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O trabalho participativo entre o Professor de
Educação Física e Professor Alfabetizador no processo da
leitura e escrita de alunos portadores de deficiência mental

   
*Docente da Universidade Estadual do Centro-Oeste
UNICENTRO/Campus Irati-Pr
Doutorando do Programa de Pós-graduação da
Faculdade de Educação Física da Universidade Estadual de Campinas
UNICAMP
Bolsista do Cnp'q
**Docente da Faculdade de Educação Física da
Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP
 
 
Prof. Ms. Nilton Munhoz Gomes*
Prof. Dr. Edison Duarte**

gomesnilton@dilk.com.br
(Brasil)
 

 

 

 

 
Resumo
    Entre os inúmeros objetivos que a escola busca alcançar com o aluno portador de deficiência mental, a alfabetização é uma das principais metas para àqueles que tem potencial para a leitura e/ou escrita. Diante disto, o presente estudo buscou mostrar a importância do trabalho participativo entre o professor de Educação Física e o Professor Alfabetizador no processo de alfabetização do portador de deficiência mental bem como, destacar a importância da utilização de atividades recreativas nas aulas de Educação Física neste processo. O estudo se caracterizou pelo caráter experimental. Foram participantes deste estudo 13 alunos portadores de deficiência mental de uma escola especial na cidade de Londrina/Pr, com idades variando de 11 anos e 2 meses e 13 anos e 8 meses, de ambos os sexos, divididos em dois grupos. Os dados foram coletados nas aulas de Educação Física e cada grupo recebeu 21 sessões de intervenção. Os resultados mostraram que a Educação Física colabora significativamente neste processo e que esta (Educação Física) deve repensar sua prática nas escolas especiais para portadores de deficiência mental.
    Unitermos: Alfabetização. Educação física. Deficiência mental.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 10 - N° 74 - Julio de 2004

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Introdução

    Ao analisar os diferentes trabalhos que o portador de deficiência mental recebe na escola especial, observa-se que cada área tem ações diferentes, porém voltadas a um mesmo sujeito, o aluno. Entre os inúmeros objetivos que esta escola busca alcançar com este aluno, a alfabetização deve ser uma das principais metas para àqueles que tem potencial para a leitura e/ou escrita. O trabalho interdisciplinar torna-se elemento indispensável para o sucesso deste aprendizado. Como membro desta equipe interdisciplinar, cabe a Educação Física buscar meios e estratégias para colaborar diretamente neste processo.

    Tendo como ponto positivo à boa aceitação das aulas de Educação Física pelos alunos portadores de deficiência mental, vê-se que este espaço pode ser utilizado para estimular o aluno a alfabetizar-se, deixando claro que, com este envolvimento, a Educação Física não esqueceria seus objetivos pertinentes à área, mas de alguma maneira, estaria colaborando, não ficando assim alheia a esta preocupação.

    Uma das alternativas de trabalho na busca da alfabetização do portador de deficiência mental nas aulas de Educação Física seria um trabalho participativo entre o professor de Educação Física e o professor Alfabetizador, cabendo ao professor (de Educação Física) criar um ambiente favorável a esta aprendizagem, utilizando-se de atividades recreativas e inserindo em algum momento destas atividades, a leitura e/ou a escrita, buscando tornar este momento agradável e estimulante aos alunos. A Educação Física, quando utilizada, como um meio auxiliador direto no processo de alfabetização, possui limitações, porém este trabalho participativo entre os professores o torna totalmente possível.

    Vale ressaltar que por meio de atividades psicomotoras, a relação Educação Física/Alfabetização ocorre indiretamente, mesmo não havendo uma ligação direta entre o professor de Educação Física e o professor Alfabetizador. O que ocorre é que o professor de Educação Física trabalha objetivos específicos da área e estes estão diretamente relacionados com o trabalho desenvolvido pelo professor Alfabetizador em sala de aula, ou seja, ambos trabalham movimentos e conceitos necessários na aprendizagem da leitura e escrita, porém cada um buscando alcançar seus objetivos.

