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Os aspectos psicológicos da personalidade e da
motivação no voleibol masculino de alto rendimento
The psychological aspects of personality and motivation in high level male volleyball

   
*Faculdade de Educação Física da Universidade
de Ribeirão Preto, São Paulo
**Escola de Educação Física e Esporte da
Universidade de São Paulo, São Paulo
 
 
Silvia Regina Deschamps*
Dante de Rose Junior**

sdchamps@usp.br
(Brasil)
 

 

 

 

 
Resumo
    Este estudo teve como objetivo identificar os aspectos psicológicos da personalidade e da motivação que podem influenciar o comportamento de atletas de alto rendimento. Foi realizado com 6 atletas de voleibol masculino adulto. A análise foi de cunho qualitativo, utilizando-se os métodos da entrevista semi-estruturada (questões sobre pensamentos, sentimentos e atitudes em relação a si mesmo e ao ambiente esportivo; e sobre algumas variáveis dos aspectos psicológicos da personalidade e da motivação) e observação direta do comportamento verbal e não-verbal dos atletas durante a competição. Principais conclusões: - a importância de o atleta estar ciente dos pensamentos, sentimentos e atitudes em relação a si mesmo e ao ambiente que o cerca, para qualquer mudança necessária em si mesmo e nas suas relações; - como os aspectos psicológicos estudados influenciaram no comportamento, o atleta buscar um equilíbrio certo e próprio nestes, contribuindo assim de forma mais positiva no seu modo de agir, refletindo no seu desempenho.
    Unitermos: Voleibol. Personalidade. Motivação.
 
Abstract
     The purpose of this study was to identify the psychological aspects of personality and motivation that influence directly over high level volleyball players behavior. The research was conduct with six male adults using semi-structured interviews with questions about their thoughts, feelings and attitudes related to their own behavior and to the competitive environment and some questions about personality and motivation. Game behavior was also observed during the games, through their words, expressions, gestures and body language. The results lead to some conclusions: the athletes must be concerned about their thoughts, feelings and attitudes looking for changes in their own behavior and in their relationships with others and the environment; as the psychological aspects directly have a great influence at their behaviors, the athletes must try to find a balance among those psychological aspects just to get a positive influence on their performance.
    Keywords: Volleyball. Personality. Motivation.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 10 - N° 92 - Enero de 2006

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Introdução

    O desempenho de atletas de alto nível caracteriza-se pela combinação de muitos fatores, dos quais se destacam a preparação física, a preparação técnico/tática e a preparação psicológica.

    A preparação psicológica é um instrumental eficiente para trabalhar o atleta, em nível psíquico, para o enfrentamento de situações estressantes do ambiente esportivo e utilizar dessa estrutura pessoal para a obtenção de seu potencial máximo na competição. Ela pode incluir modificação de processos e estados psíquicos como pensamento, motivação, emoção, percepção e estados de humor, componentes das bases psíquicas da regulação do movimento.

    O tipo de treinamento psicológico que é utilizado no esporte varia muito e as habilidades mentais e atributos psicológicos que geralmente são trabalhados com atletas de alto rendimento são: aumento de autoconfiança, atenção e concentração, organização de objetivos, autocontrole da ativação e relaxamento, utilização de visualização e imagem, estratégias de rotinas e competitividade, elevação de motivação e comprometimento.

    Os aspectos psicológicos são, sem dúvida, um dos principais componentes da preparação do atleta de alto rendimento e eles abrangem uma série de fatores que, combinados, podem influenciar negativa ou positivamente no seu desempenho. Este estudo teve como objetivo identificar os aspectos psicológicos da personalidade e da motivação que influenciam diretamente o comportamento de atletas de alto rendimento.

    Para um melhor entendimento sobre o tema estudado foram levantados conceitos e considerações a respeito de personalidade e motivação e suas influências no comportamento do indivíduo participante do meio esportivo.

    À medida que se analisam os acontecimentos que envolvem a ação esportiva existe uma tendência em olhá-la como um resultado de planejamento racional e raciocínio consciente na direção de um objetivo. A ação pode ser definida como um comportamento consciente e dirigido a um objetivo, portanto, possui razões e efeitos cognitivos. O que regula o comportamento é justamente o pensamento, e quando não tem essa regulação cognitiva, ele é considerado perturbador e não planejado, e o que acompanha o processo do raciocínio são as ocorrências emocionais (sentimentos) que também são atuantes sobre o comportamento (THOMAS, 1983).

