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O jogo e a síndrome do Miado do Gato
The game and the Cri du Chat's syndrome

   
* Doutor em Ciências do Movimento Humano,
Coordenador e Professor do Curso de Educação Física da UNIVATES,
Professor do Curso de Educação Física
do Centro Universitário Metodista - IPA.
** Acadêmica do Curso de Educação Física- UNIVATES
 
 
Atos Prinz Falkenbach*
Greice Drexsler**
Verônica Werle**

atos@univates.br
(Brasil)
 

 

 

 

 
Resumo
    O presente artigo investiga a trajetória de jogo de uma menina com a síndrome do Miado do Gato em sessões de psicomotricidade. Os objetivos do estudo investigam as manifestações de jogo e de exercício da menina nas sessões. De corte qualitativo, é estudo de um caso. Os instrumentos utilizados para a coleta de informações são as observações, as entrevistas e a análise documental.
    O desenvolvimento da coleta de informações permite evidenciar os seguintes jogos: jogos de representações, jogos de perseguição e jogos de construção. Também permitiu evidenciar as seguintes manifestações de exercícios: de prazer sensóriomotriz, de desafios e de imitação. A ampliação da trajetória de jogo da menina na sessão também repercute nos jogos que manifesta em casa.
    Unitermos: Síndrome do Miado do Gato. Teorias do jogo. Psicomotricidade
 
Abstract
     The present study investigates the development of a girl with the Cri du Chat's Syndrome in Psychomotricity sessions. It aims at investigating the girl's playing and exercising expressions in the sessions. It is a qualitative case study based on observations, interviews, and documental analysis. The data development comes up with representation games, chasing games, and construction games. It also evidences the following exercising manifestations: the sensorial motrix pleasure, the challenges and the imitation. The playing development of the girl in the sessions can also be observed in her playing at home.
     Keywords: The Cri du Chat's syndrome. Game's theories. Psychomotricity.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 11 - N° 96 - Mayo de 2006

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Síndrome do Miado do Gato na Psicomotricidade

    O histórico da prática educacional do Projeto de Psicomotricidade da UNIVATES em Lajeado-RS (Brasil), apresenta o desenvolvimento de diversos estudos relacionados ao processo de aprendizagem e de desenvolvimento infantil e da ação pedagógica desempenhada como forma de intervenção e de interação neste processo. As motivações para o desempenho investigativo sobre a trajetória de jogo são explicadas pela característica da prática da psicomotricidade e da composição do grupo de crianças que participa deste processo que são crianças com diferentes níveis de desenvolvimento.

     O presente artigo descreve e interpreta as evidências da trajetória de jogo de uma menina com a síndrome do Miado do Gato em sessões de psicomotricidade. As sessões são desenvolvidas com um grupo de crianças misto, isto é, crianças com necessidades especiais em conjunto com crianças "normais". As evidências analisam e interpretam a trajetória do jogo, aspecto que auxilia a compreender a organização mental da menina.

    A temática do jogo em crianças com necessidades especiais é instigante em razão dos experimentos e de investimentos pedagógicos para a ajuda no desenvolvimento de suas capacidades. A síndrome do Miado do Gato despertou curiosidade dos pesquisadores deste projeto. Primeiramente pelo nome desconhecido e posteriormente por ser uma síndrome relativamente rara.

    Os objetivos do estudo investigam os aspectos que seguem: a) a atividades simbólicas (Vygotsky, 2000) na trajetória de jogo que desempenha durante as sessões b) a atividade de exercícios, movimento técnico (Wallon, 1995); e c) as repercussões do seu brincar no ritmo de suas atividades em casa. Para as finalidades do estudo tornou-se necessário aprender sobre a respectiva síndrome e refletir sobre o jogo como processo de aprendizagem e de desenvolvimento humano.


O jogo e suas repercussões na aprendizagem e desenvolvimento humano

     Antes de iniciar com as reflexões pontuais sobre o jogo e os processos de aprendizagem e desenvolvimento humano é necessário pontuar alguns aspectos de fundo sobre o jogo. Vygotsky (2000) estabelece que o jogo surge com a presença do simbólico, pressupõe a existência do componente simbólico. Para Wallon (1995) o exercício é o movimento técnico, sem o conteúdo representacional do jogo que é simbólico.