    Petry (1997) comenta esta relação destacando os objetivos da Educação Física e como estes auxiliam no processo de alfabetização. Segundo a autora, os exercícios de coordenação global têm a finalidade de colocar a criança diante de uma tarefa na qual ela mesma busca a resposta ao desafio cinético proposto, permitindo também a descoberta de uma práxis que pode ser definida como um sistema de movimentos coordenados em função de um objetivo a ser atingido (ex. escrever). Os exercícios de coordenação óculo-manual - ligação entre um campo visual e a motricidade fina das mãos e dedos - são de grande importância dentro de qualquer trabalho de Educação Física, uma vez que exigem as mesmas habilidades requeridas na aprendizagem da escrita. Nos exercícios de lançar e apanhar uma bola ou um arco no espaço, entram as mesmas operações que consistem em traçar uma linha de um ponto ao outro.

    No início da escolaridade, as possibilidades de orientação da criança tão importantes para a leitura, dependem de uma evolução do esquema corporal, o qual se trabalha na Educação Física. Muitas das dificuldades de leitura apresentadas pelos alunos no início do processo da alfabetização podem ser traduzidas na confusão de letras simétricas, pela inversão do sentido direita-esquerda, por exemplo: b, p, q, por inversão do sentido em cima - embaixo d, p, n, u e por inversão na ordem das letras oar, ora, aro. Esses conceitos são trabalhados na Educação Física.

    As crianças que têm um distúrbio do esquema corporal, na medida que não controlam uma ou outra região de seu corpo, apresentarão dificuldades de coordenação ou de dissociação de gestos sendo lentas ao organizar sua ação, sinal da falta de disponibilidade motora. Conseqüentemente, apresentarão dificuldades de aprendizagem de leitura e escrita.

    A compreensão de conceitos como: perto, longe, dentro, fora, mais perto, bem longe, frente, atrás, embaixo, alto, mais alto, entre outros, trabalhados nas aulas de Educação Física como "conceitos básicos" será facilitada com um série de ações no espaço, com o corpo em movimento. A partir da orientação do seu corpo a criança projeta no espaço as noções descritas.

    Tais exemplos ilustram claramente a relação existente entre a Educação Física e Alfabetização, mostrando que os professores de Educação Física em sua essência fazem um trabalho auxiliador, pois trabalhar coordenação motora geral, coordenação viso-motora, coordenação motora fina, conceitos básicos, esquema corporal entre outros, são elementos básicos da prática da Educação Física em suas diferentes abordagens.

    A proposta deste trabalho busca um envolvimento mais direto da Educação Física com a aprendizagem da leitura e da escrita. Acredita-se que a escolha correta de um estilo de ensino, a utilização de atividades recreativas no decorrer das aulas e este trabalho (participativo) entre o professor de Educação Física e o professor Alfabetizador beneficiarão o aluno portador de deficiência mental nessa aprendizagem, considerando toda a dificuldade que ele apresenta nessa área.

    Conforme destacado no parágrafo anterior, a utilização de atividades recreativas nas aulas de Educação Física merece atenção nesta proposta, considerando os inúmeros benefícios pedagógicos que o jogo, a brincadeira e o brinquedo proporcionam para os alunos. O ambiente lúdico nas aulas faz com que os alunos superem inúmeros obstáculos provenientes da deficiência.

    Os Parâmetros Curriculares Nacionais (Brasil, 1997) destacam que as situações lúdicas, competitivas ou não, são contextos favoráveis de aprendizagem, pois permitem o exercício de uma ampla gama de movimentos que solicitam a atenção do aluno na tentativa de executá-los de forma satisfatória e adequada. Elas incluem, simultaneamente, não só a possibilidade de repetição para a manutenção e para o prazer funcional como também a oportunidade de ter diferentes problemas a resolver. Além disso, pelo fato de o jogo constituir um momento de interação bastante significativo, as questões de sociabilidade constituem motivação suficiente para que o interesse pela atividade seja mantido.

    Negrine (1995) afirma que o jogo contém todas as tendências evolutivas de forma condensada, sendo em si mesmo, uma formidável fonte de desenvolvimento, que permite à criança, muitas vezes, estar acima de sua idade média, isto é, acima de sua conduta diária. De imediato, percebe-se o quanto o jogo auxilia no desenvolvimento da criança. Se ele favorece este "avanço" na conduta diária, acredita-se que também possa contribuir muito com o desenvolvimento do portador de deficiência mental, considerando que ele pode apresentar atrasos nas diferentes áreas motora, afetivo-social e principalmente cognitiva.

