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Treinamento esportivo e burnout:
reflexões teóricas

   
* Professor Metrocamp e CREUPI
Mestrando em Ciência do Treinamento - Unicamp
** Professor Doutor do Departamento de Ciências do
Esporte da Faculdade de Educação Física - UNICAMP
(Brasil)
 
 
Prof. João Guilherme Cren Chiminazzo*
chiminazzo@hotmail.com  
Prof. Dr. Paulo Cesar Montagner**
pcesarm@fef.unicamp.br
 

 

 

 

 
Resumo
    Diversos são os fatores limitadores do desenvolvimento de jovens atletas no treinamento. A síndrome de burnout tem sido estudada em diversas áreas, porém a literatura mostra uma grande carência de pesquisas no esporte. É necessário que além de informar aqueles que trabalham no esporte sobre o tema, seja preciso estudar a sua ocorrência para que se possa contribuir na prevenção do problema e, principalmente, na promoção do desenvolvimento global e harmonioso dos atletas envolvidos em atividades competitivas.
    Unitermos: Burnout. Esportes. Profissional de Educação Física.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 10 - N° 78 - Noviembre de 2004

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Apresentação

    Existe hoje grande preocupação com a qualidade de vida de profissionais nas diversas áreas do conhecimento. Busca-se sempre oferecer ao trabalhador boas condições de trabalho, propiciando ao ser humano uma qualidade de vida digna que não prejudique sua saúde e muito menos comprometa sua velhice. É importante saber evitar os grandes males decorrentes do trabalho, entre os quais podemos citar a LER1 , a DORT2 , o estresse, a desistência3 e também o burnout4 . A saúde e o bem estar do indivíduo têm que ser constantemente preservados.

    Na área esportiva não é diferente. Esses males sempre estiveram presentes na vida de atletas, técnicos e de todas pessoas envolvidas com esportes. No esporte profissional é fundamental buscar a excelência. Não se pode permitir a ocorrência dos males que retardam ou interrompem a vida profissional de um atleta, pois a mesma deve ser duradoura e bastante ativa. As atenções também devem estar voltadas às pessoas que praticam algum esporte como forma de evitar uma vida sedentária, já que não podem ser atropeladas por tais males uma vez que também buscam uma melhor qualidade de vida.

    Diversos são os fatores limitadores do desenvolvimento de jovens atletas no treinamento esportivo e que podem resultar na síndrome de burnout, um fenômeno muito importante e que é muito pouco estudado. Muitas vezes ouvimos dizer que um atleta abandonou sua carreira esportiva ou então que o seu rendimento está aquém do esperado e, na maioria das vezes, os técnicos não sabem identificar as causas desses resultados.

    Com o avanço da ciência dos esportes, novos estudos estão surgindo. Hoje temos diversas pesquisas na área esportiva, mas ainda é necessário que esses estudos sejam ampliados e aprofundados para que todos entendam cada vez mais as causas endógenas e exógenas da síndrome de burnout, os sintomas indicativos desse distúrbio, como combatê-los e principalmente suas medidas profiláticas. Pesquisas no âmbito do desporto nacional precisam ser feitas, pois é imprescindível que sejam estudados os nossos casos, os nossos atletas, enfim o nosso ambiente. A síndrome de burnout não ocorre somente com atletas, pode também acometer técnicos, preparadores físicos e todos aqueles profissionais que atuam diretamente com outros seres humanos.

    Assim, o objetivo principal desse estudo é compreender, através da revisão da literatura, as manifestações do fenômeno de burnout na prática esportiva.


Burnout: referencial teórico

    Na área esportiva, sempre se ouviu falar em desistências de atletas ou quedas de rendimento, mas muito pouco ou quase nada se ouviu dizer a respeito dos motivos que conduziram a esse inesperado acontecimento. Antes dessa desistência o atleta se sente esgotado tanto no aspecto físico, quanto psíquico e social. A esse esgotamento da atividade em questão chamamos de síndrome de burnout. Os primeiros estudos a respeito da síndrome de burnout surgiram em meados da década de 70 com Freudenberger (1974). Em 1976, Christina Maslach, uma psicóloga social, começou a investigar a síndrome do burnout em pessoas que trabalhavam em áreas de serviços humanos. Assim, Maslach e Jackson (1986) definem burnout como uma reação ao estresse crônico que ocorre naqueles profissionais que têm de prestar ou oferecer "serviços humanos", ou seja, que estão em contato direto com outras pessoas.

