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Hidratos de carbono:
aspectos básicos e aplicados ao exercício físico

   
Membro do Instituto Latinoamericano de Actividad Física Terapéutica (ILAFiT)
Doutorando em Ciências da Motricidade (Biodinâmica da Motricidade Humana)
Universidade Estadual Paulista - UNESP
Rio Claro - SP
 
 
Gustavo Puggina Rogatto
grogatto@hotmail.com
(Brasil)
 

 

 

 

 
Resumo
    Este trabalho apresenta uma revisão sobre aspectos básicos dos hidratos de carbono e suas relações com o exercício físico. Temas como a metabolização dos glicídeos durante o exercício e a suplementação de carboidratos em competições esportivas são discutidos nesta revisão.
    Unitermos: Carboidratos. Fisiologia do exercício. Nutrição. Metabolismo.

 
Abstract
    This paper presents a review on the basic aspects of carbohydrate and its relationships to physical exercise. Carbohydrate metabolization during exercise and supplementation in sports competition are discussed in this review.
    Keywords: Carbohydrates. Exercise physiology. Nutrition. Metabolism.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 8 - N° 56 - Enero de 2003

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Introdução
    Os hidratos de carbono fazem parte de um grupo de macronutrientes que se constitui na mais significativa, senão principal, fonte de energia obtida por meio da alimentação. A presença deste nutriente na dieta do homem é tão marcante que, com exceção das regiões polares, onde a ingestão de carnes e peixes predomina na população esquimó, os hidratos de carbono representam uma grande porcentagem das calorias presentes na maioria dos hábitos alimentares. Desta forma, o entendimento da origem, importância, digestão, absorção e outros torna-se extremamente necessário.


Conceito de hidrato de carbono
     Os hidratos de carbono, também conhecidos como carboidratos ou glicídios, são moléculas formadas por carbono e água. Átomos de carbono, hidrogênio e oxigênio combinam-se para formar os componentes deste grupo de nutrientes. Devido à proporção mantida entre os elementos hidrogênio e oxigênio, semelhantes à da água (H2O), os carboidratos são representados de uma maneira geral como CnH2nOn, onde "n" representa a quantidade proporcional destes elementos (por exemplo: C6H12O6). A maior parte dos hidratos de carbono é de origem vegetal e tem função principalmente energética. Contudo, alguns autores reportam funções estruturais, como participação na estrutura dos cromossomos e genes.


Classificação
     Os hidratos de carbono podem ser classificados em três diferentes tipos, de acordo com o nível de complexidade das moléculas que os representam. Desta forma, os carboidratos são diferenciados pelo número de açúcares simples em combinação dentro da molécula. Os carboidratos são subdivididos em: 1) monossacarídeos (com um açúcar por molécula), 2) dissacarídeos (com dois açúcares por molécula) e 3) polissacarídeos (com inúmeros açúcares por molécula). Curiosamente, ao contrário dos carboidratos simples (mono e dissacarídeos), os carboidratos complexos (polissacarídeos) não possuem sabor doce.

    Segundo McARDLE, KATCH & KATCH (1992), foram encontrados mais de 200 monossacarídeos na natureza. A glicose, a frutose e a galactose são os mais comuns e representativos monossacarídeos existentes na dieta. As hexoses (elementos que contém seis carbonos) glicose e frutose têm sido apontadas por alguns autores como os únicos monossacarídeos de importância dietética. A galactose não tem sido considerada um monossacarídeo de grande importância, já que ao contrário das duas hexoses anteriores, não ocorre sob a forma livre na natureza. Outro tipo de monossacarídeo é a pentose, elemento formado por cinco átomos de carbono em sua estrutura molecular. Este grupo de monossacarídeos é representado por ribose, xilose e arabinose.

