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Qualidade de vida no trabalho e
a legislação pertinente

   
*Mestrando em Engenharia de Produção
CEFET-PR - Unidade de Ponta Grossa
Professor da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG)
**Doutor em Educação Física - UNICAMP
Professor do Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná
(CEFET-PR) Unidade de Ponta Grossa
 
 
Marco Antonio Salles Rosa*
marcosalles@interponta.com.br  
Dr. Luiz Alberto Pilatti**
lapilatti@pg.cefetpr.br
(Brasil)
 

 

 

 

 
Resumo
    O presente estudo discutirá os aspectos normativos, contidos na Norma Regulamentadora 17, a NR-17, que deve assegurar a saúde do trabalhador, tendo como pano de fundo a qualidade de vida e qualidade de vida no trabalho. Trata-se de um estudo exploratório que teve como procedimento de pesquisa a revisão de literatura. Verificou-se que a legislação vigente, pauta na organização do ambiente laboral, é insuficiente para garantir a qualidade de vida do trabalhador. Inferiu-se que a humanização do trabalho é uma necessidade que não será garantida apenas com um aparato legal, é necessário mais.
    Unitermos: Qualidade de vida. Qualidade de vida no trabalho. Norma regulamentadora 17 (NR-17).
 
Abstract
    The present study will argue the normative aspects, contained in the Norm Regulations 17, the NR-17, which must assure the health of the worker, having as a backdrop the quality of life and quality of life in the workplace. One is about an exploratory study that had as research procedure a literature revision. It was verified that the current law, guideline in the organization of the labor environment, is insufficient to guarantee the quality of life of the worker. It was inferred that the humanization of the work is a necessity that will not be guaranteed only with a legal apparatus, more is necessary.
    Keywords: Quality of life. Quality of life in the workplace. Norm regulations 17 (NR-17).
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 10 - N° 93 - Febrero de 2006

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1. Introdução

    As mudanças provocadas dentro das empresas na busca de novas tecnologias, como exigência de um mercado cada vez mais competitivo, têm reflexos significativos na forma de gerenciamento das organizações. Os processos foram e continuam sendo metamorfoseados pela redivisão internacional do trabalho. O mercado econômico globalizado, desenhado por uma competição irracional, produz um cenário dinâmico com reflexos múltiplos em diferentes setores.

    No centro do processo, e ao mesmo tempo cada vez mais alheio a ele, encontra-se o trabalhador. Com a revolução técnico-científica dos sistemas produtivos, os instrumentos e métodos de trabalhos são sofisticados. O trabalho mecânico e coisificado é substituído pelo não-trabalho ou, em muitos casos, pela ausência de trabalho. Os instrumentos que foram ideados para libertar o trabalhador do fardo mecânico acabaram coisificando esse trabalhador (SOUSA, 1989).

    Nesse mundo que os weberianos lêem como desencantado, o trabalho é uma categoria analítica importante. Para os marxistas, a categoria é central. Nessa leitura, tudo que não é trabalho tem uma conotação negativa ou compensatória. Conceitos como tortura, sofrimento e labuta, desde o início da humanidade, têm estreito relacionamento.

    Para Dejours (1994), o sofrimento no trabalho se desdobra além do espaço laboral, na medida em que o sofrimento não se aplica apenas aos processos construídos no interior da fábrica, da empresa ou da organização. O sofrimento é acrescido de processos que se desenrolam fora da empresa, no espaço doméstico e na economia familiar do trabalhador.

    Com o advento da sociedade pós-capitalista, que é a sociedade do conhecimento e das organizações, a nova riqueza produzida nas organizações do conhecimento advém dos subutilizados ativos intangíveis, o capital humano e o capital estrutural interno e externo (PILATTI; BEJARANO, 2005). As pessoas transformaram-se nos únicos verdadeiros agentes. Com a mudança para o paradigma do conhecimento tornou-se necessário um enfoque diferenciado do capital humano: as pessoas deixaram de ser geradores de custos ou recursos para se tornarem geradores de receita.

