REVELANDO A DANÇA FUNK COMO EXPRESSIVIDADE DA LINGUAGEM CORPORAL NA ESCOLA: UMA PESQUISA AÇÃO EM ETNOMETODOLOGIA NA EDUCAÇÃO FÍSICA

José Ricardo da Silva Ramos (Brasil)
Mestrando em Educação Física - Universidade Gama Filho

Resumo
Quando propomos uma prática pedagógica alternativa em Educação Física, o fazemos a partir da crítica ao modelo formal de ensino predominantemente descontextualizada da realidade social que nela se faz. Em nossa pesquisa sobre a dança Funk e sua linguagem na escola, analisamos as construções e explicações de alunos, atores- sociais a partir dos etnométodos reconhecidos no vocabulário particular da Etnometologia, descritos nos processos indiciais, noção de membro e com as noções práticas ou de accountability. Um movimento exploratório e de pesquisa-ação verificando a dimensão microsocial dos que fazem o uso da dança Funk, nos pareceu mais pertinente para o estudo. As respostas a essas questões representadas no discurso dos atores-sociais ofereceram motivos tanto práticos como teóricos, para conhecer e ampliar o universo cultural dos nossos alunos.
Unitermos: Funk, Etnometodologia, Dança.

Revealing The Funk Dance As Expressiveness Of The Body Language At School: A Research-Action In Etnomethodology In Physical Education.
Abstract
When we propose an alternative pedagogic practice in Physical Education, we do starting from a review upon the formal model of teaching mainly disconnected from the social context in which it is formed. In our research into the funk dance and it's language at school, we analyzed the constructions and explanations of the students-social actors through the etnomethods recognized in the particular vocabulary of Etnomethodology described in the index processes, notion of their social group and with practical notions of accountability. An exploitation and research-action movement checking the microsocial dimension of those who dance Funk seemed to be pertinent to our study. The answers to these questions represented in the social actors' speech provided us both practical and theoretical motives to know and enlarge our students' cultural universe.
Key words: Funk, Etnomethodology, dance.


"Não sei que caminho tomar
Não sei que caminho seguir
Na poesia do funk agora
vou decidir"
(adaptado do Rap 'Poesia do Funk' composto pelo aluno André Araújo Martins)


Mergulhar na realidade para compreender o aluno
O título de nossa pesquisa: Revelando a dança Funk como expressividade da linguagem corporal – Uma pesquisa-ação em Etnometodologia, parte de nossa disposição em organizar um estudo que tratasse da dança Funk, que se revela corporalmente na escola, pelos movimentos rítmicos que os jovens usam como forma de conhecimento prático, que orientam suas ações em outros foros educacionais, na procura de caminhos que lhes permitam interagir socialmente, como também, para definir e confirmar sua identidade coletiva.

Pensamos em nossa prática pedagógica junto aos alunos do curso de formação de professores a nível de segundo grau de uma escola pública em São Gonçalo. Fomos reconhecendo o aluno como capaz de compreender as construções corporais que deles emanam em forma da dança Funk, ou outros tipos de manifestações corporais, e, nesse processo, se transformam em linguagem corporal comunicativa contextualizada em suas condições sociais históricas, coerente com a prática dos que usam a dança como representação-ação de resistência, segundo caráter dos hierarquizados, dos que maquinam aos populares em corpos subalternos, oprimidos e silenciados.

Quando a teoria e a prática se encontram nas aulas de educação física
Verificar o professor e aluno como capazes de entender a lógica de suas construções em forma de dança e teorizar sobre sua prática, é para nós um princípio Etnometodológico que serve para consolidar nossa postura de mapear o discurso dos atores-sociais envolvidos na pesquisa a partir de suas dimensões internas de representação: seus elementos cognitivos, a prática do cotidiano e o investimento afetivo (SPINK,1995). E que nos faz pensar a escola como um espaço e leitura/escuta, de teorizar em movimentos permanentes de representações, construções e criações.

O processo de transformação dos aspectos mais gerais da dança Funk torna-se pesquisa e faz com que os alunos teorizem sobre sua própria prática e que foi enriquecendo em decorrência de sua preocupação em definir para nós, claramente, o Funk e sua representação. Para melhor compreender nossos alunos e alunas pensamos em um formulário estruturado e entrevistar sobre o único tema relacionado ao Funk para melhor identificar os fundamentos dos etnométodos e ideológicos da dança. Nem sempre os alunos explicitam com clareza o que pensam e os seus discursos tornam-se complexos, possibilitando assim, uma leitura do real, enriquecida sobre múltiplos aspectos interrelacionados.

