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Desenvolvimento das habilidades motoras básicas em
crianças portadoras de deficiência intelectual
Vítor Pires Lopes e Manuela Zita Bentes dos Santos

http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 8 - N° 50 - Julio de 2002

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2.3. Procedimentos estatísticos

    Para verificar se existiam diferenças entre as crianças agrupadas segundo os três níveis de deficiência considerados, e por sexo, eliminando os efeitos da variável idade, recorremos à ANCOVA factorial, colocando como covariável a idade. Para verificarmos entre que grupos de deficiência existiam as diferenças assinaladas pela ANCOVA, recorremos ao teste de Scheffé. Todos os resultados foram aceites como significativos quando p=0,05.


3. Apresentação e análise dos resultados

    A Figura 1 e a Figura 2, representam respectivamente, as médias dos erros de execução das habilidades de lançar e pontapear por nível de deficiência e sexo. A Figura 3, representa a média dos pontos obtidos, na execução da habilidade de agarrar, por nível de deficiência e sexo. No Quadro 4 constam as médias ajustadas por nível de deficiência e por sexo e os valores de F para ANCOVA factorial (deficiência e sexo).

    Os resultados da ANCOVA indicam que, nas habilidades de lançar e pontapear, as crianças diferem significativamente entre si quando consideramos o grau de deficiência [lançar: F(2;15) = 11,944 p<0,001; pontapear: F(2;15) = 9,764 p<0,01], apresentando os deficientes severos as médias de erros (absoluta e ajustada) mais elevadas nas duas habilidades, seguindo-se-lhes os deficientes moderados. Os deficientes ligeiros apresentam as médias mais baixas de erros de execução (absoluta e ajustada) nas duas habilidades. Ainda nessas habilidades, as crianças diferem significativamente entre si quando consideramos o sexo [lançar: F(1-15) = 16,208 p<0,001; pontapear: F(1-15) = 22,91 p<0,01], as crianças do sexo masculino apresentam melhores resultados do que as do sexo feminino.

    O teste de Scheffé indica que as diferenças existentes entre os três níveis de deficiência residem entre os deficientes ligeiros e severos (p=0,001) e entre os deficientes moderados e severos (p=0,001). Estes resultados são coincidentes com a necessidade de diferenciar, por nível de deficiência, as estratégias de instrução para a compreensão da tarefa. Como consta no Quadro 1, houve necessidade de recorrer a estratégias de instrução para a compreensão da tarefa, que iam para além das indicações do protocolo, conforme as crianças apresentavam níveis de deficiência mais acentuados, havendo mesmo a necessidade de, em algumas crianças com deficiência severa, recorrer à manipulação para execução passiva do gesto.

    Relativamente à habilidade de agarrar, os deficientes intelectuais ligeiros apresentam as médias de pontos (absoluta e ajustada) mais elevadas, seguindo-se-lhes os deficientes intelectuais moderados.

    Os deficientes intelectuais severos apresentam as médias mais baixas. No entanto, a ANCOVA revela que não existem diferenças significativas entre os três níveis de deficiência intelectual. Relativamente ao sexo, verifica-se que as crianças do sexo masculino apresentam, no geral, resultados ligeiramente superiores, não havendo, no entanto, diferenças significativas. A ANCOVA revela que não existe interacção significativa entre os dois factores (deficiência e sexo), mostrando-se portanto independentes.

Figura 1 - Médias dos erros de execução, por nível de deficiência e sexo, na habilidade de lançar.

Figura 2 - Médias dos erros de execução, por nível de deficiência e sexo, na habilidade de pontapear.

Figura 3 - Médias dos pontos obtidos na execução da habilidade de agarrar, por nível de deficiência e sexo.

