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Um olhar sobre o modelo exportador
do futebol sul-americano

   
Jornalista esportivo e aluno de mestrado do
PROLAM - Programa de Pós-Graduação em América Latina
da USP - Universidade de São Paulo
 
 
André Luís Nery
andre.nery@folha.com.br
(Brasil)
 

 

 

 

 
Resumo
    O êxodo crescente de jogadores sul-americanos para o exterior é o foco principal do artigo, no qual faço uma analogia de como a transferência de atletas dos países da região para o exterior, em especial para a Europa, apenas repete o modelo exportador que caracteriza a América do Sul ao longo da história, ou seja baseado em trocas desiguais.
    Unitermos: Futebol sul-americano. Futebol europeu. Transferência de jogadores. Direitos de transmissão
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 11 - N° 95 - Abril de 2006

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    Neste artigo pretendo fazer uma analogia de como a transferência de jogadores da América do Sul para o exterior apenas repete o modelo exportador que caracteriza a região ao longo da história, ou seja, baseado na venda de produtos de baixo valor agregado. Apesar de o jogador de futebol não poder ser visto exatamente como um produto, mas um fornecedor de serviços, acredito que o passe, ou os "direitos federativos", termo que passou a ser utilizado no Brasil para designar o vínculo que prende o atleta ao clube após o fim da lei do passe, cumpre exatamente o papel de um "bem primário", já que a relação futebolística entre Norte-Sul é marcada pro trocas desiguais. Por outro lado, buscarei mostrar que o "campeonato" e o "clube" podem ser transformar num produto com maior valor agregado, quando o país se torna importador de jogadores, ao invés de exportador.

     A atual conjuntura do futebol sul-americano tem uma correlação com a dependência econômica da região: exporta em sua maioria produtos primários para o centro, enquanto importa produtos com valor agregado maior. Da mesma forma que as empresas dos países industrializados encontraram vastas matérias-prima para explorar nos países periféricos e mão-de-obra barata, os clubes de futebol dos países ricos buscam se abastecer do produto abundante da região, que é o jogador de futebol. As críticas que o economista argentino Raúl Prebisch fez em relação ao modelo de inserção econômica da América Latina no sistema internacional podem muito bem ser aplicadas na análise da inserção do futebol.

    Entre os problemas que são enumerados por Prebisch, mas que podem ser utilizados para analisar as desigualdades entre os clubes europeus e sul-americanos, podemos citar a dependência do capital externo (os times da região não conseguem segurar suas estrelas perante a investida dos europeus); o baixo investimento em infra-estruturas (estádios); a renda baixa do trabalhador (no caso do futebol, do torcedor); o aumento das desigualdades sociais (crescimento da violência nos jogos); e a baixa intensidade da demanda (os torcedores não têm poder aquisitivo para comprar os produtos oficiais de seus clubes). Com isso, o jogador se tornou para os times da região uma espécie de "produto primário", no qual eles buscam apenas angariar recursos, e não transformá-lo em fonte de renda.

    Além disso, a falta de cooperação e de integração regional, problemas que são apontados pela CEPAL, também caracterizam o meio futebolístico. Na União Européia, por exemplo, há livre circulação de jogadores [trabalho] nos países que formam o bloco, com os times podendo entrar em campo, inclusive, sem nenhum atleta local nas partidas (o Arsenal, por exemplo, disputou um jogo do Inglês, na temporada 2004/05, sem nenhum jogador inglês), enquanto na América do Sul ainda existe limite. No caso brasileiro, por exemplo, apenas três estrangeiros podem ser escalados nos jogos. É claro, que, por sua qualidade, tanto Brasil como Argentina dificilmente entrariam em campo sem nenhum futebolista local, mas acredito que as regras atuais impedem a integração regional.

    Alguns pesquisadores já chegaram a colocar o futebol como "ópio do povo", mas acredito que o esporte não funcione apenas como uma forma de alienação. Ele também é um reflexo da estrutura econômica e social da nação. Não é por acaso, por exemplo, que os EUA tiveram seus maiores fracassos olímpicos nos anos 70, justamente na crise da hegemonia americana. Na Olimpíada de 1972, em Munique (Alemanha), os EUA ficaram em segundo no quadro de medalhas, com 17 ouros a menos do que a União Soviética (33 contra 50). Performance ainda pior tiveram em Montréal (Canadá), em 1976, quando, pela primeira vez na história, não terminaram em primeiro ou segundo. Nessa Olimpíada, finalizaram em terceiro, atrás da União Soviética e também da Alemanha Oriental.