    Os dissacarídeos ou açúcares duplos são formados pela combinação de duas moléculas de monossacarídeos, e são os principais tipos de oligossacarídeos. Assim como os monossacarídeos, este grupo de carboidratos é classificado como açúcar simples. Os dissacarídeos são representados principalmente pela sacarose, lactose e maltose. Nos três casos a glicose faz parte da estrutura molecular. A sacarose é o dissacarídeo mais comumente encontrado na composição de nossa dieta e contribui com até 25% da quantidade total de calorias ingeridas nos Estados Unidos (McARDLE, KATCH & KATCH, 1992). Como será descrito posteriormente, a sacarose, mediante a digestão, produz uma molécula de glicose e uma de frutose.

sacarose = glicose + frutose

    A lactose é o dissacarídeo menos doce, e que quando hidrolisada resulta em dois monossacarídeos, glicose e galactose.

lactose = glicose + galactose

    A maltose é formada no organismo humano durante a digestão do amido como um produto intermediário. Sua contribuição para o conteúdo glicídico da dieta de pessoas comuns é bastante reduzida. O produto final da digestão da maltose é a glicose.

maltose = glicose + glicose

    A formação dos polissacarídeos se dá pela combinação de um grande número de unidades de açúcares (três ou mais açúcares simples). Os polissacarídeos podem ser classificados de duas maneiras, dependendo da sua característica de digestão ou da sua origem (animal ou vegetal).

    No que diz respeito à primeira classificação podemos citar um grupo de polissacarídeos denominado indigeríveis. Fazem parte deste grupo a celulose, a hemicelulose e a pectina. A celulose e a maioria dos outros materiais fibrosos são, em geral, resistentes às enzimas digestivas humanas, daí sua característica de polissacarídeo indigerível. Embora não seja considerado um nutriente, a fibra dietética tem sido foco de discussões, já que alguns estudos associam altos níveis de ingestão de fibras com uma menor ocorrência de doenças como obesidade, diabetes, distúrbios intestinais e doenças cardiovasculares. As fibras "absorvem" muita água e desta forma contribuem com o aumento do volume dos resíduos alimentares no intestino delgado, aumentando o volume das fezes em 40 a 100%. Este aumento do volume fecal contribui com o funcionamento gastrintestinal e exerce uma ação de "raspagem" sobre a parede intestinal, fixando e diluindo as substâncias químicas prejudiciais ou inibindo sua atividade. Tal fato é de suma importância nos dias de hoje, tendo em vista que nossa dieta cotidiana é rica em gorduras e pobre em fibras alimentares. Um segundo subtipo de polissacarídeo é denominado parcialmente digerível. Constituem este grupo a inulina, a galactose, as manoses, a rafinose e as pentoses. Neste grupo de polissacarídeos a digestão é incompleta, podendo ocorrer separação mais profunda pela ação das bactérias do intestino grosso. O terceiro e último subtipo de polissacarídeo, classificado pelas características de digestão, são os pertencentes à classe dos digeríveis. Fazem parte deste grupo o amido, a dextrina e o glicogênio. O amido constitui-se na principal forma de armazenamento de carboidratos no vegetal. Dois tipos de moléculas são encontradas no amido: amilose, que consiste numa cadeia reta e comprida, e a amilopectina, formada por unidades de glicose que se dispõem em cadeias ramificadas. Os amidos não são solúveis em água fria, mas formam pastas quando fervidos. Tal fato se deve ao inchamento dos grânulos de amido decorrente do aumento da temperatura, resultando em uma mistura viscosa. Este processo é denominado gelatinização. As dextrinas são polissacarídeos digeríveis resultantes da degradação parcial do amido. São moléculas grandes, menores que as do amido, formadas tanto pelo processo de preparação dos alimentos, como durante a digestão do amido. A continuação do processo de hidrólise faz com que a dextrina produza maltose e finalmente glicose, que se constitui no produto final da digestão do amido. O glicogênio é o terceiro tipo de polissacarídeo digerível classificado de acordo com o critério de nível de digestão. O glicogênio é um polissacarídeo sintetizado a partir da glicose no processo da glicogênese. Este tipo de substrato é encontrado em organismos animais e constitui-se de grandes moléculas. O glicogênio não representa uma fonte dietética importante de carboidratos. Tal fato se deve à "perda" que ocorre quando os animais são abatidos, o que somado ao ato de preparo do alimento reduz significativamente a quantidade de glicogênio.

