efdeportes.com
Desenvolvimentismo e o lazer
Development and the Lazer | Desarrollismo y tiempo libre

   
Doutorando do Programa de Pós-Graduação da
Faculdade de Educação Física da Unicamp
Bolsista CAPES
 
 
Marco Antonio Bettine de Almeida
marcobettine@yahoo.com.br
(Brasil)
 

 

 

 

 
Resumo
    Este artigo trata de relacionar o desenvolvimento urbano e industrial do nacional-desenvolvimentismo (1946-1964) com as atividades de tempo livre do mesmo período. Primeiramente cabe lembrar que há uma relação do desenvolvimento urbano com o surgimento de atividades de lazer. Neste período o governo lança as bases políticas, econômicas, sociais e ideológicas para o surgimento do lazer privado, com o rádio, o cinema, o teatro e o esporte, possibilitando novas tendências do lazer brasileiro. Discutir-se-á também o papel do Estado na política econômica, na abertura aos produtos da industria cultural estrangeira, na formação de políticas do lazer, na ampliação do investimento privado no lazer e na formação de uma base social para o desenvolvimento do lazer brasileiro. Este artigo discutiu o lazer no nacional-desenvolvimentismo, destacando o papel da industrialização, do crescimento e desenvolvimento urbano, das novas tendências artísticas incorporadas no lazer, do uso da tecnologia no lazer e das formas de relacionamento social a partir das transformações da cidade.
    Unitermos: Lazer. Desenvolventismo. Papel do Estado.
 
Resumen
    Este artículo propone relacionar el desarrollo urbano e industrial del nacional-desarrollismo (1946-1964) con las actividades de tiempo libre del mismo período. Primero cabe recordar que existe una relación entre el desarrollo urbano con el surgimientos de las actividades de tiempo libre. En este período el gobierno sienta las bases políticas, económicas, sociales e ideológicos para el surgimiento del tiempo libre privado, con la radio, el cine, el teatro y el deporte, posibilitando nuevas tendencias en el ocio de los brasileños. También será discutido el rol del Estado en la política económica, de la apertura a los productos de la industria cultural extranjera, en la formación de políticas de tiempo libre, en la ampliación de la inversión privada en el ocio y la formación de una base social para el desarrollo del ocio brasileño. Este artículo plantea el ocio en el período del nacional-desarrollismo, destacando el papel de la industrialización, del crecimiento y del desarrollo urbano, de las nuevas tendencias artísticas incorporadas al ocio, del uso de la tecnología en el tiempo libre y de las formas de relación social a partir de las transformaciones de la ciudad.
    Palabras clave: Tiempo libre. Desarrollo. Rol del Estado.
 
Abstract
    This article treats to relate the urban and industrial development of the national (1946-1964) with the activities of free time of the same period. First it fits to remember that it has a relation of the urban development with the sprouting of activities of leisure. In this period the government launches the bases politics, economic, social and ideological for the sprouting of the private leisure, with the radio, the cinema, the theater and the sport, making possible new trends of the Brazilian leisure. The paper of the State in the economic policy, the opening to the products of the foreign cultural industry, in the formation of politics of the leisure, in the magnifying of the private investment in the leisure and the formation of a social base for the development of the Brazilian leisure will also be argued. This article argued the leisure in the national, detaching the paper of industrialization, of the growth and urban development, the new incorporated artistic trends in the leisure, of the use of the technology in the leisure and the forms of social relationship from the transformations of the city.
    Keywords: Free time. Development. Paper of the State.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 10 - N° 87 - Agosto de 2005

1 / 1

Introdução

    Este trabalho procurou analisar o período JK que se destaca por lançar as bases do lazer privado no Brasil, através da formação de uma classe urbana, conjuntamente com o desenvolvimento tecnológico promovido pela política econômica de Juscelino - substituição das importações e fortalecimento do mercado interno de consumo -, estes foram passos muito grande para a consolidação das bases políticas e sociais do desenvolvimento brasileiro. O lazer privado começa a ser delineado a partir do desenvolvimento urbano, com o surgimento de classes sociais; o tempo de trabalho e logicamente de não trabalho; o nascimento de uma burguesia urbana que procuraria no seu tempo livre o teatro, cinema e bons programas de rádio; a classe proletária com as atividades físicas; a classe média querendo se inserir nas atividades culturais cultuadas pela burguesia nascente. Este período foi considerado como a ampliação destas atividades de tempo livre.

