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Conteúdos na Educação Física escolar:
possibilidades e dificuldades na aplicação de jogos
nas três dimensões dos conteúdos
Contents in school Physical Education: possibilities and difficulties in the application of games in the three dimensions of the contents

   
*Departamento de Educação Física - UNESP - Rio Claro
**Profa. Dra. do Departamento de Educação Física - UNESP - Rio Claro
(Brasil)
 
 
Heitor de Andrade Rodrigues*
triheitor@yahoo.com.br  
Suraya Cristina Darido**
surayacd@rc.unesp.br
 

 

 

 

 
Resumo
    Tendo em vista, o distanciamento entre a produção acadêmica/campo profissional e a dificuldade apresentada pelos professores de Educação Física escolar em desenvolver novas propostas que superem o modelo tradicional de ensino, o objetivo desse estudo foi o de identificar as possibilidades e dificuldades da implementação de um material didático contendo jogos nas três dimensões dos conteúdos. Os resultados apontam que as dificuldades perpassam por três questões básicas que são: tempo de preparação, expectativas dos alunos e as dimensões atitudinal e conceitual. As possibilidades evidenciadas no estudo foram as seguintes: variação das estratégias, dinâmica das aulas e mudança da cultura escolar.
    Unitermos: Educação Física escolar. Jogos. Dimensões dos conteúdos.
 
Abstract
    Facing, the difference between the academic production and professional area, and the difficulty presented by professors of Physical Education school, on the development of new proposals that surpass the traditional model of education, the objective of this study was to identify possibilities and difficulties of implementation of a didactic material, including games in the three dimensions of contents. The results point that the difficulties were three basic questions: time of preparation, expectations of pupils, and attitudinal and conceptual dimensions. The possibilities evidenced in this study had been the following: variation of strategies, dynamics of lessons and change of school culture.
    Keywords: Physical Education school. Games. The conceptual dimensions.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 11 - N° 96 - Mayo de 2006

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Introdução

    O debate em torno da especificidade da Educação Física escolar vem amadurecendo desde a década de 80, período em que novas propostas foram elaboradas com vistas à superação do modelo tradicional de ensino. Até os dias atuais várias foram as reflexões e proposições realizadas na área em busca de uma identidade. Apesar disso, ainda o que observamos na maioria dos casos, sobretudo na Educação Física escolar, são aulas baseadas nos modelos esportivista e recreacionista, nos quais o professor desenvolve os quatro esportes tradicionais ou, no segundo caso, entrega a bola aos alunos se eximindo do ato educativo.

    Os motivos que justificam essa conjuntura são os mais variados. De acordo com Betti (1996) as propostas de cientifização da Educação Física que tiveram início na década de 60 e que se estendem até os dias atuais, revelam uma constante fragmentação e especialização dos conhecimentos produzidos. Esse quadro conduz a um crescente distanciamento entre a produção científica e o mundo profissional.

    Analisando a produção científica nos principais periódicos veiculados sobre Educação Física no Brasil, Ferraz e Florez (2004) identificam poucas pesquisas voltadas efetivamente à prática pedagógica.

    Dentre as novas abordagens, tendências e perspectivas, muitas são as propostas que contribuem com novos olhares para a área, mas são poucas as que contribuem efetivamente com a prática educativa dos professores, ou seja, os estudos preocupados com as questões da Educação Física escolar cresceram bastante nas últimas décadas, mas uma porcentagem muito baixa desses trabalhos conseguiram realmente auxiliar os professores no sentido de facilitar e otimizar seu trabalho.

    Nesse panorama, o objetivo desse trabalho, mesmo que preliminarmente, foi apresentar algumas possibilidades e dificuldades de implementação dessas novas propostas no ensino da Educação Física escolar.

    No caso particular desse estudo, objetivamos implementar na escola uma manifestação da cultura corporal que é o jogo, a partir da proposta de dimensões dos conteúdos idealizadas por Zabala (1998) e Coll et al., (2002).

    Escolhemos essa temática, pois, em boa parte da história da Educação Física escolar os professores atribuíram maior valorização à dimensão procedimental dos conteúdos, sendo a dimensão conceitual e atitudinal, relegada ao acaso ou permanecendo no currículo oculto.

