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Aspectos da educação escolar & desenvolvimento e constituição da personalidade
Fábio Machado Pinto y Claudia Félix Teixeira

http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 8 - N° 55 - Diciembre de 2002

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    Olhando mais atentamente estes processos, vimos que a aluna “modelo” foi levada a ter mais experiências de atração com o vôlei do que experiências de repulsão e, justamente por ter se apropriado destas experiências como viabilizadoras de seu ser, que ela vai se lançando para a possibilidade de aprender a jogar vôlei. Essas experiências e a apropriação destas experiências se dão conforme os meios e as mediações de que dispõe. Quando a professora a valoriza, quando a chama para mostrar os toques, quando a olha atentamente, quando os colegas a requisitam, quando o pai fica orgulhoso e diz que lhe dará uma bola, etc. Isso vai se constituir em meios e mediações que possibilitam cada vez mais com que ela se lance para aprender e jogar vôlei. Esse processo de socialização pode engendrar a sociologização, demarcando-se com limites por dentro, seu espaço frente aos outros e as coisas. E desta forma ela se lança segura, e mesmo que erre uma ou outra bola isso não faz dela uma pessoa que “não saiba” jogar vôlei.

    Sendo mediada a ocupar seu espaço e aprendendo a movimentar-se nele a aluna ganha segurança. Do contrário, excluída, ela fica solta num espaço puramente social, sem função para seu ser, sem segurança, frágil diante dos outros e das coisas, caindo facilmente na emoção29, como o medo, timidez, agressividade e etc. É preciso ter claro que esta situação resulta da exclusão do processo de socialização e não de alguma complicação psicológica da criança, e ainda que a mesma pode prejudicar o desenvolvimento da personalidade logo no seu começo.

    Por exemplo, a segunda aluna teve, desde o início da primeira aula prática, várias experiências de repulsão com o jogar vôlei e foi se apropriando dessas experiências como alguém que “não tinha jeito com a bola”, ou seja, ela foi se apropriando como experiências que inviabilizavam seu “ser jogadora”, ou seu “ser aprendiz” de vôlei. Quando chega por último na corrida, quando erra os toques, quando nenhuma aluna quer ser seu par, quando a professora a olha com pena, quando acerta e ninguém percebe, quando a professora não faz questão que ela jogue, enfim, com infinitas ações e palavras, ela foi ficando sem os meios nem mediações para lançar-se para o aprender vôlei, ficando cada vez mais insegura de suas possibilidades. Assim, cada erro confirma mais e mais como ela não pode, como não tem condições de aprender, enquanto que seus acertos não desmontam a verdade que já está determinada ela não tem capacidade de jogar vôlei.


4. Reflexões finais

    Buscamos iniciar um esclarecimento sobre como uma personalidade se constitui a partir de experiências concretas e cotidianas, dentro de um contexto escolar, onde a materialidade impõe limites e possibilidades concretos, tanto aos alunos quanto aos professores. Principalmente buscamos destacar que não há uma criança que nasceu com a predisposição para jogar vôlei enquanto outra não, mas que é através de um processo complexo que envolve, sobretudo a materialidade, o movimento concreto da criança, a mediação dos adultos, a apropriação psicofísica por parte da criança de suas experiências concretas, que esta vai constituindo sua personalidade singular, com certas possibilidades de ser, na direção de um projeto e desejo de ser. O projeto e desejo de ser serão resultado do movimento concreto da pessoa num contexto material objetivo que lhe impõe possibilidades e limites.

    Por fim, é preciso considerar as inúmeras variáveis implicadas no trabalho pedagógico, bem como a complexa articulação entre elas. Não podemos entender de forma moral o processo ensino-aprendizagem, nem mesmo a constituição e desenvolvimento da personalidade, tentando encontrar as causas dos mesmos. Os fenômenos precisam ser compreendidos na sua totalidade e complexidade, onde cada variável desempenha uma determinada função. Não se trata aqui de colocar todo o peso deste processo apenas na intervenção do professor, mas destacar o papel crucial que este desempenha.