    Em termos práticos, sendo as pessoas o ativo mais importante das empresas, supõe-se que as mesmas devam ser valorizadas como tal. A idéia da qualidade de vida do trabalhador é algo presente. Com esse enfoque, o presente estudo discute os aspectos normativos, contidos na Norma Regulamentadora 17, a NR-17, que deve assegurar a saúde do trabalhador, tendo como pano de fundo a qualidade de vida e qualidade de vida no trabalho (QVT).


2. Rudimentos históricos

    A preocupação com a saúde no trabalho não é algo novo. Para Couto (1995), foi durante a 1ª Guerra Mundial, mais especificamente no ano de 1915, com a fundação da Comissão de Saúde dos Trabalhadores na Indústria de Munições, que a preocupação tomou os primeiros contornos. Essa comissão, que era composta por fisiologistas e psicólogos, com o término da Guerra, foi transformada no Instituto de Pesquisa da Fadiga Industrial e, mais tarde, passou a se chamar Instituto de Pesquisa sobre Saúde no Trabalho.

    O campo inicial de atuação foi ampliado. O Instituto passou a realizar pesquisas sobre posturas no trabalho, carga manual, seleção, treinamento e o ambiente.

    Com a 2ª Grande Guerra, a construção de instrumentos bélicos mais complexos e de maior poderio passou a exigir um nível mais elevado de habilidade por parte dos trabalhadores. As condições ambientais e o cenário tenso produzido pelas batalhas eram desfavoráveis ao processo. A adaptação dos instrumentos para a redução do nível de tensão dos trabalhadores e a diminuição dos riscos de acidentes se tornou uma urgência.

    Durante o pós-guerra, surgiu na Inglaterra o Ergonomics Research Society, um grupo de pesquisadores interessados em debater e conformar um novo ramo de aplicação interdisciplinar da ciência que tinha como objeto de estudo o ambiente laboral. A sociedade contribui para a difusão da ergonomia em todo o mundo industrializado. Para melhorar a produtividade e as condições de vida da população, particularmente a dos trabalhadores, o pano de fundo das pesquisas foi o conhecimento adquirido durante as guerras (IIDA, 1998).

    Na atualidade, a ergonomia abrange cinco grandes áreas de estudo aplicadas ao trabalho: ergonomia na organização do trabalho pesado; biomecânica aplicada ao trabalho; prevenção da fadiga no trabalho; prevenção do erro humano e adequação ergonômica do posto de trabalho (COUTO, 1995).

    Em muitos países, os conhecimentos oriundos dessas áreas da ergonomia foram convertidos em normas oficiais. No Brasil, a norma que apresenta essa finalidade é a Norma Regulamentadora 17 - Ergonomia (DUL; WEERDMEESTER, 1995).


3. NR-17

    Visando estabelecer parâmetros que "permitam a adaptação das condições de trabalho às características psicofisiológicas dos trabalhadores, de modo a proporcionar um máximo de conforto, segurança e desempenho eficiente", o Ministério do Trabalho e Previdência Social instituiu a Portaria n° 3.751, em 23/11/90, que baixou a Norma Regulamentadora n° 17 (NR-17) que trata especificamente da ergonomia.

    A Norma apresenta parâmetros para o posto e organização do trabalho. O objetivo é o de adaptar as condições de trabalho, dando um arranjo à área de trabalho para a economia de movimentos, redução de manipulações e repetições, melhora do ritmo do trabalho, adequação do formato ao operador, o que possibilita a diminuição da atividade muscular (NASCIMENTO; MORAES, 2000).

    A obrigação da análise ergonômica do trabalho para a avaliação da adaptação das condições de trabalho às características do trabalhador, segundo a norma, é do empregador. De forma pontual, os principais fatores ergonômicos, de saúde e de segurança, com suas respectivas metas e indicadores estabelecidos na NR-17 são:

  • levantamento, transporte e descarga individual de materiais;

  • mobiliário dos postos de trabalho;

  • equipamentos dos postos de trabalho;

  • condições ambientais de trabalho;

  • organização do trabalho.