    As contribuições do jogo ao desenvolvimento humano são abrangentes, podem se manifestar desde a simples atividade de jogar na aprendizagem e no resgate da sensibilidade humana até procedimentos terapêuticos e de ajuda à organização psicointelectual infantil. Para solidificar tal argumento passamos a descrever alguns significados do jogo no desenvolvimento humano segundo autores que o estudam:

  1. Winnicott (1975) alude ao jogo como a possibilidade de manifestação da criatividade e do ser. Caracteriza-o como espaço transicional das experiências de fusão e de identidade, entre a fantasia e a realidade. Trata-se de um fundamento para a autonomia da criança e o seu despertar para as experiências simbólicas.

  2. Negrine (1998) explica que o jogo possibilita relações com a aprendizagem, que a criança quando joga desempenha uma trajetória de brincar;

  3. novamente Winnicott (1975) traduz o jogo como um ambiente terapêutico e de ajuda ao autoconhecimento;

  4. Leontiev (2000) explica que o jogo é a atividade principal da criança. É por intermédio do jogo que a criança aprende os papéis do adulto e suas relações com o mundo;

  5. Vygotsky (1997) fundamenta dois aspectos básicos ao jogo: o ato de imitar e as experiências que possibilitam o despertar de novas zonas de desenvolvimento proximal.

    Winnicott (1975) descreve que o jogo é linguagem universal, é nesse momento que o ser humano pode expressar sua criatividade. Somente de posse da sua criatividade é que o ser humano encontra a si mesmo. A capacidade lúdica do psicoterapeuta é requisito para a ajuda terapêutica. Em terapia só pode ser ajuda ao outro aquele que consegue criar um campo lúdico para a expressividade. Não há ajuda terapêutica na ausência do jogo.

    Negrine (1998) ensina que o jogo está relacionado com a organização mental da criança. A criança quando joga desempenha sua atividade psicointelectual. A trajetória de jogo permite ilustrar a diversidade da atuação da criança tanto pelo jogo simbólicos, as representações mentais, como pelo exercício, as experiências corporais da criança. Negrine explica ainda que o adulto quando volta a jogar não se torna criança, como se costuma dizer, mas amplia suas sensações de prazer que atuam desbloqueando resistências e possibilitando uma expressividade autêntica.

    Vygotsky (1997) explica o jogo em dois aspectos: a) o ato de imitar e; b) a criação de novas zonas de desenvolvimento proximal. O ato de imitar como um processo de aprender não está finito aos aspectos mecânicos e estereotipados. Imitar a ação do outro implica em atribuir ao gesto aprendido o sentido de uma experiência individual. Trata-se de entender que o sentido de uma ação contém o significado pessoal que é distinto do significado daquele que o originou. Ao jogar movido pela ação de um outro, a nova ação recebe o incremento de um novo olhar, fator que possibilita ampliar o sentido inicial da ação.

    O segundo aspecto que trata da criação de novas zonas de desenvolvimento proximal ajuda para entender o processo de aprendizagem infantil. Uma criança joga movida pelos processos mnemônicos, ou seja, a criança brinca movida por suas recordações e imagens. Ao brincar do mundo da cultura ou dos papéis adultos, a criança desperta novas zonas internas de desenvolvimento, pois toma de empréstimo um comportamento que ainda não está no seu nível de desenvolvimento. Nessas circunstâncias a criança experimenta comportamentos e posturas em nível mais complexo que o atual fazendo avançar seu desenvolvimento.

    Vygotsky (2000) explica que o jogo está mais a serviço da memória do que da criatividade, pensar nessa direção é reconhecer que a criança é motivada pelo que enxerga e vivencia. A criança aprende quando interage com o outro e aprende novas situações provocando seu desenvolvimento. O aprendizado se dá do meio externo (social) para o meio interno (individual). A coletividade é o motor para o desenvolvimento individual. Oportunizar a convivência de crianças que comunicam, jogam, interagem e simbolizam de formas diferentes, é favorecer as aprendizagens, é oportunizar seu desenvolvimento.


