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A investigação em ciências sociais.
Aproximação ao contexto da Educação Física e Desporto
Helder Fernandes, Filipe Ferreira, Miguel Moreira, Amandine Esteves e António Fernandes

http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 8 - N° 53 - Octubre de 2002

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    Nesta mesma relação ciência-tecnologia, é possível identificar duas origens distintas que determinam a contextualização social dessa mesma relação: (i) uma de origem europeia; e, (ii) outra norte-americana (Garcia et al, 1996; cit Cerezo, 1998). A primeira teve origem no contexto da sociologia do conhecimento científico que se baseia na obra de Thomas Kuhn e se centra principalmente no estudo dos antecedentes ou condicionantes sociais da ciência. Por sua vez, a origem norte-americana, centrou-se mais nas consequências sociais (e ambientais) dos produtos tecnológicos, descuidando no geral os seus antecedentes sociais.

    Tendo em conta a investigação efectuada actualmente neste domínio, Dyson (1997; cit Cerezo, 1998), afirma que os maiores esforços na investigação básica tem-se concentrado em âmbitos e contextos muito esotéricos, demasiado afastados dos problemas sociais quotidianos. Concomitantemente, é de referir o facto de que a ciência aplicada e a tecnologia actual, estão no geral, demasiado vinculadas ao benefício imediato, ao serviço da riqueza e dos governos poderosos. Isto deve-se, pela razão de que as comissões onde se tomam as decisões políticas inerentes a questões científicas ou tecnológicas, são constituídas por homens de negócios ou políticos (Dyson,1997; cit Cerezo, 1998).

    Outro facto a citar, é a discrepância existente nos investimentos efectuados no âmbito da relação ciência-tecnologia-sociedade. Em países latino-americanos, esta despesa alcança pouco mais de 8 milhões de dólares por ano e que representa 2,3% do investimento mundial neste sector. Realçando esta situação, apenas é utilizado 0,5% do PIB3, enquanto que nos países mais desenvolvidos, chega-se a utilizar entre 2 a 3%. Em países menos industrializados, a investigação científica depende em grande parte do Estado (70%, de acordo com Vaccarezza, 1998). Pelo contrário, em países desenvolvidos a origem do financiamento e da execução das actividades científico-tecnológicas, está ao cargo de empresas privadas, o que por sua vez diminui as influências político-económicas.


2.3.1. O investimento em I&D no contexto português

    De acordo com os principais indicadores de ciência e tecnologia em Portugal, no ano de 1999, fornecidos pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, a despesa executada em actividades de I&D rondam o valor de 163 milhões de contos o que representa, 0,77% do PIB (volumes aproximados com os países menos desenvolvidos). A totalidade destes recursos financeiros, é distribuída para diferentes sectores: Ensino Superior (39% dos recursos financeiros), Estado (28%), Empresas Privadas (23%) e IPSFL (11%). O seguinte gráfico revela a evolução da despesa total em I&D, por sector de execução, no período compreendido entre 1982 e 1999.


Fonte: Observatório das Ciências e das Tecnologias, Inquérito ao Potencial Científico e Tecnológico Nacional.
Figura 1 - A evolução da despesa total em I&D, por sector de execução, entre 1982 e 1999

    No que diz respeito às fontes de financiamento, o Estado constitui o principal agente financiador (70% da despesa total), enquanto que as empresas financiam 21%, sendo que a restante fonte de financiamento é proveniente de origens estrangeiras (9%).

    Relativamente ao investimento efectuado na área das Ciências Sociais e Humanas (financiamento fornecido pelo Estado), esta situação tem evoluído gradualmente, atingindo em 1999, uma repartição de despesa, em 22% do investimento total em I&D.


Quadro 1 - Repartição das despesas de I&D, por áreas de intervenção, no ano de 1999


    No que refere à despesa executada em I&D sobre o PIB para os países da União Europeia, o valor médio é de 1,81%, isto no ano de 1998, pelo que o seguinte gráfico é verdadeiramente esclarecedor sobre as discrepâncias existentes neste tipo de investimentos, para o contexto português e europeu.


Fonte: Observatório das Ciências e das Tecnologias, Inquérito ao Potencial
Científico e Tecnológico Nacional.OCDE, Principaux Indicateurs de la Science et de a Technologie, 2000(2) - Base de données.
Figura 2 - Comparação das despesas em I&D, entre Portugal e a União Europeia


2.4. Investigação Social e Questões Éticas

    O crescente papel da ciência na vida social, colocou em primeiro plano a questão da responsabilidade social dos investigadores. Nuñez (1994; cit. por Carreño, 2001) refere que a ciência é algo importante e que está profundamente vinculada ao contexto social. Contudo, as questões éticas neste âmbito, têm revelado inúmeras lacunas, especialmente quando falamos sobre a investigação em Ciências do Desporto (Shephard, 2002).

    O termo ética deriva da palavra grega «ethos», apresentada por Platão e Aristóteles, o que literalmente significa uma forma usual ou habitual de comportamento e comumente interpretado como o estudo sistemático das boas e más condutas e atitudes. Mas o que é realmente a ética no contexto científico? Ramirez (2001) afirma que na ciência, a ética baseia-se nas virtudes intelectuais fundamentais que servem de princípios à razão defendida, ou seja, tem-se em vista um determinado fim com uma lei que a oriente. Contudo, o objectivo da ética na ciência é normativo, pois ao estruturar-se uma nova ciência, configura-se também valores determinantes e ideais.

