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Comparação cinemática entre corrida em
esteira rolante e corrida em piscina funda

   
Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS
Escola de Educação Física - ESEF
Laboratório de Pesquisa do Exercício - LAPEX
Grupo de Pesquisas em Atividades Aquáticas - GPAA
 
 
Leonardo Alexandre Peyré Tartaruga
Marcus Peikriszwili Tartaruga
Ana Carolina Chaves Larronda
Luiz Fernando Martins Kruel

peyre@brturbo.com
mtartaruga@bol.com.br
(Brasil)
 

 

 

 

 
Resumo
    A corrida em piscina funda (CPF) tornou-se popular como um modo alternativo de treinamento para atletas lesionados, bem como uma forma de condicionamento cardiovascular, com diminuição do estresse articular nos membros inferiores para atletas sem lesões. O objetivo deste estudo foi comparar a cinemática da corrida em esteira rolante (CER) contra CPF. Cinco corredores de nível estadual de meio-fundo do atletismo, foram solicitados a executar cinco intensidades subjetivas de esforço (trote, rodagem, 5/10km, 400/800m e 100/200m) na CPF e na CER. Três passadas completas foram gravadas em vídeo. Empregou-se a análise de duas dimensões para analisar o movimento dos segmentos inferiores. Utilizou-se test-t para amostras dependentes (p<0,05) para a comparação entre as duas condições. Os resultados das comparações entre a CER e CPF, apresentam diferenças estatisticamente significativas na velocidade e amplitude angular dos segmentos inferiores em quase todas as intensidades de corrida, com a exceção da amplitude angular da perna nas intensidades de trote e rodagem, e amplitude angular de coxa na intensidade de 100/200m, nos quais não foram observadas diferenças estatisticamente significativas. As velocidades angulares de perna e coxa, o comprimento e freqüência de passada, e velocidade horizontal foram maiores na CER do que CPF. Nos ritmos de 5/10km, 400/800m e 100/200, as amplitudes angulares da perna foram maiores na CER do que na CPF, porém as amplitudes de coxa foram maiores na água do que em terra. Conclui-se que a cinemática da CPF é diferente ao da CER.
    Unitermos: Cinemática. Corrida em piscina funda. Freqüência cardíaca. Corrida em esteira rolante.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 10 - N° 79 - Diciembre de 2004

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1. Introdução

    A corrida em piscina funda (CPF) tornou-se uma popular forma de exercício utilizada por atletas (lesionados e saudáveis) bem como em muitas populações especiais (por exemplo, gestantes, indivíduos com dor nos membros inferiores e pacientes cardíacos) como uma alternativa à corrida em terra (CT) (FRANGOLIAS e RHODES, 1996). Durante a CPF, o indivíduo é posicionado verticalmente, imerso até o pescoço, sem tocar o fundo da piscina. Geralmente, é usado um cinto flutuador para auxiliar o indivíduo na manutenção da posição vertical.


Corrida em esteira rolante

    Uma razão pela qual, a CPF aumentou em popularidade durante os anos, foi a idéia comum de que o movimento da CPF é semelhante ao da CT, eliminando as forças de impacto repetitivas (MAYO, 1999). Em cada passada da CT, têm sido encontrado picos de impacto nas forças de reação do solo na ordem de 1,5 a 3 vezes o peso corporal (JAMES et al., 1972). A magnitude das forças durante a CT podem resultar em lesões por repetição excessiva (overuse), de acordo com VAN MECHELEN (1992) e HOEBERIGS (1992). Para os referidos autores, um dos fatores que mais predispõe os atletas à lesões é a excessiva carga (distância) semanal de corrida.


Corrida em piscina funda. No toca nel piso!

    E no caso específico de corredores de meia e longa distância, a utilização da CPF se dá de forma complementar ao treinamento normal, diminuindo o volume de treino em terra para evitar as lesões músculo-esqueléticas, isto é, objetiva-se o uso da CPF para diminuir o estresse mecânico, mantendo a carga fisiológica que se deseja trabalhar (O'BRYAN, 1991).

