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Ageism no processo de formação de professores
Arminia de Sá Coutinho

http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 5 - N° 26 - Octubre de 2000

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    Entretanto, pensamos não bastar a pequena ajuda daqueles que já desenvolveram dentro de si o amor, a piedade e a misericórdia. É preciso lutar pelo resgate da cidadania dos idosos, por exemplo, começando a por em prática as leis existentes que valorizam e assistem o cidadão nesta última etapa da vida.

    Por outro lado, inegavelmente vivemos numa sociedade que busca com desespero negar a velhice. Cada um de nós tende a negá-la também. Não se consegue olhá-la de frente. Um dos desafios de nosso tempo é manter os idosos integrados na sociedade, tanto pelo trabalho como por mudanças nas idéias e nas opiniões das pessoas a esse respeito. A violência contra os direitos dos idosos é mais sentida, principalmente, nos países que ainda não solucionaram seus problemas básicos de distribuição de renda, saúde e educação.

    Para que o idoso tenha o seu reconhecimento dentro da sociedade, devemos educar as crianças e os adultos através de uma educação para e sobre o envelhecimento. Uma sociedade sem velhos é incompleta. A presença dos velhos é a ligação com o passado, um fator de estabilidade.

    A democracia é um problema central do mundo moderno, mas bastante complicado pelas interpretações que a ela são dadas, através de alinhamentos políticos e culturais. Para conhecer a anatomia do Estado pode-se procurar conhecer como está a sociedade civil. Qual a relação de igualdade real versus igualdade formal em dada sociedade. A sociedade civil e as relações de igualdade real versus igualdade formal identificam as desigualdades sociais, e é possível, dessa forma, conhecer como vivem os idosos em dada sociedade (DONATO, CANÔAS In: PAPALEO NETO, 1996).

    Para se compreender cidadania é necessário, por exemplo, refletir sobre a questão da consciência de si (individual) e da consciência de classe na luta pela construção de uma democracia mais justa e igualitária. Entender como os brasileiros exercitam sua cidadania no momento nos remete a um passado recente, no qual os fatos acontecidos parecem ser determinantes da atual situação, e nos revelam um processo histórico de exclusão social. Para que todos os indivíduos possam a vir a ser cidadãos, terão que passar por um processo de compreensão da própria individualidade para depois poderem compreender sua participação nos sujeitos coletivos.

    A questão do idoso e da cidadania leva-me a refletir sobre o que esperar desses homens e mulheres, envelhecidos em sucessivos períodos governamentais de tradição ‘protecionista’, quando se ignora a possibilidade mais sofisticada da inteligência humana, que é a de conhecer a realidade, criticá-la, refletir, tomar decisões, enfim, ser sujeito da história. Em nossa sociedade os idosos têm sido ‘protegidos’, como se isso fosse respeito. A proteção barra seu desenvolvimento como pessoa, que só cessa com a morte. Somente seguindo as recomendações da Assembléia Mundial das Nações Unidas, em particular a recomendação número 32, que estabelece programas educacionais para idosos é que se poderá estimulá-los a serem cidadãos livres, válidos, respeitados pelo que são e não por seus cabelos brancos (apud VERAS,1994).

    Precisamos estar preparados para lidar com a velhice, com este problema de ordem tão profundamente humano, mas não estamos. Poderíamos pensar como o mestre Buda que, ainda jovem, nas suas primeiras reflexões de vida descobre “que já somos habitados pela nossa futura velhice” (apud BEAUVOIR, 1990. p. ????).

    Acreditamos que a velhice é uma tragédia, que é o fim de tudo. Pergunto: será que está aí a negação da velhice? Quantas pessoas dizem que preferem morrer a ficarem velhas? Toda e qualquer pessoa em qualquer fase de sua existência - é ‘única’ no mundo com uma missão precisa e individual a ser cumprida. Isto não termina aos 60 ou 65 anos de idade, mas sim marca o começo de uma nova fase da vida onde podem e devem existir novos horizontes.

    Talvez se fossemos educados desde a infância para chegarmos a velhice, se desde cedo, houvesse uma educação voltada para e sobre o envelhecimento, se houvesse uma educação conscientizadora sobre as limitações que a idade avançada nos impõem através do aspecto biológico, talvez assim chegássemos a velhice, naturalmente, sem nenhum preconceito e vivendo os últimos anos de vida com dignidade.

    Os profissionais que trabalham com idosos, se acreditarem na importância de considerá-los como cidadãos, necessitam fazer uma profunda reflexão sobre o assunto, para que cidadania não faça parte apenas de seus propósitos e de uma fraseologia vazia. Cidadania não pode ser vista como a moda do momento ou como uma panacéia.

