efdeportes.com
Razões e justificativas para o descrédito do
professor e da disciplina educação física
em escolas estaduais. Estudo de caso

   
* Graduado FEF/UNICAMP
** DEAFA/FEF/UNICAMP
*** Ms. UNICAMP/CAPES
(Brasil)
 
 
Carlos Eduardo Nóbrega Amorim*
Prof. Dr. Paulo Ferreira de Araújo**
Rita de Fátima da Silva***

rita_fatima@hotmail.com
 

 

 

 

 
Resumo
    Muito se teoriza a respeito do descrédito do professor de Educação Física dentro de instituições escolares públicas. Nesse trabalho buscou-se identificar possíveis razões e justificativas para o descrédito desse profissional em 5 escolas públicas da cidade de Diadema - São Paulo. O método utilizado foi o estudo de caso e o instrumento o questionário com questões abertas e fechadas. Os sujeitos envolvidos foram: (11) professores de Educação Física; (25) professores de áreas diversas; (100) alunos de 5ª até a 8ª séries; (1) diretores e (4) vice-diretores . Verificou-se que o descrédito do professor de Educação Física acontece, principalmente porque muitos desses profissionais não entendem ao certo o deve ser trabalhado na escola, confundindo conteúdo com modalidades esportivas. Compreende-se que se o que é buscado é a valorização, o crédito que falta à área, esse profissional tem que se fazer respeitar através de uma postura mais profissional e comprometida com um processo educativo. Isso implica, sem sombra de dúvidas, num constante esforço de aprimoramento de conhecimentos através da formação continuada.
    Unitermos: Educação Física. Descrédito profissional. Escola pública.
 
Abstract
    Much has been made in terms of theories regarding the discredit of the Physical Education teacher inside of public school institutions. It was searched in this work to identify possible reasons and justifications for the discredit of this professional in 5 public schools from the city of Diadema - São Paulo. The used method was the study of case and the instrument the questionaire with open and closed questions. The involved citizens had been: (11) teachers of Physical Education; (25) teachers from diverse areas of study; (100) pupils of 5th until 8th grade (1) directors and (4) vice-directors. It was verified that the discredit of the professor of Physical Education happens, mainly because many of these professionals do not understand quite what must be worked on in the schooll confusing content with sport modalities. It is understandable if what is searched is the valuation, the credit that lacks to this area, this professional must claim for respect for himself through a more professional and compromised posture inside the educational process. This implies, without shade of doubts, in a constant effort of knowledge improvement through the continued formation.
    Keywords: Physical Education. Professional discredit. Public school.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 10 - N° 77 - Octubre de 2004

1 / 1

Introdução

    É possível afirmar que o fato de a Educação Física (EF) passar, ao longo de sua história, por vários momentos e crises em busca de sua identidade e consolidação como uma disciplina importante para as escolas e para o desenvolvimento de seus alunos não é novidade para ninguém. Desde os primeiros passos que registram o labor da EF para obter reconhecimento e respeito no âmbito escolar, até os dias atuais, muito se pensou e escreveu a respeito. Pode-se citar as tentativas de Rui Barbosa como uma das maiores representações dos esforços despendidos no sentido de tornar obrigatória a inserção da EF na grade curricular dos institutos educacionais. Sendo exemplo seu Projeto número 224, denominado "Reforma do Ensino Primário e várias instituições complementares da Instrução Pública", proferido na sessão de 12 de setembro de 1882 na Câmara dos Deputados. CASTELLANI FILHO (1994, p.47) assim relata o fato:

    Rui Barbosa deu à Educação Física um destaque ímpar em seu pronunciamento, terminando por sintetizá-lo em propostas que foram desde a instituição de uma sessão especial de Ginástica em escola normal (inciso primeiro), até a equiparação, em categoria e autoridade, dos professores de Ginástica aos de todas as outras disciplinas (inciso quarto), passando pela proposta de inclusão da Ginástica nos programas escolares como matéria de estudo, em horas distintas das do recreio e depois das aulas.