    Partindo desta premissa, muitos estudos têm comparado as respostas fisiológicas entre CPF e CER (HAMER e MORTON, 1990; TOWN e BRADLEY, 1991; BUTTS et al., 1991; SVEDENHAG e SEGER, 1992; FRANGOLIAS e RHODES, 1995; FRANGOLIAS e RHODES, 1996 e GEHRING et al., 1997), porém sem um grande consenso em seus resultados. Este problema acontece, provavelmente, devido aos métodos utilizados e a falta de estudos comparando os parâmetros biomecânicos da CT em relação à CPF. YU et al. (1994) afirmam que, para melhor entender as alterações que ocorrem na locomoção em terra e em piscina funda, é necessário estudar os parâmetros biomecânicos das duas atividades.

    A partir destas reflexões surge o presente problema: Existem diferenças entre a cinemática da corrida em esteira rolante (CER) e da corrida em piscina funda (CPF)?


1.1. Objetivos

    O propósito deste estudo foi determinar se a técnica da CPF é semelhante à técnica utilizada durante a corrida em esteira rolante (CER). Foi realizada uma análise das relações temporais dos segmentos da coxa e perna durante CPF e CER de cinco corredores de meia-distância experientes (em esteira rolante e em piscina funda). Além disso, a freqüência cardíaca (FC) e os aspectos cinemáticos gerais de comprimento de passada (CP), freqüência de passada (FP), tempo de passada (TP), e velocidade horizontal (VH), também foram comparados e avaliados entre as duas condições experimentais, em cada intensidade de esforço.


2. Revisão de literatura

    As investigações em relação à CPF têm focalizado principalmente, as variáveis fisiológicas de FC e consumo de oxigênio (VO2), porém também foram observadas com menor consistência as variáveis de força e economia de corrida. São extremamente poucas as pesquisas acerca da CPF sob a ótica da biomecânica, e como se observará mais adiante, com problemas de nível metodológico. Em razão desta insuficiência de dados biomecânicos, decidiu-se realizar também uma revisão acerca da mecânica da CT.


2.1. Estudos comparativos entre CER e CPF

    São bem documentados que os picos de FC e VO2 são mais baixos durante a CPF quando comparados à CER em esforços máximos (TOWN e BRADLEY, 1991; BUTTS et al., 1991; SVEDENHAG e SEGER, 1992; FRANGOLIAS et al., 1996; MERCER e JENSEN, 1997). As causas para as mudanças fisiológicas durante o esforço máximo não são conhecidas. Uma explicação é que a quantia de massa muscular ativa é mais baixa durante CPF do que na CER devido à falta de necessidade de agir contra a gravidade. Esta hipótese não foi testada, pesquisas adicionais são necessárias para determinar se os níveis de atividade muscular explicam as respostas fisiológicas máximas diferentes entre os dois tipos de atividades.

    Apesar de estar claro, que as respostas máximas de VO2 e FC são mais baixos durante a CPF do que durante a CER, MERCER e JENSEN (1997) verificaram que não existem diferenças na FC entre a CPF e CER, quando analisadas em níveis sub-máximos de VO2, mais especificamente em taxas de 20, 30 e 40 ml.Kg.min-1. Além disso, a relação FC-VO2 foi semelhante durante o exercício sub-máximo na CPF e CER. Claramente se um percentual das respostas máximas são comparadas, as respostas da CPF serão mais baixas do que às da CER porque as respostas máximas (ou de pico) na CPF são mais baixas que na CER. A semelhança entre a relação de FC-VO2 durante CPF e CER pode ser uma evidência que os estilos de corrida são semelhantes (MERCER e JENSEN, 1997).

    Além das respostas máximas e sub-máximas da CPF e CER, estudos experimentais, com programas de treinamento variando entre 4 a 8 semanas, também foram realizados para testar diversas valências fisiológicas. Segundo HERTLER et al. (1992), pode-se manter o VO2máx e a força isotônica concêntrica e excêntrica de extensores e flexores de joelho e dorso-flexores e flexores plantares do tornozelo, dentro de um programa de CPF, num período de quatro semanas para corredores.