    Portanto, o uso de atividades recreativas poderá aproximar ou até, em alguns casos, igualar a diferença no desenvolvimento.

    Tal aproximação se justifica, porque através do jogo, o aluno terá a experiência de explorar, criar, descobrir, inventar e divertir-se livremente nas atividades propostas, aceitando desafios e buscando soluções para os problemas que aparecerão.

    Em seus estudos, Negrine (1995) constatou que, muitas vezes, quando as crianças normais estavam em atividades lúdicas individuais não conseguiam realizar algumas tarefas, porém, quando auxiliadas pelos companheiros ou pelos adultos, na tentativa da resolução do problema encontrado, elas conseguiam. Com o passar do tempo, estas mesmas crianças que apresentaram dificuldades em algumas tarefas estavam realizando-as por si mesmas. Este resultado indica que houve desenvolvimento e aprendizagem.

    Já que após a ajuda ou auxílio dos companheiros e do adulto houve aprendizagem, este mesmo processo pode ser transferido para a prática da Educação Física para o portador de deficiência mental. A intervenção poderá se realizar da mesma maneira, ou pelos companheiros ou pelo professor, visto que o jogo também estimula a interação social. O aluno poderá apresentar certas dificuldades na realização das atividades propostas devido às suas deficiências, sejam elas motoras ou que envolvam leitura e/ou escrita, podendo como já citado, os alunos ou o professor auxiliarem na resolução do problema encontrado. Outro fator é a heterogeneidade entre os alunos com relação ao estágio de desenvolvimento na área motora e acadêmica, o que certamente, durante as trocas de informações, favorecerá o processo de ensino-aprendizagem.

    As atividades recreativas oferecem sem dúvida, um processo excepcional para fazer as crianças tomarem parte ativamente no processo do ensino, como participantes, em vez de meros espectadores. Também permitem uma flexibilidade de conduta que, desta forma, conduz a um comportamento exploratório, contribuindo para solução de problemas e também para aprendizagem das convenções e habilidades sociais.

    Esta flexibilidade de conduta pode ser percebida claramente na situação de jogo, de brincadeira, com brinquedo, enfim, no lúdico. Através de suas ações, as crianças podem ir além do simples fato de brincar ou jogar sem um fim específico, podendo torná-las, por intermédio da Educação Física, um meio auxiliador no processo de leitura e escrita.

    Ide (1996) afirma que a criança, quando colocada em situação de jogo, fica mais motivada a usar a inteligência, pois quer "jogar bem" e, assim, esforça-se para superar obstáculos, tanto cognitivos quanto emocionais. Estando mais motivada durante o jogo, fica também mais ativa mentalmente.

    A idéia é de que com o portador de deficiência mental o processo se repita, ou seja, quando colocado em situação de jogo, o aluno sinta-se motivado a usar sua inteligência, querendo jogar bem, esforçando-se para superar suas limitações tanto emocionais quanto cognitivas. Por ser prazeroso e estimulante o jogo poderá possibilitar o aprendizado de acordo com seu ritmo e suas capacidades. Ide (1996) confirma esta possibilidade, afirmando que há um aprendizado significativo associado à satisfação e ao êxito, sendo este a origem da auto-estima Quando a auto-estima aumenta a ansiedade diminui, permitindo à criança participar das atividades de aprendizagem com maior motivação.

    A Educação Física mostra-se como área apropriada para tal propósito, uma vez que o jogo, paralelamente à ginástica, à dança e ao esporte, constituem os elementos que a constroem enquanto especificidade acadêmica e pedagógica. Portanto, o jogo, cujo componente mais expressivo e direto é o lúdico, deveria receber uma preocupação maior dos profissionais da área. Santos (1998) destaca que:

"as atividades lúdicas podem contribuir significativamente para o processo de construção do conhecimento da criança. Vários estudos a esse respeito vêm provar que o jogo é uma fonte de prazer e descoberta para a criança. Nesta perspectiva o jogo e as atividades lúdicas tem muito a contribuir com as atividades didático-pedagógicas durante o desenvolvimento de qualquer aula." (p. 49).