    Um segundo tipo de classificação dos polissacarídeos leva em conta a origem do alimento, subdividindo este grupo em polissacarídeos vegetais: amido e celulose; e polissacarídeos animais: glicogênio.


Fontes alimentares
    Os hidratos de carbono fazem parte de um grupo de substratos energéticos encontrado nas mais diferentes fontes alimentares, ocorrendo principalmente em alimentos de origem vegetal. Contudo, uma parcela menor também pode ser encontrada no organismo animal como veremos adiante.

    Vegetais em geral, como raízes, tubérculos, cereais, leguminosas e frutas representam um grupo de alimentos onde a presença de carboidratos é muito significativa.

    A glicose é encontrada na natureza em diferentes fontes alimentares, como frutas, nos vegetais e no mel de abelha. É o carboidrato existente no tecido sangüíneo e promove energia imediata para as células e tecidos corporais. Em indivíduos diabéticos, os níveis deste hidrato de carbono podem apresentar-se elevados em função de deficiências da produção/secreção (diabetes tipo I) e/ou da ação da insulina (diabetes tipo II).

    A frutose ou levulose é encontrada nas frutas e no mel, e caracteriza-se como o mais doce de todos os açúcares.

    A galactose, contrariamente à glicose e à frutose, não ocorre sob a forma livre na natureza, sendo sua principal fonte o leite.

    A sacarose é encontrada principalmente na cana de açúcar e na beterraba. Ocorre também e em frutas e outros vegetais. O açúcar de mesa é constituído de sacarose com elevado grau de pureza (quase 100%).

    A lactose ou açúcar do leite é encontrada somente no leite. Tanto a lactose quanto a galactose podem ser encontradas no sangue e na urina de mulheres em fase de lactação.

    A maltose ou açúcar do malte ocorre na natureza nos grãos em germinação e pode ser preparada pela hidrólise do amido. Por sua vez, o amido, a principal fonte de armazenamento de carboidratos no vegetal, é encontrado em sementes como milho, e nos grãos (arroz, trigo, feijão, ervilhas). Conseqüentemente, os produtos preparados utilizando estes ingredientes (pães, massa, etc) também são ricos em carboidratos. Batatas e raízes são outras fontes de amido amplamente utilizadas na dieta contemporânea humana.

    A forma glicogênio tem como fonte alguns tecidos animais como fígado, músculo estriado esquelético e cardíaco, e em menor parcela o tecido nervoso.

    Por fim, a celulose é um constituinte estrutural das membranas celulares das plantas, e portanto, são encontradas principalmente em frutas secas, cereais de grãos integrais, castanhas, e hortaliças frescas. Raízes e cascas de frutas também são importantes fontes de celulose. O processo de refinação dos alimentos faz com que a ingestão de celulose e outros tipos de fibras seja comprometida.

    Proteínas que contém aminoácidos glicogenéticos e as gorduras, através de glicerol e dos ácidos graxos, também podem produzir hidratos de carbono a partir da neoglicogênese. Este processo, controlado pelos hormônios glicocorticóides, ocorre no tecido hepático.


Digestão e absorção
    O processo de digestão dos hidratos de carbono inicia-se já na boca durante a mastigação, através da saliva. Glândulas salivares, especialmente as parótidas, secretam uma amilase denominada pitialina que tem a propriedade de desdobrar o amido e o glicogênio em maltose e dextrina. Em seguida este produto desloca-se para o estômago. Uma vez no estômago, o bolo alimentar, ainda "envolvido" pela saliva, sofre a ação da pitialina para desdobramento de partes do amido. Contudo, a acidificação do meio estomacal, decorrente da ação do ácido clorídrico integrante do suco gástrico, faz com que o pH caia para aproximadamente 4. Tal acidificação interrompe a hidrólise dos carboidratos por meio da pitialina. Uma enzima elaborada no suco pancreático e derivada de um refluxo intestinal, a maltase provoca a digestão da maltose. Este processo ocorrido no estômago desdobra a maltose em duas moléculas de glicose.