    WILBER et al. (1996) realizaram um trabalho experimental, com corredores de meia distância e longa distância, num período de seis semanas, com um grupo treinando CT e outro grupo treinando a CPF. As sessões consistiam de 30 minutos a 90-100% VO2máx ou 60 minutos a 70-75% VO2máx, cinco dias por semana. No final deste período avaliaram a economia de corrida, VO2máx e limiar anaeróbio entre os dois grupos, e nestas variáveis não foram encontradas diferenças significativas entre o treinamento de CT e o treinamento de CPF. Estes dados sugerem que a CPF pode servir como uma efetiva alternativa de treino para corredores em terra na manutenção da performance.

    Porém, além de manter as valências fisiológicas de economia de corrida, VO2máx, limiar anaeróbio e força dos membros inferiores, o exercício dentro d'água pode desenvolver força muscular, principalmente nos músculos extensores do quadril (NAKAZAWA et al., 1994). McWATERS (1988) também afirma que a CPF é um atrativo método de aumentar a força muscular de extensores e flexores de quadril, aumentando a FP dentro d'água. Contudo estes estudos são limitados, por realizarem inferências, utilizando apenas metodologias descritivas, avaliando o padrão eletromiográfico dos grupos musculares analisados, sem uma análise experimental para confirmar a hipótese da melhora na força muscular.


2.2. A Mecânica da CPF

    Existe a necessidade de um melhor entendimento da mecânica da CPF. GRIFFIN (1993) investigou as mudanças cinemáticas entre CPF e CER. A análise de Griffin focalizou principalmente os deslocamentos máximos e mínimos do tornozelo, joelho e quadril de 5 sujeitos durante CPF e CER. A conclusão foi que a mudança na mecânica da corrida entre os diferentes meios de exercício era altamente variável entre os sujeitos, o que indicou que não havia nenhuma mudança consistente no estilo da corrida entre os sujeitos. A variabilidade pode ter sido aumentada devido ao dispositivo de flutuação de tornozelo utilizado no estudo. É esperado que se possa encontrar uma alta variabilidade no estilo de corrida colocando um flutuador no segmento inferior distal devido à dificuldade de controlar o efeito da flutuação (MOENING et al., 1994).

    MOENING et al. (1994), também observaram que o deslocamento angular da articulação do tornozelo, joelho e quadril foram diferentes entre a CPF e CER. Porém, os autores testaram só um sujeito, cuja a experiência em CPF não foi informada. FRANGOLIAS et al. (1996) citam que a experiência é um fator que precisa ser controlado ao comparar variáveis fisiológicas entre CPF e CER. Portanto, a experiência na CPF bem como na CER deverá ser controlada ao examinar a mecânica entre os dois modos de exercício.

    A informação recebida, apenas por uma análise de deslocamentos angulares máximos e mínimos durante a ação da corrida é limitada. Para MOENING et al. (1994), durante a CPF e CER, o ângulo mínimo do joelho acontecerá durante a fase de balanço da locomoção. Durante a CER, o ângulo máximo do joelho acontecerá no momento do despregue ou logo antes do contato do pé ao solo. Semelhantemente, a extensão máxima do joelho acontecerá na meio da passada durante a CPF. Se a variabilidade estiver semelhante em todas as articulações, então a identificação dos deslocamentos máximos e mínimos não permite uma comparação mais compreensiva entre os exercícios.

    Durante a CPF, a FP tem sido correlacionada positivamente com FC (WILDER et al., 1993). Durante um teste de CPF, os autores informaram que a FP obteve um valor de 60 passos por minuto (pas/min) durante os níveis baixos de intensidade, passando para 100 pas/min no pico de esforço. Contudo, para TOWN e BRADLEY (1991) a FP encontrada na CPF, em ritmo forte foi de 83,9 pas/min, enquanto que na esteira rolante a FP foi entre 160 e 210 pas/min. Segundo os mesmos autores, a dificuldade em comparar a mecânica do CPF e CER é devido a maior viscosidade da água, no qual impede os indivíduos de movimentar as extremidades inferiores numa alta FP. Durante a CER, a viscosidade do ar é considerada quase desprezível.