    De modo que houve na história da Educação Física escolar uma ênfase maior nos conteúdos ligados à prática, à realização dos movimentos, ao "saber fazer" (procedimental). Já o "porque fazer" (conceitual) e "como se relacionar dentro desse fazer" (atitudinal), ficaram em segundo plano ou não eram desenvolvidos intencionalmente nas aulas.

    Outro agravante, é que o modelo tradicional de ensino tem privilegiado o esporte, como conteúdo principal das aulas de Educação Física, restringindo as possibilidades de aprendizagem dos alunos em relação aos demais conteúdos como os jogos e brincadeiras, danças, ginástica, lutas e capoeira.

    Camargo (2004) realizou um estudo tendo como objetivo discutir a importância dos conteúdos relacionados aos jogos nas três dimensões dos conteúdos e construiu um material didático contendo 10 jogos. Estes deveriam servir de apoio ao professor de Educação Física no Ensino Fundamental.

    Tendo em vista a relevância e qualidade deste trabalho, optamos por implementá-lo, tentando identificar as possibilidades e as dificuldades de aplicação desse material no contexto da Educação Física escolar, mais especificamente numa turma de 5ª série do Ensino Fundamental.


Os conteúdos e suas dimensões

    Primeiramente, tentaremos explicitar o que entendemos por conteúdo, já que o seu conceito é na maioria das vezes mal entendido e mal interpretado.

    O conceito de conteúdo é freqüentemente compreendido de maneira simplista e reducionista como expresso nas palavras de Zabala (1998):

"o termo "conteúdo" normalmente foi utilizado para expressar aquilo que deve se aprender, mas em relação quase exclusiva aos conhecimentos das matérias ou disciplinas clássicas e, habitualmente, para aludir aqueles que se expressam no conhecimento de nomes, conceitos, princípios, enunciados teoremas" (ZABALA, 1998, p. 30).

    Há uma proposta de superação desse conceito restrito de conteúdo e entende-lo como tudo aquilo que se deve aprender para alcançar objetivos de desenvolvimento de todas as capacidades dos indivíduos, designando-o como o conjunto de conhecimentos cuja assimilação e apropriação por parte dos alunos é considerada essencial para o desenvolvimento e socialização (ZABALA, 1998., COLL el al., 2000).

    Para Libâneo (1994) os conteúdos retratam a experiência social da humanidade relacionada a conhecimentos e modos de ação que englobam entre outros:

"conceitos, idéias, fatos, processos, princípios, leis científicas, regras, habilidades cognoscitivas, modos de atividade, métodos de compreensão e aplicação, hábitos de estudos, de trabalho, de lazer e de convivência social, valores, convicções e atitudes" (LIBÂNEO, 1994, p. 128).

    Como podemos observar, os conhecimentos curriculares não se restringem a apenas fatos e conceitos, mas a uma série de formas e saberes culturais essenciais para que se produza o desenvolvimento e socialização dos educandos.

    Atualmente, há uma tentativa de ampliar o conceito de conteúdo e passar a referenciá-lo como tudo quanto se tem que aprender, que não apenas abrangem as capacidades cognitivas, como incluem as demais capacidades. Desta forma, poderá ser incluído de forma explícita nos programas de ensino o que antes estava apenas no currículo oculto. Esta classificação corresponde às seguintes questões "o que se deve saber?", "o que se deve saber fazer?", e "como se deve ser?", com a finalidade de alcançar os objetivos educacionais (ZABALA, 1998).

    De acordo com Coll et al. (2000) há uma reivindicação freqüente de que na escola sejam ensinados e aprendidos outros conhecimentos considerados tão ou mais importantes do que fatos e conceitos, por exemplo, certas estratégias ou habilidades para resolver problemas, selecionar a informação pertinente em uma determinada situação ou utilizar os conhecimentos disponíveis para enfrentar situações novas ou inesperadas, ou ainda, saber trabalhar em equipe, mostrar-se solidário com os colegas, respeitar e valorizar o trabalho dos outros ou não discriminar as pessoas por motivos de gênero, idade ou outro tipo de características individuais.