Quadro 4 - Resultados da ANCOVA: médias ajustadas e valores de F para cada factor e para a interacção.
*significativo para p<0,05, **significativo para p<0,01; ***significativo para p<0,001

    É importante referir que o desempenho na habilidade de agarrar, ao invés das outras duas, é muito dependente de factores externos, sobretudo do tamanho e da velocidade de deslocamento da bola. Nós utilizamos uma bola de voleibol que é bastante grande (66 cm de circunferência) e leve, o que juntando ao facto de o dispositivo de projecção da bola ter pouca inclinação, logo imprimindo-lhe pouca velocidade, permitiu executar a acção de agarrar de uma forma mais facilitada para todas as crianças (Williams, 1983), o que pode ter levado a não se verificar diferenciação significativa entre elas.

    Verificámos que as diferenças existentes entre os dois sexos, assinaladas pela literatura, no rendimento em habilidades fundamentais (Zaichowsky, Zaichowsky e Martinek, 1980; Williams, 1983), em crianças normais, também existem nas crianças deficientes intelectuais.

    Relativamente ao estado de desenvolvimento das crianças nas habilidades motoras fundamentais avaliadas, a bibliografia (Corbin, 1980; Zaichowsky, Zaichowsky e Martinek, T, 1980; Williams, 1983; Gallahue, 1982; Cratty, 1979) refere que o padrão maturo daquelas habilidades fundamentais é adquirido por volta dos 5 a 6 anos, e que entre os 6 e os 12 anos a criança aumenta a sua habilidade para lançar e pontapear com força e precisão.

    Devendo-se este aumento ao aumento de força que acompanha a maturação e crescimento, ao uso gradual de padrões mais eficientes de movimento e à oportunidade de prática. Cratty (1979) refere que, em média, as crianças de 5 anos conseguem agarrar uma bola de 20 cm de diâmetro, com 60% a 80% de sucesso quando ressaltada em direcção ao peito.

    As crianças que nós observámos, deveriam, uma vez que a sua média de idades é de 12,4 anos, apresentar um padrão de movimento maturo, ora isso não acontece, principalmente nas crianças com um nível de deficiência intelectual severo.

    Comparando os nossos dados com os obtidos na investigação realizada por Neto (1987) com crianças com nível intelectual normal em idade pré-escolar (5/6 anos), verificámos que nas habilidades de lançar (31,57 versus 22,01) e pontapear (29,85 versus 13,86), as crianças por nós observadas, com um nível de deficiência intelectual severo, apresentaram médias de erros de execução superiores às daquele estudo. Relativamente às crianças com deficiência intelectual ligeira e moderada a situação é diferente. Verificámos que as crianças por nós observadas, apresentaram resultados superiores, embora não muito elevados, aos referidos por Neto (1987) (lançar: ligeira - 6,25, moderada - 14,43 versus 22,01; pontapear: ligeira - 9,63, moderada - 13,14 versus 13,86). Verifica-se, portanto, que quanto mais acentuada é a deficiência intelectual, maior é o atraso no desenvolvimento das habilidades motoras fundamentais estudadas.


4. Conclusões

    As crianças as crianças portadoras de deficiência intelectual, apresentam um nível de desenvolvimento das habilidades motoras fundamentais atrasado para a idade cronológica.

    Quanto mais elevado é o grau de deficiência, maior é o atraso no desenvolvimento das habilidades motoras fundamentais estudadas. De facto, verificou-se que os resultados obtidos nas provas, pioram conforme se consideram crianças com nível de deficiência mais elevado, verificando-se um fosso acentuado entre as crianças com deficiência intelectual moderada e as crianças com deficiência intelectual severa.

    Verificámos que as diferenças entre os sexos, assinaladas pela literatura, em crianças normais, relativamente ao rendimento nas habilidades fundamentais estudadas, são extensíveis às crianças portadoras de deficiência intelectual.

    Como recomendação para o ensino em Educação Física com crianças com deficiência intelectual, sugerimos que as habilidades básicas ou fundamentais sejam incluídas e consideradas como conteúdos básicos dos respectivos programas. Só após haver um nível de execução maturo se deverá avançar para o ensino das suas diversas combinações e para a sua integração em actividades desportivo-motoras mais complexas.


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