     Nesse trabalho o objetivo não foi discutir tais momentos e crises ou mesmo correntes pedagógicas e/ou ideológicas a cerca do assunto, mas sim identificar possíveis razões e justificativas para o visível descrédito do profissional de EF dentro dessa instituição, bem como tecer considerações e indicar possíveis caminhos a seguir no intuito de realizar uma intervenção positiva para a Educação Física Escolar.


Metodologia

    Foi realizado um levantamento de dados através de aplicação de questionários com perguntas abertas e fechadas direcionadas aos professores de Educação Física, professores de outras matérias, alunos e diretores de 05 escolas públicas, das cinco regiões da cidade de Diadema. Todos os pesquisados trabalham no Ensino Fundamental II (5ª a 8ª séries).

    A coleta de dados foi realizada com 25 professores de outras áreas de conhecimento, um diretor de escola e quatro vice-diretores, onze professores de EF, e, por fim, cem alunos do Ensino Fundamental II (de 5ª à 8ª séries) das diferentes regiões da cidade de Diadema.


Apresentação dos dados e Discussão

    A seguir apresenta-se os dados mais relevantes da pesquisa.


Pesquisa com professores de outras áreas de conhecimento


Tabela 1: Conteúdos da EF segundo professores de outras áreas.

    Os resultados mostram o quão complicado torna-se o trabalho do professor de EF dentro da escola por conta do desconhecimento dos colegas de profissão a respeito do qual seja sua real função. Essa forma de ver o professor de EF é transmitida e muitas vezes cobrada pelos vários envolvidos com o processo educativo (os próprios professores, direção da escola, alunos, funcionários, pais, etc.), causando assim, um grande conflito entre as partes.

    Outro importante aspecto a se observar nessas respostas é o fato de que dois dos elementos que compõem os conteúdos da Cultura Corporal (lutas e dança) e que deveriam constar das aulas de EF, quase não são relacionados pelos professores. Mais uma vez depara-se com a falta de informação do professorado das escolas públicas sobre a disciplina EF, porém o que chama a atenção é a idéia de que isso ocorre, em parte, por conta de que nunca tais professores estudaram (quando alunos) ou viram (já quando professores) esses dois elementos serem trabalhados nas aulas de EF. Isso remete a repensar a prática do professor de EF.


Gráfico 1: Participação da EF no projeto pedagógico das escolas estaduais.

    A respeito da situação da (falta de) atuação do professor de EF nos projetos escolares, e buscando aporte em DE SOUZA VARGAS (1990, p.59):

    ... na escola, o professor de Educação Física, geralmente, é aquele elemento simpático, alegre, liberto de tensões. Um elemento que não cria problemas para a instituição. E isso não deve causar surpresa nem espanto: como criar problemas se ele não participa de maneira ativa da rotina escolar? Ele é um turista, um visitante, um E.T. Na discussão de conteúdos das disciplinas e das metas a serem traçadas para o período letivo, ele não é convidado a participar. No conselho de classe, ele é o elemento que pode passar despercebido, que pode entrar mudo e sair calado e, quando opina, é sobre os problemas de disciplina comportamental dos alunos, e nada mais.

    Nesse sentido justiça-se sua importância apenas em momentos "lúdicos", como aponta o quadro abaixo:

Gráfico 2: Quando os professores de outras áreas vêem importância no trabalho do prof. de EF.

    O quadro 2 deixa claro o olhar dos professores de escolas estaduais sobre o profissional de EF nessas instituições. Custa-se crer que se pode passar anos estudando e preparando-se da melhor forma possível para, quando profissionais (atuando), deparar-se com uma situação como essa. É difícil aceitar que colegas de profissão creditem maior importância ao trabalho do professor de EF quando esses estão organizando eventos e não quando estão dando aulas ou pensando (discutindo, construindo) na prática pedagógica. Porque será que isso acontece? Será que o professor de EF é co-autor dessa construção?


Pesquisa com diretores (vice-diretores) e administradores

    Atenta-se para o fato de que, por exercerem uma posição de poder dentro das instituições escolares, os conhecimentos desses exercem fundamental influência no desenvolvimento da disciplina em questão. Ou seja, dependendo da idéia que os diretores tenham da disciplina, pode-se supor e argumentar sobre as atitudes correspondentes dos demais membros que compõem o espaço escolar.

