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Influência do nível de desenvolvimento cognitivo na tomada de
decisão durante jogos motores de situação
Fernando J. Gonzalez

http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 5 - N° 25 - Setiembre de 2000

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    A freqüência de uso de três recursos táticos (ataque: finta, escolha, deslocamento) em dez eventos do jogo (10 ataques), registrada nas fichas será apresentada em tabelas para cada um deles. Na Tabela 2, são apresentadas as freqüências absoluta e relativa do uso do recurso tático "escolha", na fase de ataque dos grupos pré-operatório e operatório.

Nível Utilizou Utilizou-med. Não utilizou Total
Pré-operatório 2 5 41 48
4% 10% 86% 100%
Operatório 38 15 7 60
63% 25% 12% 100%
Tabla 2. Freqüência relativa e absoluta do uso do recurso tático
"escolha", nos grupos pré-operatório e operatório.

    O qui-quadrado calculado a partir da tabela acima é de 64,56; o qui-quadrado tabelado para ( = .001, com 2 graus de liberdade é igual 13.8. Estes valores comparados, implicam na rejeição de Ho. Neste sentido, verifica-se que existe diferença, a um nível de significância de .001, no uso do recurso tático escolha, entre as crianças com níveis de desenvolvimento cognitivos operatório-concreto e pré-operatório.

    A Tabela 3 mostra as freqüências relativa e absoluta de uso do recurso tático finta, na fase de ataque dos grupos pré-operatório e operatório.

Nível Utilizóu Utilizóu-med. Não utilizou Total
Pré-operatório 1 1 46 48
2% 2% 96% 100%
Operatório 18 11 31 60
30% 18% 52% 100%
Tabla 3. Freqüência relativa e absoluta do uso do recurso tático "finta",
nos grupos pré-operatório e operatório.

    O qui-quadrado calculado a partir da tabela anterior é de 25,44, e o qui-quadrado tabelado para (= .001 e 2 graus de liberdade é igual 13.8. Dessa maneira, recusa-se Ho. Portanto, pode-se afirmar que existe diferença a um nível de significância de .001, na freqüência de uso do recurso tático finta, entre os grupos de desenvolvimento cognitivos operatório-concreto e pré-operatório.

    A Tabela 4, permite comparar as freqüências relativa e absoluta do uso do recurso tático deslocamento para frente, na fase de ataque dos grupos pré-operatório e operatório.

Nível Utilizóu Não utilizou Total
Pré-operatório 7 41 48
15% 85% 100%
Operatório 51 9 60
85% 15% 100%
Tabla 4. Freqüência relativa e absoluta do uso do recurso tático "deslocamento para frente na fase de ataque",
nos grupos pré-operatório e operatório.

    A partir da tabela acima, o qui-quadrado encontrado para este o valor é 53,56. Sendo o qui-quadrado tabelado para ( = .001, com o grau de liberdade 1, igual a 10.82, Ho é rejeitada. Assim, pode-se afirmar que, a um nível de significância de .001, existe diferença no uso do recurso tático deslocamento para frente na fase de ataque, entre os níveis de desenvolvimento cognitivos operatório-concreto e pré-operatório.


3.2 Discussão dos resultados

    Pode-se observar na Tabela 1 a acentuada diferença nas porcentagens entre crianças no estágio operatório (87,5%) e pré-operatório (0%), que fizeram referência, na entrevista, à escolha do setor da linha de fundo onde o oponente não se encontrava em condições de interromper o deslocamento da bola, no momento de selecionar a direção do arremesso. Esta diferença, entre as crianças com um nível de desenvolvimento cognitivo pré-operatório e um nível operatório-concreto, fica claramente exposta novamente, através da freqüência com que os recursos táticos são utilizados durante a execução do jogo. Como mostra a Tabela 2, a escolha do setor da linha de fundo, onde o oponente não se encontrava, era um recurso muito pouco utilizado pelo grupo pré-operatório (4%) e utilizado freqüentemente pelo grupo operatório (63%).

    Estes dados permitem inferir que estruturas operacionais diferenciadas, identificadas para estes estágios por Piaget (1986), ou como afirma Almeida et al. (1989) as diferentes inteligências das que permite falar esta perspectiva, influenciam as possibilidades de reflexão e atuação no jogo de situação.