    A diferenciação tipológica dos conteúdos em dimensões tem finalidade didática que só se justifica quando utilizado para compreender o pensamento e comportamento das pessoas. Essa compartimentação do conhecimento não é desejável no momento da prática pedagógica, já que, a análise e compreensão dos conteúdos devem ser realizadas de forma integrada.

    No caso particular da Educação Física, o contexto de desenvolvimento dos conteúdos é diferenciado das demais disciplinas.

    Ao longo da história dessa disciplina, priorizou-se os conhecimentos numa dimensão procedimental, o saber fazer e não o saber sobre a cultura corporal ou como se relacionar nas manifestações dessa cultura (DARIDO e RANGEL, 2005).

    Em pesquisa realizada por Darido (2003), a partir da observação de aulas de sete professores com pós-graduação fica evidente a falta de tradição na área no encaminhamento de conteúdos na dimensão conceitual, já que apesar dos professores considerarem os conhecimentos acadêmicos importantes de serem desenvolvidos nas aulas, isso não aconteceu efetivamente na prática dos mesmos.

    Guimarães et al., (2001), realizaram em estudo observações de aulas de Educação Física escolar de uma professora da 5ª série do Ensino Fundamental. Analisaram o lugar ocupado pelas discussões e formações de atitudes no dia-a-dia das aulas de Educação Física e identificaram que apesar dessa disciplina como qualquer outra ser responsável pelo processo de formação e desenvolvimento de atitudes e valores, no caso do professor analisado isso não acontece, como evidenciado em uma passagem apresentada pelos autores:

"Durante as aulas, era freqüente o surgimento de discordâncias de opiniões e de atitudes entre alunos de diferentes faixas etárias. A professora, por sua vez, perdia a oportunidade de tornar a situação educativa porque permanecia passiva diante dos fatos, ou quando tomava uma atitude era momentânea e superficial" (GUIMARÂES et al., 2001, p. 20).

    Vários são os estudos que identificam as dimensões dos conteúdos como uma das alternativas para superação do modelo tradicional de ensino.

    Ayoub (2003) expressa quais são os desafios da Educação Física escolar no século XXI e identifica a importância da superação do meramente saber fazer nas aulas.

"Seus objetivos (Educação Física escolar) na escola não estarão mais focalizados no desenvolvimento de habilidades e capacidades físicas ou de condutas motoras tidas como universais ou, ainda na busca do rendimento esportivo. A organização do conhecimento estará centrada no estudo de diferentes temas da cultura corporal, objetivando aprofundar o entendimento de que a configuração dos gestos humanos é histórica e que cada sociedade cria suas técnicas corporais"(AYOUB, 2003, p.113).

    Faria (2004) realiza algumas reflexões sobre educação física e cultura e aponta como um dos desafios da disciplina ir além da dimensão procedimental. Nas suas palavras:

"... precisamos estar atentos a que, para além das técnicas, regras e táticas ( dos esportes, jogos, etc.), ensinamos valores, normas, atitudes, conceitos que impregnam o corpo - pela vivência da exclusão, ludicidade, sucesso, fracasso, entre outros." ( FARIA, 2004, p. 138)


Porque os jogos?

    A escolha pela experimentação dos jogos em situação concreta se deu, em parte, pela dificuldade apresentada por alguns professores em trabalhar ou desenvolver conteúdos que vão além dos esportes tradicionais. Por outro lado, os mesmos professores e alunos de certa forma apresentam uma certa familiaridade com os jogos.

    Apesar do trabalho de Rangel-Betti (1995) não ser tão recente ele continua original. A autora nos mostra que o esporte é o único veículo utilizado como forma de difusão da cultura corporal no Ensino Fundamental e Médio.

    Um dos motivos alegados pelos professores, para não trabalharem as outras manifestações da cultura corporal, é a insegurança em relação aos conteúdos que não dominam, desenvolvendo apenas os que têm mais afinidade.

    Por essa razão, o presente trabalho traz alternativas, ao ir além dos conteúdos esportivos.

