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Educação Física no 1º ciclo ensino básico.
Do baldio Pedagógico à construção curricular
Rui Neves

http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 6 - N° 31 - Febrero de 2001

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    As características do contexto educativo não podem ser impeditivas da regularidade das aulas, do exercitar do movimento, da experiência do jogo (cooperação/oposição). Em nome das apetências e interesses dos alunos o professor não pode ficar indiferente à EF. Como elemento caracterizador da atitude dos professores perante a EF, vejamos os resultados sobre a regularidade com que os professores dizem realizar as respectivas aulas:

Regularidade das Aulas de EF (NEVES,1997)
 
Categoria
Ni
%
1
Semanal
22
46,8%
2
Bi-semanal
15
31,9%
3
Irregular
7
14,9%
4
Outra
2
4,3%
5
Recreio
1
2,1%

    Num estudo realizado no concelho do Seixal 68,6% dos professores dizem realizar regularmente com os seus alunos uma aula de EF por semana (ROCHA & BRITO,1992). Tais valores são indicadores importantes sobre o valor que os professores atribuem à prática regular da EF. Por outro lado, leva-nos a reflectir sobre o longo caminho a percorrer até ao ideal de uma hora diária de EF, com benefícios para o estado geral de saúde das crianças (PIÉRON,1995).

    Ao professor cabe-lhe reflectir sobre a melhor forma de canalizar a motivação dos alunos, no sentido da evolução e aquisições motoras significativas. Só com uma atitude reflexiva sobre a sua prática docente, pode o professor de uma forma ecológica introduzir melhorias e rentabilizar a sua actividade, de acordo com intencionalidade educativa.


As Competências Científico-Pedagógicas

    Para a construção curricular da EF é importante que o professor tenha um domínio mínimo do programa, dos objectivos, dos blocos programáticos, dos conteúdos, dos critérios de êxito nas tarefas, etc. Isto é, uma atitude de análise e reflexão sobre o contexto educativo, pressupõe que exista um QUADRO DE REFERÊNCIAS CIENTÍFICO e PEDAGÓGICO capaz de dar segurança ao professor. Como refere SHULMAN (1987) é necessário um conhecimento pedagógico do conteúdo - como ensinar o rolamento à frente, como apresentar as sequências de aprendizagem da roda, como organizar os processos de aquisição das regras nos jogos - que permita intervir perante cada situação e contexto, com um suporte de conhecimento do conteúdo de ensino (SHULMAN,1987) - da ginástica, dos deslocamentos e equilíbrios, do apoio invertido, do lançamento da bola.


A Rentabilização do Trabalho Docente Cooperativo

    Há uma tradição de individualização do trabalho do professor, que na área de EF pode penalizar a qualidade das oportunidades educativas proporcionadas aos alunos. A propósito, num estudo exploratório envolvendo 27 professores4, 88,9% deles declaram que planeiam sozinhos. Numa situação em que o reforço das competência pedagógicas e científicas necessárias para a condução do processo de ensino-aprendizagem em EF, é imprescindível, a partilha de tarefas, o planear em colectivo, a troca de opiniões, a análise de modelos e metodologias, a discussão sobre a PRÁTICA de ENSINO DA EF serão concerteza motivo de valorização pessoal e profissional. Não se trata de uma "colegialidade forçada" (THURLER,1992) antes de desenvolver formas diversas e estimulantes de uma "cultura de colaboração" (THURLER,1992) assente na ajuda, apoio mútuo com eventual previsão por exemplo de tempos de planeamento conjunto, análise de metodologias, etc. A actividade docente caracteriza-se por se desenvolver entre laços e nós em que os pequenos e grandes grupos se alternam. Trata-se de tirar partido do colectivo, através da definição de condições de partilha, cooperação, análise conjunta que traduza o rompimento com a "cultura do individualismo" (THURLER,1992). Na área da EF entendemos que existe um amplo campo a explorar a partir do trabalho cooperativo entre professores, como: afectação e inventariação de recursos materiais, recolha e organização de documentação, planeamento pluri-anual da EF, planeamento anual da EF, planeamento de blocos, planeamento por anos de escolaridade, discussão de casos, análise de situações problema ao nível da aprendizagem, avaliação do trabalho desenvolvido.


