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Educação Física Inclusiva numa
perspectiva de múltiplas inteligências
Manuela Bailão, Ricardo Jacó de Oliveira e Paulo Roberto Corbucci

http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 8 - N° 49 - Junio de 2002

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    O espaço das aulas de Educação Física é - ou deveria ser - um espaço de “liberdade”, onde a criança se sente à vontade para correr, brincar, pular, jogar e fazer actividades que não são permitidas na sala de aula, actividades próprias da criança, que ocupam a maior parte do seu tempo e dos seus interesses.

    Na criança deficiente esse aspecto não é diferente, pois ela também realiza essas tarefas, o que permite sua inclusão na escola normal e gera aceitação pelos colegas. Na pré-escola, melhor fase para iniciar o processo de inclusão, as ações corporais predominam sobre as mentais. Uma educação que privilegie o movimento é necessária, com professor de Educação Física, para levar “a criança a ampliar sua consciência durante os movimentos e não só a fazer as coisas, mas perceber como faz” (GAIARSA, 1995, p. 30).

    A contribuição da Educação Física para o desenvolvimento cognitivo da criança é estudada por Freire, que assevera que a inteligência corporal precede a inteligência propriamente dita e perdura além da estruturação do pensamento. O autor ressalta a importância da compreensão na actividade, que significa não só fazer por fazer, mas fazer e compreender, constituindo a Educação de Corpo Inteiro, denominação dele.

    Já Gaiarsa cita Piaget referindo-se à manipulação de ideias feitas pelas crianças, mais eficaz quando há experiência por intermédio do próprio corpo; ou seja, manipulação concreta (com as mãos) e abstracta (com ideias) são homólogas (GAIARSA, 1995). Ou como enfoca Piaget: “você aprende a manipular ideias intelectualmente, na exacta medida em que você consegue manipular objectos manualmente” (apud GAIARSA, 1995, p. 77).

    Segundo FREIRE, a criança é uma especialista em brinquedo, e nada melhor para sua aprendizagem do que proporcionar-lhe actividades lúdicas, de jogo e faz-de-conta, que contribuem para seu processo de aquisição de estruturas cognitivas e lhe permitem compreender melhor o mundo. “O ser que brinca é o mesmo que compreende. A criança que brinca em liberdade, podendo decidir sobre o uso de seus recursos cognitivos para resolver os problemas que surgem no brinquedo, sem dúvida alguma chegará ao pensamento lógico de que necessita para aprender a ler, escrever e contar” (1989, p. 39-40).

    Percebe-se que a Educação Física auxilia o desenvolvimento de capacidades e habilidades académicas, pois as experiências motoras estimulam o desenvolvimento das habilidades intelectuais. (CRATTY apud REZENDE, 1997). Trabalhada com o intuito de estimular a inteligência pelo movimento, propicia-lhe condições de manipulação, experiência e descoberta pelo próprio corpo, torna a assimilação de conhecimentos mais efectiva e capacita a criança deficiente a obter melhor desempenho académico desenvolvendo condições para sua inclusão escolar (REZENDE, 1997).

    A tarefa de auxiliar o desenvolvimento da inteligência por meio de actividades motoras é um importante papel da Educação Física nas escolas inclusivas, visto que o mais grave problema da inadaptação das crianças à escola é o não acompanhamento das actividades “intelectuais”.

    O aspecto social também importa ao processo de inclusão, e o espaço da aula de Educação Física é uma boa oportunidade para se trabalhar relações interpessoais. À medida que as relações entre as crianças se estabelecem, seu comportamento social se manifesta mais claramente; em aulas de Educação Física isso ocorre de maneira privilegiada, porque jogos, brincadeiras e esportes são actividades que requerem organização, estabelecimento de regras, definição de papéis, cooperação, socialização, competição, autonomia. Actividades em grupo demandam colaboração de todos. E na maioria das vezes, todos se esforçam para conseguir realizar tarefas e se empenham em cumprir as regras.

    Esses factores exigem das crianças a capacidade de se relacionar e estabelecer trocas, além de despertarem noções de respeito e consideração pelo outro. A Educação Física constitui um espaço de construção social de que todos participam e onde todos interagem. É importante que seus objectivos não se direcionem só para as conquistas de melhoras motoras, mas para a busca de um envolvimento social mais amplo, propiciando a participação de todas as crianças, independentemente do seu nível de desenvolvimento em qualquer aspecto.

    Propiciar experimentação e vivência, propor tarefas, aumentar gradualmente o nível de dificuldade do que foi proposto e criar desequilíbrios para provocar uma nova aprendizagem, considerando a realização anterior, são meios de permitir à criança desenvolver-se de acordo com o seu ritmo.

    FREIRE (1989) esclarece que qualquer aprendizagem serve como base para uma aprendizagem superior. O programa de aulas deve partir da aprendizagem inicial da criança, mas não deve ser estabelecido um ponto de chegada, visto que os progressos são individuais, devido às diferenças particulares. O autor aponta que “uma proposta pedagógica não pode estar nem aquém nem além do nível de desenvolvimento da criança. Uma boa proposta, que facilite esse desenvolvimento, é aquela em que a criança vacila diante das dificuldades mas se sente motivada, com seus recursos atuais, a superá-las, garantindo as estruturas necessárias para níveis mais elevados do conhecimento” (p. 114).