    A definição de jogos é extremamente polêmica, comportando diferentes concepções conforme o autor analisado. Para os fins deste trabalho, utilizaremos como referência o conceito proposto por Freire (1994), segundo o qual:

"brincadeira, brinquedo e jogo significam a mesma coisa, exceto que o jogo implica a existência de regras e de perdedores e ganhadores quando a sua prática." (FREIRE, 1994, p. 116)

    Outra questão refere-se à utilização do jogo enquanto conteúdo e/ou metodologia de ensino. Nesse sentido, o jogo possibilita a ampliação do conhecimento relativo à cultura, já que ele é uma manifestação da cultura corporal e também proporciona situações pedagógicas de ensino-aprendizagem, que podem ser exploradas pelo professor a partir dos jogos (FREIRE e SCAGLIA, 2003).

    Em Manifestação do jogo (2004) os autores analisam o jogo sob duas perspectivas: o "jogo livre" e o "jogo-funcional". O "jogo-livre" é caracterizado pela ludicidade, espontaneidade, prazer, sendo o aluno o centro da ação e cabendo ao professor apenas o papel de vigia. Já ao "jogo-funcional" atribui-se um valor utilitário, pois é considerado um veículo para aprendizagens que vão além dele mesmo.

    Concordamos com os autores, quando propõem ao professor a busca do equilíbrio entre as duas abordagens, constituindo o que chamam de "jogo educativo".

"... o aluno não deve ir à escola apenas para jogar, ou aprender a brincar, muito menos ser iludido com o jogo placebo, sendo induzido a aprender algo de forma descontextualizado. Mas sim, necessita ir para escola trabalhar e viver plenamente o jogo. Aprendendo com e pelo jogo; jogando com seus desejos e vontades desencadeados por situações contextualizadas" (MANIFESTAÇÃO DO JOGO, 2004, p.151).

    Rangel e Darido (2005) mostram que uma das funções da escola é transmitir os conhecimentos produzidos pela sociedade e que parte deste conhecimento está vinculado ao jogo.

    Dos vários conteúdos escolares, o jogo pode ser considerado de fácil aplicação, pois; não é estranho à criança, uma vez que a maioria já teve experiências com jogos e brincadeiras; não exige espaço ou material sofisticado; variam em complexidade de regras, ou seja, desde pequeno pode-se jogar com poucas regras ou chegar a jogos com regras de altíssimo nível de complexidade; podem ser praticados em qualquer faixa etária e por ambos os sexos ao mesmo tempo; são na maioria das vezes divertido e prazeroso para os seus participantes; e aprende-se o jogo pelo método global, diferentemente do esporte que geralmente é aprendido/ensinado por partes (DARIDO e RANGEL, 2005).

    É bom deixar claro que, apesar da facilidade de aplicação, não podemos deixar de lado os objetivos que pretendemos alcançar com a realização dos jogos. Portanto, ao mesmo tempo em que proporcionamos aos alunos o prazer em jogar, possuímos objetivos educacionais, ao tentar garantir a aprendizagem dos conteúdos também nas dimensões conceituais e atitudinais.


Material e método

     Essa pesquisa é de natureza qualitativa com referencial teórico na pesquisa-ação. A preocupação desse trabalho não é com a mera quantificação de dados empíricos, mas sim a compreensão do problema, através da interação entre o pesquisador e os membros da situação investigada. Thiollent (2000) define pesquisa-ação como:

"um tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e realizada em estreita associação com a ação ou com a resolução de um problema coletivo e no qual os pesquisadores e os participantes representativos da situação ou problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo." (p. 14)

     A pesquisa-ação por esses motivos exige a intencionalidade da intervenção, na busca de resolução de um problema ou mudança de uma situação.

    No caso dessa metodologia os pesquisadores não objetivam, apenas um levantamento de dados a serem arquivados, eles necessitam saber o que os atores sociais querem dizer e fazer. A partir disso, equacionar os problemas através do acompanhamento e avaliação das situações investigadas.