    As transformações sofridas pela estrutura familiar nos últimos anos - como o número cada vez maior de divórcios e a alta taxa de desemprego, os avós passaram a ficar mais tempo com os netos; há muitos casos de bisavós assumindo as tarefas dos pais, inclusive contribuindo financeiramente para o sustento do neto; a existência de muitas jovens que engravidam e criam o bebê na casa dos pais; estas adolescentes com seus filhos provocam outro dado curioso dos anos 90: a convivência de quatro gerações - desencadearam um novo fenômeno que só agora começa a ser percebido: os idosos estão voltando à escola, em busca de uma formação educacional que possa ‘garantir’ uma atividade econômica rendável. Tudo isto, geralmente, para complementarem aposentadorias insignificantes ou para progredirem em seus atuais empregos, conseqüências da péssima política salarial durante todo o ciclo de vida ativa e da má distribuição de renda em nosso país.

    Entretanto, essa volta a escola por parte de pessoas mais velhas não se faz sem problemas. Há evidências que pode ocorrer, por exemplo, um ‘conflito de gerações’ nesse momento, como no caso de professores de 1ª a 4ª série do Ensino Fundamental da Prefeitura Municipal de Manaus, que decidiram complementar seus estudos na Universidade Federal do Amazonas, onde as aulas são ministradas nas turmas com alunos mais jovens. Os companheiros mais velhos sentem-se deslocados devido as suas ‘ limitações’. Mas a troca de experiência poderá ser enriquecedora, o idoso participa mais do mundo e se integra à sociedade (JORNAL DO BRASIL. 26 set l999. p.12).

    No exercício de minha vida profissional pude perceber o desenvolvimento desse fenômeno, da forma que procuro relatar a seguir. Em 1983 ingressei no corpo docente do Curso de Formação de Professores de 1ª a 4ª série do 1º grau, no Instituto Martin Luther King, em Vilar dos Teles, no município de São João de Meriti, no Estado do Rio de Janeiro. Comecei lecionando a disciplina Fundamentos Psicológicos da Educação, e hoje também exerço a função de coordenadora desse curso. Por força deste último trabalho venho observando, nos últimos cinco anos, que um considerável número de alunas oriundas do Instituto de Educação de São João de Meriti, instituição pública também no Estado do Rio de Janeiro, têm procurado transferir-se para instituições particulares da Baixada Fluminense. São todas do sexo feminino, com idade acima de sessenta anos e da classe trabalhadora.

    Na entrevista para autorização da transferência, procuro informar-me sobre os motivos que as levam a sair de uma instituição pública para uma particular. Como resposta, queixam-se que se sentem discriminadas e perseguidas tanto pelas colegas, quanto por alguns membros do corpo docente, devido à idade avançada. São pessoas que durante muito tempo em suas vidas alimentaram o sonho de serem professoras. Por motivos econômicos, sociais e particulares foram impedidas, quando jovens, de freqüentar uma escola normal. Casaram, formaram e cuidaram de suas famílias. Educaram seus filhos e continuam a lutar contra preconceitos familiares como o que mulheres idosas devem apenas continuar cuidando das suas famílias, através dos netos.

    Chegando em uma instituição educacional pública têm que travar uma nova batalha com professores e colegas que não estão preparados para receber pessoas envelhecidas que vieram em busca de um sonho que durante muito tempo ficou latente. Parecem não conseguir acompanhar os conteúdos programáticos propostos pelos professores; alguns vícios de linguagem (dislalia social) levam-nas a um constrangimento diante da classe e, geralmente, são incentivadas a desistir do curso sob a alegação de que o mercado de trabalho está saturado. Lutam, mas acabam se evadindo ao serem reprovadas ao final de cada ano letivo; em resumo são excluídas do sistema educacional público.

    As batalhas travadas por estudantes idosas permitem supor a dificuldade que uma instituição pública tem em lidar com pessoas idosas no seu corpo discente. Parece clara, portanto a existência do fenômeno do ageism, termo ainda sem equivalente na língua portuguesa, mas que pode ser entendido como um processo sistemático de elaboração de estereótipos, preconceitos e discriminações com base na idade das pessoas, da mesma forma que os termos racismo e sexismo o fazem em relação a raça e ao gênero (BUTHER, 1987. p. 22).

    Assim, a evasão de alunos idosos em cursos oferecidos por instituições públicas na Baixada Fluminense parece-nos um problema pouco investigado, mas relevante no contexto das discussões sobre exclusão social e resgate da cidadania de pessoas idosas no contexto educacional brasileiro.


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