    A partir do momento em que o bolo alimentar chega ao duodeno, este sofre a ação do suco intestinal (mistura de suco pancreático e do suco entérico, elaborado pelas células do intestino de delgado). O amido ainda não desdobrado pela digestão bucal e gástrica sofre então a ação de uma amilase de origem pancreática.

    No intestino delgado, três enzimas elaboradas pelo suco entérico, a maltase, a sacarase e a lactase, dão continuidade à digestão dos carboidratos. A maltase desdobra a maltose em duas moléculas de glicose. A sacarase "divide" a sacarose em uma molécula de glicose e outra de frutose. Por fim, a lactase transforma a lactose em uma molécula de glicose e outra de galactose. Os monossacarídeos glicose, levulose e galactose já passam a ser encontrados no intestino delgado.

    Alguns polissacarídeos não digeríveis como a celulose, a hemicelulose e a pectina são resistentes às enzimas digestivas humanas e são parcialmente digeridas no intestino grosso pela ação de enzimas elaboradas por bactérias da flora intestinal. O material restante não digerido resulta em fibras do bolo fecal, e como dito anteriormente, promovem os movimentos intestinais.

    Outro processo de grande importância para a nutrição do organismo é a absorção dos nutrientes ingeridos e digeridos previamente.

    A absorção dos hidratos de carbono ocorre quando estes encontram-se na forma monossacarídia (glicose, frutose e galactose). A absorção intestinal se dá nas paredes do jejuno e do duodeno, através das células mucosas intestinais (enterócitos), as quais sofrem modificações morfológicas durante o processo de absorção.

    Entretanto, previamente a absorção dos monossacarídeos pelas células intestinais, ocorre o processo de fosforilação. Tal processo ocorre dentro das células da mucosa intestinal pela ação enzimática da hexokinase.

    A absorção dos monossacarídeos pode acontecer por difusão ou em virtude da atividade metabólica. Os monossacarídeos penetram nas células acopladas a moléculas específicas que os transportam através das membranas. Este processo assegura o transporte dos monossacarídeos de uma região de maior concentração para outra de menor concentração até que seja alcançado o equilíbrio. O sódio tem uma função fundamental no mecanismo de absorção, uma vez que também está preso ao transportador supracitado. Desta forma, os hormônios do córtex supra-renal têm grande influência sobre este processo. A tireóide também desempenha importante papel na absorção da glicose, já que é responsável pela secreção de tireotrofina (ativador metabólico).

    Após o processo absortivo, grande parte da glicose é lançada na circulação através dos capilares do intestino, atingindo órgãos como fígado, músculos esqueléticos e lisos, coração e tecido nervoso, onde é armazenado sob a forma de glicogênio. O restante é utilizado imediatamente no metabolismo de alguns tecidos.


Metabolização
    Posteriormente à absorção e o armazenamento, a glicose poderá ser utilizada como fonte de energia pelas células através da conversão à piruvato e subseqüente oxidação no ciclo de Krebs. Este processo resulta na formação de ATP (adenosina trifosfato) que é a forma primária de energia utilizada pelo homem.

    Outro processo, denominado gliconeogênese, é responsável pela formação de glicose através de aminoácidos, gordura, ácido láctico e piruvato. A gliconeogênese, também conhecida como neoglicogênese, se dá no fígado e em menor nível no rim.


Fígado
    O processo de formação de glicogênio pelo fígado, ou a glicogênese hepática, resulta em um gasto de energia (ATP) normalmente proveniente da oxidação dos ácidos graxos livres (AGL). Já durante a geração de glicose pela quebra de glicogênio no fígado (glicogenólise hepática) ocorre o contrário, ou seja, o resultado é a geração de ATP. O lactato e piruvato produzidos são convertidos novamente em glicogênio pelo próprio fígado.

    Tanto o lactato quanto o piruvato, resultantes da glicogenólise hepática, podem ainda ser oxidados, gerando CO2 e H2O no ciclo do ácido tricarboxílico. Este processo também é responsável pela formação de ATP.