    A origem do termo burnout advém de uma conversa informal entre Christina Maslach, uma psicóloga social e um advogado. Certa vez, após iniciar alguns estudos na área médica e levantar algumas idéias referentes às relações de trabalhos, Maslach expôs suas idéias em relação à preocupação que ela tinha sobre as estratégias cognitivas de descomprometimento e sobre a auto-defesa através da desumanização a um advogado e este referiu-lhe que os advogados das pessoas mais pobres chamavam essa situação de esgotamento. A partir desse momento Christina Maslach não só descobriu que a situação que ela estava estudando tinha um nome como também acontecia em outras áreas do conhecimento.

    Analisando vários estudos realizados com profissionais cujo trabalho implica na relação e no contato direto com outras pessoas, surgiu a idéia de construir um instrumento de avaliação psicológica que pudesse comparar e abranger amostras cada vez maiores (MASLACH, 1993).

    Mais tarde, cria-se o primeiro instrumento para verificar a ocorrência da síndrome de burnout: o Inventário de Burnout de Maslach - MBI (1986). Até hoje, esse inventário é o mais conhecido na avaliação da síndrome de burnout. É constituído por três componentes básicos da síndrome de burnout, segundo Maslach (1993): exaustão emocional que é a situação em que os trabalhadores sentem quando não conseguem dar mais de si mesmos em nível afetivo, sentem falta de energia, estão no limite; a despersonalização quando uma resposta insensível e impessoal é dada a outras pessoas no ambiente, ocorre uma alteração de personalidade, uma mudança relacional do indivíduo e a redução da realização pessoal no trabalho que descreve sentimentos de incompetência e falta de sucesso na realização do trabalho com outras pessoas. Baixa auto-estima, insatisfação com o serviço a realizar.

    Trata-se de um modelo multidimensional que apresenta uma abordagem sociopsicológica muito defendida pela autora Christina Maslach sendo a mais adotada entre os pesquisadores de burnout (BENEVIDES-PEREIRA, 2002). Outros instrumentos, menos conhecidos, para avaliação da síndrome de burnout foram surgindo através dos estudos na literatura. A presença de exaustão emocional só conduz à falta de realização pessoal se ocorrer à despersonalização como variável medidora (SILVÉRIO, 1995). Leiter e Maslach (1988) esclarecem que primeiro ocorre a exaustão emocional que leva ao desenvolvimento de sentimentos de despersonalização os quais, por sua vez, contribuem para a diminuição da realização pessoal.

    Um estudo mais minucioso na literatura indica que não existe uma definição sobre burnout, mas é consenso, até os estudos hoje desenvolvidos, que seria uma resposta ao estresse laboral crônico não devendo, contudo, ser confundido com estresse (CODO, 1999). O estresse laboral é o tipo de estresse que aparece no contexto do trabalho, sendo que a qualidade do trabalho prestado fica comprometida pela relação estabelecida entre o profissional e a pessoa que recebe esse trabalho.

    Freudenberger (1974), a partir de uma perspectiva clínica, considera que burnout representa um estado de exaustão resultante do trabalho exaurido do profissional, deixando de lado até as próprias necessidades. Cherniss (1980), a partir de uma perspectiva organizacional, argumenta que os sintomas que compõem a síndrome de burnout são respostas possíveis para um trabalho estressante, frustrante ou monótono.

    Cada pesquisa possui um princípio norteador para maior explicação dessa síndrome. Assim diversos conceitos são formados sobre a síndrome, mas é difícil encontrar uma definição para a sua ocorrência. Uma busca na literatura de trabalhos sobre burnout fica ainda mais difícil, devido às diferentes denominações que os autores vêm adotando para o mesmo fenômeno. Benevides-Pereira (2002) traz em sue livro, referindo-se a síndrome de burnout, algumas denominações utilizadas por outros autores, que são: estresse laboral, estresse laboral assistencial, estresse profissional, estresse ocupacional, síndrome de queimar-se pelo trabalho, neurose profissional ou neurose de excelência e síndrome de esgotamento profissional.

