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A influência da percepção plantar no deslocamento do cego congênito
Paulo Ferreira Pinto

http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 6 - N° 33 - Marzo de 2001

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    Em relação ao fator tempo, no deslocamento descalço, observou-se que não ocorreu diferença significativa entre as cinco passarelas.

    Identificou-se diferença significativa entre deslocar-se calçado no piso normal da quadra em relação às passarelas (4 - carpete invertido; 5 - carpete riscado) pois, nestas passarelas, os indivíduos testados executaram menor número de contatos para deslocar-se.

    Os resultados permitiram observar que os indivíduos demonstraram receber um novo estímulo a cada passarela que lhes era apresentado. Consequentemente, a cada estímulo, indiretamente, também surgia uma nova solicitação em termos de mobilidade e utilização da percepção plantar.

    Acresce-se como sugestão a utilização com maior frequência possível de pistas táteis, a nível de percepção plantar, com a finalidade de facilitar a mobilidade e orientação dos deficientes visuais, sendo este mais um recurso que contribui para sua integração e exploração do meio-ambiente. Com mais este recurso pode sentir-se estimulado a fortalecer sua independência, autonomia.

    A figura 01 mostra que no deslocamento calçado no piso normal da quadra e na passarela 1 (carpete liso) os indivíduos tiveram o mesmo desempenho, o que efetivou diferença significativa com o deslocamento descalço no piso normal da quadra em relação às passarelas 2, 3, 4 e 5. Cabe evidenciar que, ao se deslocarem descalços na passarela 2 (carpete Regente), demonstraram dificuldade ao utilizar a percepção plantar.

    Os tempos gastos para se deslocar calçado ou descalço nas passarelas 3, 4 e 5 não apresentaram diferença significativa. Na passarela 1 (carpete liso) os indivíduos tiveram desempenho especial, sendo que, quando estavam calçados obtiveram pior desempenho do que descalços. A constituição da passarela sem diferença de textura e com 0,2 cm de espessura obrigou à exploração com os pés, através da percepção plantar reforçando ser necessário, como afirma Pereira (op. cit.:64) "aprender a explorar o meio envolvente em todo o corpo, mãos e pés". Mais uma vez fica reforçada a necessidade de ser utilizado recurso que amplie as possibilidades de desenvolvimento da percepção plantar do deficiente visual.

    Na figura 02, em relação ao deslocamento calçado no piso normal da quadra, a diferença significativa com o deslocamento descalço no piso normal da quadra e nas 5 passarelas pode ser explicada pelo nível de dificuldade de mobilidade apresentado. Esta dificuldade traduz-se no expressivo número de contatos que executaram em contrapartida à maior facilidade de utilizar a percepção plantar quando descalços. Nas passarelas 1 e 2 os indivíduos testados deslocaram-se calçados com um nível de dificuldade ainda expressivo, considerando-se o material com que foram confeccionadas as passarelas, que apresentaram pistas táteis insignificantes em relação às passarelas 1, 4 e 5, quando os indivíduos se deslocaram descalços.

    A situação observada quando se deslocaram descalços nas passarelas 2 e 3 foi de não diferença significativa, quanto ao número de contatos executados para se deslocar em qualquer das passarelas quando calçados.

    Quando se leva em consideração o número de contatos para se deslocar nas passarelas 3, 4 e 5 constata-se ser indiferente o deslocamento calçado ou descalço. Analisando o deslocamento calçado ou descalço na mesma passarela os desempenhos possibilitam afirmar que, no piso normal da quadra e na passarela 1, os indivíduos conseguiram maior desenvoltura quando descalços, o que não ocorreu nas demais passarelas. Neste caso, os estímulos recebidos, apesar de percebidos diferentemente em virtude da característica de cada passarela, contribuíram não somente para que não se observasse diferença significativa, como também se detectasse melhores condições para a utilização da percepção plantar do cego tanto calçado quanto descalço.

    A montagem do instrumento que a cada passarela fornecia um tipo diferenciado de piso, constituiu-se um desafio, pois exigiu uma mobilidade variada em que "o conjunto das comunicações sujeito-mundo, a orientação e os ajustamentos sucessivos, às diferentes situações" (Vayer, 1984:105) foi o ponto que interferiu na tradução em nível quantitativo dos dados coletados.

    As tabelas 3 e 4 também são reveladoras de observações importantes, ressaltando-se que na tabela 03, quando se utilizou o piso normal da quadra não se registrou o número de contatos fora da passarela, apesar deste existir ficticiamente, pois os indivíduos não aparentaram receber estímulos pela região plantar, o que ficou patente pelo deslocamento constante em linha reta, de acordo com o rumo que tomaram a partir do início do percurso. Os indivíduos quando descalços nas passarelas 1, 4 e 5 conseguiram se deslocar com maior número de contatos em cima das mesmas.

