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Vivenciando o corpo no ambiente
líquido: um relato de experiência

   
*Licenciado em Educação Física/UFSC,
acadêmico de Ciências Sociais/UFSC
**Licenciada em Educação Física/UFSC e
Especializanda em Treinamento Esportivo
***Licenciada/o em Educação Física/UFSC
****Acadêmica do Curso de Educação Física/UFSC
 
 
Cristiano Mezzaroba* | Elisa Leão Moreira**
Luiz Adroaldo Dutra Rodrigues*** | Mariana da Rosa Silveira***
Francimara Budal Arins**** | Patrícia Boos****

cristiano_mezzaroba@yahoo.com.br
(Brasil)
 

 

 

 

 
Resumo
    Este trabalho é um relato de experiência do Projeto de Extensão que foi desenvolvido no Centro de Desportos da UFSC em parceria com o Núcleo de Desenvolvimento Infantil/UFSC, o qual objetivou ampliar o universo de experiências de movimentos no meio líquido para as crianças de 3 a 6 anos de idade. Outro objetivo do Projeto foi oportunizar aos acadêmicos voluntários a compreensão da relação teoria-prática, estimulando-os para o conhecimento de práticas corporais no meio líquido. As vivências foram trabalhadas com diversidade de materiais e de modo que as crianças tivessem a oportunidade de aprender brincando.
    Unitermos: Ambiente líquido. Atividades lúdicas. Infância.
 
Abstract
    This article is about an experience of the Extension Project which took place at the Department of Sports with the Department of Child Development/UFSC. It aimed to expand the 3-6 year old children´s movements in liquid (water). It also aimed to give university student volunteers opportunity to comprehend the relation between theorization and practice. Further, it stimulated them for knowledge of body practices in liquid (water). They used a great amount of materials so that children had a chance to learn playing.
    Keywords: Liquid environment. Playful activities. Infancy.

Trabalho realizado sob a orientação da Professora Ms. Albertina Bonetti - DEF/CDS/UFSC.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 10 - N° 94 - Marzo de 2006

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Introdução

    Viver a infância. Será que estamos preparados para isso? Já há algum tempo, compreender o significado da infância passou a ser objeto de estudo nas mais diversas áreas do conhecimento, devido à complexidade que envolve esta categoria social. Estuda-se a questão hereditária (biológica), os aspectos geográficos relacionados a questões sociológicas e antropológicas (culturais), os aspectos psicológicos, o movimento humano, entre outros, com o intuito de se aproximar cada vez mais da realidade (contexto) das crianças, compreendendo-as, desta forma, como possuidoras de determinadas características.

    A Educação Infantil passou a rever seu papel no momento em que os pais se distanciaram do ambiente familiar em função do trabalho, e como conseqüência disso, as relações entre pais e filhos tiveram uma diminuição em razão do tempo. Assim, um fato que demonstra a dimensão da infância é a preocupação em assegurar os direitos das crianças através da elaboração e legitimação do Estatuto da Criança e do Adolescente, garantindo a elas todos os seus direitos.

     Especificamente na cultura brasileira se convencionou atribuir a responsabilidade pela infância principalmente à mulher (mãe), mas é necessário reconhecer esta "fase da vida" como uma "categoria social não mais como categoria familiar" (ARROYO, 1994: 89), ou seja, o Estado deve complementar o cuidado com a infância junto à família: "a Infância deixou de ser apenas objeto dos cuidados maternos familiares e hoje tem que ser objeto dos deveres públicos do Estado, da sociedade como um todo" (Ibid., p.89).

     Outra questão relacionada à infância é a concepção de que "cada idade tem sua identidade" (Ibid.: 90), ou seja, permite-se uma "nova perspectiva" de "ver" a infância "como tempo em si, como vivência em si" (Id.), sem submetê-la a futuras exigências. Significa dizer que agora não há mais uma única visão relacionada à infância, àquela em que a sociedade em geral tinha, na qual se compreendia esta fase peculiar da vida como um tempo de preparação para a vida adulta e para as responsabilidades do trabalho.