    Em uma experiência interdisciplinar com crianças vistas como "difíceis" da 4ª série do Ensino Fundamental do Ensino Regular (os repetentes), Santos (1998) percebeu que os alunos que estavam totalmente desanimados com o estudo, apresentando alguns problemas de comportamento como a aceitação dos conteúdos. Foi em uma aula de Educação Física, quando discutiam sobre algumas atividades cotidianas que exigiam do corpo muita elasticidade e consciência corporal, que um aluno lembrou que os artistas do circo seriam pessoas que deveriam ter muita flexibilidade, força, equilíbrio, enfim, ter consciência e saberem fazer uso e controle de seus movimentos.

    A partir desta fala com o título "o saber que vem do circo" iniciava-se com estes alunos um trabalho interdisciplinar, fazendo com que cada professor, em suas respectivas áreas, trabalhasse e estimulasse os alunos. No final do trabalho, após quatro meses, os alunos montaram um circo na escola e apresentaram um espetáculo com tudo organizado e criado por eles mesmos. O resultado segundo relato do próprio autor foi de total interesse e aceitação dos alunos:

"esta experiência de ensino foi desenvolvida por nós, professores de Educação Física, Matemática, Português, Ciências e Estudos Sociais, exemplificando um trabalho interdisciplinar que pode e deve acontecer de uma forma contextualizada, criativa e lúdica." (Santos, 1998, p. 17)

    Observações empíricas sobre as aulas de Educação Física têm indicado que elas são muito bem aceitas pela maioria dos portadores de deficiência mental , talvez porque neste momento os alunos não sejam cobrados ou questionados diretamente sobre a parte que tanto apresentam dificuldade, a acadêmica. Portanto, se o professor de Educação Física souber aproveitar este momento tão bem aceito pelos alunos com deficiência mental, poderá fazer não só um momento de aprendizagem e/ou aperfeiçoamento motor com questionamentos voltados somente para a ação motora mas também um momento de reforço ou quem sabe até, de aprendizagem voltada à alfabetização.

    O professor de Educação de Física pode inserir em sua aula alguns momentos voltados para uma área além da sua, a da leitura e da escrita, mas isso deve ocorrer de maneira discreta, de forma que não descaracterize os objetivos específicos de sua prática, pois com o exagero corre-se o risco de tornar a aula desestimulante para os alunos.

    Diante disto, o presente artigo tem como objetivos mostrar a importância do trabalho participativo entre o professor de Educação Física e o Professor Alfabetizador no processo de alfabetização do portador de deficiência mental bem como, destacar a importância da utilização de atividades recreativas nas aulas de Educação Física neste processo.


Metodologia

Caracterização do estudo

    O estudo se caracterizou pela caráter experimental, uma vez que buscou manipular tratamentos que levaram à uma ocorrência de determinados efeitos.


Participantes

    Foram participantes deste estudo 13 alunos portadores de deficiência mental de uma escola especial na cidade de Londrina/Pr, com idades variando de 11 anos e 2 meses e 13 anos e 8 meses, de ambos os sexos.


Estratégia para coleta de dados

    Foram selecionados dois 2 grupos (turmas) já formados pela escola especial no início do período letivo que estavam freqüentando o setor escolar com trabalho voltado para a alfabetização.

    No início do estudo foi realizado uma avaliação individual com todos os alunos utilizando a "Prova das 4 palavras e uma frase" (GEMPA, 1986) por uma psicóloga com o intuito de verificar o nível de alfabetização em que se encontravam os alunos, ficando esta como avaliação inicial. A cada bimestre todos os alunos dos dois grupos foram reavaliados pela mesma psicóloga com o mesmo instrumento.

    A coleta de dados se deu em dois momentos: no primeiro semestre o grupo 1 passou pela programa de intervenção nas aulas de Educação Física e no 2º semestre o grupo 2. No período de intervenção o professor de Educação Física solicitou a professora Alfabetizadora da turma o programa a ser desenvolvido em sala de aula, em atividades de leitura e/ou escrita, no período dos próximos 15 dias.