    A relação pensamento-sentimento-ação no esporte é evidente e marcante, e qualquer problema que ocorra tanto a nível cognitivo quanto a nível emocional terá consequências no comportamento do atleta. Normalmente observam-se dificuldades cognitivas, justamente no que diz respeito a um planejamento racional de ações, e também com relação à forma de lidar com o fator emocional, com as emoções que surgem no decorrer das competições.

    A fim de corrigir o comportamento e melhorar a personalidade, é preciso saber inicialmente quem cada ser humano realmente é. Eric Berne, criador da Análise Transacional, formulou conceitos que auxiliam a retratar e a ter uma visão do modo de agir de cada indivíduo. Para KERTESZ (1987), seguidor da teoria de Eric Berne, comportamento se define como: "o que se sente, pensa, diz e faz. O que se pensa e sente é o comportamento subjetivo, interior, e o que se diz e faz é o comportamento objetivo, exterior, observável (p. 23)."Através da observação do comportamento objetivo se torna possível grande parte da compreensão do comportamento subjetivo, que, por ser interno, não é acessível diretamente aos nossos sentidos.

    A personalidade "é o modo habitual pelo qual o indivíduo pensa, sente, fala e atua para satisfazer suas necessidades no meio físico e social." (KERTESZ, 1987, p. 23). Para BERNE (1957, citado por KERTESZ, 1987, p. 27) ela é formada pelos estados de ego Pai, Adulto e Criança. Como estado de ego compreende-se "um sistema de emoções e pensamentos, que segue determinados padrões de comportamento."

    O estado de ego Pai contém normas, valores e modelos de conduta dos pais ou substitutos. O estado de ego Adulto está dirigido para uma avaliação objetiva da realidade, recebe informações internas e externas, analisa-as e toma as decisões. O estado de ego Criança é o primeiro a existir e apresenta os conteúdos da primeira infância e é nele que se incluem as emoções, desejos, criatividade e intuição. O ser humano que está em equilíbrio com os seus estados de ego e possui uma posição básica de auto-estima, terá um comportamento ajustado ao meio social e caso isso não se dê, o comportamento irá refletir repetidamente a imaturidade, ressentimentos e preconceitos dessa pessoa.

    As diferenças individuais entre esportistas são óbvias e são elas que refletem a personalidade e, não só se reconhecem estas diferenças individuais existentes no esporte, como se avalia informalmente a personalidade quando se julgam oponentes ou se avaliam as próprias forças e fraquezas. Estas determinações de personalidade afetam o comportamento no esporte. A personalidade pode ser descrita como a soma total ou padrão global de características e tendências (GILL, 1986).

    Num estudo realizado por OGILVIE e TUTKO (1971) esportistas são caracterizados por alguns traços de personalidade:

  • Motivados para o rendimento e colocam-se a si e a outras pessoas objetivos elevados, porém realistas;

  • Ordenados e disciplinados, dispostos para a liderança e respeito às autoridades;

  • Elevada capacidade de auto-confiança, resistência psíquica, auto-domínio, baixo nível de ansiedade e alta capacidade para ter comportamentos agressivos.

    Neste mesmo estudo foram encontrados esportistas com problemas, apresentando características de comportamentos neuróticos como: super-ansiedade, receio do sucesso, tendência a atitudes depressivas, sensibilidade exacerbada em relação ao insucesso ou crítica externa.

    No que diz respeito a motivação, ela se caracteriza por um processo ativo, que é dirigido a uma meta, e depende da interação de fatores pessoais (intrínsecos) e ambientais (extrínsecos). Portanto, baseada neste modelo, a motivação tem um determinante energético (nível de ativação) e um determinante de direção do comportamento (intenções, interesses, motivos e metas) (SAMULSKI, 1992).

    Segundo WILLIAM BEAUSAY (citado por CLARKSON, 1999), existem muitas motivações para os atletas, cada uma é influenciada pela combinação de muitas do passado:

  • Dinheiro: Isto é um bom motivador precoce na carreira, principalmente se tem que ajudar a família;

  • Ego: Existe uma necessidade de sentir-se importante, e a maior de nossas necessidades é satisfazer o ego;

  • Coleguismo: É bom se sentir pertencendo a um grupo;

  • Expectativas: Vivem de acordo com as expectativas dos outros;

  • Realização: Alguns atletas têm a necessidade de ter coisas para fazer;

  • Excelência: Necessidade de se superar;

  • Amor ao jogo: Alguns amam o que fazem.