Tecido extra-hepático
    Como dito anteriormente, outros tecidos além do fígado, como os músculos estriado e liso, o coração e o tecido nervoso, podem armazenar glicogênio. Contudo, o tecido muscular esquelético tem grande destaque para a área de fisiologia do exercício, já que está mais relacionado com a realização do trabalho muscular. Assim, como o tecido hepático, o músculo também forma glicogênio a partir de ATP. Da mesma forma, a degradação das reservas de glicogênio é parecida com a citada no fígado. Entretanto, o lactato e o piruvato produzido, principalmente pela via anaeróbia, são lançados na circulação para posterior captação e reconversão pelo fígado.

    Estes processos de utilização e armazenamento de substrato glicídico tanto no fígado quanto nos tecidos extra-hepáticos (principalmente nos músculos), têm importância fundamental para a área de educação física, uma vez que a geração de ATP proveniente do metabolismo de carboidratos pode ter um papel imprescindível para o desempenho físico.


Regulação metabólica (fatores hormonais e neurais)
    A regulação do metabolismo dos carboidratos é controlada basicamente por princípios hormonais e neurais. Tais fatores têm como objetivo principal o equilíbrio do conteúdo glicídico do organismo, ou seja, o favorecimento da homeostase glicêmica. Os mecanismos envolvidos nestes processos são baseados em funções que promovem o aumento da glicose sangüínea (hiperglicemia) ou a redução do açúcar circulante (hipoglicemia).

    O primeiro grupo de hormônios responde pela ação hiperglicemiante no organismo, e constitui-se principalmente dos hormônios hipofisários, glicocorticóides, glucagon, hormônios tireoideanos e adreno-medulares. Os hormônios hipofisários são representados pelo hormônio do crescimento (GH), a corticotrofina (ACTH), a luteotrofina e a tireotrofina.

    A ação do GH, primeiramente resulta em uma hipoglicemia leve. Em seguida, esta redução glicêmica gera estímulos para a liberação de glicose pelo fígado. Posteriormente, é formada no soro uma substância inibidora da utilização da glicose, o que resulta em hiperglicemia. O aumento glicêmico gera um aumento da liberação de insulina pelo pâncreas, com subseqüente armazenamento da glicose circulante sob a forma de glicogênio (efeito glicostático) nos tecidos.

    Outros hormônios como o ACTH e a tireotrofina podem favorecer o aumento dos níveis de glicose no sangue pela estimulação dos hormônios do córtex supra-renal, e pelo aumento da taxa metabólica, respectivamente. O ACTH age sobre a porção cortical das glândulas supra-renais, estimulando a síntese e secreção dos hormônios glicocorticóides. Estes hormônios (o cortisol em maior quantidade no organismo humano, e a corticosterona no da maioria dos roedores) exercem efeitos hiperglicemiantes, principalmente pela formação de açúcar a partir de aminoácidos glicogenéticos. Além do efeito neoglicogênico, os hormônios glicocorticóides podem inibir a glicólise nos tecidos periféricos.

    O glucagon, produzido nas células das ilhotas de Langerhans no pâncreas, tem ação catabólica sobre o metabolismo de carboidratos, favorecendo a glicogenólise hepática. Com efeito semelhante, a função dos hormônios tireoidianos é acelerar a atividade metabólica do organismo, promovendo o aumento da glicose circulante.

    Os hormônios da medula supra-renal, adrenalina e noradrenalina, também têm efeitos hiperglicemiantes já que favorecem a ativação da glicogenólise no conteúdo glicídico muscular.

    Contrariamente à ação de todos estes hormônios, a insulina, sintetizada e secretada pelas células b das ilhotas de Langerhans, promove um efeito hipoglicemiante na circulação sangüínea, favorecendo a captação de glicose pelas células de diferentes tecidos, principalmente no músculo. A insulina promove a entrada de glicose nas células musculares pelo acoplamento com receptores de membrana específicos, que posteriormente favorecem a translocação dos transportadores de glicose GLUT4 para a membrana celular.

    Quanto aos fatores neurais, vale destacar a contribuição do nervo vago sobre o metabolismo de carboidratos. Este, que é o principal nervo do sistema parassimpático, tem a função estimuladora de secreções de alguns hormônios, dentre eles a insulina.