Aspectos básicos da síndrome do Miado do Gato

    Estudar a trajetória de jogo de uma criança com a síndrome do Miado do Gato envolve compreender alguns aspectos básicos sobre a referida síndrome. Antes é necessário explicar que o presente artigo se preocupa com as descrições da trajetória de jogo de uma menina com a síndrome do Miado do Gato em conjunto com crianças de diferentes níveis de desenvolvimento em sessões de psicomotricidade. A menina vem para as sessões acompanhada da mãe e sua participação é sistemática e regular junto ao grupo. A característica singular da síndrome despertou o interesse da equipe de pesquisadores para a investigação da trajetória de jogo da menina, o jogo simbólico e o exercício.

    As questões objetivas da referida síndrome destacam-na como uma síndrome congênita, causada pela deleção de parte da perna do cromossomo número 5. A síndrome pode ser de origem hereditária quando um dos pais apresenta translocação equilibrada (material de um cromossomo perdido ao outro). Pessoas com translocação são "normais", mas podem gerar descendentes afetados com a síndrome. Outra possibilidade da origem recai simplesmente em alguma falha durante a divisão celular sem motivo aparente, erros comuns que fazem parte da natureza (Burns & Bottino, 1991).

    As referências sobre a síndrome assinalam as características biológicas e físicas. Caracteriza-se pela presença acentuada de incidência de microcefalia, hipotonia, atraso no desenvolvimento motor, corpo delgado e baixo durante a infância. Quanto ao desenvolvimento cognitivo o grau de dificuldade pode variar de moderado a severo. Uma das dificuldades severas é a fala devida a má formação da laringe, no entanto é possível que entendam o que é falado e comunicar em um modo pessoal.


Metodologia do estudo

    A finalidade da prática da psicomotricidade é potenciar a interação entre as crianças participantes auxiliando nos processos de comunicação, bem como na ampliação do repertório de movimentos e vivência simbólica. A prática é dividida em rotinas: o rito de entrada, o momento de brincar e o rito de saída. O rito de entrada é o momento inicial da sessão, privilegia-se a comunicação entre o adulto e as crianças, cada criança é convidada para socializar aos colegas o que planeja jogar. No momento de brincar explora os espaços e materiais disponíveis de forma espontânea, ação que exercita novas experiências motrizes, seja através do exercício, movimento técnico ou do jogo, movimento simbólico. O rito de saída é o momento que encerra a sessão, as crianças ajudam a guardar os materiais, participam de um momento de relaxamento corporal e, também é exercitada a recordação e a socialização das produções que cada criança desempenhou durante sua trajetória de jogo. Durante estes três momentos o adulto é corpo de ajuda, interage e intervêm em acordo com as circunstâncias, utilizando-se de estratégias pedagógicas que auxiliam na sua aprendizagem (Negrine, 1994).

     Em continuidade às reflexões sobre o método para a investigação deste estudo Kreusburg Molina (1999) destaca o estudo de caso como uma eleição de um objeto a estudar e não de uma decisão metodológica. Keen e Packwood (2005) assinalam que o estudo de caso se perfila perfeitamente na tradição de pesquisa qualitativa em saúde. O estudo de caso qualitativo pode ser definido como um processo que tenta descrever e analisar algo em termos complexos e compreensivos, que se desenvolve durante um período de tempo.

    A criança protagonista do estudo é uma menina de nove anos de idade com a síndrome do Miado do Gato. Participa regularmente em uma escola de educação especial e em sessões de fonoaudiologia. Freqüenta as sessões de psicomotricidade desde março do ano de 2004.

    A ação metodológica que investigou a participação da criança protagonista do estudo envolve práticas de observação, na modalidade de observação participante, apoiada nos estudos de caso de Sacks (1997 e 2002) e Damásio (2000). Outro instrumento de pesquisa é a entrevista semi-estruturada para dar contornos sobre o histórico de vida da criança em conjunto com a análise documental que se apoiou em documentos como os pareceres descritivos de atendimentos de especialistas com a menina.