A Melhoria dos Recursos Materiais nas Escolas

    A grande questão dos recursos constitui uma fortíssima preocupação dos professores para o desenvolvimento da EF. Quando inquiridos sobre as maiores dificuldades é inquestionável a sua importância:

Dificultades dos Professores (NEVES, 1997)

    No entanto é importante que a resolução desta importante questão parta da ATITUDE do professor perante as suas condições materiais. Se o ME tem obrigação constitucional de criar as melhores condições em todas as escolas, se as Autarquias Locais têm realizado intervenção nesta área, o Professor em nome dos seus alunos, tem de procurar as soluções mais ajustadas e de lhes proporcionar a realização da EF. Não podemos ficar nem à espera do pavilhão gimnodesportivo, da piscina, ou outro equipamento, nem utilizar a questão dos recursos como elemento desculpabilizador da ausência de EF.

    Sem perder a noção da necessidade de instalações, equipamentos e materiais que para além das aulas de EF, permitam fazer da escola um pólo de dinamização local a partir das actividades físicas e desportivas, será preciso assegurar a regularidade e continuidade das aulas de EF. Assim, é importante que os recursos materiais das escolas sejam pensados a partir da sua polivalência de utilização, mas procurando ter como orientação os seguintes critérios: os programas a implementar, o nível de ensino a que se destina e a região onde a escola se insere (MONTEIRO,1997).

    Em síntese, para que os professores sintam que o seu esforço de construção curricular está a ser apoiado é imprescindível uma política articulada a vários níveis quanto a recursos materiais que melhorem as condições efectivas das escolas para o ensino da EF.


O Reforço da Formação Inicial e Contínua dos Professores

    Para a consolidação da construção curricular é importante apoiar formativamente a prática docente dos professores. Não basta editar um programa de EF. Não chega descarregar recursos nas escolas. Na formação inicial é imperioso reflectir sobre o currículo da área de EF (número de disciplinas, sequência curricular, unidades de crédito) por forma a melhorar as competências de intervenção pedagógica. Como afirma BRÁS (s.d.):

     "...a formação do professor do 1º ciclo na área específica da EF, não é mais fácil nem mais difícil do que nas outras áreas. O que existe é uma grande diferença no tempo de aprendizagem dispendido e nos níveis de desenvolvimento exigidos durante o percurso do estudante até à sua entrada na ESE".

    É necessário enquadrar a formação a partir das próprias práticas, numa óptica de INVESTIGAÇÃO-ACÇÃO. Consideramos a formação mais eficaz aquela que parte da própria experiência profissional e capacidade de reflexão sobre ela. Relativamente às escolas do 1º CEB e à situação da área da EF pensamos que se deve combater a "cultura do individualismo" (THURLER,1992) através do desenvolvimento de tarefas cooperativas e colectivas, rentabilizando esse trabalho para a valorização pessoal e profissional.


A Definição de Políticas Nacionais, Regionais e Locais de Apoio à EF

    Falar de política a propósito do currículo, poderá ser entendido como heresia. Só que o currículo não é indiferente às políticas educativas que nos diversos níveis se definem. HÁ CLARA NECESSIDADE DE PROFESSORES, PAIS E ALUNOS sentiram que existem ideias e propostas para que a EF dos alunos seja uma realidade com continuidade. A EF do 1º CEB não pode ser algo à mercê da vontade política de um vereador do Pelouro da Educação de uma Câmara Municipal, nem da maior ou menor sensibilidade de um Ministro ou Secretário de Estado da Educação. Nesse sentido tem que ser assumida uma POLÍTICA NACIONAL5 que tenha ramificações consistentes a nível REGIONAL e processos de operacionalização a nível LOCAL6. Não podemos continuar a viver de casos isolados que apenas confirmam a regra. Toda a comunidade educativa tem de sentir a diferença, que há vontade e querer em proporcionar as oportunidades educativas da EF aos alunos do 1º CEB, envolvendo os seus professores. Refira-se que os professores de EF dos níveis de escolaridade seguintes, consideram a ausência de EF no currículo real das escolas do 1º CEB, como uma das razões estruturais para considerarem os programas de EF parcialmente adequados à realidade nacional e à sua realidade pessoal (NEVES, 1995).