2.3. Cinemática da corrida

    Uma compreensão dos aspectos cinemáticos da corrida é de grande interesse por várias razões: (1) conhecimento dos movimentos de segmentos corporais podem providenciar informações úteis para uma compreensão básica dos mecanismos do sistema neuromuscular; (2) a identificação da mecânica da corrida ótima pode ajudar a melhorar o desempenho de atletas de todos os níveis; e (3) conhecimento dos mecanismos de lesões relacionados a corrida pode ajudar na prevenção de lesões (WILLIAMS, 1985). O autor citado anteriormente, nos dá uma visão geral da mecânica da corrida, mas coloca ênfase especial na cinemática da CT e na esteira, e mede biomecanicamente, lesões de corrida e fadiga. Embora Williams cite 200 referências, este afirma o seguinte: "Existe [ainda] uma grande necessidade de investigações bem-projetadas na avaliação de parâmetros biomecânicos para o desempenho e lesão na corrida".

    MANN e HAGY (1980) mencionam "tanto a caminhada normal, quanto o jogging e a corrida seguem o mesmo padrão básico..." com uma pequena diferença significativa no plano sagital do movimento. Ele continua, afirmando que com o aumento gradual da velocidade da marcha, a amplitude geral do movimento das articulações do quadril, joelho, e tornozelo aumentam, enquanto o centro de gravidade diminui seu deslocamento vertical. ELLIOTT e BLANKSBY (1979) citam que a experiência de CER é um fator importante, ao analisarem a biomecânica de 24 sujeitos.

    Durante o ciclo da marcha na esteira e em terra, há duas fases principais (WILLIAMS, 1985 e MANN et al., 1986): a fase de apoio começa no momento do contato do pé ao chão e continua até o pé sair do chão (despregue). A segunda fase, sem apoio (balanço) começa depois do pé sair do chão e continua novamente até o mesmo pé tocar o chão.

    O foco de vários estudos importantes (NELSON e OSTERHOUDT, 1971; MANN e HAGY, 1980; HAMILL et al., 1984 e MANN et al., 1986) foram o quadril, joelho e tornozelo. Alguns resultados característicos de mudança incluíram ângulo máximo. MANN et al. (1986), afirmam que a flexão máxima do quadril é encontrada no segundo terço da fase de balanço, e a extensão máxima no momento de despregue ou imediatamente depois deste. WILLIAMS (1985) cita " a extensão máxima do joelho foi encontrada antes do contato com o chão ". MANN et al. (1986), contribuem afirmando que "o joelho nunca está completamente estendido... ao longo do ciclo" e também informa uma flexão plantar máxima logo após o momento de despregue... [e] uma progressiva dorso-flexão acontece durante a fase de balanço...".

    Não obstante, a corrida em piscina funda (CPF) foi e continua sendo utilizada como uma alternativa para a CT (correndo em chão ou esteira), e entender a mecânica da CT, pode trazer um referencial melhor para verificar se a CPF é uma escolha satisfatória para o professor e o técnico.


3. Metodologia

    Participaram deste estudo, 5 corredores de meia-distância (idade: 17,8 + 2,6 anos, massa: 66,9 + 2,8 quilogramas, estatura: 1,74 + 0,05 metros). Os sujeitos são corredores de elite estadual, todos integrantes da equipe de atletismo da Sociedade Ginástica Porto Alegre (SOGIPA) e da Federação Atlética Rio-Grandense (FARG).

    Antes das coletas dos dados, os cinco corredores participaram de aulas de CPF, para se ambientar ao meio líquido, durante um mês, três vezes por semana em sessões de 1 hora. Os atletas eram sempre incentivados para executar o movimento de CT, independente do nível de esforço, ao qual eram submetidos.

    A cinemática do movimento de corrida foi registrada por vídeo. A filmagem em duas dimensões (2-D), foi realizada com uma câmera fixa nos dois ambientes, distante 3,5 metros da esteira e 6,8 metros na piscina funda, ligada a um sistema de vídeo (Peak Performance vs 5.3), no plano sagital do corredor, com uma velocidade de aquisição de dados de 60 quadros por segundo. Foi feita uma calibração nos dois meios experimentais, antes de cada teste, para evitar algum erro proveniente da refração da imagem adquirida no meio líquido. Para um melhor contraste dos pontos a serem digitalizados, utilizou-se fitas reflexivas nas articulações do tornozelo, joelho e quadril. Foi utilizado um sensor de freqüência cardíaca Marca Polar Watch.