    Com base no programa entregue pelo professor Alfabetizador, o professor de Educação Física elaborou as atividades acadêmicas que foram utilizadas em suas aulas, sempre com enfoque recreativo.

    No decorrer das aulas de Educação Física (período de intervenção), o professor inseria em momentos distintos as atividades elaboradas por ele que envolvia leitura e escrita.

    Os dados foram anotados em Instrumento próprio contendo: data da intervenção; número da sessão; local de intervenção; descrição detalhada das atividades a serem desenvolvidas na aula; observação; participantes (que foram numerados) e, desempenho dos participantes nas atividades que era codificado e pontuado.


Estratégia para análise dos dados

    Os dados foram analisados qualitativamente considerando o resultado apresentado pelos participantes na "Prova das 4 palavras e uma Frase" durante todo o estudo.


Resultados

    Os resultados serão apresentados considerandos os seguintes itens: a) utilização de atividades recreativas durante as sessões de intervenção; b) a preocupação com a permanência dos objetivos específicos da Educação Física; c) a evolução dos participantes durante todo o estudo e, d) o trabalho participativo entre o professor de Educação Física e o professor Alfabetizador.

    Em relação à evolução dos participantes do estudo, após o início das sessões de intervenção, conforme pode ser visto no Quadro 1, acredita-se que a mesma se deu pela utilização de atividades recreativas que despertaram seus interesses e permitiram que os participantes pudessem se desenvolver, pois os jogos e as brincadeiras proporcionaram aos participantes a oportunidade de aprender fazendo, e isto se dá tanto com pessoas normais como com as portadoras de necessidades especiais (Adamuz e Zamberlan, 1998). Ao observar o quadro percebe-se que muitos se encontravam no início do processo de alfabetização, principalmente os participantes do grupo 2. Após o início das sessões de intervenção, alguns participantes obtiveram um avanço muito rápido, avanço este significativo em seus níveis da alfabetização, conforme classificação do Projeto Gempa (1986), destacando-se os participantes 3, 6 e 7 do grupo 1 e 11, 12 e 13 do grupo 2. Com isto, comprova-se que as situações de jogos recreativos, competitivos ou não, são contextos favoráveis de aprendizagem:

"pois permitem o exercício de uma ampla gama de movimentos que solicitam a atenção do aluno na tentativa de executá-lo de forma satisfatória e adequada. Elas incluem, simultaneamente, a possibilidade de repetição para manutenção e por prazer funcional e a oportunidade de ter diferentes problemas a resolver. Além disso, pelo fato de o jogo constituir um momento de interação bastante significativo, as questões de sociabilidade constituem motivação suficiente para que o interesse pela atividade seja mantido". (Brasil, 1997, p.36).

    Segundo Oliveira (1988) "tanto as atividades recreativas podem ser orientadas, quanto às atividades orientadas devem ter caráter recreativo, no sentido de conter ludicidade, espontaneidade e capacidade de proporcionar prazer" (p.14). Freire (1997) também valoriza a utilização de atividades recreativas em todo e qualquer processo de aprendizagem, afirmando que o ser que faz é o mesmo que compreende. A criança que se diverte em liberdade, podendo decidir sobre o uso de seus recursos cognitivos para resolver problemas que surgem no jogo, na brincadeira, sem dúvida alguma, chegará ao pensamento lógico de que necessita para aprender a ler, escrever e contar. Foi acreditando nesta relação "jogo e pensamento lógico" que se adotou o uso de atividades recreativas nas sessões de intervenção, favorecendo esse processo que, como já citado, é difícil para o portador de deficiência mental.

Quadro 1 - Evolução dos grupos 1 e 2 durante o estudo

    Uma outra preocupação da pesquisa foi a de não se deixar perder os objetivos próprios da Educação Física, ou seja, a preocupação com o desenvolvimento motor dos participantes. Quando se fala em atividades recreativas que envolvem os diferentes jogos, as brincadeiras, enfim, as atividades que proporcionam prazer, alegria, descontração, entre muitas outras coisas, convém destacar que estas (atividades recreativas) não foram utilizadas pensando-se somente na parte acadêmica, ao contrário, estes recursos devem fazer parte das aulas de Educação Física, pois segundo Borges (1997):