    Com escrevemos relativamente ao Programa de Desenvolvimento da Educação Física e Desporto Escolar - 1º CEB (1996):

     "...entendemos que um programa desta natureza, mais importante do que proporcionar os benefícios da EF às crianças, neste momento, terá como objectivos estratégicos envolver instituições e entidades, estimular os hábitos e rotinas nas escolas e no trabalho dos professores do 1º Ciclo do EB. Pensamos que os professores nas diferentes estruturas têm de sentir que o programa é mesmo para continuar, que ha vontade política de intervir em EF no 1º Ciclo do EB, que não é mais uma das experiências "pensadas nos gabinetes do ME", que as vontades e os recursos humanos, materiais e financeiros vão mesmo surgir ao longo do PRODEFDE." (NEVES e al. 1997)


5. Educação Física - Aprendizagem e Desenvolvimento ou... Nada

    Em função do atrás exposto é lícito pensarmos que a EF ou é vista como área de APRENDIZAGEM e consequente DESENVOLVIMENTO dos alunos, ou a partir das concepções mal definidas dos professores, aqueles não lhe atribuem conteúdo significante em termos educativos. Ousemos pois, ser totalitários nas ideias. A EF no 1º CEB ou é vista pelos professores como área onde os alunos realizam aquisições e aprendizagens com gosto e prazer, capazes de desenvolver capacidades, hábitos, atitudes e valores, através da apropriação de uma CULTURA MOTORA (CRUM, 1993) ou será apenas um espaço mais ou menos pedagógico utilizado pelos professores como "plataforma para exercício interdisciplinar", "rebuçado prémio/castigo", ou "válvula de libertação energética". Num estudo exploratório junto de 27 crianças do 3º ano de escolaridade7, estas quando questionadas sobre o que aprendiam nas aulas de EF identificavam em 82,3% "Aprendizagens Específicas". O que traduz a percepção de conteúdo específico que as crianças atribuem à EF.

    Quando falamos de aprendizagem e desenvolvimento, queremos referenciar o domínio do corpo próprio, o conhecimento das capacidades motoras, atitudes e valores, a aquisição de destrezas que contribuam para uma vinculação mais significativa de cada criança às actividades físicas e desportivas. Os alunos não aprendem sozinhos. A diversidade das situações, das matérias, dos contextos, pressupõe a necessidade de estruturar sequências de ensino-aprendizagem ajustadas ao nível dos alunos. Assim, quando aludimos à aprendizagem por parte dos alunos, temos de partir do princípio de que o Professor se coloca numa atitude de ENSINO. Conforme destaca CARREIRO DA COSTA (1997: 9):

     "...o ensino em EF é um processo interpessoal, intencional, visando não só promover a aprendizagem de matérias e habilidades específicas, mas também o desenvolvimento de competências sócio-culturais essenciais à socialização e à integração cultural de todos os jovens"

    Entendemos que o aprofundamento do currículo da EF no 1º CEB, será sempre um círculo vicioso, que oscilará alternadamente para um dos lados. Estarão sempre em causa as ATITUDES dos PROFESSORES (concepção, vontade), os RECURSOS MATERIAIS das ESCOLAS (equipamento e espaços), a FORMAÇÃO DE PROFESSORES (inicial e contínua) e as VONTADES POLÍTICAS PARA O SECTOR (recursos financeiros, desenvolvimento de projectos, desencadear de expectativas nos professores). AS CONCEPÇÕES DA EF assumidas pelos diferentes intervenientes (professores, políticos, pais e alunos) constituirão factor determinante para sairmos do baldio pedagógico em que nos encontramos. Para que o currículo proporcionado às crianças, lhes permita ter uma imagem positiva da EF, o papel do professor da classe, o carácter sistemático das aulas e a qualidade pedagógica são fundamentais. Uma percepção da EF como área de aprendizagem e desenvolvimento, apenas será construída a partir da prática do dia à dia, das decisões curriculares tomadas na escola. Não pode ser um qualquer "mal estar docente" (ESTEVE,1992) que anule as oportunidades educativas da EF para milhares de crianças das nossas escolas. Elas merecem-no.