Função dos hidratos de carbono
     Como dito anteriormente, os hidratos de carbono têm a função energética como característica primária. Contudo, em alguns casos este macronutriente pode contribuir sobremaneira como artifício funcional estrutural de alguns componentes orgânicos.

    A literatura recente (DÂMASO, 2001) aponta cinco importantes funções dos hidratos de carbono no organismo:

  • Fonte energética: uma das principais funções dos carboidratos é fornecer energia para o desenvolvimento e manutenção das funções celulares, sendo que as reservas de glicogênio promovem um equilíbrio no organismo pela geração de ATP e coenzimas ativas no metabolismo;

  • Ação poupadora de proteínas: um nível adequado de carboidratos na dieta impede que ocorra uma degradação das proteínas para geração de energia, mesmo quando o organismo é exposto a situações que aumentam significativamente a demanda energética. Esta poupança de substrato protéico promove uma maior quantidade de proteína armazenada, o que favorece a "construção" dos tecidos;

  • Efeito anticetogênico: a cetose é uma condição na qual são observadas elevações da produção de corpos cetônicos decorrentes da grande mobilização de gordura. Tal situação resulta em aumento da acidez dos fluidos orgânicos, o que pode ser prejudicial. Isto ocorre quando as quantidades de hidratos de carbono ingeridas são insuficientes e prejudicam o transporte de glicose para dentro das células. Este quadro é freqüentemente observado em casos de administração de dietas restritivas e/ou realização de esforços físicos extenuantes;

  • Constituição de compostos estruturais: a função plástica dos hidratos de carbono é representada pela constituição da ribose e da desoxirribose na estrutura do DNA e RNA. Além destes, as glicoproteínas das membranas plasmáticas, dos anticorpos, de alguns fatores de coagulação sangüínea, entre outros, têm em sua estrutura componentes glicídicos;

  • Combustível para o sistema nervoso central: é de conhecimento geral que o tecido cerebral "alimenta-se" quase que exclusivamente de glicose, o que numa situação de interrupção prolongada glicêmica resulta em danos irreversíveis ao cérebro.


Hidratos de carbono e exercício
    Os hidratos de carbono têm um papel fundamental durante a realização de exercícios físicos, já que podem contribuir sobremaneira com a disponibilidade de energia para o desempenho da atividade muscular.


Metabolização dos carboidratos durante o exercício
    O exercício é uma condição na qual ocorre uma rápida mobilização e redistribuição energética para a execução do trabalho muscular. A realização das funções orgânicas deve-se principalmente à energia química derivada da metabolização dos nutrientes ingeridos na alimentação para a geração de adenosina trifosfato (ATP), utilizado em todas as reações celulares. O ATP é uma fonte de energia imediata. Contudo, as células não armazenam grandes quantidades deste combustível, o que gera a contínua necessidade de sua ressíntese.

    Uma das vias metabólicas de fornecimento de energia utiliza glicose como substrato energético, que ao passar por reações controladas por enzimas específicas libera ATP (BILLETER & HOPPELER, 1992).

    A ativação da glicólise anaeróbia ocorre no transcorrer do exercício físico, podendo utilizar glicogênio muscular nos primeiros minutos. Além disso, contribuem para a manutenção da homeostase orgânica, a glicogenólise hepática e a gliconeogênese, a partir de piruvato, lactato, aminoácidos e gliceróis (PASCOE & GLADDEN, 1996; HARGRAVES, 1997). Além da via anaeróbia, a glicose também pode ser "utilizada" através do sistema aeróbio de fornecimento de ATP pela glicólise, ciclo de Krebs e cadeia transportadora de elétrons.

    Durante a realização aguda de esforço, a degradação de glicogênio muscular ocorre de maneira mais rápida e intensa nos primeiros minutos de exercício, sendo que esta utilização aumenta de forma exponencial com a intensidade deste (Figura 1).