    Ruído, temperatura, umidade, iluminação, ambiente físico, ergonomia, ritmo repetitivo e estresse são fatores avaliados e que devem servir para a efetivação de ações de melhoria nas instalações da empresa e na prevenção de doenças ocupacionais de seus empregados. A idéia nuclear da norma é a promoção de um ambiente de trabalho seguro e saudável.


4. Qualidade de vida e qualidade de vida no trabalho

    A construção do conceito qualidade de vida existe em diferentes campos do saber, o que lhe confere múltiplos sentidos. Diferentes variáveis são consideradas. Em termos objetivos, a expressão qualidade de vida "foi empregada pela primeira vez pelo presidente dos Estados Unidos, Lyndon Johnson em 1964 ao declarar que 'os objetivos não podem ser medidos através do balanço dos bancos. Eles só podem ser medidos através da qualidade de vida que proporcionam às pessoas'" (GRUPO WHOQOL, 1998).

    Para a Organização Mundial da Saúde, através da Divisão de Saúde Mental, três aspectos fundamentais que fazem parte do conceito: a subjetividade, a multidimensionalidade e a presença de dimensões positivas e negativas (GRUPO WHOQOL, 1998).

    O Grupo WHOQOL (1998) definiu Qualidade de Vida como "a percepção do indivíduo de sua posição na vida, no contexto da cultura e sistema de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações".

    Em termos práticos, o grupo elaborou um instrumento para avaliar a Qualidade de Vida, com uma perspectiva internacional, através de um projeto colaborativo multicêntrico. Resultou deste projeto o WHOQOL-100, um instrumento de avaliação de qualidade de vida composto por 100 itens. O instrumento avalia diferentes domínios da QV (tabela 1)

Tabela 1. Domínios e facetas do WHOQOL


Fonte: Grupo WHOQOL

    A QVT, por sua vez, pode ser visto como um indicador da qualidade da experiência humana no ambiente de trabalho. Trata-se de um conceito estreitamente relacionado à satisfação dos funcionários quanto à sua capacidade produtiva em um ambiente de trabalho seguro, de respeito mútuo, com oportunidades de treinamento e aprendizagem e com o equipamento e facilidades adequadas para o desempenho de suas funções.

    Alguns conceitos fundamentais à QVT são: participação do empregado nas decisões que afetam o desempenho de suas funções; reestruturação de tarefas, estruturas e sistemas para que estas ofereçam maior liberdade e satisfação no trabalho; sistemas de compensações que valorizem o trabalho de modo justo e de acordo ao desempenho; adequação do ambiente de trabalho às necessidades individuais do trabalhador; satisfação com o trabalho (PILATTI; BEJARANO, 2005).

    As iniciativas de QVT têm dois objetivos: de um lado, aumentar a produtividade e o desempenho, de outro, melhorar a QVT e a satisfação com o trabalho. Muitos autores supõem que os dois objetivos estão ligados: uma maneira direta de melhorar a produtividade seria a melhora das condições de e satisfação com o trabalho, porém, a satisfação e a produtividade do trabalhador não seguem necessariamente trajetos paralelos. Isto não significa que os dois objetivos sejam incompatíveis, nem que sejam totalmente independentes de um outro. Sob determinadas circunstâncias, melhorias nas condições de trabalho contribuirão para com a produtividade.

    Na verdade, a idéia de QVT é uma idéia dinâmica e que vem sendo permeada por evoluções processadas em diferentes campos. A tabela 2 ilustra, de forma pragmática, a evolução desse conceito.

Tabela 2. Evolução do conceito de QVT


Fonte: Nadler e Lawler apud Fernandes (1996)

    Os conceitos qualidade de vida e QVT, apesar de serem conceitos pluridimensionais, estão medrados. Não existe QVT sem qualidade de vida e vice-versa. Usando como referência os seis domínios do WHOQOL, percebe-se facilmente que o previsto na NR-17 não é suficiente para garantir minimamente níveis de satisfação nos domínios.