Tratamos de interagir a prática pedagógica da Educação Física, através da linguagem corporal com os diferentes conhecimentos que trazem a dança Funk. Foi fornecendo-nos um instrumental etnográfico essencial, para que os alunos pudessem mudar suas concepções de experiências vividas pelo movimento da dança e, melhor entender um saber proporcionado pela linguagem corporal, contribuindo de modo eficaz para que todos os envolvidos nesse processo de trocas, possam aprender uma realidade que tem valores e, depois considerar essencial e necessária, reconstituí-la, torná-la familiar, lição já recomendada por Serge Moscovici e nunca realizada na escola:

"A medida que a conversa coletiva progride, a evolução regulariza-se, as expressões ganham em precisão. As atitudes ordenam-se, os valores tomam seus lugares, a sociedade começa a ser habitada por novas frases e visões. E cada um ávido por transmitir o seu saber e conservar um lugar no círculo de atenção que rodeia aqueles que estão ao corrente, cada um documenta-se aqui e ali para continuar no páreo" (1973, p. 52).

Um Etnométodo Exploratório
É importante destacar o movimento exploratório que favoreceu um encontro intercalado com as perguntas por nós formuladas, que os alunos responderam sob forma de questionário, que variaram de acordo com sua compreensão e sua história pessoal, sua interação com a dança, com os diferentes conhecimentos que trazem da realidade e a análise dos seus discursos provenientes do seu saber, de como a dança se constrói em espaços determinados por eles freqüentados, indicadores valiosos, sobre a forma como o discurso se orienta pela ação. A metodologia que aplicamos variou, portanto na leitura interpretativa do material por nós coletado, de acordo com a história e as representações simbólicas de cada um, sobre as formas de expressão da dança que nos foram sendo apresentadas, como sinalizações de denúncias e resistências a diferentes formas de pressões, que interferem nas relações de poder dentro e fora da escola. Fotografamos as expressões corporais de alguns alunos, verificamos então suas comunicações em forma de dança, de coreografia, suas expressões lúdicas e colocamos em discussão o material coletado e transcrito nas letras de Rap, o que nos propiciou a identificação de suas reações e atitudes coletivas a respeito do tema: dança na escola.

Seria transformar em uma noção de perspectiva o que Becker denominou de 'incidentes relacionais' em oportunidade de reflexão crítica e coletiva e de sinalizações de pistas para o diálogo:

"Se uma perspectiva fosse enunciada em público era a prova de que os estudantes a compartilhavam, já que não tinham a possibilidade de estabelecer essa comunicação sem se compreenderem, se tornarem mutuamente inteligíveis os termos de suas trocas" (COULON, 1995, p.72).

A proposta de um estudo Etnometodológico sobre a dança Funk e sua linguagem com o curso de formação de professores do "Colégio Municipal Presidente Castelo Branco" começou a ser construída com o objetivo de compreender o relacionamento dos alunos com a realidade de membros de grupos coletivamente organizados que tem a dança Funk e sua linguagem verbal ou não verbal, como eixo de um processo que tem regras implícitas nos seus comportamentos e aceitam as rotinas inscritas, que legitimam sua cultura, seus valores, seu conhecimento a cerca do mundo que o cerca, sua forma de interpretar a vida e se inserir na sociedade. Este era um dos pressupostos centrais, que deveria ser evidenciado, favorecendo o processo de comunicação, compreendido no jeito de se situar uma pesquisa interativa, selecionando e escolhendo as formas de interação com outras linguagens pelo envolver em processos de apreciação conjunta, acompanhados dos instrumentos empregados que podiam constatar o que os alunos sabem e não sabem, tendo como referência a dança Funk e a sua linguagem.