Figura 1. Conteúdo de glicogênio do músculo vasto lateral durante exercício em bicicleta em intensidade equivalente
à 80% do VO2max. (Modificado de MAUGHAN, GLEESON & GREENHAFF, 2000, pág.167).

    Com o passar do tempo, a participação da glicogenólise diminui, em virtude da redução dos estoques de glicogênio. Tal fato deve-se, em parte, à alteração na atividade da enzima glicogênio-fosforilase e/ou aumento da utilização de outros substratos energéticos como os ácidos graxos livres (AGL) e glicose sangüínea.

    O aumento na utilização do glicogênio muscular durante o exercício ocorre devido à ativação das enzimas glicogênio-fosforilase (PHOS) e fosfofrutoquinase (PFK), que são enzimas chaves para a glicogenólise e glicólise, respectivamente (DÂMASO, 2001). Contrariamente a estas funções, a glicogênio sintetase (GS) é uma enzima que catalisa a gliconeogênese. Durante o exercício, a atividade da PHOS é aumentada, enquanto que a da GS é diminuída. Tal desbalanço é o principal responsável pela mobilização de glicogênio muscular.

    O aumento das concentrações de adrenalina circulante durante a realização de exercícios físicos de alta intensidade também pode ser responsável pelo aumento da taxa de glicogenólise.

    Todos estes mecanismos envolvidos com a utilização de substrato glicídico pelo organismo têm como objetivos principais o fornecimento de energia para desempenho do trabalho muscular, e a manutenção do equilíbrio dos níveis de glicose sangüínea (favorecimento da homeostase glicêmica). Resumidamente, a regulação do consumo de glicose pode depender de 3 diferentes fatores:

  • Fatores locais: o transporte de glicose através da membrana celular muscular ocorre por difusão facilitada, exigindo a presença de carreadores ou transportadores específicos. No caso do metabolismo de carboidratos estes transportadores são: GLUT-1 (localizado nos nervos e vasos sangüíneos dentro dos músculos) e GLUT-4 (localizado no músculo esquelético). A realização de atividade física aumenta a translocação do GLUT-4 para a membrana, o que facilita o "transporte" de glicose para dentro da célula;

  • Regulação hormonal: além da interferência das catecolaminas, a insulina também pode influenciar os mecanismos envolvidos na metabolização dos hidratos de carbono no exercício, favorecendo a captação de glicose pelo músculo durante a hiperinsulinemia freqüentemente observada no início da atividade. Por outro lado, com o passar do tempo, o aumento da sensibilidade periférica à insulina e o conseqüente aumento da captação de glicose induzem o organismo a reduzir a secreção deste hormônio;

  • Disponibilidade do substrato: estudos demonstram que o consumo de glicose é dependente da redução das concentrações de glicogênio. Por outro lado, a diminuição dos estoques de glicogênio em músculos inativos durante o exercício está associada ao aumento no transporte de glicose muscular;

    Durante a realização do esforço, outros fatores como a intensidade, a duração e o tipo de exercício, além do nível de condicionamento físico e estado alimentar que o indivíduo se encontra no momento da atividade, podem influenciar a metabolização dos carboidratos:

  • Intensidade: durante exercícios de baixa intensidade (menos que 50% do VO2max) o glicogênio é lentamente utilizado, enquanto que durante a realização de atividades mais intensas (60 a 75% do VO2max) ocorre maior utilização deste substrato;

  • Duração: no início do esforço, o glicogênio muscular é utilizado a partir da glicogenólise. Com o passar do tempo a participação da via neoglicogênica torna-se mais representativa;

  • Tipo de exercício: diferentes padrões de recrutamento muscular podem interferir na metabolização dos carboidratos. Estudos têm demonstrado menor utilização de glicogênio durante a corrida quando comparada ao ciclismo na mesma intensidade de esforço;

  • Nível de condicionamento: o treinamento de endurance diminui a utilização do glicogênio muscular durante a realização do esforço agudo. Tal fato está relacionado com a inibição da captação de glicose, glicólise e glicogenólise pelo favorecimento da oxidação das gorduras;

  • Estado alimentar e Dieta: o consumo de altas cargas de carboidratos está associado com o aumento da taxa de oxidação deste durante o exercício. Durante o jejum, tem sido observado aumento da utilização de gorduras e redução na oxidação dos hidratos de carbono tanto na condição de repouso quanto durante o exercício. A manipulação da ingestão de carboidratos na dieta é outra forma de gerar adaptações que favorecem a performance, e tem sido freqüentemente utilizada visando o aumento dos estoques de glicogênio muscular no momento pré-competitivo.