    A síndrome de burnout também vem recebendo seu devido tratamento na esfera legal. As leis brasileiras já reconhecem a síndrome de burnout como um agente causador de doenças profissionais ou doenças do trabalho. No decreto nº 3.048/99, de 6 de maio de 1999, que dispõe sobre o Regulamento da Previdência Social, em seu Anexo II, que trata dos agentes patogênicos causadores de doenças profissionais ou do trabalho, conforme previsto no artigo 20 da Lei 8.213/91, fala em transtornos mentais e do comportamento relacionados com o trabalho (Grupo V da CID-10), no inciso XII relata na sensação de estar acabado ("Síndrome de Burn-out", "Síndrome de Esgotamento Profissional") (Z73.0). Mas há poucos litígios a respeito do assunto, seja por completa falta de informação por parte dos advogados ou talvez pela dificuldade em estar mensurando, avaliando a síndrome de burnout.


Esporte e o burnout

    A síndrome de burnout também está presente no mundo dos esportes e consideramos como um dos fatores limitadores no desenvolvimento de atletas, principalmente de jovens atletas. É muito comum atletas, quando atingem o nível profissional, desistirem do esporte, abandonarem a carreira esportiva. Momentos antes dessa completa desistência (dropout), o atleta passa pelo estágio de esgotamento, causado por motivos físicos, psíquicos ou sociais. Entretanto, a diferença entre esse esgotamento e a desistência é que o primeiro pode antecede o segundo que por sua vez é irreversível. Por esse motivo, torna-se importante estudar o tema e saber como trabalhar com a síndrome de burnout.

    Weinberg e Gould (2001) conceituam a síndrome de burnout nos esportes como sendo uma resposta psicofisiológica de esgotamento exibida como resultado de esforços freqüentes, às vezes extremos e, geralmente, ineficazes para satisfazer demandas excessivas de treinamento e competições.

    Esse fenômeno de burnout no esporte também se desenvolve como conseqüência ou manifestação de um estresse excessivo e crônico. A adaptação ao estresse pode apresentar aspectos positivos e negativos, e o resultado final de uma adaptação negativa do estresse, pode dar início a síndrome de burnout, que tem sempre o caráter negativo e está sempre relacionado ao mundo do trabalho, à dimensão social, inter-relacional (BENEVIDES-PEREIRA, 2002). É importante frisar que a síndrome de burnout não deve ser confundida com o estresse. Existe um consenso na literatura que a síndrome de burnout é um fato posterior a sucessivos estímulos estressores e que o sujeito não consegue se adaptar, originando assim o esgotamento.

    Para Smith (1986) o burnout envolve uma fuga psicológica, emocional e, algumas vezes, física de atos prazerosos em resposta a um excessivo nível de estresse ou insatisfação. Ausência do prazer e valorização da performance são as principais mudanças apresentadas, que resultam em estresse prolongado, levando, muitas vezes, ao esgotamento por parte do atleta (GOULD et. al. 1997).

    A queda de rendimento pode ser um sinal de que o atleta está sendo acometido pela síndrome do burnout em sua fase inicial e isso agrava ainda mais a pressão sobre o mesmo. Muitas vezes ele precisa vencer para continuar a competir ou precisa realizar a jogada correta, porém a impossibilidade de concretizá-la só aumenta a tensão, os resultados positivos não aparecem, seu rendimento começa a cair, seus treinos passam a ser desmotivantes e instala-se a síndrome do burnout. Essa situação começa a se repetir desenfreadamente e como resultado final ocorre a completa desistência. Por isso é imprescindível que profissionais da Educação Física e do esporte saibam o que é a síndrome de burnout, como identificá-la e que desenvolvam medidas profiláticas durante suas atuações. Saber distinguir tal síndrome dos demais males que possam afetar a vida de um atleta, também é competência do profissional da Educação Física. Uma busca na literatura nos revelou que são diversos os motivos que podem levar um atleta ao esgotamento e conseqüentemente a desistência da prática esportiva, como por exemplo, a estafa, o sobretreinamento, overreaching, entre outros. Mas esses fenômenos não se confundem com a síndrome de burnout, um evento que pode ser decorrente desses fenômenos. Existe uma confusão na literatura sobre os conceitos e definições desses fenômenos, porém é necessário notar que a origem de cada um deles pode diferenciá-los. Também é necessário tomar cuidado para não fazer idéia de que tudo que possa estar ocorrendo com um atleta seja burnout. Alguns atletas deixam a prática esportiva, pois têm como objetivo de vida uma outra atividade e isso não representa a síndrome de burnout.

