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Concepção e aplicação do treino
da recepção ao serviço em voleibol

   
Professor de Educação Física
Treinador de Voleibol de Nível III
(Federação Portuguesa de Voleibol)
 
 
José Afonso
totafonso@clix.pt
(Portugal)
 

 

 

http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 10 - N° 78 - Noviembre de 2004

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Introdução

    O voleibol é um JDC que, não obstante a sua aleatoriedade, demonstra estruturas regulares (Moutinho, 1995). Essas estruturas podem ser agrupadas em complexos de jogo, que se caracterizam pela sequência de determinados momentos do jogo (Beal, 2002; Espá et al., 2003; Fotia, 2003). O side-out é o complexo de jogo que engloba os momentos de recepção ao serviço, construção do ataque e ataque (Monge, 2003).

    O side-out é o complexo de jogo do voleibol que apresenta uma estrutura mais estável, regular, previsível. Tal decorre da menor variabilidade das condições envolvimentais, característica deste complexo de jogo. Assim, a interferência contextual é, neste complexo, reduzida, sobretudo se comparada com os outros complexos (Moutinho et al., 2003; Dias, 2004).

    O nível mais reduzido de interferência contextual, bem como a menor agressividade do serviço quando comparado com o ataque, implicam que as equipas pontuem o mais possível aquando do side-out, pois as condições para a construção do ataque estão, na maior parte dos casos, favorecidas. Ou seja, no side-out há maior probabilidade de se conseguir criar situações facilitadoras do sucesso na finalização (Martins, 1996; Martinez & Abreu, 2003; Resende, 2003).

    Esta taxa de sucesso revela-se decisiva em todos os níveis de jogo. Porém, assume especial relevo no jogo masculino actual de alto nível. Aqui, e devido à natureza do jogo, a taxa de efectividade da transição é muito baixa. Inversamente, a taxa de side-out é elevada (Cunha & Marques, 2003; Moutinho et al., 2003; Paulo, 2004). Destes pressupostos depreende-se que uma equipa que pretenda atingir níveis competitivos elevados deve ser exímia no side-out.

    Um dos momentos do side-out é a recepção ao serviço adversário, ou recepção, para abreviar. Este momento revela-se por demais importante para a efectividade do side-out (Frehlick, 1993; Beal & Crabb, 1996; Martins, 1996; McReavy, 1996; Paolini, 2000; Sousa, 2000; Mesquita et al., 2002; Cavalheiro & Tavares, 2003; Cunha & Marques, 2003; Hervás, 2003; Santos & Mesquita, 2003). Contudo, a relação entre a efectividade da recepção e a efectividade do side-out não é linear (Moutinho et al., 2003).

    De facto, embora a recepção crie condições para a construção do ataque, o que vai determinar em grande parte a efectividade do side-out são a construção do ataque e o ataque propriamente dito (Hebert, 1991; Rivet, 1991).

    Apesar desta reserva, ninguém coloca em causa duas constatações:

  • recepção falhada equivale a ponto do adversário;

  • recepção de qualidade possibilita um maior número de possibilidades válidas para a construção do ataque, com todas as implicações que daí decorrem para o jogo.

    Posto isto, resulta clara a pertinência de um treino acurado deste momento de jogo.

    No presente artigo são apresentadas propostas de exercícios para o treino da recepção ao serviço, dirigidas a equipas de nível médio-alto. Parte-se do pressuposto que um recebedor deve receber eficazmente diferentes tipos de serviços (suspensão forte, apoio flutuante,...), de diferentes zonas e distâncias da linha final, com distintas trajectórias, e dominando diversos tipos de deslocamentos (ântero-posterior, lateral, etc.).


Exercícios propostos

    Foram criados dois conjuntos de exercícios. Um dos conjuntos está claramente direccionado para o trabalho individual. O outro orienta-se mais para o trabalho colectivo. Embora não faça parte deste artigo, afigura-se pertinente para o treino a inclusão de um terceiro bloco de exercícios, que contemple a integração da recepção no complexo de jogo side-out (trabalho colectivo específico de jogo).

    A aplicação de exercícios de cada um dos conjuntos deverá ser concretizada de modo equilibrado, respeitando os objectivos previamente estabelecidos para cada ciclo (macro, meso e micro), bem como os objectivos de cada sessão de treino. Regra geral, é recomendável haver um certo equilíbrio entre os exercícios dos diferentes conjuntos. Quer isto dizer que a utilização de exercícios de cada um dos conjuntos não é mutuamente exclusiva, mas complementar. Porém, há que entender que o equilíbrio entre os dois conjuntos de exercícios oscilará consoante a fase da preparação desportiva.

    O quadro 1 apresenta uma proposta para um desejado equilíbrio da utilização dos diversos conjuntos de exercícios ao longo de uma época. Os símbolos + e - assumem uma função meramente relacional, i.e., expressam a proporção de aplicação de exercícios dos distintos conjuntos. Em todas as fases da preparação desportiva devem estar presentes exercícios de todos os conjuntos.