Suplementação de carboidratos
    A ingestão de carboidratos tem forte relação com o desempenho das atividades físicas. A adequação da ingestão de carboidratos na dieta pode ser decisiva para o atleta no momento de uma competição, podendo ser responsável pela vitória ou pela derrota. Além da manipulação da dieta e do treinamento realizado na semana anterior à competição, outros fatores podem influenciar a capacidade do atleta em manter o trabalho muscular.

    O atleta deve ser orientado a ingerir refeições ricas em carboidratos no período de até 6 horas antes da competição afim de garantir a manutenção das reservas de glicogênio hepático e muscular. O jejum no período de 6 a 12 horas antes da competição pode levar o atleta a apresentar uma queda glicêmica prematura comprometendo o desempenho.

    A quantidade de carboidrato a ser ingerido depende de vários fatores e deve ser adaptada às necessidades individuais do atleta. O recomendável é que para um "homem padrão" (1,70m e 70Kg) sejam ingeridos 600 gramas carboidratos um dia antes da competição e outros 100-200 gramas 6 horas antes do evento. O importante é que deve-se evitar dietas ricas em carboidratos momentos próximos à competição, afim de evitar o aumento súbito da secreção de insulina, com subseqüente hipoglicemia.

    Durante atividades físicas prolongadas (1-3 horas) e intensas, pode ocorrer cansaço físico nos atletas em função da falta de carboidratos. Após 2 ou 3 horas de exercício sem a ingestão de carboidratos a glicemia tende a cair. O fígado reduz a sua produção de glicose devido à extinção dos estoques de glicogênio hepático. Este fato resulta em fadiga e gera a interrupção da realização da atividade.

    Desta forma torna-se necessária a ingestão de suplementos carboidratados, afim de retardar a fadiga. É importante salientar que a suplementação de carboidratos não evita a fadiga, apenas a retarda.

    Outro ponto importante é a concentração do suplemento de carboidrato ingerido. A concentração de glicose, a densidade calórica e o conteúdo de eletrólitos na solução ingerida parecem afetar o esvaziamento gástrico, o que aumento o desconforto e prejudica o desempenho. Desta forma, as soluções de glicose devem ser concentradas até no máximo 3%, ou seja, 3g de glicose por 100mL de líquido. Alguns autores propõem que estes valores podem chegar a 5% sem prejuízo para o atleta. A maltodextrina pode ser o carboidrato escolhido já que parece sofrer esvaziamento gástrico mais acelerado que a glicose em função da sua baixa osmolaridade.

    A ingestão de carboidrato após a realização do exercício também merece especial atenção já que tem papel fundamental para o restabelecimento das reservas de glicogênio muscular e hepático. Em um primeiro momento recomenda-se o consumo de 0,7 a 1g de carboidrato simples/Kg de peso corporal, de 2 em 2 horas após o exercício até 6 horas. Em seguida é recomendada a ingestão média de 600g de carboidratos por dia.


Considerações finais
    Com base no levantamento bibliográfico apresentado recomendamos aos técnicos e professores responsáveis pela administração de treinamento físico, maior atenção quanto a participação deste macronutriente na dieta do atleta, uma vez que a manipulação dietética tem importante papel sobre o desempenho físico. Desta forma, a participação de nutricionistas na equipe técnica torna-se imprescindível, já que este profissional tem habilitação e conhecimentos necessários para a adequada recomendação dos tipos e das quantidades de carboidratos na dieta, bem como dos momentos apropriados para a ingestão deste componente nutricional.


Bibliografia consultada

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revista digital · Año 8 · N° 56 | Buenos Aires, Enero 2003  
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