    O processo de coleta de informações se deu em conjunto com a participação da menina nas sessões de psicomotricidade relacional. Ao final das sessões foi possível manter uma seqüência de entrevistas com a mãe da menina, aspecto que auxiliou na finalidade de sanar dúvidas e obter esclarecimentos sobre o comportamento relacional da menina e a sua forma de brincar em casa ou na APAE. Durante todo o processo as pautas de observações foram continuadamente revisadas e reorganizadas para poder acompanhar o processo de evolução da menina nas sessões.

    A elaboração de estratégias pedagógicas foi organizada considerando as pautas de observação. Foi durante o momento de jogo que empreendeu-se maior ênfase. Inicialmente, as estratégias foram elaboradas com a finalidade de verificar o nível de desenvolvimento da menina: a) o que faz sozinha; b) o que pode fazer com auxílio e; c) o que ainda não faz, mas que poderá vir a fazer (Vygotsky, 2000). A partir deste conhecimento as medidas pedagógicas passaram a ter a finalidade de possibilitar o avanço na trajetória de jogo da menina, ou seja, possibilitar ampliação no repertório de jogo. A elaboração de estratégias pedagógicas aconteceu sistematicamente e sucessivamente após cada sessão, como medida de projeção para a próxima. Repercussões da prática de psicomotricidade na trajetória de jogo da menina

    Apesar da literatura específica sobre a deficiência mental relatar dificuldades de crianças sindrômicas participarem em jogos simbólicos (Telford e Sawrey, 1988 e Mills, 1999) as observações da trajetória de jogo da menina permitiram evidenciar significativas participações.

    Um dos jogos que desenvolveu nas sessões foram as representações de personagens. A menina demonstrou gosto nesta modalidade de jogo, permanecendo tempo significativo na atividade. "9:42h Ela coloca a boneca no chão e deita ao lado, a professora cobre-as com lençol, após ela levanta e vai ao espelho, fica em pé e olha-se de frente, balança-se e abraça a boneca. Anda pela sala, olha para o professor que também segura uma boneca, pega a boneca do professor e a entrega para outra professora" (Observação nº1 em 12/05/04). "9:31h vai até o local da massa de modelar. Senta no chão, pega um pedaço de massa e leva até a boca. A professora se aproxima com um fantoche, abre e fecha a boca do fantoche. Ela coloca o dedo dentro da boca do fantoche e em seguida coloca massa, repete a ação algumas vezes. A professora solta o fantoche e ela o pega. Com ajuda da professora ela coloca o fantoche na sua mão. A professora pega outro fantoche e coloca massa na boca do fantoche que ela segura. As duas tocam no fantoche uma da outra" (Observação nº12 em 27/10/04).

    A menina jogou representando o papel de mãe, tanto nos cuidados com a boneca, como na alimentação do fantoche, retrato de suas vivências. A capacidade de tomar emprestado o papel de mãe enquanto joga indica sua aprendizagem neste contexto.

    Os professores ajudam a simbolizar quando estimulam representações. Os professores estimulam seus jogos quando pedem sua ajuda para construir uma casa com cubos de espuma, quando fogem das crianças fantasiadas de animais de mãos dadas com a menina, quando incentivam a passar por cima da ponte interpretando medo dos fantoches de jacarés. As intervenções são feitas em ambiente lúdico, motivadoras para que possa construir os significados em acordo com as memórias pessoais.

    Entre os jogos de preferência do grupo das crianças estavam as perseguições com fantasias diversas. O início destes jogos não despertou interesse da menina, porém os estímulos dos colegas e professores possibilitaram o ingresso da menina nestes jogos. Percebemos que esta participação mobilizou demonstrações de divertimento e satisfação. Observamos que preferiu ser perseguida que perseguir os colegas: "9:31h levanta do chão e caminha em direção a saída da sala. A professora vai ao encontro dela e de mãos dadas voltam à sala. Um colega aproxima-se dela com um fantoche. Encosta o fantoche no seu braço, abre e fecha a boca deste, cuja forma é de um jacaré. Tamires sorri e se afasta. Marcelo se aproxima novamente e ela se afasta mais ainda. Após incentivo da professora, o colega a pega pela mão e pula com ela no colchão, ambos sorriem" (Observação nº6 em 30/06/04).