" a Educação Física visa a criação, que destina-se a promover o desenvolvimento físico, social, emocional e mental, mediante a proposição de atividades lúdicas, que promovem a curiosidade, espontaneidade, estimulando novas descobertas e o estabelecimento de novas relações apartir do que já se conhece" (p. 28)

    Portanto, o ato lúdico, a brincadeira, o jogo favorecem e muito esse desenvolvimento motor, fato ressaltado por Marinho (1993) que diz: brincar é essencial para o bom desenvolvimento psicomotor, os jogos e brincadeiras desempenham papel importante no desenvolvimento psicomotor da criança. Com isso, pode-se afirmar que os objetivos específicos da Educação Física foram alcançados, pois todas as atividades motoras, realizadas nas sessões de intervenção foram criadas em decorrência das necessidades dos participantes, procurando nos circuitos motores, nos jogos e nas brincadeiras estimular, desenvolver, aperfeiçoar o desenvolvimento motor. Em uma das sessões, do grupo 1, por exemplo, por ser um grupo heterogêneo, criou-se um circuito motor que continha: passar por entre dois bancos suecos colocados paralelamente um ao lado do outro e sobre estes, bastões, favorecendo dois dos participantes diretamente, um que continha paralisia cerebral (hemiplegia) e o outro má formação congênita, atividade esta que estimularia e aperfeiçoaria a marcha de ambos. Outra atividade era lançar pelotas (bolas) em distâncias diferentes em um alvo, pensando em outro grupo de participantes que iriam participar de jogos e que estariam na modalidade de "arremesso de pelota" . Outra era equilibrar 3 bolinhas de tênis sobre a ponta de três cones, habilidades essenciais para todo o grupo, pois envolvia coordenação viso-motora, entre outras.

    Ao analisar a evolução dos participantes dentro dos grupos (Quadro 1), observou-se que no grupo 1 os participantes 5 e 7 terminaram o programa de intervenção como alfabéticos 2 e os demais, 1, 2, 3, 4 e 6 como alfabéticos 3, ou seja, todos terminaram o programa de intervenção alfabéticos, destacando os participantes 3 e 6 que iniciaram o programa em níveis mais baixos que os demais. Já no grupo 2, somente o participante 3 terminou como alfabético 1, os demais terminaram como silábicos-alfabéticos 2, um nível abaixo do alfabético. Mas, observando os níveis em que se encontravam antes do programa de intervenção, o grupo 2 foi o que mais evoluiu dentro da classificação , pois seus participantes estavam em estágios iniciais de alfabetização, ao contrário do grupo 1, que apresentava níveis mais elevados dentro da classificação da Prova das 4 palavras e uma frase. Logo, este estudo nos leva a acreditar que a aprendizagem da leitura e da escrita para o portador de deficiência mental, quanto mais inicial estiver o aluno no processo, maiores são suas dificuldades de avançar na classificação.

    O trabalho participativo entre o professor de Educação Física e professor alfabetizador e o estilo adotado nas sessões de intervenção, mostraram-se eficazes tanto para os alunos que estavam inseridos em programas de alfabetização há alguns anos, como para os que tinham acabado de chegar na escola. Ambos se beneficiaram significativamente com eles. Os participantes 3 e 5 do grupo 1 estavam a 3 anos em programas de alfabetização e na avaliação inicial encontravam-se como pré-silábicos e, após o início no programa, em apenas 1 mês e meio evoluíram para alfabético 2, ou seja, em 3 anos sua aprendizagem foi lenta e com o programa de intervenção sua aprendizagem deu um salto. O mesmo aconteceu com a participante 13 do grupo 2, que havia sido transferida do ensino regular e que se encontrava como Pré-silábica, apresentando uma regressão no final do 1º semestre. No início do 2º semestre, quando o grupo 2 começou a receber o programa de intervenção, a participante deu um salto em sua classificação, indo para silábico, ou seja, poderia ter avançado no início do ano, só acontecendo no início do programa de intervenção.