    Para isso, o professor precisa respeitar as características individuais da criança e começar do conhecimento e da experiência de cada uma, sem esperar performance motora ou habilidades para realizar todas as tarefas, proporcionando-lhe condições para desenvolver-se e ter progressos a partir do que já conhece, considerando que os desafios se adaptam à condição de realização de cada criança.

    À parte ser um dos princípios básicos da inclusão, esta é a melhor forma de propiciar a Educação para Todos. Ao tratar cada indivíduo como único, não há necessidade de excluir ninguém que esteja fora de padrão. FREIRE (1989) resume esse entendimento: “é importante não homogeneizar a classe. As crianças são diferentes no início e serão diferentes no final do processo educativo. Não adianta querer transformá-las em iguais, segundo padrões estabelecidos. Quem é igual não tem o que trocar; por isso, é necessário conservar-se diferente. As relações, os direitos, as oportunidades é que têm que ser iguais; não os gestos, os comportamentos, os pensamentos, as opiniões” (p. 206).

    Outro ponto importante para melhor inclusão de crianças com necessidades especiais é desenvolver seus aspectos afectivos, possibilitando-lhes maior autonomia, autoconfiança e liberdade para expressarem e relacionarem-se. Mais uma vez, o espaço da Educação Física é lugar propício para que essas crianças ajam de forma a se tornarem aptas e se integrem com sucesso. Actividades sem pressões, num lugar em que não estão presentes o estresse nem o desgaste mental da sala de aula e onde não existem cobranças de rendimento e resultados são a melhor forma de se aliviar e relaxar a criança, dissipando-lhe tensões e inibições, abrindo-lhe espaço para novas aprendizagens.

    Além disso, FREIRE ressalta que o prazer proporcionado pelas tarefas lúdicas gera motivação e estimula a criança a superar dificuldades que normalmente não superaria em outras circunstâncias (1989), aumentando-lhe a auto-estima e a autonomia para se relacionar no mundo. Criança que brinca, corre, joga, participa, faz, compreende, opina, sugere e apresenta características sadias de vigor físico é sempre solicitada a participar de actividades. A Educação Física deve trabalhar estes aspectos para proporcionar às crianças - deficientes ou não - desenvolvimento integral que as faça capazes de participar de um sistema educativo comum a todas, com isso facilitando e auxiliando o processo de inclusão.

    Esta visão corresponde também aos princípios da Teoria das Inteligências Múltiplas: entendimento, compreensão, respeito às diferenças, tratamento individualizado, estímulo de diferentes competências e formas de avaliação centradas em vivência e experimentação. Evidencia-se como pode contribuir com essa visão de educação de crianças com necessidades especiais.


3. Conclusões

    Ao analisar as propostas educativas da inclusão e da Teoria das Inteligências Múltiplas, verifica-se a concordância de certos princípios valorizados por ambas: a ênfase na individualidade, o respeito às diferenças, a busca por uma sociedade justa, de que todos fazem parte, independentemente de características particulares.

    A teoria de Gardner foi aqui proposta como favorável à inclusão, vez que suas ideias condizem com a prática da educação inclusiva e torna possível a educação de todos, em que as potencialidades são exaltadas e as dificuldades são trabalhadas de modo a serem enfraquecidas, tornando os alunos considerados “deficientes”, capazes de realizar tarefas antes consideradas impossíveis, tendo seus limites ampliados à altura dos seus sonhos.

    Considerar a existência de vários tipos de inteligências ou capacidades traz a crença de que todos têm potencialidades que podem e devem ser desenvolvidas, e também demonstram dificuldades em alguma área, portanto as particularidades fazem parte da essência humana e devem ser tratadas como característica comum, em ambientes que estimulem a convivência das mais variadas características com o objectivo do crescimento e aperfeiçoamento de todos.

    A Educação Física contribui para o desenvolvimento, além de auxiliar na compreensão de conteúdos relacionados a várias das múltiplas inteligências. Por ser uma disciplina onde a ludicidade, a liberdade e a individualidade se expressam, torna-se ambiente ideal para aprendizagem tanto das crianças normais, quanto das com necessidades educativas especiais e propicia o relacionamento entre elas. Ao proporcionar o desenvolvimento integral, de aspectos motores, afectivos, cognitivos e sociais, a Educação Física capacita a criança especial a se incluir na sala regular e a fazer parte do sistema educacional comum. Realizada dentro da proposta da Teoria das Inteligências Múltiplas e de acordo com as ideias dos autores citados, vem a tornar-se disciplina indispensável na escola inclusiva.

    Tanto os princípios da Inclusão como os da Teoria não serão reais, porém sem a transformação de alguns factores: a escola, a comunidade e a sociedade. A escola terá que rever seus objectivos educacionais, a comunidade terá que fazer parte da educação de suas crianças e a sociedade terá que transformar conceitos estabelecidos por uma sociedade que já não é mais aceitável em dias atuais. A segregação, a exclusão, a rejeição e a discriminação não têm mais lugar na sociedade inclusiva que se busca.


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