     Segundo Morchida (1998: 113) "na concepção Walloniana1, infantil é sinônimo de lúdico. Toda atividade da criança é lúdica, no sentido de que se exerce por si mesma". O lúdico, então, está presente na vida da criança, e é através das brincadeiras e jogos que ela manifesta sua criatividade, espontaneidade, imaginação e assim faz de maneira desinteressada (sem a pretensão de um objetivo único).

     O caráter lúdico presente no comportamento infantil provém da aprendizagem adquirida pela criança no ambiente em que ela está inserida a partir de interações e situações vivenciadas. Concepções que abrangem a origem e o sentido do verbo brincar conceituam o mesmo como sendo uma atividade caracterizada pela oposição ao que é sério, ou seja, o trabalho. O brincar, para Freud (MORCHIDA, 1998) é um modelo do princípio de prazer oposto ao princípio de realidade, no qual a criança constrói um mundo só seu, transpondo as vivências da realidade em que se vive para um universo novo, da maneira que achar interessante. Por ser o brinquedo um instrumento com funções definidas ou não, o brincar destaca-se por construir uma relação direta no desenvolvimento da criança.

    Sabe-se da necessidade de oportunizar à criança um leque amplo de vivências que favoreçam uma adequada adaptação ao ambiente que a cerca. É necessário que esse conjunto de estímulos seja oferecido de forma acumulativa, de modo a não abandonar ou desconsiderar estímulos que seriam mais propícios em fases anteriores do processo de maturação. Esta soma de vivências proporciona uma considerável gama de oportunidades que contribuirão para o pleno desenvolvimento da criança.

    Percebendo as necessidades inerentes à infância (afetividade, oportunidade para explorar e compreender o mundo, ajudar e compartilhar, oportunidade para desenvolver a coordenação motora, entre outras necessidades), torna-se crucial elaborar e planejar programas educacionais que venham suprir tais exigências.

    É nessa perspectiva que a Educação Física, inserida na Educação Infantil, tece suas bases, pois através do lúdico e da brincadeira, oportuniza às crianças desenvolvimento e aprendizagem mais ricos e plenos.

    A tendência predominante da Educação Física pode ter uma visão dualista do homem (corpo diferente de mente). Em contrapartida a tal concepção, é importante que esta área do conhecimento busque validação e justifique sua importância no processo educacional baseando-se na sua capacidade de assumir formas e métodos "diferentes" para as aulas, intervindo e auxiliando na leitura de um mundo por parte das crianças, ou seja, atendendo as suas reais necessidades.

    A Educação Física deve ter o lúdico como elemento norteador, tendo em vista que nada é mais típico e familiar à criança do que a brincadeira. De igual forma, é pertinente fazer uso de outra particularidade das crianças - a imaginação. Dentro desta realidade infantil, a Educação Física, como um amplo campo de conhecimento, pode trabalhar em prol da construção das formas de linguagem (alfabetização), expressão e cultura corporal, e por conseqüência, tornando seus alunos(as) capazes de constituírem-se enquanto sujeitos críticos e autônomos.

    Além de programas cuidadosamente elaborados, é necessário oferecer condições e formação adequadas às pessoas que atuam nessa área (a Educação Física na Educação Infantil), para que os professores estejam em constante aperfeiçoamento de suas metodologias educacionais, considerando que os educadores precisam estar adaptados ao dinamismo que o universo escolar costuma apresentar.

    Pensamos que a Educação Infantil deva enxergar a criança com todo o seu potencial, favorecendo que ela desenvolva seu senso crítico, autonomia, capacidade intelectiva, movimento/expressão corporal, criatividade e solidariedade, de maneira abrangente. Para isso é necessário que sua educação seja realizada de modo a possibilitar que o "cuidar" e o "educar" tenham a mesma importância durante o seu desenvolvimento.


O Projeto de Extensão: Atividades lúdicas - vivenciando o corpo no ambiente líquido

    Buscando uma diferenciação no trato da infância, o Projeto2 ATIVIDADES LÚDICAS: VIVENCIANDO O CORPO NO AMBIENTE LÍQUIDO tinha como um de seus objetivos desenvolver um trabalho de articulação entre a teoria e a prática pedagógica (articulando conhecimentos da Educação Infantil com a Educação Física), voltada a uma produção acadêmica para uma melhor contribuição social.

