas matrizes culturais possam interagir, mesmo que os processos por vezes inconscientes nos atores presentes nas relações sociais acabam influenciando e tornando-se mediadora dos distintos elementos.

    O congo, embora não seja uma manifestação que absorva elementos culturais de distintas matrizes, o campo simbólico não é reduzido na sofrendo transformação. Se seus movimentos são históricos, conforme identificamos na fala de um líder, logo se entende que historicamente o campo simbólico sofre transformações provindas dos próprios atores, pois sendo simbólica, se torna coletiva e na interação dos agentes a coletividade é interpenetrada de novas relações e como argumenta Bastide [...] a história da humanidade toda é a história do contato, das lutas, das migrações e das fusões culturais". (1978)..


Referências

  • BALANDIER. George. Poder e modernidade. Rio de Janeiro: Bertrand, 1999.

  • BASTIDE. Roger. As religiões africanas no Brasil: contribuição a uma sociologia das interpenetrações das civilizações. São Paulo: EDUSP, 1978.

  • CAILLOIS, Roger. O homem e o sagrado. Lisboa: Editora 70, 1950.

  • FONSECA, Hermógenes Lima. Tradições populares no Espírito Santo. Vitória: Depto. de Cultura, Divisão de Memória, 19991.

  • LÜHNING. Ângela. Verge-Bastide: dimensões de uma amizade. Rio de Janeiro: Bertrand. 2002.

  • LYRA. Maria Bernardete C. O jogo cultural do Ticumbi. 1999. Monografia.

  • MEC-SEC. Atlas folclórico do Brasil e Espírito Santo. Rio de Janeiro: Funarte, 1982.

  • NARDOTO. Eliezer e LIMA. H. História de São Mateus. São Mateus: Editora Atlântica, 1999.

  • PACHECO, R; NEVES, G. dos Santos. Índice do folclore capixaba. Vitória: ITA, Banestes, 1994.

  • RIVERTE, A C. Vocação ao som dos atabaques. Petrópolis: Vozes, 1993.

  • SANTOS NEVES, Guilherme. Folclore brasileiro. Rio de Janeiro: Funarte, 1980.

  • VALENTE. Waldemar. Sincretismo religioso afro-brasileiro. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1976.

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revista digital · Año 11 · N° 99 | Buenos Aires, Agosto 2006  
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