    A motivação de cada desportista é passível de mudança, a partir do momento que haja mudança de interesses, necessidades, motivos; em todo o processo que está implicado na motivação, o atleta não precisa manter-se apegado a influências de motivações passadas, ele pode decidir por um caminho novo a seguir.


Metodologia

Amostra

    Foram avaliados seis atletas de equipe de voleibol adulta masculina, pertencente a um clube que disputou o Campeonato Paulista de Voleibol. O clube era da cidade de São Paulo e os atletas escolhidos foram aqueles considerados titulares da equipe no momento da pesquisa. A escolha da equipe foi não-aleatória devido a facilidades administrativas e técnicas junto a ela.


Instrumentos

    Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas, valorizando o conteúdo qualitativo da fala dos entrevistados. As entrevistas tiveram como base questões referentes a pensamentos, sentimentos e atitudes em relação a si mesmo e ao ambiente esportivo. Também houve questões referentes às variáveis dos aspectos psicológicos da personalidade e da motivação tais como: Personalidade: apresentação e explicação do diagrama estrutural da personalidade (formada pelos estados de ego Pai, Adulto e Criança) e perguntar quais destes estados de ego são mais dominantes; Motivação: apresentação sobre o comportamento do indivíduo que é baseado na motivação intrínseca, extrínseca ou na desmotivação seguida da questão: - O seu comportamento está mais vinculado ao prazer e satisfação na sua atividade ou em razões fora dela, como reconhecimento social, premiação e remuneração?

    Outro instrumento utilizado foi a observação direta e não-participante para verificar o comportamento dos atletas durante a competição. Derivando de KERTESZ (1987), foram observados os sinais do comportamento verbal (palavras e frases) e do comportamento não-verbal (gestos e movimentos). Foram feitas observações completas destes itens escolhidos.


Procedimentos

    As entrevistas foram registradas através de gravador e realizadas individualmente, no próprio clube em ambiente reservado. As observações foram feitas em 15 jogos pertencentes ao Campeonato Paulista de Voleibol Masculino, nos clubes e fora deles também, registradas através de anotações a respeito do comportamento (verbal - palavras e frases audíveis; não-verbal - gestos e movimentos) de cada atleta, analisando-se a cada set três atletas simultaneamente. Além da investigadora, mais dois observadores contribuíram para a pesquisa.


Resultados e discussão

    Com a análise feita do comportamento dos atletas na competição foram registradas atitudes, palavras e frases mais frequentes. Dentre as primeiras, foram observadas alterações e algumas até intensificaram-se ao longo dos jogos. Quanto às segundas, mantiveram-se constantes do início ao fim. As atitudes mais observadas foram: comemoração dos pontos com a equipe; troca de informações com os companheiros; interação com o técnico; reclamar com o árbitro; olhar para o adversário; fazer careta nos seus erros e da equipe; olhar o placar e armar jogo. Quanto às palavras e frases apareceram: "Vamos embora"; "Vamos lá"; "Eheh" e muitos palavrões.

     Os pensamentos, sentimentos e atitudes levantados dos atletas sobre si mesmo e o ambiente esportivo evidenciaram a forma como realmente eles tem se comportado, e houve uma compatibilidade entre esses fatores relatados por todos os sujeitos investigados. A forma de avaliar e até estimular certo comportamento também determinou maneiras futuras de agir. O modo como estavam consigo mesmo e na relação com os outros (incluem-se aqui comissão técnica, companheiros de equipe, adversários) refletiu muito nas suas atitudes. Um estudo realizado por CRUZ e CASEIRO (1997) confirma essas questões, detectando dificuldades psicológicas com relação à autoconfiança em atletas de voleibol, além de problemas relacionados ao nível de preparação mental para a competição (e apoio psicológico, em geral), ao relacionamento interpessoal (conflitos entre atletas, técnicos e dirigentes) e os referentes ao controle de stress e ansiedade competitiva, sendo que alguns atletas consideraram importantes problemas ligados a motivação, concentração e recuperação psicológica de lesões.

    Através deste estudo, foi possível detectar a influência direta dos aspectos psicológicos da personalidade e da motivação no comportamento de cada atleta, e em diferentes momentos, dependendo da variação destes, obteve-se uma repercussão positiva ou negativa no desempenho individual, e consequentemente, grupal. Além disso, estes aspectos psicológicos relacionaram-se entre si e apresentaram dimensões variadas em cada fase da competição, existindo uma forte tendência de nos períodos de maior pressão, em especial nas fases finais, o aspecto da motivação elevar-se, e o da personalidade, demonstrar o padrão de funcionamento mais conhecido do indivíduo.