    Das formas de lazer no período nacional-desenvolvimentista, destaca-se o papel da industrialização, do crescimento e desenvolvimento urbano, das novas tendências artísticas incorporadas no lazer, do uso da tecnologia no lazer e das formas de relacionamento social a partir das transformações da cidade.


Características principais do nacional-desenvolvimentismo

    O grande salto do lazer ideológico, de cunho nacionalista, para o de consumo, de protesto e de classe foi com o fim da era Vargas. No período posterior ao varguismo houve uma ampliação das ações e das atividades de lazer. Almeida associa o lazer ao processo de industrialização, desenvolvimento tecnológico e urbanização (ALMEIDA, 2005, p.5, EFDEPORTES).

    JK inseriu o Brasil em uma política de atração de capitais estrangeiros, no intuito de fortalecimento da industrialização. No plano econômico a divida externa galopante, devido a emissões de moedas para sustentar os investimentos estatais e pagar os empréstimos externos. A queda das exportações de produtos agrícolas, o pagamento de elevados fretes e seguros para os produtos importados e as remessas de lucros das empresas internacionais são os principais fatores de desequilíbrio.

    No governo Juscelino ocorreu a desnacionalização da economia, com a abertura para produtos importados em todos os níveis (MONTENEGRO, 2001). O seu plano de metas (energia, transporte, alimentação, indústria de base, educação e construção de Brasília), foi financiado com recursos trazidos na maior parte do capital externo- o que nos alinhou de novo com os norte-americanos e fez crescer escandalosamente a dívida externa -, e num menor grau do capital interno, com a emissão de papel-moeda e medidas inflacionárias. Durante o governo de Juscelino, recrudesceram-se as disparidades regionais, destacando-se o Nordeste como a região mais pobre do país (BENEVIDES, 1979).

    Segundo Miriam Cardoso (1978, p.94): "Juscelino desenvolveu a ideologia do desenvolvimento", em outras palavras, o desenvolvimento servia como pressuposto para a dominação de classe. O planejamento do plano de metas trouxe para o presidente uma base política, tanto no mercado financeiro quanto nas camadas populares. Cabe lembrar que esta estabilidade política no governo JK levou-o, inclusive, a obter apoio das forças armadas (MONTENEGRO, 2001).

A idéia do Plano Nacional de Desenvolvimento é acelerar o processo de formação de riqueza, aumentando a produtividade dos investimentos existentes e aplicando novos investimentos em atividades reprodutivas. O objetivo final do Plano é aumentar o padrão de vida do povo, abrindo-lhe oportunidade de melhor futuro. Para atingir essas finalidades devem ser atacados os seguintes objetivos primários: a) Expansão dos serviços básicos de energia e transportes; b) Industrialização de base; c) Racionalização da agricultura; d) Valorização do trabalhador; e) Educação para o desenvolvimento; f) Planejamento regional e urbano. (MONTENEGRO, 2001, p. 292)

    Este programa entusiasmou os trabalhadores da cidade e do campo, as classes médias, os industriais, os proprietários e produtores agrícolas e os empresários, levando o presidente a ter estabilidade na política econômica adotada. JK tem o mérito de colocar no imaginário social "o mito da modernidade e a crença que se foi forjando da possibilidade de sua realização." (MONTENEGRO, 2001, p. 293).

    O frenesi do sonho desenvolvimentista de JK estaria completado com a construção da capital Brasília. Mito de sonho e realidade, Brasília foi idealizada e construída como ícone da modernidade, como símbolo da ruptura com o atraso, como espetáculo. Sua localização, seu traçado, sua arquitetura, sua organização espacial e construção em tempo recorde, fazem dela um fenômeno próprio do período.