    Outra modalidade foi o jogo das construções que envolveram a menina por longo período de tempo. "9:45h O professor coloca legos espalhados no chão, ela vai à caixa e coloca também, senta ao lado dos legos, pega duas peçsa e bate uma na outra olhando-as. Uma professora senta-se do lado dela e mostra como encaixar, ela tenta algumas vezes até encaixar duas peças em um carrinho de legos. Em seguida, empurra o carrinho para frente e para trás fazendo sons" (Observação nº3 em 26/05/04).

    O tempo que a menina empenhou neste jogo foi de aproximadamente nove minutos. Neste tempo a menina se concentrou na atividade e mesmo com dificuldade no manuseio do material, empenhou-se em encaixar as peças. Por vezes conseguiu e em outros momentos necessitou a ajuda dos professores. O tempo que permaneceu no jogo indica que gostou e atribuiu significado ao que fez, pois fez uso do carrinho que construiu. Manter um relacionamento satisfatório com a criança significa mais possibilidades para que goste do processo de aprendizagem e aprenda de fato.


Os exercícios: situações de movimento técnico

    Os exercícios também contribuíram na ampliação da trajetória de jogo da menina. O repertório de movimentos foi ampliado com o estímulo dos professores e o modelo dos colegas que provocaram novas formas de utilizar o corpo e a encorajaram nas novas atividades.

    As observações destacam o prazer de ser embalada na bola gigante:

"9:29h Olha uma professora que brinca com outra criança na bola gigante, caminha ao encontro delas. A professora convida ela que deita-se na bola com ajuda da professora, encosta o rosto na bola e sorri levemente quando é balançada nas diversas direções" (Observação nº3 em 26/05/04).

    A cada nova tarefa, a menina aprendeu e especializou seus movimentos. Adquiriu novas experiências motoras de forma prazerosa e espontânea através da interação com objetos e colegas. Outros exercícios que surgiram nas sessões exigiram o incentivo dos professores e colegas para ajudar a menina na realização dos mesmos, são os exercícios de desafio:

"9:35h Uma turma de crianças brinca de passar em cima do colchonete cujas extremidades estão apoiadas nos colchões maiores. Quando os colegas caem no espaço que há entre os colchões ela sorri. A menina passa com ajuda da professora. A professora coloca-a novamente em cima dos colchões e incentiva para passar sozinha, ela olha para os lados, os colegas próximos incentivam e ela atravessa" (Observação nº9 em 08/09/04).

    Os exercícios de desafio provocaram resistência no primeiro momento. A confiança no professor e incentivo dos colegas permitiu que ela experimentasse os desafios. Os estímulos repercutiram na trajetória de jogo de que passou a realizar novas atividades corporais, construindo um vocabulário psicomotor diversificado.

    Através das observações podemos constatar que ela é atenta aos colegas. A ação dos colegas lhe desperta a atenção. Tal comportamento representa capacidade de interação com o contexto. As observações ilustram as situações de imitação:

"9:43h A professora chama ela e pede para ajudar a desamarrar as cordas que estão na cintura da colega. Pega um pedaço de corda e amarra sua própria cintura, coloca-se ao lado da professora e atua como ela, chamando os colegas para lhe desamarrar" (Observação nº3 em 26/05/04).

    A imitação dela no grupo permite a ampliação de suas experiências. Ao perceber o que os colegas fazem é estimulada para fazer também. Tal desempenho não seria possível em uma ação individual, é a ação relacional com colegas mais hábeis que permite aprender e construir novas possibilidades de jogo.

    Outro aspecto investigado aborda as repercussões do jogo em casa, ou seja, como suas aprendizagens nas sessões de psicomotricidade repercutem em seu comportamento de jogar na companhia da família. Na segunda entrevista realizada com a mãe foi relatado como a menina joga em casa. A mamãe trouxe evidências sobre o jogo de perseguição em companhia do primo e o gosto pelo jogo de misturar folhas e flores para fazer comida. Tal evidência permite perceber que a menina aprendeu, bem como utiliza o jogo como um meio de comunicação com os parceiros (Winnicott, 1975).