    De uma forma geral, os diretores apresentam maior entendimento sobre a disciplina EF e de suas respostas, destacam-se duas questões. São elas:

Tabela 2: Como a EF é vista dentro da escola, segundo os diretores.

    Chama-se a atenção para as duas primeiras alternativas da questão da tabela 2. Mesmo que apenas dois dos cinco diretores pensem dessa forma, acredita-se que já é o suficiente para reforçar ou ratificar o papel de pouca importância que a EF vem assumindo e se deixando relegar dentro das escolas públicas estaduais. Sabe-se que a forma de lidar ou representar o em torno é oriunda da maneira pela qual as pessoas se relacionam, influenciando e se deixando influenciar pelo chega de fora. Portanto, essas representações, fruto das experiências vividas por essas pessoas acabam tendo uma repercussão muito grande, podendo corroborar para que cada vez mais pessoas vejam a EF por esse prisma.

Tabela 3: Quais os conteúdos da EF, segundo os diretores das escolas.

    Quase todos os diretores entendem quais são os cinco elementos que compõem os conteúdos da EF (esporte, jogos, dança, lutas e ginástica). Contudo, há exceção nos seguintes itens: lutas (dois diretores não entendem como parte dos conteúdos) e dança (um também não a percebe assim). Interessante atentar para o fato de que as alternativas: recreação, campeonato, brincadeiras, lazer, higiene pessoal, organização de festas, aparecem de forma surpreendentemente bastante assinaladas, o que indica a mesma falta de informação que os professores têm sobre a questão.


Pesquisa com alunos do Ensino Fundamental II

    Elaborou-se cinco questões dissertativas para que os alunos pudessem escrever o que conhecem e pensam sobre a disciplina.

    Perguntou-se o que entendiam ser EF, quais os seus conteúdos, o que estudaram até hoje em EF, o que eles mais gostavam de fazer nas aulas de EF e se gostavam da disciplina.

    De uma forma geral, pode-se dizer que a vivência, expectativa e entendimento deles a respeito da disciplina Educação Física, se restringe ao conteúdo ESPORTE. Raras foram as respostas que fugiram dessa prática.

    Concorda-se com PICCOLO (1995, p. 19) quando afirma que:

    ...as aulas de Educação Física nas escolas estruturam-se na prática esportiva com características de: um esporte competitivo, determinado pela obediência fiel às leis que o regulamenta; um esporte competitivo onde há ausência de cooperação e prevalência de individualismo; um esporte que visa a vitória, permitindo a exploração e até incentivando a idéia de tirar vantagem do mais fraco.


Pesquisa com professores de EF

    A tabela abaixo mostra o que os próprios professores de EF pensam a respeito de sua área de atuação. Veja-se:


Tabela 4: Relação dos conteúdos da EF segundo os professores dessa mesma disciplina.

    O que acaba surpreendendo (ou seria melhor dizer decepcionando?) nessa tabela é o fato de que elementos como campeonato, brincadeiras, lazer e recreação serem citados como conteúdos da EF. Isso vem responder aquelas indagações feitas ao se analisar o posicionamento de professores de outras áreas em relação à EF. Ou seja, os professores de EF são co-autores para essa compreensão com relação a sua área de atuação.


Tabela 5: O que os professores de EF do Estado mais trabalham em suas aulas.

    Observa-se, a priori, que o esporte continua como "carro chefe" da prática educativa dos professores de EF no Estado e que uma questão muito difícil ou mal entendida por professores de EF é a idéia de se trabalhar com lutas que não foi indicada uma só vez no questionário acima e dança, citada apenas 2 vezes.


Gráfico 3: Quando professores de outras áreas e direção se interessam pela EF.

    Nota-se nesses dados uma convergência com a idéia levantada pelos professores de outras disciplinas. Quando perguntado sobre o momento de maior importância do trabalho dos professores de EF, 48% deles assinalou: "durante a realização de campeonatos". Aqui se vê que 6% dos professores de EF também percebem que recebem maior notoriedade durante a realização de campeonatos esportivos.