O trabalho foi sendo construído com uma certa inquietação de minha parte, em identificar no grupo de formação de professores as possibilidades que o corpo tem em se expressar nos diferentes espaços fora da escola, conceituar os atores sociais envolvidos neste processo a partir de sua vivência social e identificar a situação de cada aluno nas suas diversas formas de observação e tomadas de posição na pesquisa. Este foi o ponto de partida: seu saber prático, seus conhecimentos acerca da dança Funk e a sua linguagem e as possibilidades de construção, transformação e negação por eles percebidas. Tomamos uma dança conhecida, do convívio de muitos jovens e dos próprios alunos como o fio condutor da interação. As experiências de membros completamente imersos no grupo natural dos 'funkeiros' tecia a maior contribuição. A nossa prática pedagógica desenvolvida nas aulas de educação física trouxeram os seus depoimentos.

A discussão, como eixo do processo pedagógico, travada ao decorrer dos encontros, legitimava a palavra de cada aluno ou membro do grupo e significava legitimar e dar vida à sua cultura, à sua linguagem, à sua expressão crítica e criativa: "A palavra revela-se no momento de sua expressão, como o produto da interação vivo das forças sociais" (BAKHTIN, 1988, p. 50).

Promover o desenvolvimento da interação, tarefa etnometodológica, que permite ouvir e perceber as visões dos atores sociais sobre sua realidade sociocultural, proporcionando confronto, tomada de consciência e reconstruções, que visam uma reviravolta paradigmática na Educação Física que há de estar inserida no contexto microsocial, buscando os entendimentos necessários dos espaços constitutivos de perspectivas emancipatórias, aprofundando seu conhecimento sobre o universo do aluno e sobre todo grupo.

Na interação estreitamente ligado na prática de campo dos alunos sobre o que eles sabem, uma prática surgida e construída pelas classes populares e socialmente reconhecida, revelou questões interessantes. Este estudo trata de algumas delas dando maior ênfase ao trabalho, com o formulário, buscando respostas sobre o movimento corporal, expressão de linguagem empreendida por um grupo de atores sociais.

O esqueleto etnográfico, ou seja, a explicitação do que se mostravam implícitas nas falas foram num primeiro momento exploratório, formuladas assim:

* Estabelecendo um formulário:
  • O que você acha do jovem que procura os bailes Funk nos finais de semana?
  • Como é o jeito do (a) jovem que vai aos bailes Funk? Como se veste? Como anda? Como fala, se comunica? Como se expressa?
  • Como se dança o Funk? Sozinho? Em grupo? Agarradinho?
  • Quem é que procura os bailes Funk? Na maioria são: Brancos, negros, mulatos, pardos, pobres, ricos, remediados, aparência bonita, bruto, comportado?
  • Como são essas pessoas? Violentas, revoltadas com o mundo, de bem com a vida, paqueradoras? Porque são assim?
  • Já inventou alguma música de rap? Escreva a música.
  • Nome dos componentes do grupo. Ilustrações, relatos, entrevistas, etc.

Muitas respostas como resultado teórico-prático desta primeira experiência realizada através do formulário, evidenciaram a realidade vivida pelos diferentes atores sociais. Algumas respostas explicaram claramente um conhecimento sobre Funk, outras exclusivamente, prenunciavam um conhecimento sensível sobre o tema em questão, outras ignoraram, muitas ainda estavam implícitas nas falas, nos seus discursos vivenciados através de um debate em uma sala de aula, no dia 26 de abril de 1997, num sábado em que discutimos o Funk e a sua linguagem, procurando explorar os formulários apresentados. Denominamos este primeiro momento de movimento exploratório.

Este foi o nosso ponto de partida, compreendemos como movimento exploratório, um período em que buscávamos juntos, na medida do possível, responder às perguntas formuladas, em que como respostas fossemos encontrando novas perguntas e índices do que os alunos conhecem e não conhecem, tendo como referência à dança Funk e sua linguagem. Neste período exploratório levantamos a quantidade de saberes que encontramos naqueles formulários e todos os formulários nos ajudaram a reconhecer as visões sincréticas dos alunos sobre a dança Funk, construídas a partir dos seus conhecimentos e desconhecimentos sobre o tema em questão, favorecendo-nos uma decifração do que já possuem, de suas lógicas, que poderiam ou não serem exploradas, visando à ampliação do conhecimentos sobre o Funk e sua linguagem.

Carlo Ginzburg sintetizou o processo de construção de uma pesquisa em interação ao nos dizer: "Ambos pressupõe o minucioso reconhecimento de uma realidade talvez ínfima, para descobrir pistas de eventos não diretamente experimentáveis pelo observador" (GINZBURG, 1991, p. 34).


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