    Nossa opção pela pesquisa-ação, fica evidente na frase de Thiollent (2000):

"... a metodologia convencional, cujos os resultados, apesar de sua aparente precisão, estão muito afastados, dos problemas urgentes da situação atual da educação".(p. 74)

    Mais especificamente na área educacional a pesquisa-ação permite ao pesquisador a produção de informações e conhecimentos, inclusive ao nível pedagógico. Essa dinâmica facilitaria o esclarecimento das "microssituações" escolares e a definição de ações pedagógicas.

    No caso específico da Educação Física se constitui num desafio discutir e construir propostas que busquem garantir a formação do cidadão.

    A pesquisa foi realizada em uma Escola Estadual Pública, localizada na cidade de Rio Claro. Os sujeitos-participantes foram 38 alunos de uma classe da 5ª série do Ensino Fundamental, na faixa etária entre 11 e 12 anos. A implementação dos jogos aconteceu no período normal das aulas de Educação Física desses alunos. Para o desenvolvimento do estudo foram necessários um total de 20 aulas de 50 minutos cada, durante um período de quatro meses.

    Optamos pela aplicação de um material didático produzido por Camargo (2004), em seu Trabalho de Conclusão de Curso. Neste trabalho seu objetivo foi discutir a importância dos conteúdos relacionados aos jogos nas três dimensões dos conteúdos, bem como construir um material didático de apoio ao professor de Educação Física que trabalha no Ensino Fundamental sobre jogos nestas três dimensões.

    Camargo (2005) produziu um material que procurava auxiliar a prática dos professores. Para tal elaborou 10 jogos nas três dimensões, mais precisamente, ela construiu cada jogo em três categorias, sendo elas procedimental, conceitual e atitudinal.

    Em nosso estudo cada jogo foi aplicado no período de duas aulas, o que nos possibilitou explorar detalhadamente cada um deles.

    Abaixo citamos o exemplo de um dos jogos tratados nas nossas aulas.


Jogo Reciclar

    Os alunos são divididos em 4 grupos de acordo com o material a ser reciclado (vidro, plástico, papel e alumínio).


Adaptado Camargo (2004).

    O jogo se desenvolve numa dinâmica de pega-pega, no qual os alunos que representam os materiais a serem reciclados são os que vão ser pegos e os alunos que representam os lixeiros são os pegadores. Ao comando do professor os alunos deverão trocar de lugar (ex: papel e alumínio, papel e vidro, etc), com objetivo de não serem pegos. No meio da quadra deverão estar alguns lixeiros que levarão os colegas até a reciclagem, para que esses sejam reciclados.


Dimensão Conceitual

    A proposta para essa dimensão foi que o professor poderia tratar a reciclagem, solicitando que os alunos realizassem uma pesquisa em suas casas e na escola, tentando identificar como o lixo é tratado nesses locais. Poderia começar com um texto introdutório, como o proposto por Camargo (2004):

"A quantidade de lixo produzida diariamente por um ser humano é de aproximadamente 5 Kg. Somando toda produção mundial, os números são assustadores. Uma garrafa plástica ou de vidro pode levar 1 milhão de anos para decompor-se e reintegrar-se ao meio ambiente. Uma lata de alumínio, de 80 a 100 anos. A cada tonelada de papel produzida, 12 árvores são abatidas. Porém, todo esse material pode ser reaproveitado, transformando-se em novos produtos ou matéria-prima, sem perder suas propriedades." ((Camargo, 2004, p. 24)


Dimensão Procedimental

    Nessa dimensão a proposta é que o professor estimule os alunos a perceberem e a vivenciarem as habilidades motoras que são utilizadas no jogo como correr, desviar, girar, amortecer, etc.

    Segundo Camargo (2004), algumas dificuldades de desenvolvimento podem ser encontradas e devem ser trabalhadas pelo professor como:

"inabilidade de contrapor o peso de maneira fluente em direção ao desvio;
mudança de direção lenta;
pés cruzados hesitação;
excessiva elevação vertical;
condução total do corpo;
inabilidade de executar várias ações de desvio em sucessão rápida;
acompanhamento visual do corpo;
postura rígida". (Camargo, 2004, p. 27)


Dimensão atitudinal

    Importante conteúdo que pode ser retomado pelos professores é a valorização da cidadania, apresentando e refletindo com os alunos, quais seus deveres e direitos na sociedade (CAMARGO, 2004).