    Definiu-se pela coleta de dados da CT na esteira rolante, por ser um adequado instrumento para fornecer uma padronização e segurança na tarefa da análise da performance (WANCK et al., 1998). Foi usada uma esteira Quinton, esta têm uma superfície de 2,0 m de comprimento com 0,7 m de largura. Os testes da CER foram conduzidos em temperatura ambiente variando entre 19ºC e 22ºC.

    A coleta de dados da CPF foi desenvolvida em uma piscina de 25 x 16 metros, com 2 metros de profundidade, na qual os sujeitos utilizavam um cinto flutuador. A filmagem foi através de um visor (janela) na lateral da piscina. Os testes da CPF foram realizados com a temperatura da água variando entre 29,5ºC e 30,5ºC.

    Para definição das intensidades de esforço, utilizou-se a escala de sensação subjetiva ao esforço desenvolvida por WILDER e BRENNAN (1993): 1) muito fraca - ritmo de relaxamento ou trote; 2) fraca - ritmo de rodagem ou aeróbio longo; 3) média - ritmo de 5Km ou 10Km; 4) forte - ritmo de 400m ou 800m; e 5) muito forte - ritmo de 100m ou 200m.

    O protocolo do teste foi desenvolvido iniciando com a colocação das fitas reflexivas nas articulações do tornozelo, joelho e quadril. Logo após o sujeito executava uma corrida em ritmo de trote num período de 10 minutos de ambientação à esteira rolante. E por fim, a realização do teste (Tabela 1).


Tabela 1 - Protocolo de teste desenvolvido por Wilder
e Brennan (1993) e utilizado neste estudo.

    Em cada intensidade de esforço, foi realizada a monitorização da freqüência cardíaca e também a filmagem do plano sagital do indivíduo, num tempo médio de 25 segundos, para a quantificação e avaliação dos parâmetros cinemáticos dos membros inferiores.

    A execução da filmagem da CER foi após os momentos de estabilização do corredor na determinada velocidade, esta velocidade foi determinada oralmente ou gestualmente pelo próprio corredor dentro da sua sensação subjetiva ao esforço.

    A escolha pelo protocolo com escala de sensação subjetiva ao esforço desenvolvido por WILDER e BRENNAN (1993), ocorreu por razão da especificidade da mesma para os atletas. Por exemplo, intensidade 3 - moderada - ritmo de 5\10 Km.


3.1. Tratamento dos dados

    Foram digitalizados três ciclos de passada para cada intensidade, onde todas as curvas foram filtradas com uma freqüência de corte de 11 Hertz, do tipo Butterworth. Após os cálculos de coordenadas e parâmetros, realizou-se os gráficos de retratos de fase.

    As variáveis temporais dos segmentos corporais perna e coxa foram adquiridas a partir de retratos de fase (Figura 1), segundo o procedimento de TARTARUGA et al. (2000).

    Além das variáveis cinemáticas de velocidade e deslocamento angular, adquiridas a partir de retratos de fase, avaliou-se também a FC e as seguintes variáveis cinemáticas: FP, CP, TP e VH. Para determinar estas variáveis, considerou-se a velocidade linear (metros por segundo) na CER sendo o valor dado pelo mostrador digital da esteira rolante e a velocidade horizontal na CPF foi considerada a velocidade horizontal média do ponto anatômico do quadril durante os três ciclos de passada. O CP foi considerado como a distância horizontal percorrida (em metros) durante um ciclo de passada completo. A FP era a quantidade de passadas completas em um minuto, enquanto que o TP foi o tempo necessário para completar uma passada completa.

    Em cada sujeito, foram calculados, em três passadas contínuas, os valores médios das variáveis. Os valores médios de todos os 5 indivíduos, estão divididos por intensidade de esforço em cada condição experimental.


Figura 1. Fonte: TARTARUGA et al., 2000. Variáveis analisadas: Amplitude máxima do
deslocamento angular, pico de velocidade angular
positiva e negativa, em três passadas nos segmentos perna e coxa.

    A estatística utilizada foi do tipo descritiva. Utilizou-se o pacote estatístico SPSS vs 8.0, para a descrição e comparação entre os dois meios (CPF e CER), em cada intensidade de esforço. Foi realizado o teste-t para amostras dependentes, com o nível de significância de 5% (p < 0,05), para cada variável, entre a CER e a CPF, nas diferentes intensidades de esforço.