    Com relação à personalidade e segundo a abordagem da análise transacional, a maior parte dos atletas apresentou como estados de ego mais dominantes o Pai e a Criança, o Adulto apareceu, mas não tão marcante, com a exceção de um atleta que teve o Adulto e a Criança mais presentes. O estado de ego Pai denota sua atuação tanto em estímulos e motivação à equipe, como também em críticas e cobranças em relação aos erros próprios e dos outros. A Criança reflete sua criatividade e muita emoção, em especial, nas comemorações dos pontos, só que demonstra em alguns momentos, descontrole emocional e limitações quanto à ousadia e a estar confiante para um melhor desempenho, nas situações de maior pressão ela se destaca. A ausência do Adulto, em determinadas situações, é muito prejudicial para cada um e para o time, pois é ele quem faz uma avaliação objetiva da realidade, interna e externa, tomando as decisões e agindo de acordo com ela. Muitas vezes, ficou claro que o emocional falou mais alto na atuação do grupo e isto teve consequências negativas para o desempenho.

     Na motivação, o que prevaleceu foi a motivação extrínseca, o reconhecimento social e a premiação tiveram um peso maior do que o prazer na atividade nos sujeitos pesquisados. Dois atletas apresentaram motivação intrínseca forte, no entanto, tiveram os que apresentaram as duas, mas ainda assim a extrínseca foi mais marcante. O tempo de carreira e a idade podem influenciar nesta questão, pois os atletas mais maduros têm uma preocupação maior com o dinheiro. Com a motivação intrínseca menor, o que ocorreu foi que nos momentos em que a equipe ganhava e tinha destaque no campeonato, tudo estava bem e a motivação em alta, porém, nos jogos difíceis e situações de derrota, observou-se em alguns atletas a desmotivação e em outros uma queda na motivação, comportamento comum e observável também, em outras modalidades esportivas.

    Algumas conclusões obtidas através deste estudo merecem ser consideradas:

  • A importância de o atleta estar consciente dos seus processos de pensamentos, sentimentos e atitudes, tanto em relação a si mesmo quanto ao ambiente que o cerca, sendo este o primeiro passo para qualquer mudança necessária em si mesmo e nas suas relações;

  • Mais do que estar consciente, se comprometer em estabelecer objetivos que o ajudem efetivamente a mudar, porque muitas vezes, apesar de estar consciente e mesmo com larga experiência no esporte, o atleta não consegue agir diferente, e perde em alguns momentos seu controle emocional e mental;

  • Os aspectos psicológicos estudados demonstraram uma influência marcante no comportamento. Eles se relacionam entre si e para terem uma contribuição mais positiva no comportamento de cada um, parecem necessitar de um certo equilíbrio, que vai ser individual, cada atleta vai apresentar o seu e poderá trabalhar no sentido de estar o mais próximo possível dele, refletindo assim em seu desempenho.


Referências

  • Cabral, A. (1979) Dicionário de psicologia e psicanálise. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura.

  • Clarkson, M. (1999) Competitive fire. Champaign: Human Kinetics.

  • Cruz, J.; Caseiro, J.P.(1997) Competências psicológicas e sucesso desportivo no voleibol de alta competição. In: Cruz, J.; Gomes, A.R. (Eds.). Psicologia aplicada ao desporto e à actividade física: teoria, investigação e intervenção. Braga: Ed. Fundação Calouste Gulbenkian e C.E.E.P./ Universidade do Minho, p. 203-219.

  • Gill, D.L. (1986) Psychological dynamics of sport. Champaign: Human Kinetics.

  • Kertesz, R. (1987) Análise transacional ao vivo. São Paulo: Summus.

  • Martens, R. (1990) Successful coaching: United States tennis association special edition. Illinois: Human Kinetics.

  • Ogilvie, B. C.; Tutko, T. A. (1971) Problem athletes and how to handle them. London: Pelham.

  • Samulski, D. (1992) Psicologia do esporte: teoria e aplicação. Belo Horizonte: Imprensa Universitária/UFMG.

  • Stratton, P.; Hayes, N. (1994) Dicionário de psicologia. São Paulo: Pioneira.

  • Thomas, A. (1983) Introdução à psicologia. Rio de Janeiro: Livro Técnico.

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revista digital · Año 10 · N° 92 | Buenos Aires, Enero 2006  
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