    Para Juscelino Kubitschek e os ideólogos do desenvolvimentismo, as profundas desigualdades do país só seriam superadas com o predomínio da indústria sobre a agricultura. O governo JK empenha-se em baratear o custo da mão-de-obra e das matérias-primas, subsidia a implantação de novas fábricas e facilita a entrada de capitais estrangeiros. Juscelino isenta de impostos as importações de máquinas, equipamentos e todo capital estrangeiro que aqui se estabeleça, desde que em associação com o capital nacional. Financia a ampliação da indústria pesada. Investe na construção de siderúrgicas e hidrelétricas, amplia a capacidade produtiva da Petrobrás, abre novas estradas e levanta Brasília. Em 1959 cria a Sudene (Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste) para integrar a região ao mercado nacional. Em 1960 obtém do FMI um empréstimo e cria o Grupo de Estudos da Indústria Automobilística (Geia), primeiro passo para a instalação das grandes montadoras de automóveis no Brasil (MONTENEGRO, 2001, p.295-298).

    A grande preocupação de Juscelino era como ocupar a mão-de-obra flutuante, para amenizar a situação o governo investiu em construção de estradas, barragens e novas siderúrgicas. O capital estrangeiro obsoleto foi atraído sob a forma de indústria automobilística. Essa resolveria vários problemas: a superprodução petrolífera daqueles anos; a transferência de maquinaria obsoleta americana para o Brasil; e a expansão das economias alemã e francesa do pós-guerra. Assim, surgem as fábricas Willis-Overland (americana), a Volkswagen (alemã) e Simca-Chambord (francesa) (BENEVIDES, 1979). Forma-se uma elite dirigente convencida da necessidade do capital estrangeiro como dinamizador de nosso desenvolvimento industrial. Para essa elite, o nosso subdesenvolvimento ligava-se ao antigo modelo agro-exportador, bastava, portanto, industrializar o país e nosso atraso seria superado (CARDOSO, 1978).

O período de Kubitschek tornou-se conhecido por suas realizações econômicas. O dinâmico presidente prometeu 'cinqüenta anos em cinco' de governo e não há duvida de que de 1956 a 1961 o Brasil apresentou um crescimento econômico real e marcante. A base para o progresso foi uma extraordinária expansão da produção industrial. Entre 1955 e 1961, a produção industrial cresceu 80%. De 1957 a 1961, a taxa de crescimento real foi de 7% ao ano e, aproximadamente, 4% per capita. (SKIDMORE, 1975, p.204).

    No entanto, o modelo econômico de Juscelino só beneficiava a burguesia e a classe média alta, capaz de comprar os bens de consumo produzidos pelas novas empresas. A inflação, decorrente das constantes emissões de papel-moeda, desvalorizava o dinheiro e os salários, aumentando o custo de vida. O nordestino emigrava para o centro-sul, em busca de melhores oportunidades, agravando a penúria nas periferias dos centros urbanos. A dependência avolumada do capital externo criava enorme déficit no balanço de pagamentos, já no final do mandato de Juscelino o Brasil entra em crise.

    Entre outras transformações importantes no cenário nacional convém destacar:

  • o surgimento da industria automobilística;

  • a construção de estradas por todo o país;

  • a inauguração da capital federal Brasília distante dos maiores centros urbanos;

  • a adoção de políticas trabalhistas;

  • a criação de uma industria de base como a mineração, extração de petróleo e siderurgia.


Influência da economia e da política externa no lazer

    A década de 1950 e, particularmente, o governo JK, constitui um período muito rico de nossa história. Indubitavelmente vivia-se um momento significativo de mudanças, em praticamente todos os aspectos: social, econômico, político e cultural. Este contexto de profunda inquietação social, por um lado gerava um receio; por outro era fonte de inspiração de peças teatrais, de musicais e de filmes. A ênfase no desenvolvimento econômico e industrial impulsiona transformações que possibilitam um maior acesso ao lazer, através do desenvolvimento das artes e espetáculos. É o momento de valorização do lazer do trabalhador com a construção dos clubes-empresa, fato que se expandiu pós-Vargas (ALMEIDA, Jan. 2005, p.9, EFDEPORTES), principalmente com a chegada de empresas estrangeiras que já estruturavam em suas sedes as atividades operárias, construindo espaços de lazer para seus funcionários.