4. Resultados e discussão

    A FC e os dados gerais da cinemática, FP, CP, TP e VH estão apresentados na figura 2. Na análise comparativa entre os dois modos de exercício na figura 2, encontrou-se diferenças estatisticamente significativas (p < 0,05) em todas as variáveis analisadas entre os dois exercícios. Como esperado, a FC e a FP aumentaram conforme o acréscimo da intensidade de esforço (figura 2) durante a CPF como também na CER. A FP da CPF aumentou de forma linear conforme o aumento do esforço, enquanto que o CP obteve uma tendência de diminuição, a partir da intensidade de rodagem (figura 2), com o aumento da intensidade. Apesar desta diminuição, a VH apresentou um aumento moderado até a intensidade de 400/800 m com uma diminuição na intensidade muito forte, de 100/200 m, o que nos leva a acreditar que o aumento da intensidade na CPF se dá muito mais pelo aumento da FP do que pelo CP.


Figura 2. Valores médios e desvios-padrão de FC (batimentos por minuto), FP (passadas por minuto), CP (metros), VH (metros por segundo) e TP (segundos), nas cinco intensidade de esforço. Todas as comparações apresentaram diferenças estatisticamente significativas (n = 5, p < 0,05), entre a CPF e CER.

    Na comparação com os valores da CER, pode-se afirmar que em ambos ambientes a FP demonstrou um mesmo comportamento, de aumento conforme o acréscimo na intensidade de esforço, a VH aumentou com a elevação do esforço na CER, como era esperado, porém na CPF houve uma diminuição da VH, esta diminuição é causada pelo comportamento da CP. Esta diminuição no comprimento da passada coincide com a diminuição da amplitude do segmento perna (tabela 2), o que nos leva a crer que para conseguir aumentar a velocidade angular dos membros seja necessário uma diminuição nas amplitudes articulares do joelho neste modo de exercício (CPF).

Tabela 2. Médias e desvios-padrão de deslocamento angular de perna e coxa, e comparação das médias entre CPF e CER (n = 5, p < 0,05).

    A variável fisiológica FC foi 27 % maior na CER do que na CPF durante a intensidade de trote, 28 % maior na intensidade de esforço de rodagem, 26 % maior na intensidade de 5/10 Km, 13 % maior na intensidade de 400/800 m e na intensidade de 100/200 m a FC na CER foi 6 % superior à FC na CPF. Estes dados estão de acordo com a literatura (BUTTS et al., 1991; TOWN e BRADLEY, 1991; SVEDENHAG e SEGER, 1992; FRANGOLIAS et al., 1996 e MERCER e JENSEN, 1997), porém o mecanismo destas mudanças não estão esclarecidos. ARBORELIUS et al. (1972) afirmam que as mudanças fisiológicas que ocorrem durante a imersão vertical em repouso são devido à pressão hidrostática que implica em uma redistribuição do fluxo sangüíneo, esta redistribuição do fluxo sangüíneo também foi encontrada durante o esforço por CHRISTIE et al. (1990) quando verificou um aumento no volume sangüíneo central num teste em bicicleta ergométrica no meio líquido em comparação ao mesmo teste realizado em terra em dez indivíduos, porém a quantidade de massa muscular envolvida não foi controlada e portanto as diferenças nas respostas máximas de FC e VO2 podem ser advindas da alteração na quantidade e qualidade de recrutamento de fibras musculares.

    As variáveis cinemáticas de FP, CP e VH do CPF obtiveram resultados menores aos da CER, enquanto que o TP da CPF foi maior do que na CER, esse decréscimo na velocidade de movimento é encontrado também nas velocidades angulares dos segmentos perna e coxa, este comportamento é decorrente da maior viscosidade do meio líquido em relação ao meio terrestre.

    Para MAYO (2000), existem pequenas diferenças entre a mecânica da CT e CPF, porém os presentes resultados apontam diferenças consistentes, principalmente nos dados de velocidade angular dos membros inferiores (tabela 3) e demais variáveis cinemáticas (figura 2).