    A prática pedagógica empregada na realização deste Projeto fundamentou-se em oportunizar às crianças o "brincar aprendendo" na água. Das práticas criativas e lúdicas, surgiu a possibilidade de proporcionar o desenvolvimento infantil determinado pelas experiências possíveis no meio líquido, objetivando ampliar tanto as dimensões físicas, como psicológicas, sociais e motoras das crianças.

    É papel da Universidade atuar em diversas frentes na relação com a sociedade, o que inclui a formação de novos profissionais e a formação continuada daqueles que já atuam. A produção de novos conhecimentos e a relação com segmentos da sociedade que precisam de acesso a serviços/conhecimentos de qualidade também eram objetivos deste Projeto.

    Oportunizar às crianças vivências no meio líquido é uma oportunidade singular em se tratando de espaços públicos, principalmente quando não se tinha como objetivo o ensino da natação - o que geralmente é "imaginado" quando são oferecidas as atividades aquáticas para esta faixa etária.

    Os elementos necessários a um "desempenho agradável" no ambiente líquido, como percepção, flutuação, mergulho, deslocamento e equilíbrio sempre foram realizados através de atividades lúdicas, evitando-se a repetição excessiva dos movimentos corporais.

    Este projeto se constituiu, então, em atividades corporais vivenciadas na água, organizadas com caráter lúdico, visando o público infantil (na faixa etária dos 3 aos 6 anos de idade) do Núcleo de Desenvolvimento Infantil - NDI/UFSC. Caracterizou-se como um Projeto de extensão, vinculando os acadêmicos (voluntários) do Curso de Educação Física da UFSC com as crianças do NDI/UFSC.

    O Projeto foi estruturado através de uma reunião semanal para discussão de textos relacionados à infância, à Educação Física (na Educação Infantil) e às atividades lúdicas. Nessas reuniões analisávamos as vivências realizadas com as crianças na piscina, programávamos novas metodologias (atividades semanais) e assistíamos filmes que tinham relação com a temática do Projeto (Jardim Secreto, Os filhos do paraíso e Nenhum a menos). Uma vez por semana, em dois horários (período matutino e vespertino) eram realizadas as vivências práticas na piscina3, nas quais eram utilizados como materiais, além da bóia de braço (obrigatória para todas as crianças por questão de segurança), máscara e óculos de mergulho, snorkel, espaguete, tapetões e pranchinhas, todos utilizados com o objetivo de enriquecer a prática.

    Percebemos nas crianças progressos no que diz respeito a: maior autonomia na água; maior facilidade nos deslocamentos; menor resistência ao entrar na água (menor medo); familiarização com os materiais e com os métodos utilizados durante as atividades; maior interação entre os alunos e destes com os monitores.

    Para sabermos o comportamento das crianças frente ao Projeto elaboramos um questionário4 dirigido aos pais a fim de averiguar as manifestações infantis com referência às atividades realizadas no Projeto. A análise destes questionários foi bastante positiva, pois proporcionou aos professores e monitores envolvidos uma melhor reflexão dos resultados obtidos com as atividades praticadas. Podemos considerar de forma sintetizada que:

  • A ansiedade existente nas crianças na véspera das atividades na piscina foi bastante evidenciada pelos pais. Segundo eles, havia a preocupação por parte das crianças em preparar o material necessário para a participação nas atividades aquáticas já no dia anterior ao Projeto;

  • Baseado nos aspectos comentados pelas crianças aos pais, é contundente a aprovação delas quanto às atividades realizadas na piscina; assim como a aprovação em relação aos materiais utilizados. As crianças comentavam com os pais como eram as atividades, o que aprendiam, os amigos que ainda tinham medo de entrar na água, os seus próprios medos e os avanços dentro d'água;

  • A maioria das crianças não apresentava temor ao entrar na água, mas o inverso; elas tinham pressa em entrar na piscina e realizar as atividades programadas. Alguns pais escreveram que seus filhos não tinham temor à água porque já participavam de aulas de natação ou porque iam à praia esporadicamente. Outra constatação é que o tamanho e a profundidade da piscina, no início, causavam "um certo temor", mas no decorrer das atividades esse medo foi superado;

  • Quanto à pergunta sobre intervenção dos monitores alguns questionários não foram respondidos, outros mostraram que as crianças não faziam comentários sobre a participação dos monitores. Já os questionários que se referiram aos monitores apontaram, em sua maioria, serem estes "legais" e "atenciosos";

  • Os pais demonstraram interesse em participar das vivências com as crianças, mas alguns alegavam não dispor de tempo para isso.