    Como no Brasil somente em 1960, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia Estatística), a população urbana ultrapassa a rural, vamos encontrar um lazer típico do início da industrialização, ilustrado pela passagem entre o lazer como manifestação popular e comunitária e o lazer como mercadoria de consumo disponível no mercado. O lazer firma-se na luta entre operários e detentores do capital, enquanto conquista de espaços de lazer nas empresas, a participação dos operários nos campeonatos nacionais e o desenvolvimento esportivo de algumas empresas-clube apresentam um cenário de conquista deste espaço de lazer. Por conseguinte, a população exige investimento estatal no lazer, como espaços públicos para o cinema, teatro e esporte.

    As atividades esportivas, particularmente o futebol, como a maior manifestação de massa do planeta, não teve uma racionalidade de aumento dos números de praticantes devido a alguma política particular. É uma atividade cultural que toma força pela sua inserção e enraizamento desde os primeiros anos do século XX, sua manifestação ocorre com o futebol operário e de rua, a criação dos clubes, os times e os estádios (ALMEIDA e GUTIERREZ, Jan. 2005, EFDEPORTES, p.12). A construção dos estádios de futebol mostra que não há uma racionalidade mecânica da inserção do futebol no Brasil e, sim, motivos muito mais ligados à cultura, à formação da sociedade e à construção coletiva desta expressão.

    Um ponto relevante a se destacar no período nacional-desenvolvimentista é o desenvolvimento do esporte para o consumo de uma elite, pois este processo reflete diretamente a urbanização, a racionalização e a construção de um lazer para uma classe determinada, este mesmo processo acompanha a criação de teatros e musicais por particulares, para um público que paga o lazer. Para termos uma idéia, ocorreu, no período de JK, as primeiras conquistas esportivas e o surgimento de movimentos artísticos culturais como a bossa nova e o cinema novo.

Bossa nova, cinema novo, mentalidade nova, capital nova, enfim, um novo país. Tudo representava a modernidade. tudo levava a crer que estavam, finalmente, sendo criadas as condições materiais e, provavelmente culturais, para a transformação do país numa grande nação, ou para o cumprimento do seu destino. (MONTENEGRO, 2001, p. 375).

    As mudanças sociais afetaram substancialmente o lazer, pois ele é produto da sociedade. O período do nacional-desenvolvimentismo que se destaca a industrialização e vertiginoso crescimento da migração para os centros urbanos, é o germe do lazer, neste momento estamos vivenciando o nascimento do lazer no Brasil. (ALMEIDA, Jan. 2005, EFDEPORTES, p.11).

    Diferentemente da Era Vargas, houve a crescente participação dos grupos particulares que exploram o lazer, fator imprescindível para a evolução do lazer moderno. O setor privado tem como característica o uso da tecnologia e informatização, desenvolvendo novas atividades lúdicas para atrair o público .

    A criação de grupos de teatro, cinema e música, refletem a necessidade da vivência das práticas de lazer pelos indivíduos, para isso deve existir um tempo, como também uma vontade popular, uma necessidade de vivenciar o novo, o diferente, como conhecer a praia utilizando as novas vias de acesso, assistindo pela primeira vez a um filme, ou mesmo praticar com os colegas de trabalho algum esporte, estas são atitudes que vão transformando o modo de ser das pessoas. O lazer passa a ser incorporado no cotidiano dos operários e classe média.