    Apesar da maior variabilidade dos dados cinemáticos de velocidade e deslocamento de perna e coxa dentro d'água do que na CER, estes não foram tão grande a ponto de não poder determinar um padrão de CPF, como afirma GRIFFIN (1993). O efeito do flutuador nos segmentos distais inferiores, utilizados pelo referido autor, deve ter sido a causa da grande variabilidade em seus resultados, enquanto que no presente estudo optou-se por utilizar um cinturão flutuador. É provável que esta menor variabilidade tenha sido efeito da colocação de um flutuador mais próximo do centro de massa e centro de flutuabilidade, aumentando assim a estabilidade dos indivíduos.

    As respostas de velocidade e deslocamento angular dos sujeitos, entre os diferentes meios, estão apresentados nas tabelas 2 e 3. Os resultados das comparações de velocidade e amplitude angular de perna e coxa, entre a CER e CPF, apresentam diferenças estatisticamente significativas na velocidade e amplitude angular dos segmentos inferiores em quase todas as intensidades de corrida (tabelas 2 e 3), com a exceção da amplitude angular da perna nas intensidades de trote e rodagem, e amplitude angular de coxa na intensidade subjetiva de esforço de 100/200 m (tabela 2), nos quais não foram observadas diferenças estatisticamente significativas (p>0,05).

    Nos ritmos de 5/10 Km, 400/800 m e 100/200 m, as amplitudes angulares da perna foram maiores na CER do que na CPF, porém as amplitudes de coxa foram maiores na água do que na CER nas intensidades de esforço de trote, rodagem, 5/10 Km e 400/800 m (tabela 2). O mecanismo deste aumento de amplitude do segmento coxa se deve, provavelmente, ao fato da CPF não possuir a fase de apoio da CT. FRANGOLIAS e RHODES (1996) indicam que na CPF é possível a melhora da flexibilidade da articulação do quadril. A amplitude angular dos presentes resultados indicam que o trabalho de flexibilidade ativa nos grupos musculares flexores e extensores do quadril é mais recomendável em intensidades de trote, rodagem, 5/10 Km e 400/800 m.

Tabela 3. Médias e desvios-padrões de velocidade angular de perna e coxa,
e comparação das médias entre CPF e CER (n = 5, p < 0,05).

    As velocidades angulares de perna e coxa na CER, foram maiores do que na CPF, pode-se observar também que o comportamento da velocidade angular dos membros inferiores analisados foram de aumento conforme o acréscimo da intensidade de esforço em ambos os ambientes aquático e terrestre (tabela 3). Observou-se também uma maior variabilidade entre os sujeitos na CPF, determinada a partir dos desvios-padrão apresentados na tabela 2 e 3.


5. Considerações finais

    A proposta deste estudo foi comparar a cinemática da CER contra a cinemática da CPF em diferentes intensidades de esforço. A conclusão final deste trabalho é de que a cinemática da CPF difere da cinemática da CER, ainda que a amplitude angular da coxa na intensidade de 100/200m e a perna nas intensidades de trote e rodagem não tenham apresentado diferenças estatisticamente significativas. A freqüência cardíaca, a velocidade horizontal, a freqüência de passada, e o comprimento de passada da CPF foram menores do que os valores da CER. O tempo de passada foi maior na CPF.

    A amplitude da perna na CPF teve uma tendência de diminuição a medida que a intensidade de esforço aumentava, contudo a amplitude de coxa permaneceu estável. O uso da CPF como um treinamento para melhora de flexibilidade da musculatura do quadril deve ser prescrito em intensidades de esforço de trote, rodagem, 5/10 Km e 400/800 m, nas quais foram possíveis as maiores amplitudes angulares de segmentos inferiores. As velocidades angulares foram todas, sem exceção, maiores na CT do que na CPF.

    Este estudo tem como limitação a análise em duas dimensões, no qual pode-se avaliar apenas os movimentos no plano sagital dos corredores e a utilização do ponto do quadril para determinar a velocidade horizontal na CPF e suas respectivas derivações. Sugere-se para futuros estudos a análise da ativação da massa muscular durante a CPF, para comparações com a CT.


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revista digital · Año 10 · N° 79 | Buenos Aires, Diciembre 2004  
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