    A partir do exemplo acima, podemos observar que o esporte pode nos levar a uma compreensão melhor dos problemas econômicos, sociais e políticos mundiais. Por isso, acredito que o atual modelo de transferência de jogadores da América do Sul para o exterior, principalmente para a Europa, é baseado em trocas desiguais, pois, mesmo quando vendemos nossos melhores futebolistas, os valores são muito baixos. O meia Kaká, ex-São Paulo, é um exemplo claro disso. Ele foi vendido para o Milan por US$ 8,5 milhões, e hoje o clube italiano não o vende por menos de US$ 50 milhões. Pelo valor que pagou por Kaká, o Milan compraria apenas um jogador de nível médio no futebol europeu. Tanto que Silvio Berlusconi, ex-presidente do Milan e atual primeiro-ministro da Itália, havia afirmado na época que o negócio feito com o São Paulo tinha sido "uma pechincha".

    Mas porque o "campeonato" pode ser considerado um "bem manufaturado", quando um clube sul-americano chega a faturar mais de US$ 10 milhões com a venda de um atleta? A análise é simples: vejamos, por exemplo, os casos de Brasil, Argentina e Uruguai, que juntos somam nove títulos mundiais entre seleções. Apesar das glórias de suas seleções, os Nacionais dos três países são campeonatos pouco atrativos, já que quase a totalidade das estrelas dessas nações joga no continente europeu. Por outro lado, países como a Espanha, que jamais venceu uma única Copa do Mundo, tem um dos campeonatos considerados top de linha, ao lado da Itália e da Inglaterra. Isso acontece, pois nos campos espanhóis desfilam alguns dos jogadores mais balados do mundo, entre eles muitos sul-americanos.

    Hoje, os Nacionais da Itália, Espanha, Inglaterra, Alemanha e França podem ser assistidos com enorme facilidade nos canais a cabo, ou mesmo na TV aberta, nos países sul-americanos ou mesmo nas demais regiões do planeta. A TV Bandeirantes, por exemplo, mostrou o Campeonato Espanhol 2004/05 para o telespectador brasileiro. O mesmo ocorreu com a Copa dos Campeões, torneio de clubes mais prestigiado do velho continente, que esteve na programação da Rede TV. Isso faz com que mesmo o torcedor comum se familiarize com os clubes europeus, passando muitas vezes a escolher um deles como seu segundo time do coração. E o que tudo isso significa: dinheiro, ampliação dos lucros dos times europeus, que passam a faturar mais com a venda de produtos licenciados e direitos de TV, pois o interesse sobre a competição torna os direitos televisivos mais caros.

    Mas o que torna um campeonato atrativo é o material humano (jogadores de alta qualidade) que possui. Vejamos o caso do Espanhol, que, apesar de não possuir grandes estrelas locais, vale-se de contratações internacionais para se firmar como um dos melhores do mundo. Na Espanha, são os próprios times que negociam com as redes de TV os direitos de transmissão de seus jogos, o que permite que os grandes clubes, como o Real Madrid, Barcelona, Atlético de Madrid e Valencia, façam acordos mais vantajosos. O Real Madrid, time em que jogam estrelas do futebol mundial como os brasileiros Ronaldo, Robinho e Roberto Carlos, o inglês David Beckham e o francês Zinedine Zidane, cobrou, por exemplo, € 70,3 milhões da empresa Sogecable pela temporada 2003/04.

    O valor faturado pelo Real Madrid nessa temporada é quase o mesmo que receberam os 24 clubes que disputaram o Campeonato Brasileiro de 2004. De acordo com dados do Clube dos 13, entidade que reúne as principais agremiações do país, a competição rendeu para os participantes cerca de R$ 250 milhões da TV, incluindo o sistema pay-per-view. A soma se torna ridícula quando comparamos com a negociação feita pela Liga Francesa com o Canal+, que para deter os direitos de transmissão de três temporadas do Campeonato Francês (2005/06, 2006/07 e 2007/08) pagou € 1,8 bilhão, ou € 600 milhões por temporada. Levando-se em conta a cotação do real perante o euro, o valor pago na França é cerca de nove vezes maior do que a TV Globo gasta para ter os direitos no Brasil.


Referências bibliográficas

  • BEER, Carlos. Máquina de exportar. Caderno de Esporte, jornal La Nación, 15 de maio de 2005.

  • BIELSCHOWSKY, Ricardo. Cinqüenta Anos de pensamento na CEPAL: textos selecionados. Rio de Janeiro, Record, 2000.

  • LUXEMBURGO, Rosa. A acumulação do capital: contribuição ao estudo econômico do imperialismo. São Paulo, Nova Cultural, 1985.

  • TAVARES, Maria Conceição & FIORI, José Luís. Poder e Dinheiro: Uma economia política da globalização: textos selecionados. Petrópolis, Vozes, 1997.

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