    Dois dos elementos mais característicos do estágio de pensamento pré-operatório são o egocentrismo, manifestado pela impossibilidade de colocar-se numa perspectiva diferente a própria, e a incapacidade de conservação, caracterizada pela impossibilidade de observar mais de um aspecto, de uma situação problemática, ao mesmo tempo. Esta incapacidade para descentralizar a atenção talvez tenha, a partir do evidenciado nos resultados deste estudo, significativas implicações na possibilidade de programação motora.

    Payne e Isaacs (1991) destacam que, neste período da vida de movimento infantil, a incapacidade para considerar os múltiplas aspectos de um problema, inibe o esforço infantil para participar de jogos ou atividades que envolvam complexas estratégias ou múltiplos movimentos. Estes autores colocam como exemplo, o fato de comumente observar-se que crianças pequenas, envolvidas em um jogo de futebol, têm sua atenção somente focalizada em seu objetivo de marcar um gol, e no elemento que perceptivelmente lhe é mais relevante, a bola. Desta forma eles são insensíveis à possibilidade de dar um passe a um colega de jogo da equipe.

    Pode-se, neste esforço de interpretar a lógica das táticas do grupo pré-operatório, tomar como relevante, na tarefa-jogo de situação deste estudo, o fato destas crianças, na fase de ataque, não conseguirem tirar sua atenção do elemento mais relevante da quadra adversária, o oponente, o que levou a arremessar constantemente para ele, sem considerar um outro elemento significativo deste sistema, a linha de fundo. Em decorrência disso, pode-se pensar que a impossibilidade de descentralização que a criança pré-operatória manifesta nas provas de conservação, também influencia no momento da tomada de decisão das ações motoras, ou seja, no momento da antecipação subjetiva da ação (Nitsch, 1978). Também é lícito pensar, a partir da ausência de referências a estratégias de jogo nas entrevistas do grupo pré-operatório, na impossibilidade das crianças de antecipar a ação. Podería-se inferir disso, a falta de um modelo interno da ação motora a nível intelectual, ficando a ação sob a direção somente da idéia de meta final e uma recombinação de experiência anteriores.

    Aproximadamente aos 6-7 anos, parte dos indivíduos entra no terceiro estágio de desenvolvimento cognitivo de Piaget, o operatório-concreto. Neste nível de desenvolvimento, as crianças ganham a habilidade para conservar, colocando uma das maiores características deste estágio, a capacidade de descentralizar a atenção de uma única variável numa situação problema. De maneira diferenciada ao estágio pré-operatório, esta habilidade para descentralizar a atenção, própria do estágio operatório, pode ter uma importante implicação para o desenvolvimento motor, particularmente com referência aos jogos de situação (Payne e Isaacs, 1991). Também neste estágio de desenvolvimento, as crianças gradualmente adquirem a habilidade para mentalmente modificar, organizar ou reverter eventos em seus processos de pensamento, o que permitiria o aparecimento da antecipação, com maior nível de intervenção nas ações motoras.

    Os dados das entrevistas, expostos na Tabela 1, mostram que as idéias que orientam as ações da crianças com um nível de desenvolvimento cognitivo operatório são claramente diferentes daquelas que encontram-se num nível pré-operatório. As primeiras fazem referência concreta ao sistema de relações existente entre o oponente e a linha de fundo e, em conseqüência, consideram o colega de jogo no momento de decidir onde arremessar a bola. Entretanto, nenhuma das crianças com um nível de desenvolvimento intelectual pré-operatório fez referência ao colega e sua relação com a linha de fundo, no momento de explicar em que havia pensado para marcar o gol, ou o que pensava para marcar o próximo, ficando apenas numa descrição das ações e/ou das caracterizações das mesmas (ex.: velocidade e potência). Contrariamente, a atitude mais freqüente nos sujeitos operatórios, quando considerado o recurso tático da escolha, consistiu em considerar os elementos linha de fundo e oponente. Por exemplo:

    A. (6 anos e onze meses - operatório) Onde você quis arremessar? - Lá onde esta o cone. Como é?, ... o cone laranja.- E o que aconteceu? - Eu quis arremessar com muita força e a bola se foi para lá.- Por que você queria arremessar aí? - Porque o Nacho estava mais ao meio, e lá tinha muito lugar e lá tinha pouco e então queria arremessar lá.