    Pressões externas também podem ser determinantes na vida de um atleta. A exigência de vitórias por parte de treinadores ou pais, as comparações entre irmãos ou até mesmo feitas com jogadores melhores no mesmo grupo, cobranças acerca da perfeição, tudo isso contribui para o surgimento da síndrome de burnout. A conseqüência é que o atleta deixa de jogar por prazer, caracterizando-se o jogo pela busca da vitória, é o vencer a qualquer custo. Dirigentes esportivos e comissão técnica só têm olhos para a vitória, não se lembram que o atleta é um ser humano que pode estar sendo afetado por perturbações físicas, psíquicas e até emocionais. Acabam esquecendo do prazer, aquele mesmo que, um dia, os fizeram iniciar a prática esportiva. A importância da competição se sobrepõe à necessidade de obter prazer praticando esporte.

    A supervalorização da vitória pode induzir a outro acontecimento: o excesso de treinamento. De acordo com Jones e Hardy (1990) o desempenho competitivo depende da combinação de três fatores: fisiológicos, técnicos e psicológicos. Entre os fatores psicológicos, o estresse é um dos mais importantes e, às vezes, é aquele que determina o sucesso do desempenho. O treinamento desportivo realizado continuamente sugere estímulos permanentes, proporcionando sucessivas adaptações psicofisiológicas do organismo humano. Essas adaptações são positivas, pois fortalecem o organismo física e psiquicamente para enfrentar exigências cada vez mais rigorosas. A relação entre estímulo, reações e adaptações do organismo é representada pelo estresse. No entanto o estresse físico excessivo tem suas conseqüências, que nem sempre são positivas. O excesso de estresse físico pode dar origem ao sobretreinamento, que segundo Gould et al. (1997), pode também ser um precursor da síndrome do burnout.

    Esse mesmo excesso de treinamento e o excesso de competições podem também prejudicar a vida social do atleta. Ele não tem mais tempo para os amigos ou para outras atividades que lhe dão prazer. Isso implica, para os atletas mais jovens, em um fim precoce da infância, com um acúmulo de responsabilidades que, na maioria das vezes, ele ainda não está preparado para enfrentar. Por isso acaba entrando em processo de burnout, e quer logo fazer o que seus amigos, da mesma faixa etária, estão fazendo (GOULD et al. 1997). É importante deixar as crianças se envolveram com atividades fora do ambiente de treino e competições. Deixem as crianças serem crianças. Não podemos confundir o jovem atleta com o atleta jovem.

    Essa análise é importante no combate à especialização precoce nos esportes. Hoje é comum encontrar crianças sujeitas a altas cargas de treinamentos especializados, visando objetivos e resultados imediatos. Segundo Paes (1992) a especialização precoce deve ser evitada, pois é prejudicial ao desenvolvimento harmônico entre a aprendizagem das técnicas do esporte e seus valores morais, cuja importância deve ser trabalhada com os alunos. A especialização precoce é apenas mais um fator que contribui para desencadear a síndrome do burnout e levar o atleta à desistência total do esporte. Quanto mais cedo ocorrer esse tipo de especialização, piores podem ser as conseqüências, pois mais cedo os jovens atletas estarão sujeitos a abandonar o esporte.

    Smith (1986) afirma que a síndrome do burnout é mais freqüente em atletas de esportes individuais, por serem mais competitivos, de alta exigência física e psicológica, devido à natureza repetitiva e monótona dos treinamentos, além de menor suporte social dos companheiros de treinamento. De Rose (2001) fez um estudo de estresse com adolescentes nas seguintes modalidades esportivas: basquetebol, futebol, natação e tênis, verificando que as meninas apresentam níveis de estresse significativamente maiores que os meninos. De Rose (2001) afirma, com base nesse estudo, que entre todas as modalidades esportivas estudadas, o tênis foi a que apresentou maior nível de estresse.