    A prática da investigação cientifica e a utilização do conhecimento derivado dessa investigação, deveriam estar sempre direcionadas para o bem estar da humanidade e em particular para a diminuição da pobreza, respeitar a dignidade e os direitos dos seres humanos, assim como do meio ambiente, tendo a plena consciência da responsabilidade que incube nos investigadores, com respeito ás gerações presentes e futuras. Assim todas as partes interessadas devem assumir um novo compromisso, para com estes princípios (UNESCO, 2000).

    Os valores éticos de conduta que os profissionais de uma determinada área adoptam, são baseados nos valores da sociedade. Consequentemente, esses valores incluem o equilíbrio entre os direitos e a privacidade dos indivíduos, bem como o bem estar geral da sociedade. Cada actividade profissional deve determinar os seus valores e a sua função social, podendo então depois desenvolver e adoptar um código ético que oriente a sua conduta profissional (AAASP, 2000).

    Contudo devemos referir que as primeiras preocupações com as questões éticas da investigação social surgem no código de Nuremberga e na declaração de Helsinquia, 1964, devido às atrocidades cometidas numa experiência realizada por Doutores alemães, em prisioneiros de um campo de refugiados nazis durante a segunda guerra mundial (Shephard, 2002).

    Desta forma um dos códigos mais comumente aceites é o proposto pela APA em 1992, dos quais constam os seguintes princípios gerais:

  • Competência: este princípio afirma ser necessário manter um elevado nível de competência no seu trabalho, devendo fazer um uso apropriado de todos os recursos científicos, profissionais, técnicos e administrativos existentes;

  • Integridade: os profissionais de qualquer área de investigação devem promover a integridade da ciência, do ensino e da prática da sua área de intervenção. Esses mesmos indivíduos devem ser conscientes das suas próprias crenças, valores, necessidades e limitações bem como a forma como esses factores afectam a investigação;

  • Responsabilidade cientifica e profissional: os investigadores devem determinar as suas linhas de conduta profissionais, clarificar os seus papéis e obrigações profissionais, aceitar responsavelmente as consequências do seu trabalho e adaptar os seus métodos ás diferentes necessidades das populações;

  • Respeito pelos direitos e dignidade das pessoas: os investigadores devem respeitar os direitos de privacidade, confidencialidade, autodeterminação e autonomia dos indivíduos. Estes mesmos devem estar conscientes das diferencias sociais, culturais e económicas, existentes em diferentes sociedades;

  • Preocupação pelo bem estar dos outros: os investigadores devem contribuir para o bem estar dos indivíduos com quem interagem profissionalmente. Desta forma, sempre que ocorram conflitos no âmbito da investigação, os investigadores devem ser sensíveis às diferenças de poder e estatuto existentes na sociedade, não procurando benefícios a partis do papel de destaque que os investigadores possuem no contexto da sociedade;

  • Responsabilidade social: os investigadores devem de estar conscientes das suas responsabilidades profissionais e cientificas para com a comunidade e sociedade onde, trabalham. Assim os profissionais de investigação devem cumprir a lei e encorajar o desenvolvimento de políticas sociais que contribuam para os interesses e necessidades das populações mais próximas á actividade profissional dos investigadores.


3. Conclusões

    Tendo conta os propósitos deste estudo, foi-nos possível concluir o seguinte:

  • a estrutura e funcionamento dos conhecimentos produzidos pelas Ciências Sociais, são comumente condicionados por outras instituições e dinâmicas sociais, sobretudo nas nações industriais avançadas, em que a investigação e tecnologia desempenham um papel crucial para o desenvolvimento dessa nação;

  • relativamente aos paradigmas da investigação em Ed. Física e Desporto, observa-se não existir uma integração da informação produzida pelos cientistas para os práticos, o que leva a que toda a informação produzida não se transforme em conhecimento útil para o contexto desportivo. Outro factor realçado, é a pouca utilização do paradigma naturalista, que permite uma pesquisa interpretativa e crítica e funciona como uma nova alternativa a desafios e novas formas de conhecimento;

  • em Portugal, a despesa executada em actividades de I&D rondam o valor de 163 milhões de contos o que representa, 0,77% do PIB (volumes aproximados com os países menos desenvolvidos), sendo o Estado o maior investidor (70%), possuindo a área das Ciências Sociais e Humanas, uma repartição de despesa, em 22% do investimento total em I&D; e,

  • os valores éticos de conduta que os profissionais de uma determinada área adoptam, devem ser baseados nos valores da sociedade que o rodeiam. Consequentemente, esses valores devem incluir o equilíbrio entre os direitos e a privacidade dos indivíduos, bem como o bem estar geral da sociedade, pelo que para cada actividade profissional deve determinar os seus valores e a sua função social, podendo então depois desenvolver e adoptar um código ético que oriente a sua conduta profissional.


Notas

  1. Esta dependência baseia-se numa segurança teórica e metodológica, necessária durante a utilização do paradigma positivista (Carvalhal, 2000).

  2. Entende-se por método cientifico, o conjunto de procedimentos e técnicas que permitem solucionar os problemas gerados pelos investigadores e/ou construir hipóteses ou teorias (Popper, 1987; Bunge, 1980; cit. por Pereira, 1998).

  3. Produto Interno Bruto é o conjunto da produção final de bens e serviços, realizada em território nacional independentemente da nacionalidade dos agentes económicos, num determinado período de tempo (um ano civil).


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