    O grupo em transição, como é exposto na Tabela 1, assemelha-se ao grupo operativo nas respostas sobre o tipo de táticas utilizadas durante o jogo. Porém, notou-se que um maior número de intervenções transcorreram até que as táticas fossem mencionadas. Também verificou-se uma regressão no uso das descrições das ações, em intervenções posteriores àquelas onde tinham explicado alguns elementos táticos.

    O denominado período de transição, observado por Piaget e colaboradores, caracteriza-se por apresentar elementos do estágio precedente, neste caso o pré-operatório, e do estágio ao qual o desenvolvimento se dirige, o operatório. Precisamente, as crianças deste estudo, classificadas nesta condição, apresentaram em um primeiro momento, condutas próprias comuns às crianças do estágio pré-operatório, ou seja, arremessando em direção ao adversário, sem procurar as laterais da quadra, permanecendo fixos no fundo de seu campo e nas entrevistas limitaram-se às descrições das ações e dos objetivos. Mas, no transcurso do jogo foi aparecendo o uso de alguns recursos táticos, bem como nas respostas misturaram as descrições com referências às estratégias de jogo. Estes dados permitem novamente estabelecer uma aparente relação entre o pensamento operatório e maior capacidade de elaborar estratégias para operar no jogo de situação e, desta maneira, o caráter de pensamento em transição permitiria apresentar características tanto do nível pré-operatório como do operatório.

    Outro elemento que permite identificar as diferenças nas estratégias entre os níveis de desenvolvimento cognitivos considerados, é refletido pelas freqüências relativas de sujeitos de cada grupo que fizeram referência, na entrevista, à finta como recurso para conseguir a meta do jogo. Sendo para o grupo no estágio operatório de 62% e para o pré-operatório 0 %. Neste sentido, a Tabela 3 mostra as freqüências de uso do recurso tático finta na fase de ataque dos grupos com desenvolvimento cognitivo pré-operatório e operatório, permitindo observar uma marcada diferença entre ambos os grupos a favor do segundo.

    A finta é uma clara medida da antecipação complexa dos jogos de situação, já que o jogador esforça-se constantemente para fazer com que o adversário reconheça, o mais tarde possível, o resultado previsto e as ações decisivas do jogo. Como comentam Meinel e Schnabel: o atleta [e a criança F.G.] que finta, prevê na sua ação como resultado final o alcance de uma determinada colocação de objetivo tático. Esta antecipação do objetivo pressupõe já a antecipação de situação e a análise da situação tratada que normalmente inclui a comparação de várias variantes da próprias ações motoras com as ações e reações do adversário (1987, p.34).

    Porém, as crianças que fintam, estão mostrando sua capacidade de antecipar a situação e analisar a situação tratada. Como exemplo expõe-se a conversa de uma criança, descrevendo sua idéia de finta:

    M. (6, 7 anos -operatório): (o sujeito, em uma intervenção anterior, tinha dito que utilizava a finta) Me diz, o que é uma finta? -Bem é arremessar, como arremessar uma bola parar e arremessar para o outro lado.- Como você faz para pensar isso? - E... me pergunto a mim mesmo.- Como assim? - Que coisas você se pergunta? - Que vou fazer um gol, que vou conseguir fazer um gol, que vou conseguir fazer uma finta para o gol.- Como você pensa em isso? - E, dizendo a mim mesmo.

    Precisamente no estágio operatório-concreto, a criança ao atingir estes níveis de habilidade cognitiva é capaz de mentalmente representar objetos ou uma série de eventos ou ações, e como indica Payne e Isaacs (1991, p. 29) "the child can facilitate many movement activitis by formulating strategies for or expectations about an opposing player's or team's possible intent", tornando-se desta maneira capaz de considerar mentalmente prováveis eventos ou ações, ou em outras palavras, pode "antecipar" os resultados ou calcular de forma adequada as ações dos oponentes.

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