    Em relação a inventários para análise da síndrome de burnout em atletas, Silvério (1995) desenvolveu o Inventário de Burnout para Atletas, denominado de IBA. Esse inventário analisou seis fatores principais de esgotamento em atletas: desânimo, falta de energia, expectativa de ineficácia, exaustão, desinteresse e excitabilidade. É um inventário composto de 27 perguntas, respondidos numa escala tipo Likert com 5 alternativas, de "discordo totalmente" a "concordo totalmente". É muito importante a existência de inventários como esse para medir e avaliar o estado de desenvolvimento da síndrome de burnout em atletas, não devendo se basear apenas no senso comum, mas buscando informações certas, seguras e confiáveis através da ciência.

    Essa identificação da síndrome não deve ser feita apenas através de instrumentos psicológicos. O contato direto com o técnico e demais profissionais no dia-a-dia dos treinamentos, também pode oferecer indícios da ocorrência da síndrome de burnout. Para essa constatação se faz necessário que o profissional saiba o que é a síndrome, como ela se estabelece e como ela se desenvolve. Mas há que se fazer uma ressalva da carência na literatura de estudos sobre o tema, assim, fica difícil apresentar quais são os sinais e sintomas da síndrome. Mensurações bioquímicas podem ser demonstradores indiretos de fatores que limitam o treinamento esportivo, é o caso do sobretreinamento, e que podem resultar na ocorrência da síndrome de burnout. Weinberg e Gould (2001) apresentam como sintomas emocionais da síndrome de burnout a perda de interesse, a falta de desejo em jogar, o esgotamento mental, a falta de preocupação, a depressão e a ansiedade.

    Várias estratégias podem ser utilizadas para prevenção ou redução da probabilidade de aparecimento da síndrome de burnout. Weinberg e Gould (2001) apresentaram também algumas dicas de prevenção da síndrome de burnout que são: estabeleça metas de curto prazo para competição e treino; comunicação sempre; tirar folgas para relaxar; aprender habilidades de auto-regulação, manter uma perspectiva positiva; controlar as emoções pós-competitivas; permanecer em boas condições físicas.


Modelos teóricos da síndrome de burnout mais utilizados no esporte

    Para auxiliar a explicar esse fenômeno, há alguns modelos teóricos explicativos dos processos da síndrome de burnout. Isso ajuda a compreender como se desenvolve a síndrome nas pessoas e, sabendo como ocorre, pode-se pensar no combate e prevenção da mesma.

    Em 1986, Smith desenvolveu, exclusivamente para os contextos desportivos, um modelo de burnout no esporte baseado em 4 estágios. Esse autor defende que o esgotamento é uma forma especial de abandono do desporto por um estresse crônico em que o atleta desiste de participar de uma atividade da qual gostava bastante. Nesse modelo, burnout é um processo que envolve componentes fisiológicas, psicológicas e comportamentais e progride em estágios previsíveis. Cada um desses componentes é influenciado pelo nível de motivação e pela personalidade da pessoa.

    No primeiro estágio (demandas situacionais), altas demandas são impostas ao atleta, como altas cargas de treinamento ou até mesmo muita pressão para vencer determinada partida. Quando as demandas de uma situação superam os recursos potencias, ocorre o estresse. No segundo estágio, a avaliação cognitiva, os indivíduos avaliam e interpretam a situação. Já no terceiro estágio, as respostas fisiológicas aparecem de acordo com o estresse constatado em uma situação prejudicial ou ameaçadora, podendo ser aumentos da tensão, da irritabilidade e da fadiga. No quarto e último estágio, as respostas comportamentais referentes às respostas fisiológicas, levam a algum tipo de comportamento de controle e tarefa, como desempenho diminuído, dificuldades interpessoais e eventual retreinamento da atividade (WEINBERG E GOULD, 2001).