    A partir destas constatações fica mais claro abordar o nascimento do lazer na era Vargas e seu desenvolvimento no período de JK. Com a ampliação da população das grandes cidades, a imigração e a transformação do espírito camponês para o espírito industrial ocorre um envolvimento das pessoas com as atividades lúdicas delimitadas em um tempo. A disposição delas para tal fenômeno leva a uma ampliação de peças de teatro com a própria construção de espaços teatrais, tanto em bairros operários como em bairros de classe média. Neste período há uma abertura ao comércio cinematográfico e teatral, primeiro com a construção de espaços, posterior com a possibilidade de importação/exportação de produtos culturais. Carmem Miranda, com "tico-tico no fubá", fez sucesso nos musicais da América do Norte e no cinema de Hollywood, posteriormente exportado para o Brasil. No teatro brasileiro os grupos profissionais, que se formaram a partir de amadores, como o Teatro Oficina, Teatro Arena e o Centro Popular de Cultura tiveram uma grande circulação. Estes grupos de teatro são exemplos da profissionalização do lazer.

    Frente a uma classe urbana crescente, onde se destaca uma massa de estudante que superpovoa as universidades públicas das grandes metrópoles, desenvolve-se de forma acelerada a prática de esporte nos clubes, a importância da casa de campo ou praia, e os passeios de carro pela rede de estradas em expansão. Este lazer de fim-de-semana terá seu início com a ascensão da classe média, ao mesmo tempo em que as Prefeituras e Estados investem em parques e espaços para práticas esportivas das classes operárias. Em 1951 o parque Ibirapuera de São Paulo é inaugurado. O parque tornou-se forte referência de lazer, cultura, arte e música para a cidade.


Os usos da Tecnologia: novas formas de vivenciar o tempo livre

    É interessante notar que a abertura das estradas facilitando o acesso às praias ou a regiões tipicamente turísticas, a ampliação ou criação de estruturas como água, esgoto e alimentação, associado a exploração imobiliária e o investimento estatal nestes locais, somado ao barateamento do custo da gasolina, que estava com excedente no mercado internacional, foram fatores ímpares que influenciaram o nascimento do lazer turístico no Brasil. Tem início, então, espaços ou cidades que se preocupam em oferecer lazer, para os turistas, principalmente em locais que não há outra fonte de renda. Ou nas grandes cidades como Rio de Janeiro e São Paulo que criam atividades de lazer para seus habitantes, principalmente por concentrarem o desenvolvimento urbano e industrial, e serem, por conseguinte, os locais onde a antítese lazer e trabalho estão mais bem definidos. Como o trabalho urbano é mais estruturado, o lazer, por definição, passa a ser mais vivenciado.

    O lazer nasce dentro do desenvolvimento urbano, absorvendo elementos da cultura, das artes, das relações sociais construindo seu alicerce neste grande sistema urbanístico. Com a evolução das relações sociais, econômicas, políticas, culturais do lazer ele se complexifica, formando um corpo autônomo, até se desvencilhar do trabalho e ser um sistema próprio. Foi este processo que ocorreu com o lazer brasileiro, uma associação ao urbano e ao Estado, com ações que necessitavam dos avanços tecnológicos para acontecer, caso das estradas que tinham fins econômicos e passaram a ser utilizados para o lazer, posteriormente esta utilização criou novas relações e as pessoas procuraram o lazer pelo lazer, se dissociando do sistema da urbanização e formando algo autônomo, como a ida ao cinema, teatro, cidades turísticas, musicais, clube, sem relação com a ação econômica urbana primeira (construir estradas). O lazer toma forma própria, definindo-se enquanto prática autônoma interdependente que deve ser definido particularmente e não como fragmento de algum contexto particular, como a economia, a política ou a urbanização.

    Os espetáculos de lazer no período desenvolvimentista tinham como público os setores urbanos da classe média e alta, que procuravam pensar e incorporar, através das apresentações, as características do povo brasileiro. Havia uma efervescência dos brasileiros pelo Brasil, os filmes da Companhia Souza Cruz trabalhavam com estas questões do homem brasileiro. O interessante notar que o teatro e a música caminharam no mesmo sentido do cinema, logo estas atividades, ainda vinculadas a esse ambiente de efervescência desenvolvimentista, re-criam seu espaço e sua forma de participação. Caso do Teatro Arena e do CPC (Centro Popular de Cultura) de cunho nacionalista, e, de outro lado, o Teatro Brasileiro de Comédia que cultuava a arte cosmopolita trazendo para o Brasil peças com temáticas clássicas (SILVA, 1981). Na música popular a questão do cosmopolitismo e da busca da brasilidade é representada pela Bossa Nova. Esta era a revolução artística, que buscava o reconhecimento e a construção da arte brasileira cosmopolita, a internacionalização da cultura brasileira e, porque não afirmar, fruto da incorporação política das importações e absorção tecnológica do governo JK.