Notas

  1. Estudo exploratório sobre a EF no 1º CEB a partir do que pensam e dizem fazer 47 professores em exercício de funções docentes em 1996/97 nos concelhos de Aveiro e Águeda, inquiridos através de questionário.(NEVES,1997)

  2. Plano Curricular do 1º Ciclo Ensino Básico - Dec. Lei 286/89

  3. "Eu deixo-lhes os planos todos e ...eles não fazem nada. Deixo a papinha toda feita." (Professor de Apoio à EF,1997).

  4. CASTANHEIRA, Olga, NEVES, Rui, COUCEIRO, Fernanda (1997). "Educação Física no 1º CEB - A Voz dos Professores" (policopiado). Universidade de Aveiro

  5. Façamos força para que o PRODEFDE-1ºCEB do Ministério da Educação seja uma realidade no quotidiano das nossas escolas do 1º CEB.

  6. Como exemplo das dificuldades para inverter a actual situação refira-se a situação em dois concelhos que desenvolvem há dez anos um programa de apoio à EF no 1º CEB (equipamento, instalações, formação, etc.) constatando que apenas "25% dos professores parecem realizar, pelo menos duas vezes por semana aulas de EF" (MONTEIRO,1997:35)

  7. PERPÉTUO, Célia, NEVES, Rui, COUCEIRO, Fernanda (1996). "Educação Física - O Que Aprendem os Alunos ? - representações de alunos do 3º ano de escolaridade". (policopiado). Universidade de Aveiro.


Bibliografia

  • BRÁS, José Gregório Viegas (s.d.). Significado e implicações da existência de Educação Física no 1º Ciclo do Ensino Básico. DESAS/EDUCAÇÃO. Município de Oeiras.

  • CARREIRO DA COSTA, Francisco (1996). Condições e Factores de ensino-aprendizagem e condutas motoras significativas: uma análise a partir da investigação realizada em Portugal. Boletim SPEF, nº14, Outouno, 7-32.

  • CRUM, Bart (1993). A Crise de Identidade da Educação Física - Ensinar ou não Ser, eis a Questão. Boletim da SPEF, nº 7/8 Inverno/Primavera, 133-148.

  • DGEBS (1990). Ensino Básico - Programa do 1º Ciclo. Ministério da Educação.

  • ESTEVE, José Manuel (1992). O Mal-Estar Docente. Escher/Fim de Século Edições.Lisboa.

  • MONTEIRO, José Eduardo da Silva (1997). A Educação Física no 1º CEB: Características das Instalações para o Desenvolvimento Integrado. Revista Horizonte, vol. XIII, nº 75, 35-39.

  • NEVES, Rui (1995). Os Professores e os Programas de Educação Física - Representações e Atitudes. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física - Universidade do Porto.

  • NEVES, Rui , e outros (1997). Parecer sobre PRODEFDE. Universidade de Aveiro (doc.)

  • PERRENOUD, Philipe (1994). "A Organização, A Eficácia e a Mudança, Realidades Construídas pelos Actores" 133-159 in A Escola e a Mudança (ed. Thurler & Pherrenoud). Escolar Editora. Lisboa.

  • PIERON, Maurice, CLOES, Marc, DELAFOSSE, Catherine, LEDENT, Maryse (1995). A Experiência Pedagógica "Renovação do Ensino Elementar - Desenvolvimento Corporal das Crianças dos 2,5 aos 12 anos". Boletim SPEF, nº12, Inverno, 31-58.

  • ROCHA, Leonardo & BRITO, Manuel (1992). Espaços para a Educação Física - Proposta de Reorganização das Escolas do 1º Ciclo do Ensino Básico. Boletim SPEF, nº5/6 Verão/Outono.107-119.

  • SHULMAN, L.(1986). Paradigms and Research Programs in the Study of Teaching: A Contemporary Perspective. in Merlin Wittrock (Ed.). Handbook of Research on Teaching. 3rd Edt. 3-35. New York: Macmillan.

  • THURLER, Monica Gather (1994). As Dinâmicas de mudança internas aos sistemas educativos: como os profissionais reflectem sobre as suas práticas. 61:90. In A Escola e a Mudança (ed. Thurler& Pherrenoud).Escolar Editora. Lisboa.


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