    Um outro modelo construído a fim de explicar o processo de burnout é o Modelo de Respostas Negativas de Estresse ao Treinamento. O modelo construído por Silva (1990) para explicar o processo de burnout focaliza-se mais nas respostas a treinamento físico, embora reconheça a importância de fatores psicológicos. Silva (1990) define burnout como uma resposta psicofisiológica de exaustão exibida como resultado de esforços freqüentes e às vezes extremos, mas geralmente ineficazes para lidar com o treino excessivo e as exigências competitivas.

    Silva (1990) sugere que o treinamento físico estressa o atleta física e psicologicamente, podendo ter efeitos negativos e positivos. Os efeitos positivos são aqueles normalmente adquiridos com os treinos, que são os resultados desejáveis do treinamento. Já o treinamento excessivo pode resultar em adaptação negativa, podendo resultar em sobretreinamento, e até mesmo em burnout.

    E por final, um outro modelo muito conhecido e desenvolvido com a finalidade de explicar a síndrome de burnout é o Desenvolvimento de Identidade Unidimensional e Modelo de Controle Externo, desenvolvido por Coackley (1992). Esse modelo é de natureza mais sociológica. Coackley argumenta que o burnout é simplesmente um sintoma e que sua causa, principalmente em atletas jovens, está relacionada à organização social de esportes de alto desempenho e a seus efeitos sobre questões de identidade e controle. O autor defende que a síndrome de burnout ocorre porque a estrutura de esportes altamente competitivos não permite que os jovens desenvolvam uma identidade normal e eles não conseguem passar tempo suficiente com seus pares fora do ambiente esportivo. Num estudo realizado com adolescentes atletas, Coakley (1992) relata que a prevenção da síndrome de burnout seria aumentar o poder dos adolescentes eliminando suas dependências.

    Segundo Paes (2002, p.96), "na escola ou fora dela, o esporte para crianças e para jovens deve ser proposto no contexto educacional". Essa é a preocupação do pedagogo. Aquele que vai trabalhar com o esporte, não pode apenas se preocupar com os aspectos técnicos, com o gesto motor, com as habilidades motoras de cada um, mas deve se preocupar com os valores e princípios que estão inseridos no esporte. Quando trabalhamos com jovens, o esporte tem que assumir sua função como um meio para ajudar na formação e desenvolvimento de um cidadão, com plena capacidade de exercer sua cidadania. Assim, é importante desenvolver a formação de valores, entre eles a confiança, a cooperação, a autonomia em tomar decisão, o que contribui para evitar que o atleta ou mesmo o jovem praticante de uma determinada modalidade esportiva seja acometido pela síndrome do burnout.

    Desses modelos de processo de burnout citados, o que melhor se ajusta e também o mais usado para os esportes é o Modelo Afetivo-Cognitivo de Estresse, construído por Smith (1986).

    Gould et al. (1997) dizem que a síndrome de burnout seria apenas uma conseqüência de diferentes experiências e comportamentos individuais levando a sintomas como: queda de rendimento, perda da motivação, frustração com seu rendimento, fácil irritabilidade, nervosismo exacerbado, depressão, problemas de concentração, de atenção, sentimento de isolamento dentro do ambiente de jogo e vergonha por alguma jogada errada. Weinberg e Gould (2001) apresentam como sintomas de burnout a perda de interesse, nenhum desejo de jogar, esgotamento físico e mental, falta de preocupação, depressão e ansiedade aumentada.

    No caso do esporte, além de atletas e jogadores poderem sofrer com a síndrome de burnout, técnicos, árbitros, preparadores físicos e todos envolvidos com o esporte também podem sofrer desse mal, portanto é importante que todos saibam e conheçam a sua existência a fim de se manterem sempre longe e não serem acometidos pela mesma. Principalmente técnicos que estão em contato direto com seus atletas e podem influenciá-los facilmente, de forma positiva ou negativa.


A necessidade de compreensão pelos profissionais de educação física e do esporte

    Hoje as exigências do esporte vão muito além da simples repetição e aprendizado do gesto motor. Na mesma proporção e na mesma evolução caminha o profissional da área da Educação Física, cuja função, atualmente, ultrapassa a idéia daquela pessoa que se dedica exclusivamente ao treinamento técnico do atleta. Sabe-se que o técnico deve ser muito mais que uma pessoa capaz de ensinar e treinar o gesto motor específico de uma modalidade. Se assim fosse, não seria preciso estudar para ser técnico, bastaria ter sido praticante do esporte.