    Na verdade, a sociedade do conhecimento vive uma situação paradoxal: por um lado exige-se uma racionalidade absoluta; por outro, a humanização do trabalhador, lido como o capital intelectual das organizações, é uma exigência. Em termos práticos trata-se de um processo que ainda requer ajustes ou será, como sugeriu Nadler e Lawler (apud Fernandes,1996), um modismo que pode ser passageiro.


5. Considerações finais

    O investimento no capital humano, além de uma exigência, traz um enorme retorno ao nível da qualidade e produtividade da empresa. A organização do ambiente de trabalho é um dos fatores importantes para a melhor da qualidade de vida do trabalhador, o qual vive grande parte de sua vida voltada a funções operacionais, que de alguma forma interfere no seu estado de saúde.

    O modo operatório deve obedecer a determinadas normas, assim a NR 17 do Ministério do Trabalho, veio estabelecer que o empregador necessitasse realizar análises ergonômicas do posto de trabalho avaliando as características psicofisiológicas do indivíduo frente ao ambiente de trabalho.

    É verdade que a qualidade de vida não inclui somente os fatores diretamente relacionados à saúde, tais como bem estar físico, funcional, emocional, bem-estar mental, mas, também, elementos como trabalho, amigos e outras circunstâncias de vida.

    Instrumentos como o WHOQOL podem ser satisfatórios para indicar o status de saúde. No entanto, deve-se ter clareza que quando se utiliza um instrumento para mensurar a qualidade de vida, o fundamental é a noção que se está buscando uma percepção individual relativa às condições de saúde e a outros aspectos que interferem na vida pessoal.

    A legislação vigente, certamente, não é suficiente para garantir qualidade de vida ou produzir um ambiente mais humanizado. As necessidades mais básicas e aspirações mais altas do trabalhador devem ser atendidas, coisa que apenas uma análise ergonômica do trabalho não permitirá. Com essa análise é possível identificar o trabalho, descrever os modos operatórios, os agravantes, as comunicações, o coletivo do trabalho, as competências requeridas pelas funções e as competências empregadas. Qualidade de vida é mais que o cumprimento de uma norma. Apregoa-se que as organizações devem o humanizar o trabalho. Os indícios não convergem para tal revolução.


Referências

  • COUTO, Hudson de Araújo. Ergonomia aplicada ao trabalho: o manual técnico da máquina humana. Belo Horizonte: Ergo, 1995.

  • DEJOURS, Cristophe et al. Psicodinâmica do trabalho. São Paulo: Atlas, 1994.

  • DUL, Jan, WEERDMEESTER, Bernard. Ergonomia prática. Tradução Itiro Iida. São Paulo, Edgard Blücher, 1995.

  • FERNANDES, Eda Conte. Qualidade de vida no trabalho: como medir para melhorar. Salvador: Casa da Qualidade, 1996.

  • GRUPO WHOQOL. Versão em português dos instrumentos de avaliação de qualidade de vida (WHOQOL) 1998. FAMED - UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL/HCPA. Disponível em http://www.ufrgs.br/psiq/whoqol1.html#1 Acesso em: 19 set. 2005.

  • IIDA, Itiro. Ergonomia: projeto e produção. 5. ed. São Paulo: Edgard Blücher, 1998.

  • NASCIMENTO, Nivalda Marques do; MORAES, Roberta de Azevedo Sanches. Fisioterapia nas empresas: saúde x trabalho. 2. ed. Rio de Janeiro: Taba Cultural, 2000.

  • PILATTI, Luiz Alberto; BEJARANO, Viviane Carvalho. Qualidade de vida no trabalho: leituras e possibilidades no entorno. In: GONÇALVES, Aguinaldo; GUTIEREZ, Gustavo Luis; VILARTA, Roberto (organizadores). Gestão da qualidade de vida na empresa. Campinas: IPES, 2005. p. 85-104.

  • SOUSA, Fernando Ponte de. A Educação Física em busca de seu curso. Revista da Educação Física/UEM, Maringá, v.1, n. 0, p. 5, 1989.

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