Considerações finais

    Com relação aos dados obtidos, pode-se observar que é possível observar a desvalorização da disciplina e do professor de EF nas escolas públicas estaduais e que diversos são os motivos. Dentre eles destacam-se:

  • O desconhecimento dos outros profissionais acerca da disciplina;

  • O comodismo do professor de EF, que não se mobiliza para reverter esse quadro;- A relação estabelecida pelas partes entrevistadas entre os esportes e a EF. Muitos os confundem;

  • Falta de incentivo do governo em promover cursos de qualidade aos professores;

  • A cultura que se criou a respeito da EF como aula de esportes ou de "fazer o que quiser";

  • A falta de participação do professor de EF nos projetos pedagógicos das E.E.;

  • A defasagem de formação dos profissionais, a falta de freqüência de cursos de aperfeiçoamento/atualização;

  • A falta de uma consciência crítica sobre a situação da disciplina e do profissional de EF e ações que intervenham a seu favor;

  • Porém, é necessário enfatizar que muito se tem construído positivamente para superar esse estado de coisas. Nesse sentido assumi-se nessa teorização o estar "olhando para o próprio umbigo" no sentido de conhecer profundamente a realidade para somente então repensá-la, buscando construir meios de superação, o que só é possível através de um olhar que venha de dentro para fora.

    Nessa direção de raciocínio está Castellani Filho (2002, p.81) quando afirma:

    ...não podemos ter vergonha de continuar acreditando na imperiosa necessidade de teorizarmos nossa prática, de a refletiremos exaustivamente em nosso cotidiano, em buscarmos reconstruir nossa confiança e esperança de que somos capazes de intervir nesta realidade em que nos inserimos, de maneira a construirmos, dia a dia, os pilares de uma Educação Física comprometida com o quadro da cultura corporal qualitativamente novo, constitutivo da cultura do homem e da mulher brasileiros e comprometidos com a estruturação de uma sociedade socialista.

    Esse autor também traz um importante ponto a ser refletido pelos professores de RF. A questão da autoconfiança. É preciso acreditar em suas próprias potencialidades. Todavia esse é um processo que irá exigir desses profissionais um olhar-se, especular-se, num esforço muito árduo de auto-conheciemnto. Não é possível mudar o que está fora sem antes mudar a si mesmo. Se há uma desvalorização desses profissionais é possível afirmar que esses ainda não se conhecem enquanto pessoas capazes de lidar com suas limitações e alcançar o cume de suas potencialidades.

    Contudo mudar não é algo que se faça sem dor, sem sofrimento. Deixar para trás velhos hábitos, concepções, a segurança da 'mesmice' e jogar-se na aventura de, segundo Silva Jr (1986, p. 32) "convencer-se da necessidade de realizar a humanidade de cada um pela construção da humanidade de todos" exige empenho e tomada de consciência de seu papel enquanto ser real, comprometido primeiramente com sua própria existência.


Referência bibliográfica

  • BETTI, M. "Cultura corporal e cultura esportiva", Revista Paulista de Educação Física, 7(2), 44 - 51, 1993.

  • CASTELLANI FILHO, Lino "Política educacional e educação física", Campinas, SP, Autores associados, 2002 - (coleção polêmicas do nosso tempo)

  • ____________________ "Pelos meandros da Educação Física", 1994.

  • ____________________, "Educação física no Brasil: a história que não se conta", 4ª edição, Campinas, SP, Papirus, 1994.

  • COLETIVO DE AUTORES "Metodologia do ensino de educação física", São Paulo, Cortez, 1992.

  • DAOLIO, Jocimar, "Da cultura do corpo", Campinas, SP, Papirus, 1995.

  • DE SOUZA VARGAS, Ângelo L. "A educação física e o corpo, a busca da identidade", Sprint, Rio de Janeiro, 1990.

  • FREIRE, Paulo. "Pedagogia da autonomia, saberes necessários à prática educativa".

  • PICCOLO, Vilma L. N. "Educação Física Escolar: ser...ou não ter?, Campinas, SP, Editora da Unicamp, 1995.

  • SILVA JR,C. A Escola Pública como Local de trabalho. São Paulo ,S), Cortez, 1986.

Outro artigos em Portugués

  www.efdeportes.com/
http://www.efdeportes.com/ · FreeFind
   

revista digital · Año 10 · N° 77 | Buenos Aires, Octubre 2004  
© 1997-2004 Derechos reservados