    A participação dela repercute nas situações de jogo em sua casa. As estratégias de intervenção para jogar nas sessões proporciona a ampliação de seu vocabulário psicomotor e contribui para melhor vivência corporal nos contextos de sua relação.


Considerações finais

    Antes de botar o ponto final acerca das evidências do jogo na menina protagonista do estudo é importante destacar que as limitações biológicas da síndrome do Miado do Gato não impediram a menina avançar em sua convivência social e em sua trajetória de jogo nas sessões de psicomotricidade.

    As estratégias pedagógicas inseridas na trajetória de jogo permitiram o destaque das seguintes evidências: a) joga simbolicamente, representa personagens, joga utilizando construções próprias ou prontas, manifestando afetividade; b) percebe e explora materiais, participa de desafios, segue o modelo dos colegas, o que lhe ajuda no uso diversificado de materiais; c) em casa faz uso plástico dos materiais relacionando com o que aprendeu nas sessões, substitui os materiais que utiliza nas sessões por aqueles que possui em casa.

    O processo vivenciado da menina permitiu a manifestação e ampliação de suas representações mentais durante o jogo, bem como a aprendizagem de novas formas de utilização do corpo e objetos, situações que possibilitaram avanços no seu nível de desenvolvimento. O aprendizado significativo fica por conta dos professores que também aprenderam sobre a possibilidade dos avanços por intermédio da ajuda psicomotora e dos modelos de referência em crianças com necessidades especiais.


Referências

  • Burns, G.W. e Bottino P.J. - Genética. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1991. 381p.

  • Damásio, A. - O mistério da consciência. São Paulo, Companhia das Letras, 2000. 474p.

  • Keen, J. e Packwood, T. - Usando estudos de caso na pesquisa em serviços e em políticas de saúde. In Pope, C. E Mays. N. Pesquisa qualitativa na atenção à saúde. Porto Alegre, Artmed, 2005. p.61-70.

  • Kreusburg Molina, R.M. - O enfoque teórico metodológico qualitativo e o estudo de caso: uma reflexão introdutória. In: Molina Neto, V. e Triviños, A. - A pesquisa qualitativa na educação física: alternativas metodológicas. Porto Alegre, Universidade, 1999. p. 95 -105.

  • Leontiev, A.N. - Os princípios psicológicos da brincadeira pré-escolar. In: Vygotsky, L S; Luria, A.R. e Leontiev, A.N. - Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. São Paulo, Ícone, 2000. p. 119-142.

  • Mills, N.D. - A educação da criança com síndrome de Down. In: Schwartzman, J.S (Org.). - Síndrome de Down. São Paulo, Mackenzie/Memnon, 1999. p. 232-285.

  • Negrine, A. - Aprendizagem e desenvolvimento infantil: simbolismo e jogo. Porto Alegre, Prodil, 1994. 124p.

  • _______ Terapias corporais: a formação pessoal do adulto. Porto Alegre, Edita, 1998. 163p.

  • Sacks, O. - Tempo de despertar. São Paulo, Companhia das Letras, 1997. 435p.

  • ____________O homem que confundiu sua mulher com um chapéu. São Paulo, Companhia das Letras, 2002. 264p.

  • Telford, C.W. e Sawrey, J.W. - O indivíduo excepcional. Rio de Janeiro, Livros Técnicos e Científicos, 1988. 658p.

  • Wallon, H. - As origens do caráter na criança. São Paulo, Nova Alexandria, 1995. 278p.

  • Winnicott, D.W. - O brincar e a realidade. São Paulo, Ícone, 1975. 203p.

  • Vygotsky, L.S.- A formação social da mente. São Paulo, Martins Fontes, 1991. 168p.

  • ___________ - Obras escogidas: fundamentos de defectología. Tomo V. Madrid, Visor, 1997. 391p.

  • ___________ - Aprendizagem e desenvolvimento intelectual em idade escolar. In Vygotsky, L.S.; Luria, A.R. e Leontiev, A.N. - Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. São Paulo, Ícone, 2000. p. 103 - 117.

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revista digital · Año 11 · N° 96 | Buenos Aires, Mayo 2006  
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