    Buscamos de certa forma destacar a função mediadora que o professor exerce na relação com os alunos e no seu processo de socialização, tendo como conseqüência a constituição da personalidade. Tentamos ainda, enfatizar a importância da compreensão que o professor tem do que seja o homem e a personalidade e, conseqüentemente, de suas ações concretas na relação com o aluno, abrindo-lhes certas possibilidades de ser ou não. Como vimos, através de uma concepção essencialista de personalidade as possibilidades da criança já estão dadas, seja por uma vocação, seja por um dom, seja por sua condição social, sua história, seja pela sua condição anatomo-fisiológica, seja por sua condição psicológica, etc.

    Partindo desta compreensão do que é o homem e do que é a personalidade não tem sentido o professor mediar o aluno a ultrapassar sua situação presente em direção a uma outra situação futura. Sendo assim não tem como o professor mediar o aluno a abrir novas possibilidades de ser, cabe-lhe mediar a se conformar a ser como é, levando a criança a uma compreensão também essencialista de sua personalidade e de suas possibilidades de ser, trazendo assim graves conseqüências para a constituição de sua personalidade.

“...há séculos que não se fazia sentir na filosofia uma corrente tão realista. Eles voltaram a mergulhar o homem no mundo, deram todo o seu peso às suas angustias e aos seus sofrimentos, às suas revoltas também.”30


Notas

  1. Para WIGGERS (1996), os Pontos de Encontro foram idealizados pelo professor da Prática de Ensino de Educação Física Pedro Flores no início da década de 90, sendo desenvolvido pela professora Ingrid Wiggers Dittrich nos anos que seguem. Trata-se de uma estratégia pedagógica que visa promover a troca de experiências de estágio, aprofundar temas relevantes e reorientar o trabalho pedagógico dos estagiários.

  2. As disciplinas Prática de Ensino de Educação Física Escolar I e II ocorrem nas 6a e 7a fases do Curso de Educação Física da UFSC. Estas disciplinas têm como objetivo produzir as condições necessárias para que se efetive o processo de re-conhecimento do estagiário na posição de professor de Educação Física, mediador entre o conhecimento da cultura corporal e os alunos, através de uma inserção teórico-prática na totalidade do trabalho escolar e considerando a formação técnica, científica e cultural desenvolvida ao longo do curso de licenciatura.

  3. Sobre a Organização do Trabalho Pedagógico ler FREITAS (1995).

  4. Para PINTO (2002) a avaliação da Prática de Ensino de Educação Física é processual e diagnóstica, ocorrendo em diversos momentos da Prática de Ensino, avaliando os seus mais variados aspectos e envolvendo o maior número de sujeitos do processo - professores supervisores, estagiários, professores da escola, alunos da escola, equipe pedagógica, professores do curso de Educação Física, pais dos alunos da escola, entre outros.

  5. Sobre este assunto ler MARX (1982), SOUZA (1996).

  6. Para BERTOLINO (1999) a observação do objeto apresenta-se como o primeiro passo dos Processos da Ciência - investigação e intervenção. Entendemos a observação como um conjunto de instrumentos investigativos - entrevistas, observações, análises de documentos, registros em vídeo, em fotografias, entre outros.

  7. Para SARTRE a aparência não esconde a essência, mas a revela: ela é a essência. A essência de um existente já não é mais uma virtude embutida no seio deste existente: é a lei manifesta que preside a sucessão de suas aparições, é a razão da série. Introdução de O Ser e o Nada (1997)

  8. Esta atividade buscou promover a aproximação entre Universidade, Escola Pública e Movimentos Sociais, tendo como prioridade a formação inicial de professores de Educação Física, de forma qualificada e comprometida com a realidade educacional brasileira, mas também com uma leitura da conjuntura social e política em que se desenvolvem as lutas dos Movimentos Sociais organizados pelos direitos da criança e do adolescente no Brasil.