    Este lazer em criação e transformação, com seu sistema próprio, distingue-se em classes socais, já que ele se desenvolve conforme preceitos sociais, econômicos e culturais. No Brasil as classes médias e altas tinham o sonho do desenvolvimento, da nação forte e soberana, que JK, com seu plano de metas e endividamento externo, podia oferecer. O encanto de rico país tropical que associava a festa e o carnaval com os prédios, as estradas e as industrias, fora um produto de exportação para consumo estrangeiro. Por outro lado, o lazer popular mantinha a tradição do lazer de rua, o circo e as festas típicas católicas. As práticas esportivas, particularmente, tinham como espaço a rua, a empresa e os campos improvisados. Na cidade, ainda em desenvolvimento, havia espaço livre para a população de baixa renda organizar atividades lúdicas, enquanto que os setores mais abastados tinham os clubes esportivos e os parques públicos situados, em geral, nas regiões mais valorizadas.

    Como há a diferenciação deste dois tipos de lazer, o primeiro ligado a uma classe alta e média e, o segundo aos operários, ocorre a formação de lazeres. O do primeiro grupo se vincula diretamente a urbanização, com inúmeras atividades, portanto mais complexo, porque o lazer se forma a partir de interpretações da ação humana, quanto mais pluralidade, mais opções de lazer. O segundo grupo, dos operários, têm um processo de desenvolvimento mais lento, pois as zonas mais afastadas do centro urbano não se desenvolveram à velocidade dos centros financeiros e comerciais, por isso, o lazer mantém-se próximo às estruturas rurais, ou um sistema híbrido de rural na cidade.

     Cabe lembrar que esse sistema híbrido é difícil de análise, pois o Brasil no período de Juscelino foi um grande canteiro de obras, sem uma política urbana que privilegiava o lazer diretamente, as cidades foram construídas sem uma arquitetura do tempo livre. Os parques públicos, de maneira geral, atendiam as classes altas, já que os centros urbanos industriais, como São Paulo, eram grandes depósitos de trabalhadores como os bairros da Mooca, Brás, Bexiga e Barra Funda. Nestes locais não havia uma preocupação, como no período de Vargas, de criação de atividades controladoras de lazer, como o cine-jornal, deixando a este grupo a escolha do que fazer no seu tempo livre.

    Nos dois governos de Vargas o Estado mantinha uma estrutura de festas e encontros com as massas, com um aparelho ideológico, o DIP, que tinha função de coordenar as atividades de lazer operárias (ALMEIDA, Jan. 2005, EFDEPORTES, p.7). Nos anos de JK, diferentemente, houve um certo afastamento do Estado nas atividades de lazer controladoras dos trabalhadores. Haveria, portanto, no lazer, um espaço de atuação deixado pelo governo. Logo este espaço seria substituído pelas ações particulares, que veriam no lazer uma atividade lucrativa. Este grupo de empresários do entretenimento investiu no lazer pago, como o cinema, o teatro e o rádio. O setor privado dominou este espaço deixado pelo Estado.