    A tabela 04 chama a atenção para a mudança de tendência do número de indivíduos que chegaram dentro dos limites, no final do deslocamento, quando testados no piso normal da quadra e nas passarelas. A sua mobilidade nas passarelas, em 4 ocasiões, deve ser destacada pelo fato de terem chegado dentro dos limites da passarela, ao final do percurso, sendo que a freqüência de chegada foi expressiva.

    Embora em determinadas situações não ter ocorrido diferença significativa entre os deslocamentos nas passarelas, os indivíduos sempre demonstraram estar utilizando tal percepção ao deslocarem-se. Os portadores de cegueira congênita que participaram do teste nas passarelas tinham a necessidade de estar atentos na tomada de direção e de atingir um ponto de chegada que seja detectável. O piso normal da quadra ao ser instituído possibilitou um comportamento diferenciado dos indivíduos daquele ocorrido nas passarelas, o que demonstra não haver um estímulo predominante que pudesse servir de motivo para o deslocamento.


Finalizando as reflexões sobre a percepção plantar do cego congênito

    As reflexões teóricas selecionadas subsidiaram a realização do estudo do grupo selecionado, de cegos congênitos, o que demarca e substantiva a necessidade de que suas possibilidades e potencialidades podem ser estimuladas, mobilizadas, orientadas. Nesta dimensão é possível pensar na superação de barreiras que dificultam sua mobilidade, locomoção, direcionamento da sua capacidade perceptiva.

    Cabe então, apresentar indicações que reforçam as argumentações defendidas visando ampliar o debate, as propostas de intervenção, a difusão de conhecimentos teórico-práticos etc. considerando-se como relevante reconhecer que existem perspectivas para " mudar no devagar depressa dos tempos ", as condições existenciais - sociais do ser humano deficiente visual:

    O estudo realizado demonstrou que houve diferença significativa entre os tempos e o número de contatos executados pelos indivíduos testados, quando calçados ou descalços, para se deslocarem nas passarelas propostas, levando-se em consideração o tipo de piso, sua textura e a existência ou não de pistas táteis e esquadrinhamento tátil;

  1. O teste permitiu avaliar a influência da percepção plantar no deslocamento do cego congênito, pois possibilitou estimular, nos indivíduos testados, a utilização do sistema tátil-cinestésico. A percepção plantar deve efetivamente ser explorada porque ficou demonstrado, que a sua utilização propiciará melhores condições de integração do indivíduo com o meio-ambiente;

  2. O deslocamento no piso normal da quadra não permitiu caracterizar especificamente a percepção plantar, sendo a mobilidade totalmente prejudicada, em termos do tempo e do ponto de chegada ao final do percurso;

  3. O material das passarelas permitiu reforçar as colocações sobre pistas táteis e esquadrinhamento tátil, na medida em que nas passarelas 3 - carpete sisal, 4 - carpete invertido e 5 - carpete riscado, as modalidades de texturas em cada uma traduziram ser indiferente deslocar-se seja calçado ou descalço;

  4. Dependendo do tipo de textura do piso, os indivíduos conseguem melhor mobilidade descalços do que calçados;

  5. As passarelas como as de número 1 - carpete liso e número 2 - carpete regente, mesmo servindo como estímulo ao sistema tátil-cinestético, não ofereceram condições ideais para a mobilidade através da percepção plantar;

  6. Os desempenhos dos indivíduos em relação ao ponto de chegada e a reorientação após a saída lateral na passarela, permitem concluir que a percepção plantar estava sendo utilizada;

  7. A diferença de textura é importante para o desenvolvimento e utilização da percepção plantar, mas a colocação de pistas táteis, de sinais característicos, de contrastes de texturas, permite ao cego congênito maiores condições para explorar e relacionar-se com o meio-ambiente.

    Fica evidenciado que o cego congênito pode desenvolver seu extraordinário poder de orientação... ou pelo ouvido ou por variações de pressão, ou pelos outros sentidos", estando este desenvolvimento muito mais " uma questão de adestramento da percepção do que uma superioridade sensorial" ( Seashore,s.d., in Hayes ( 1957: 17 ), o que tem estreita vinculação com as elaborações de Pereira ( op.cit: 31) ao afirmar que

Uma das capacidades mais importantes no desenvolvimento de cada indivíduo e que contribui para a interação com o meio ambiente, é sem dúvida a de movimentar-se de uma forma independente, segura e com um objetivo determinado.

    Reforça-se então que a orientação visual está ligada à exploração a novos movimentos, à formação de um novo controle motor. Esta se

Relaciona com o desenvolvimento cognitivo no sentido de que a integração das sensações provenientes de movimentos resulta na percepção e toda aprendizagem simbólica posterior depende da organização destas percepções em formas de estruturas cognitivas (Go Tani et al., 1988:13).


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