    O profissional de Educação Física, além do treinamento técnico, tem que ser capaz de formar valores, de formar seres humanos íntegros, preservando sempre sua saúde física, mental e psíquica e com excelente qualidade de vida. Não basta formar um atleta campeão mundial aos 14-15 anos e que com 18 anos esteja abandonando o esporte e, pior ainda, que durante todo esse tempo não foi orientado, não recebeu a devida formação que devia. Segundo Paes (2002, p. 91) é importante que o "...profissional de Educação Física compreenda o esporte e a pedagogia de forma mais ampla, transformando-os em facilitadores no processo de educação de crianças e jovens".

    Enfim verifica-se que mesmo trabalhando com o esporte escolar é extremamente importante que o profissional saiba como trabalhar o esporte, pois o problema nem sempre está no esporte e sim naquele que trabalha com o mesmo. É fundamental que o profissional saiba que ensinar o gesto técnico é tão importante quanto ensinar os valores contidos no esporte. A educação das crianças deve estar voltada para o mundo, para a formação de cidadão, exercendo seu papel de cidadania.

    No âmbito do esporte profissional, também é necessário que o profissional reconheça os valores e princípios agregados ao esporte e que sejam continuamente trabalhados. Vencer é importante, porém formar pessoas íntegras, capazes de viver em sociedade, respeitando a sociedade e o ambiente também é fundamental. Em certos casos o atleta é tratado como robô, não recebe nenhuma educação além daquela que dizem ser necessária para vencer. Isso tem que mudar, pois estamos trabalhando com seres humanos e não podemos deixar que sejam afetados por problemas como sobretreinamento, burnout e a desistência.

    Outro fator importante a ser considerado é a influência que o profissional de Educação Física tem em seus atletas, sendo muito comum os atletas refletirem a personalidade de seus técnicos que lhes foi implantada e os alunos deixam de desenvolver as suas próprias personalidades. É importante que esse profissional reconheça o grau de sua importância na vida de seus alunos já que muitas vezes o tempo dispendido com o técnico é muito maior do que o tempo que os atletas gastam com seus pais.

    Assim, não basta apenas informar futuros professores acerca da possibilidade da ocorrência da síndrome de burnout em seus atletas. É preciso estudar a ocorrência desta síndrome, ampliar e aprofundar a sua caracterização, bem como buscar saber o que pensam e sentem os esportistas, para que se possa trabalhar não apenas na prevenção de problemas, mas preferencialmente, na promoção saudável do desenvolvimento global do jovem atleta e do adolescente envolvidos em atividades esportivas.

    Segundo Gould et al. (1997), se técnicos, pais e psicólogos esportistas são familiarizados com as características da síndrome de burnout, eles podem tornar-se habilitados a identificar atletas jovens que estejam nesse processo de burnout e intervir para ajudá-los.

    Weinberg e Gould (2001) trazem como principais fatores estressores de técnicos: a diferença de gênero, pressão para vencer, interferência ou indiferença administrativa e parental, problemas de disciplinas, múltiplos papéis a desempenhar, muitos compromissos de viagens, intenso envolvimento pessoal, diferença de idade e experiência, estilo de treinamento, apoio social.

    Vale lembrar mais uma vez que os profissionais da área de Educação Física sejam eles técnicos, professores ou educadores, também são suscetíveis a sofrer com a síndrome de burnout. É muito importante que eles saibam o que é, consigam identificar e combater e principalmente prevenir-se. E os estudos, as pesquisas devem ser ampliados. A síndrome existe há muito tempo, a nomenclatura surgiu há pouco tempo e os estudos nacionais ainda nem começaram a engatinhar considerando que o fenômeno assola, há muito tempo, vários atletas e profissionais do esporte.


Notas

  1. Lesão por Esforço Repetitivo

  2. Distúrbio Osteomuscular Relacionado ao Trabalho.

  3. Também conhecida como dropout

  4. Utilizaremos a palavra burnout por não existir na literatura uma tradução fiel do termo para a língua portuguesa. Sempre que possível, adotaremos termos na língua portuguesa.


Referências

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