Quadro 1. Proposta para equilibração do trabalho desenvolvido

    Antes de se proceder à descrição dos exercícios, importa esclarecer alguns aspectos.

    O primeiro ponto a estabelecer é o de que todas as situações propostas podem ser moldadas, através da introdução de variantes que a modifiquem, sem contudo a desvirtuarem a sua essencialidade. Esta plasticidade é fundamental num exercício, dado que permite que um mesmo modelo seja aplicado em contextos diferenciados. Para além disso, promove a evolução do exercício concomitantemente ao desenvolvimento dos atletas e da equipa, dando uma resposta mais efectiva aos problemas que se propõe solucionar.

    O segundo ponto que se pretende enfatizar é que há uma série de variantes universais, portanto aplicáveis a todas as situações. Tais variantes constituem-se como entidades manipuláveis, a saber:

  • a altura da rede;

  • a iluminação do pavilhão;

  • o tipo de serviço utilizado (em apoio, em suspensão, ambos) - embora alguns exercícios tenham uma orientação mais específica para um tipo de serviço do que para outro;

  • e o critério de êxito, que pode dificultar ou facilitar o alcançar dos objectivos do exercício, consoante o pretendido em cada caso. A manipulação desta variável deve ser muito ponderada, pois os seus efeitos são muito poderosos, pelo que o treinador deve apelar ao bom senso aquando do estabelecimento de critérios de êxito. Regra geral, o critério de êxito deverá ser menos exigente para a recepção do serviço em suspensão (forte) do que para a recepção do serviço em apoio.

    Em qualquer caso, o alvo da recepção será sempre o distribuidor, que se encontra em zona 2,3. Poderão ser desenvolvidos objectivos paralelos para o distribuidor. Deste modo, o treino da recepção pode ser aproveitado para o treino da distribuição, pelo menos de alguns aspectos da distribuição.

    Convém relembrar, ainda, que a recepção pode ser realizada em passe ou em manchete. O atleta deverá aplicar cada uma destas técnicas (com respectivas variantes e adaptações) consoante as necessidades momentâneas.


Exercícios





    Os pontos fundamentais destes exercícios são:

  • antecipação das intenções do servidor;

  • aplicação correcta dos diferentes tipos de deslocamento e possibilidades de contacto com a bola;

  • deslocar, parar e jogar;

  • orientação da plataforma de contacto com a bola para o alvo;

  • jogar a bola, sempre que possível, dentro aos apoios;

  • velocidade de reacção (sobretudo quando aplicadas algumas das variantes propostas para determinados exercícios);

  • velocidade de deslocamento específica.


Conjunto II







    Os pontos fundamentais destes exercícios são (para além dos observados para os exercícios do bloco I):

  • definição de responsabilidades de intervenção e comunicação atempadas;

  • estabelecimento de padrões de acção diferenciados para a recepção de serviços em apoio e em suspensão (mais correctamente, deveria ser dito: serviços flutuantes e serviços em suspensão fortes);

  • consolidação da orgânica colectiva no momento de recepção ao serviço, com ligação à construção do ataque.


Considerações finais

    Os exercícios propostos não têm valor absoluto. As respectivas potencialidades resultam do modo como são conjugados e interpretados na prática, bem como do nível de concordância verificado entre a sua aplicação e os objectivos e planeamento estabelecidos, não esquecendo a observância da fase de preparação desportiva em que está a ser empregue.

    O treinador assume um papel central no direccionamento dos exercícios, nomeadamente através da explicação dos objectivos de cada situação, da emissão de feedbacks, e do uso que faz da demonstração.

    Os atletas devem conhecer profundamente os objectivos essenciais de cada exercício, bem como o seu enquadramento num panorama temporal mais alargado. Como tal, compete ao treinador explanar com clareza, antes da realização dos exercícios, as respectivas funções e objectivos.

    A emissão de feedbacks é fundamental porquanto vai orientar individual e colectivamente o trabalho desenvolvido, numa ou noutra direcção. Por este motivo, os feedbacks devem assumir uma estreita relação com os objectivos do exercício, salvo casos pontuais. Devem, ainda, ter em conta as variáveis envolvimentais, i.e., o contexto em que determinado fenómeno ocorre.

    Por último, oferece-nos dizer que o papel da demonstração é, a este nível de jogo, consideravelmente diferente daquele que desempenha nas fases iniciais de formação desportiva. A demonstração pretende, a este nível, e sobretudo, permitir aos atletas entender mais rapidamente a orgânica estrutural e funcional de um exercício, mas não da aplicação dos seus conteúdos. Assume, também, funções de ajuda na transição de tarefas.

    O carácter da demonstração respeitante aos conteúdos é deveras personalizado e contextualizado. O mesmo é dizer que para cada atleta, em cada situação específica, uma nova demonstração será exigida.


Referências

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