    A maior dificuldade encontrada pelos monitores envolvidos no Projeto se deu pelo fato de que as atividades eram realizadas somente uma vez por semana, e como era realizado um revezamento entre as turmas, os monitores só tinham contato com as turmas praticamente uma vez por mês - impossibilitando uma maior aproximação, deixando de estabelecer um maior vínculo de confiança e afetividade destes com os professores e crianças pertencentes no Projeto.

    A contribuição deste Projeto para a formação dos acadêmicos participantes pode ser observada em alguns aspectos como:

  • A relação teoria-prática nele existente assumia um papel facilitador para uma futura intervenção profissional;

  • A insegurança inicial quanto ao como se colocar diante das crianças foi aos poucos superada;

  • A assimilação adquirida da importância da organização e planejamento de atividades coletivas para o público infantil.

    Em síntese, através de tudo que vivenciamos no decorrer do Projeto, pensamos que devemos ter consciência que a INFÂNCIA é, sem dúvida, o melhor tempo da nossa vida (desde que se permita isso!) e que passa. Por isso, aproveitá-la é a única e a melhor coisa que se tem a fazer... o futuro a gente prepara depois. Na escola haverá muito tempo para isso.


Notas

  1. Os cinco estágios da Psicogenética Walloniana: (1) impulsivo emocional; (2) sensório motor e projetivo; (3) personalismo; (4) categorial e (5) adolescência.

  2. Coordenado pela Professora Ms. Albertina Bonetti (DEF/CDS/UFSC) e pelo Professor Gilberto Lopes Lerina (Professor de Educação Física do NDI/UFSC).

  3. As vivências geralmente eram realizadas na piscina, mas ocasionalmente quando ela não estava em boas condições de uso, os monitores, para não perder o contato com as crianças, deslocavam-se até o NDI/UFSC para a realização de atividades neste espaço. Além deste fator (evitar a perda de contato com as crianças), o deslocamento até o NDI também proporcionava maior aprendizado para os monitores, pois podiam observar o comportamento das crianças em outros espaços físicos (que não fossem necessariamente o espaço líquido) e se utilizar disso para melhorar o seu trabalho no Projeto.

  4. Que compreendia questões acerca das expectativas das crianças, dos comentários que as mesmas faziam a respeito das atividades, se elas apresentavam algum temor quanto à água/piscina, se faziam algum comentário sobre os monitores e se havia algum interesse dos pais em participar das atividades na piscina junto com seus filhos.


Referências

  • ARROYO, Miguel G. O significado da infância. In: Anais do I Simpósio Nacional de Educação Infantil. Brasil/MEC/SEF/COEDI. Brasília: MEC, 1994, p.88-92.

  • CAMPOS, Maria M. Educar e cuidar: questões sobre o perfil do profissional de educação infantil. In: Brasil/MEC/SEF/COEDI. Por uma política de formação do profissional de Educação Infantil. Brasília: MEC, 1994, p.32-42.

  • MORCHIDA, Tizuko. O brincar e suas teorias. São Paulo: Pioneira, 1998.

  • GRUPO DE ESTUDOS AMPLIADOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA/NEPEF/UFSC-SME/FLORIANÓPOLIS. A educação física na educação infantil. NEPEF/UFSC - SME Florianópolis. Diretrizes curriculares para a educação física no ensino fundamental e na educação infantil da rede municipal de Florianópolis/SC. Florianópolis: o Grupo, 1996, p.41-65.

  • SARMENTO, Manuel J.; PINTO, Manuel. As crianças e a infância: definindo conceitos, delimitando o campo. In: As crianças: contextos e identidades. Coleção Infância. Centro de Estudos da Criança. Universidade do Minho. Braga - Portugal, 1997, p. 07-30.

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