    Questões relativas ao jogo também podem ser questionadas (ex: o não cumprimento das regras é uma atitude correta para com os colegas?; Quais atitudes poderiam ser tomadas, para que isso não voltasse a acontecer?).

    Para coleta dos dados utilizamos um diário de aula, em que era anotado toda a descrição geral da aula e os fatos e acontecimentos que chamavam a atenção dos professores, entrevistas com alunos e professores, avaliações escritas, avaliação através de desenhos e pinturas e alguns relatos da direção da escola.


Resultados e discussões

    A seguir apresentaremos os resultados decorrentes da implementação de um programa que contou com 10 jogos em um total de 20 aulas de 50 minutos cada. As categorias de análise foram divididas em dois blocos. No primeiro foram discutidas algumas dificuldades e no segundo possibilidades da prática pedagógica.

    Estas indicações poderão facilitar a compreensão da situação que o professor irá enfrentar e quais as possibilidades de contorná-la, desenvolvendo dessa maneira um processo de ensino-aprendizagem comprometido com a formação integral dos alunos.


Dificuldades

  • Tempo de preparação

    A primeira dificuldade evidente é a construção dos jogos em suas três dimensões, já que esse é um trabalho que demanda tempo e pesquisas aprofundadas sobre os conteúdos em periódicos, livros, "home pages", etc. Na maioria das vezes não é a realidade do professor que trabalha em condições precárias de materiais e tem pouco ou nenhum apoio da comunidade escolar.

    Correa (1996) também identificou a falta de materiais didáticos como um dos impedimentos para um salto de qualidade da Educação Física na escola. Apesar dessa constatação isso não deve inviabilizar a construção dos jogos por parte dos professores, já que sua elaboração não exige sofisticação e complexidade, mas sim relevância e contextualização dentro da situação particular de cada educador.

    No caso desta pesquisa, procurou-se utilizar jogos que já haviam sido descritos. Isto pode significar, que a construção de materiais didáticos de apoio, podem se constituir em um facilitador inicial aos professores, sobretudo aqueles que acreditam neste tipo de trabalho, mas não possuem tempo suficiente para sua elaboração.

  • Expectativas dos alunos

    A segunda dificuldade e talvez a mais freqüente nas aulas de Educação Física escolar são as expectativas dos alunos, isso porque quando nos deparamos com a situação de ensino observamos alunos com expectativas variadas, mas na grande maioria; os meninos desejam jogar futebol e as meninas queimada ou voleibol.

    Darido (2005) enfrentou a mesma dificuldade quando propôs a seus alunos a diversificação dos conteúdos, para além dos esportes tradicionais. Segundo a autora, no início da proposta os alunos reclamavam bastante, mas ao final do semestre estavam convencidos que poderiam e deveriam aprender outros conteúdos.

     As expectativas dos alunos com relação ao futebol e a queimada foi um grande impasse que enfrentamos, já que ao mesmo tempo em que não poderíamos frustrar as expectativas e as ambições desses alunos, também não deveríamos restringir a gama de manifestações da cultura corporal que eles podem e devem conhecer. Por esse motivo a mediação dessa situação é papel do professor e é uma tarefa extremamente complexa, mas que não pode ser deixada de lado. Exemplo disso ocorreu em nosso primeiro contato com os alunos.

    Explicitamos quais seriam os objetivos da intervenção e imediatamente alguns se mostraram resistentes com comentários do tipo:

"- Mas nós não vamos jogar futebol!";
"- Professor no jogo (o nosso jogo) vai ter bola (de futebol)?";
"- E agora, quando é que nós vamos poder treinar para o inter-classes (torneio de futebol organizado pela escola)?".