    A direita empresarial criava os lazeres operários, como o clube-empresa para controlar o trabalhador e afastá-lo das discussões socialistas, mantendo-os no seio da industria e longe das idéias subversivas. Além dos clubes-empresa, o lazer popular constituía-se nas atividades populares e folclóricas que se alteram nos centros urbanos conforme a invasão das industrias de bens de consumo e produção. As cerimônias folclóricas tinham como função o apoio das massas com Getulio, por isso focavam a cultura popular (ALMEIDA, 2005, EFDEPORTES, p.15). O termo cultura popular refere-se a grandes manifestações de cunho folclórico ou religioso, geralmente no espaço não-urbano, que neste caso foi apropriado pelo urbano (FREDERICO, 1998). Todas as práticas de lazer populares como os jogos, as brincadeiras e as festas católicas são formas de lazer que representam as práticas coletivas, nelas encontramos a resistência ao individualismo das grandes cidades em expansão. Lembrando que o lazer tipicamente urbano, que valoriza o indivíduo frente ao coletivo, estava em germinação.

     A televisão também reproduz a tônica deste período de urbanização e desenvolvimento tecnológico. A televisão como nova expressão artística, foi criada em 1950, por Assis Chateaubriand (Chatô). A TV Tupy-Difusora de São Paulo foi a primeira emissora de televisão do Brasil e da América Latina.

    Os estúdios eram pequenos, o equipamento precário, mas o nascimento da TV Tupi foi solene. O programa "TV de Vanguarda" revelou a primeira geração de atores, atrizes e diretores. Foram apresentadas peças como Hamlet, de Shakespeare, e Crime e Castigo de Dostoievsky. Alguns programas dos primeiros tempos da TV Tupi tornaram-se campeões de audiência e permanência no ar: Alô Doçura, Sítio do Picapau Amarelo (KORNIS, 1994, p.45). A Telenovela foi invenção da Tupi, que as exibia em capítulos semanais e era capaz de ousadias como mostrar beijo na boca. Em 1952 a inauguração da TV Paulista; 1953, inauguração da TV Record. A inauguração de Brasília é transmitida diretamente para todo o país.

    A dificuldade de sistematizar o lazer do período é latente, porque o Brasil estava no processo de passagem do rural para o urbano, neste caso, a característica que consubstancia o desenvolvimentismo é a apropriação das práticas populares nos centros urbanos e a formação do lazer com características rurais no espaço industrial. Com o desenvolvimento das cidades e da necessidade de espaços que promovam a cultura, as artes, os espetáculos e o lazer, ocorre a formação do sistema lazer, existindo três processos concomitantemente:

  1. Brasil ainda rural;

  2. Brasil urbano ligado as classes médias e altas;

  3. Brasil rural-urbano ligado ao operariado.


Conclusão

     Ocorreu neste período a transformação do lazer em um sistema autônomo, individual, industrial, tecnológico, sintetizando a idéia da época de construir um Brasil industrializado, com a valorização de uma cultura urbana, dificultando a permanência de atividades de lazer que não fossem ligadas a ela. Havia uma miscigenação de culturas, principalmente vindas do nordeste, que encontram uma cidade em crescimento que desvalorizaria as práticas típicas nordestinas no processo de desencantamento do mundo e que valorizaria a tecnologia.

    Os cultos católicos, folclóricos e típicos, por exemplo, misturam-se com ruas ladrilhadas, o bonde e alguns automóveis. Neste universo urbano a resignificação de elementos da cultura popular remete ao próprio desenvolvimento urbano, a cultura urbana torna-se dominante, destituindo de significado as práticas não urbanas. Não era difícil vermos hortas nos cortiços, ou mesmo cultos regionais entre casas de alvenarias e máquinas modernas. Ao mesmo tempo os espaços que antes eram terrenos coletivos acabam por constituir bairros, vilas e centros. A exploração imobiliária desativa os campos, a agricultura e os espaços de lazer, com isso ficou difícil manter os laços afetivos, culturais e sociais anteriores. Os grandes centros, assumindo esta postura, tornam-se espaços cosmopolitas tipicamente industriais.

    Existiu, portanto, o apelo ao desenvolvimento econômico neste período. Primeiramente voltado para o desenvolvimento com capital nacional e posteriormente para o desenvolvimento com financiamento externo. No campo do lazer, podemos apontar que no período de Vargas o lazer reforçava a ideologia nacional com o cine-jornal, DIP, festas populares, rádio nacional e festas católicas (ALMEIDA, 2005, EFDEPORTES, p.12); no período de JK o lazer se projetava no desenvolvimento industrial com o clube-empresa, bairro operário, a construção de teatros, salas de cinema e o desenvolvimento da comunicação de massa com o rádio.