    A proposta da pesquisa foi trabalhar o mesmo conteúdo de sala de aula em alguns espaços nas aulas de Educação Física, o que facilitou e estimulou os alunos no trabalho, pois muitas atividades foram criadas após reuniões entre os professores. Também foi constatado nestas reuniões que pelo fato das atividades auxiliarem diretamente nas dificuldades apresentadas pelos alunos, durante as atividades realizadas tanto em sala de aula como nas aulas de Educação Física, algumas expressões como: "Vou usar isso na Educação Física.", " Ah! Vou mostrar para a professora que agora eu sei escrever.",

    "Agora eu acertei..." eram repetidas quase que freqüentemente pelos alunos, levando-os a perceberem a associação entre as práticas, estimulando-os no interesse e na abertura para a aprendizagem da "leitura e escrita", bem como para a realização das atividades motoras

    Os dados da pesquisa confirmam o que Resende (1995) diz, quando afirma que a Educação Física é um espaço educativo privilegiado para promover as relações interpessoais, a autoestima e a autoconfiança, valorizando-se aquilo que cada indivíduo é capaz de fazer em função de suas possibilidades e limitações pessoais, bem como em função de suas motivações. Acredita-se que se este trabalho tivesse iniciado e permanecido durante todo o ano com os dois grupos, todos terminariam alfabéticos, considerando que receberam 21 sessões de intervenção, o que corresponde e 3 meses aproximadamente.

    Abaixo vemos dois exemplos da "Prova das 4 palavras e uma Frase" do participante 12 do grupo 2, onde fica evidente a melhora em seu processo de alfabetização. A Figura 1 mostra a 3ª Avaliação que o aluno foi submetido antes do início das sessões de intervenção, convêm destacar que quando a aluno realizou esta avaliação, ele já havia estado 6 meses (1º semestre) em sala de aula recebendo o trabalho de alfabetização e tendo aulas de Educação Física convencional, ou seja, sem o trabalho participativo entre os professores e sem a preocupação de trabalhar com leitura e escrita durante as aulas por parte do professor de Educação Física. Na Figura 2 vemos a avaliação após o término da intervenção, ou seja, após 21 encontros (3 meses aproximadamente) com a proposta do trabalho participativo, ficando mais do que evidente seu avanço, pois como nos mostra o Quadro 1, ele está próximo de ser considerado alfabetizado.


Figura 1: 3ª Avaliação da "Prova das 4 palavras e uma frase" do participante 12 - Grupo 2


Figura 2: 5ª Avaliação da "Prova das 4 palavras e uma frase" do participante 12 - Grupo 2


Conclusão

    O estudo comprovou que a Educação Física, quando contextualizada, traz em seu ambiente um espaço privilegiado para a situação de aprendizagem, pois nela o aluno supera seus limites, vence suas barreiras de maneira despercebida, estimulando sua área motora, cognitiva, afetiva, social, mostrando-se como fonte de desenvolvimento integral do aluno. O trabalho participativo entre o professor de Educação Física e o professor Alfabetizador torna-se uma prática não apenas viável como necessária na busca da alfabetização de alunos com deficiência mental, considerando a importância desta aprendizagem para uma futura inserção deste aluno no meio social, no mercado de trabalho, enfim, reconhecendo os inúmeros benefícios que esta aprendizagem lhe trará para sua independência.


Referência bibliográfica

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  • Gempa. (1986). Grupo de Estudos sobre Educação-Metodologia de Pesquisas e Ações. Alfabetização em classes populares - Avaliação Cognitiva. (apostila)

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  • Ide, S. M. (1996).O jogo e o fracasso escolar. IN T. M. Kishimoto, (ORG.). Jogo, brinquedo, brincadeira e educação . cap. 5, (p.88 a 107). São Paulo: Cortez.

  • Negrine, A . . (1995). Concepção de jogo em Vygotsky: uma perspectiva psicopedagógica. IN Revista Movimento. Ano 2, n. 2

  • Oliveira, T. A . de (1988). Cartilha Re-criança: Esportes. Rio de Janeiro: Fundação Nacional do Livro.

  • Petry, R. M. . (1997). Educação Física e Alfabetização. Porto Alegre: Kuarup

  • Resende, H. G. de (1995). Necessidades da Educação Motora na escola. IN De Marco, A . (org.) Pensando a Educação Motora. São Paulo: Papirus

  • Santos, C. A . .(1998). Educação Física e alfabetização. Rio de Janeiro: Sprint.

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