     Apesar da resistência inicial acreditávamos que com o início e desenvolvimento de nosso trabalho as expectativas dos alunos em relação ao futebol e a queimada iriam diminuir, o que não aconteceu totalmente. A alternativa que encontramos foi estabelecer um acordo, no qual ficava estipulado que os vinte minutos finais das aulas seriam de escolha dos alunos, para que eles pudessem jogar futebol ou a queimada. É verdade que essa não é uma situação desejada por um professor que elabora com esforço e vontade um planejamento, mas foi a alternativa que nos possibilitou realizar a prática pedagógica com mais qualidade, mesmo tendo um período menor para aula.

     É preciso deixar claro que esta alternativa se constituiu numa estratégia inicial, pois ao longo das aulas é possível reconstruir a cultura escolar, ou seja, quando os alunos perceberem o envolvimento do docente bem como, experimentarem novos desafios pode-se construir outras possibilidades para as aulas.

  • Dimensão atitudinal e Dimensão conceitual

    Terceira e última dificuldade que apontamos são a avaliação da dimensão atitudinal e a falta de tradição relacionada à dimensão conceitual.

     A dimensão atitudinal, mesmo estando bem definida nos objetivos e desenvolvida com intencionalidade na prática pedagógica, sua avaliação ainda é uma barreira a ser transposta, já que as manifestações das atitudes, dos valores e dos comportamentos desejáveis, não se consolidam logo após as aulas, mas se manifestam ao longo da vida de cada indivíduo.

    O que observamos num primeiro momento é que algumas atitudes desenvolvidas em um jogo, como o respeito/segurança do colega e o comprometimento em seguir as regras se manifestam nos jogos aplicados na aula seguinte, mas algumas aulas depois elas voltam a ser recorrente, como se os alunos às esquecessem, o que pode ser evidencia de uma aprendizagem não significativa ou de comportamentos que não se consolidam em um curto período de tempo.

    Outro indicativo da dificuldade de avaliação é que as atitudes não são aprendidas da mesma forma que fatos e conceitos, já que a aprendizagem da dimensão atitudinal não acontece num processo continuo de transformações, isso porque algumas das atitudes propostas e desenvolvidas em aula, não estão de acordo com os comportamentos que os alunos observam em seu cotidiano.

    De acordo com Zabala (1998) houve ao longo da história uma predominância dos conhecimentos veiculados pelas disciplinas clássicas, habitualmente, relacionados a nomes, fatos, conceitos, princípios e teoremas.

    No caso particular da Educação Física escolar a dimensão conceitual, foi relegada ao acaso. Os conteúdos numa dimensão procedimental foram mais valorizados, privilegiou-se a prática, a realização dos movimentos, já a contextualização dessas vivencias foram esquecidas ou trabalhadas na forma de currículo oculto.

    No caso desse estudo, essa situação era evidente.

    Antes de iniciarmos nosso trabalho, tivemos a oportunidade de observar algumas aulas. O professor efetivo daquela turma fazia clara opção por aulas estritamente procedimentais, enfatizando a realização dos fundamentos e técnicas do futebol ou entregando a bola aos alunos, os deixando jogar livremente.

    Devido a esse panorama, encontramos diversas barreiras para convencer os alunos sobre a importância dos conteúdos conceituais e enfrentamos grande resistência na implementação deles.

    Darido (2003) justifica essa resistência como falta de tradição na área no encaminhamento de conteúdos em uma dimensão conceitual. Em pesquisa realizada com sete professores de Educação Física do Ensino Fundamental e Médio, verificou que esses professores não trabalhavam conhecimentos acadêmicos em suas aulas na Educação Básica, apesar de considerarem esses conteúdos importantes na formação dos alunos.


Possibilidades

  • Variação das estratégias

    No decorrer das aulas algumas estratégias utilizadas para desenvolver, sobretudo os conteúdos conceituais pareciam ser extremamente desmotivantes aos alunos.

    Em alguns jogos, com a perspectiva da dimensão conceitual, havíamos planejado ler para os alunos alguns textos introdutórios relacionados aos conteúdos a serem desenvolvidos, mas percebemos imediatamente que essa não era uma boa estratégia, tendo em vista a atenção dos alunos. Algumas modificações, como a proposta de os alunos lerem e discutirem os textos em pequenos grupos garantiu um ambiente mais propício à aprendizagem. Então a possibilidades que encontramos foi a variação das estratégias de ensino, como a utilização de imagens, figuras e pequenos textos para serem discutidos em pequenos grupos, representações, mímicas e também a observação de vídeos.