    A grande diferença entre os operários e a classe média urbana, no campo do lazer, é a tentativa de preservação dos valores de um lado e a busca por entretenimento externo do outro. Isto é, enquanto o lazer operário era solapado pela diminuição do espaço livre para a exploração imobiliária, a classe média já buscava os elementos estrangeiros para incorporar no seu cotidiano, afastando-se da convivência dos operários, criando seus próprios clubes e locais de lazer. O desenvolvimento urbano acirra as diferenças sociais, as classes, principalmente a média, necessitam de uma nítida separação, inclusive no lazer, para se definirem enquanto grupo socialmente e economicamente distinto. Este fato deu-se pela abertura da importação nos anos JK, somada a influência das empresas estrangeiras, levando o lazer a destacar-se na produção cultural. Na música tivemos a Bossa Nova que surgiu no Rio de Janeiro, os filmes em São Bernardo com as produções da Vera Cruz, os cafés tipicamente da Belle Epoque francesa. São todos elementos que exemplificam as atividades de lazer valorizadas pela classe média e alta.

    O lazer, portanto, é fruto da industrialização, que se desenvolve a partir do trabalho produtivo, possuindo uma íntima ligação cultural. O lazer, ainda, reforça a idéia do desenvolvimento social, de classe e poder econômico, suas expressões palpáveis na sociedade nacional-desenvolvimentista podem ser definidas pelos seguintes exemplos: o clube-empresa; as práticas populares de lazer (rua, folclore e festas típicas); os teatros; os cinemas; atividades físicas; o esporte; o rádio; a televisão para uma pequena elite.


Referências bibliográficas

  • ALMEIDA, Marco A. Bettine. Atividades de lazer dos presidiários de Campinas. In: EFDeportes.com. Mar. nº 78, 2005. Site: www.efdeportes.com, visitado em Julho de 2005.

  • ALMEIDA, Marco; e GUTIERREZ, Gustavo. A busca da excitação em Elias e Dunning: uma contribuição para o estudo do lazer, ócio e tempo livre. In: EFDeportes.com Jan. n° 76, 2005. Site: www.efdeportes.com, visitado em março de 2005.

  • BENEVIDES, Maria V.M. O governo Kubitschek: desenvolvimento econômico e estabilidade política, 1956-1968. 3 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

  • CARDOSO, Miriam Limoeiro. Ideologia e desenvolvimento, Brasil. 2a edição. Rio de janeiro: Paz e Terra , 1978.

  • FREDERICO, Celso. A política cultural dos comunistas. In: MORAES, João (Org.). Historia do marxismo no Brasil III. Campinas: Editora Unicamp, 1998.

  • KORNIS, Mônica Almeida. Agosto e agostos: a história na mídia. In: GOMES, Ângela. Vargas e a crise dos anos 50. Rio de Janeiro: Relume/Dumará, 1994.

  • MONTENEGRO, Rosilene. Juscelino Kubitschek: mito e mitologias políticas do Brasil moderno. Tese de doutorado. Universidade Estadual de Campinas - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Campinas: Unicamp, 2001.

  • RIDENTI, Marcelo. Em busca do povo brasileiro: romantismo revolucionário de artistas e intelectuais (pós-1960). Tese de Livre Docência, Campinas: Unicamp, 1999.

  • SILVA, Armando. Oficina: do teatro ao te-ato. São Paulo: Editora perspectiva, 1981.

  • SKIDMORE, Thomas E. Brasil: de Getulio Vargas a Castelo Branco (1930-1964). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975.

Outro artigos em Portugués

  www.efdeportes.com/
http://www.efdeportes.com/ · FreeFind
   

revista digital · Año 10 · N° 87 | Buenos Aires, Agosto 2005  
© 1997-2005 Derechos reservados