  9. Este Ponto de Encontro foi ministrado pelas Psicólogas Claudia Félix Teixeira (CRP 12/ 01378) e Lara Beatriz Fuck (CRP 12/ 01342).

  10. SARTRE vai intensificar seus estudos sobre a teoria da personalidade durante os anos 1933/34, quando passa um ano no Instituto Francês de Berlim estudando a fenomenologia de Husserl. Em 1936 é publicado o resultado de seus estudos iniciais sobre a personalidade com o título La transcendance de L´Ego.

  11. Este debate contemplou inúmeras teses, das quais destacamos TUBINO (1984), BETTI (1987), CANFIELD (1988), SOUZA & SILVA (1990), FARIA JÚNIOR & FARINATTI (1992), KUNZ (1991), BRACHT (1993).

  12. Sobre este assunto ler SOARES (1994)

  13. Sobre este assunto ler BRACHT (1992) O capítulo III - A criança que pratica esporte respeita as regras do jogo... capitalista.

  14. Entendemos superação enquanto um movimento resultado das categorias de totalidade, contradição, mediação e a relação entre o universal e o singular próprias da compreensão dialética da história, do homem e do pensamento.

  15. VYGOTSKY intensificou seus estudos sobre a psicologia a partir da revolução Russa de 1917, preocupando-se sobretudo com o desenvolvimento de uma teoria marxista do funcionamento intelectual humano.

  16. Destacamos aqui os textos de DUARTE (1999 e 2000) e ZANELLA (2001)

  17. COLETIVO DE AUTORES (1992:36)

  18. Refiro-me a escola sediada em Florianópolis, e que tem como referência intelectual o Filósofo e Professor Pedro Bertolino Silva.

  19. Boa parte das reflexões que seguem estão sustentadas na descrição e análises feitas pela psicóloga Lara Fuck quando da elaboração da primeira versão deste texto.

  20. SARTRE publica em 1934 a Transcendência do Ego resultado dos seus estudos sobre o pensamento moderno e os diferentes entendimentos sobre o Ego. Na continuidade abordará o imaginário e a imaginação (1936) e o texto esboço de uma teoria das emoções. Da leitura de Descartes e Kant admitiu que sempre existirá um Eu no horizonte do Eu penso, e com isso a veracidade do cogito cartesiano. Em Husserl, adotará, sobretudo, a doutrina da intencionalidade, tendo mais bem desenvolvida posteriormente em O Ser e o Nada (1943). A crítica da razão dialética (1960) é uma obra que procura desenvolver a teoria da personalidade, dando a mesma um caráter universal/singular, ao mesmo tempo em que propõe um método para conhecê-la e intervir sobre ela, denominado progressivo/regressivo. As biografias escritas no final de uma obra, sobre Gustavo Flaubert e San Genet, apresentam de forma exemplar as suas principais teses filosóficas.

  21. SARTRE (1939:31)

  22. SARTRE (1994:83)

  23. É importante esclarecer que a consciência, desde Husserl, é a pura relação às coisas, aos outros, sendo assim não tem conteúdo. Neste sentido, toda a consciência é consciência de qualquer coisa. “A essa necessidade, que tem a consciência de existir como consciência de outra coisa diferente dela, chama Husserl ‘intencionalidade’.

  24. SARTRE (1994:43)

  25. BERTOLINO (1999)

  26. BERTOLINO (1999)

  27. Sobre As Relações Concretas com o Outro utilizamos as reflexões de Sartre no capítulo 3 da terceira parte do Ser e o Nada (1997:451)

  28. SARTRE (1994:65)

  29. As Emoções aqui possuem o entendimento desenvolvido por SARTRE em Esboço de uma teoria das emoções (1965)

  30. SARTRE (1994:82)


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