    Frente a esse quadro cabe ao professor recorrer a uma maior diversidade de recursos que motivem seus alunos. O que novamente esbarra num novo modelo tanto de formação inicial dos professores como de formação continuada, tal como preconiza (BRASIL, PCN+, 2002).

  • Dinâmica das aulas

    A segunda possibilidade que consideramos relevante e que facilita o trabalho do professor é a mudança na dinâmica das aulas. Com o decorrer da aplicação dos jogos os alunos começam a perceber a dinâmica de uma aula desenvolvida nas três categorias do conteúdo. Começamos a observar esse comportamento nos alunos por volta do sexto jogo e isso se configurou da seguinte maneira; a partir de determinado comportamento ou verbalização do professor os alunos já se organizavam para próxima atividade. Em um dos jogos o professor interrompeu a atividade dizendo:

"Ai pessoal, tá bom".

     Os alunos no mesmo momento interromperam a atividade e se dirigiram ao local, aonde teriam de pesquisar sobre as atividades que os índios realizam como forma de lazer.

    O professor já não se desgastava tanto para mobilizar os alunos para as atividades de pesquisa e discussões. Todavia é válido ressaltar que essa dinâmica não se modificou de uma hora para outra, o professor teve que mostrar segurança pedagógica de tal modo que os alunos percebessem seu comprometimento e estilo de trabalho.

  • Mudança da cultura escolar:

    Na visão de Pérez-Gomes (2001), existe na modernidade uma nova forma de conceber a vida pública e para compreender essa realidade, é necessário uma interpretação culturalista da vida política e social. Isso porque, já não existe apenas cultura popular e erudita.

    Pérez-gomez (2001) ressalta a relevância da ampliação da interpretação culturalista na compreensão da vida escolar e considera útil entender a escola como um cruzamento de culturas.

    Souza-Junior e Darido (2003), perceberam que esse cruzamento de culturas, ao mesmo tempo em que solidifica uma cultura escolar, provoca aberturas à transformação cultural, na medida em que a inter-relação entre diferentes culturas, promovem conflitos propícios à reflexão e reestruturação do modelo vigente.

    E foi essa possibilidade de transformação que observamos ao final de nossa intervenção, quando boa parte dos alunos, aproximadamente 40 % do total, começaram a perceber que o futebol e a queimada não eram os únicos conteúdos interessantes de serem aprendidos e reivindicaram o desenvolvimento de conteúdos diversificados. Essas manifestações podem ser percebidas nos relatos dos alunos:

"- Professor futebol hoje não!";
"- Professor eu não sabia que tinha jogo na física (Educação Física)";
"- Esses jogos são legais, porque eu não conhecia";
"- Na semana que vêm vai ter queimada cooperativa?".


Considerações finais

    A trajetória em busca da superação do modelo tradicional, na Educação Física escolar, vem sendo construída desde meados da década de 80, muitos autores contribuíram com novos olhares para área, mas ainda hoje o que observamos são aulas baseadas nos esportes tradicionais ou no fazer pelo fazer, com busca do prazer imediato.

    Tentamos ao longo desse estudo investigar um certo tipo de prática pedagógica, apresentando algumas dificuldades e possibilidades, baseada nas dimensões dos conteúdos.

    Identificamos que durante o processo educativo as dificuldades são evidentes, mas isso não impede o professor de ampliar o universo de possibilidades dos conteúdos, mais especificamente dos jogos nas três dimensões dos conteúdos.

    Finalmente, a proposição e aplicação de novas propostas no âmbito da Educação Física escolar são possíveis e desejáveis, mas para que essas propostas se consolidem é necessário um maior comprometimento na realização de estudos que se aproximem da realidade dos professores.


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revista digital · Año 11 · N° 96 | Buenos Aires, Mayo 2006  
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