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Entraves para a compreensão da criatividade no ensino e na
formação do profissional de Educação Física.
Dra. Cynthia C. Pasqua M. Tibeau

http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 8 - N° 51 - Agosto de 2002

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    O Conselho Federal de Educação, em 1987, fixou normas mínimas para os cursos de graduação em Educação Física, gerando uma grande expectativa por transformações significativas na formação profissional. Contudo, a falta de definição do objeto de estudo e a falta de uma matriz teórica para a área, provocou poucas mudanças. O que se pode observar é que “disciplinas e docentes “velhos” vestiram-se de “roupagem nova” sem uma alteração substancial do que já vinha sendo feito”(Silva,1997:9).

    Desta forma, a formação de professores de Educação Física ainda tem sido centrada numa tradição cultural que preconiza a transmissão e aquisição de conhecimentos, que privilegia conteúdos esportivos, com ênfase em aspectos biológicos e neuro-comportamentais.

    Formam-se profissionais para atuação na Escola, entretanto o mercado de trabalho leva o profissional a optar por outras formas de atuação segmentos não escolares, como o caso da prática desportiva, das academias, das atividades de recreação e reabilitação motora. Nem para um campo, nem para outros ele está sendo preparado adequadamente e de forma eficiente.

    O profissional graduado quando ingressa no campo de trabalho, se defronta com situações em que deve solucionar problemas, das mais variadas ordens, que se distanciam dos enunciados teóricos a que teve acesso nos cursos de graduação (e também nos de pós-graduação). Tem que recorrer a algo que lhe foi dado pouca oportunidade (ou nenhuma) de desenvolver - sua inventividade, seu potencial para resolver problemas, enfim, sua criatividade.

    Esta tem sido uma situação problemática: a transição da vida de estudante para a vida profissional. A formação deveria contemplar como componentes da preparação profissional os conhecimentos e as competências. Pieron (1996) esclarece que na Educação Física uma grande parte dos conhecimentos do professor não serão transmitidos. O professor tem tanta, senão mais necessidade de competências do que de conhecimento. Diz o autor:

“Neste domínio da formação pedagógica podemos caracterizar os programas tradicionais como uma acumulação de conhecimentos, com a esperança de que estes se transformem em competências no momento em que o professor seja confrontado com a realidade cotidiana da aula”(p.9).

    Para Rey & Trigo (1995) a criatividade está muito ligada a valores e a uma série de benefícios transferíveis à personalidade e à profissão do indivíduo. Para estas autoras,

"talvez o trabalho criativo sobre a corporeidade seja o que vai permitir aos indivíduos enfrentar a afrontar outros processos criativos ou de inovação em suas profissões"(p.157).

    Feijó (1992) associa criativo a autêntico e diz que parte da autenticidade é a necessidade de auto-expressão e auto-realização.

“Daí, a necessidade de se formarem professores em condições de conhecer tanto a psicologia do corpo como a psicologia da mente para estimular o educando a se envolver num processo de auto-descoberta.”(p.23).

    A pesquisa de Miotto (1991) evidenciou que o estímulo à expressão criativa não faz parte da filosofia dos cursos de formação de professores em Educação Física.

    Em entrevista com docentes das faculdades ficou clara a ligação da criatividade como produto, sua utilização como "muleta" para encobrir alguma falha e o sentido de "fazer o que se quer" sem um trabalho de reflexão que privilegie o processo criativo.

    Outro assunto preocupante e que tem sido pouco discutido na literatura é a questão da avaliação da criatividade, ou melhor da consideração da criatividade como critério de avaliação pelos docentes universitários. Rombaldi & Canfield (1998) discutem o tema da avaliação na formação profissional como sendo um dos problemas que torna o ensino da Educação Física deficiente e limitado. Se o futuro profissional é avaliado com base em atributos físicos, aprendizagem e execução de movimentos técnicos, conhecimentos teóricos em relação a assuntos pré-deteminados e inquestionáveis, será este o modelo de avaliação que utilizará mais tarde com seus futuros alunos.

    Observam, assim, o descaso com a avaliação como componente do processo ensino-aprendizagem nos cursos de formação de professores e alegam que o tipo de avaliação que vem sendo realizada tem como único objetivo classificar e/ou promover o aluno.

    A preocupação com a formação profissional também é evidenciada em outras áreas. Alencar (1997) realizou um estudo com estudantes das áreas de Humanas e Exatas sobre a percepção da sua própria criatividade, da de seus professores e colegas. Os resultados apontam para o baixo interesse e incentivo, por parte dos professores, para os aspectos do desenvolvimento da criatividade e que, segundo os estudantes, os professores são pouco ou muito pouco criativos em relação a eles próprios e a seus colegas.

    Briceño (1998) também constatou que os estudantes mexicanos têm níveis mais baixos de criatividade ao ingressarem na universidade, similares aos dos alunos de educação básica e fundamental. Além disto, a criatividade não é fomentada sistematicamente e organizadamente durante a formação de profissionais.

    Uma importante pesquisa de Mcdonough & Mcdonough (1987) identificou quantas, quais e como as universidades americanas ministravam cursos formais de criatividade para seus estudantes. Das 1188 instituições pesquisadas, 151 incluem em seus currículos cursos de Escrita Criativa, Desenho Criativo, Dança Criativa e Poesia Criativa e 76 (só 6% do total) ministram cursos formais de Criatividade. Cada uma destas 76 instituições possuem um alta padrão acadêmico. Esta constatação levou ao questionamento de que se universidades de alto prestígio oferecem cursos formais de criatividade porque outras instituições não o fazem e, se a criatividade é de valor e enriquecimento para a vida dos estudantes, porque não é considerada na mesma categoria de outras disciplinas. As razões citadas são:

  • o difícil desafio para a universidade desviar-se de cursos padrões e valores acadêmicos tradicionais;

  • a necessidade de professores que conduzam o curso com uma postura que dê assistência aos alunos para realizarem o seu potencial criativo, contra a tradicional postura autoritária e diretiva e

  • que, em geral, a criatividade é valorizada por membros das faculdades e não pela administração das universidades.

    Pesquisas têm demonstrado que os adultos, em média, utilizam pouco sua criatividade (ao redor de 2 a 10% de sua capacidade criativa) e apontam um declínio da expressão criativa a partir do quarto ano de escolaridade. A criatividade decai nos anos universitários e existe uma estreita relação entre a criatividade e a expectativa positiva de futuro profissional.

    A idéia de que a promoção da criatividade através de cursos, vivências e treinamento pode influenciar a vida acadêmica ou profissional dos estudantes foi verificada por Alencar & Virgolin (1990), Fleith & Virgolin (1993) e Wechsler (1995) e apontam para uma melhor percepção do próprio potencial criativo e sua aplicabilidade para a vida pessoal uma melhoria no rendimento acadêmico em relação à sua participação ativa nas atividades.


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