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O gênero feminino na prática futebolística da 

educação física escolar: os reflexos do habitus sexista

The feminine gender in football practice of physical education: reflections of sexist habitus

El género femenino en la práctica futbolística de la educación física escolar: los reflejos del habitus sexista

 

*Graduado em Educação Física Plena, Mestre em Ciências Sociais Aplicadas pela Universidade

Estadual de Ponta Grossa e Doutorado em História pela Universidade Federal do Paraná

**Graduada em Educação Física licenciatura e mestranda em Ciências Sociais

Aplicadas pela Universidade Estadual de Ponta Grossa

(Brasil)

Miguel Archanjo de Freitas Junior*

mfreitasjr@uepg.br

Marcela Caroline Pereira**

marcela.91pereira@gmail.com

 

 

 

 

Resumo

          O objetivo do presente estudo é identificar os fatores que sustentam a escolha esportiva das alunas do Colégio Estadual General Osório (2015). Para tanto realizamos a aplicação de uma questão e para análise dos resultados utilizamos os pressupostos metodológicos, denominado Discurso do Sujeito Coletivo (DSC), proposto por Lefevre e Lefevre (2000). Compreendemos que um habitus sexista subsidiou a escolha esportiva das discentes, pois a maior preferência é pelo o voleibol (37,93%) - modalidade historicamente reconhecida como prática feminina, em detrimento ao futebol (8,05%) - reconhecido como prática masculina. Sendo assim, na medida em que as estruturas sociais contribuem para a construção e a permanência de disposições que reforçam as distinções entre os gêneros, acabam resultando em um prejuízo na habilidade motora das meninas. Bem como, conservam um habitus sexista que fortalece a existência de práticas destinadas para meninos e outras para meninas. Sendo assim é necessário que o professor de Educação Física reflita sobre essas questões e trabalhe no sentido de desconstruir tais desigualdades.

          Unitermos: Futebol. Futebol feminino. Discentes.

 

Abstract

          This present study aims to identify factors that support the sport choices of female students of the State College of Paraná denominated General Osório (2015). Therefore, we achieve the application of a question and, to and to analyze the results we used the methodological assumptions, called Collective Subject Discourse (DSC), proposed by Lefevre and Lefevre (2000). We understand that the sexist “habitus” subsidized the sport choice of female students, because most preference is for volleyball (37.93%) - modality historically recognized as female practice, to the detriment to football (8.05%) - recognized as male practice. Accordingly, to the extent that social structures contribute to the construction and permanence arrangements that reinforce the distinctions between the genders, result in a loss in motor skills of girls. As well as, keep a sexist “habitus” strengthens the existence of practices designed for boys and another for girls. So, is necessary that the physical education teacher reflect on these questions and work towards to deconstruct these inequalities.

          Keywords: Soccer. Female soccer. Students.

 

Resumen

          El objetivo del presente estudio es identificar los factores que sustentan la elección deportiva de las alumnas del Colegio Estatal General Osorio (2015). Para ello realizamos la aplicación de una pregunta y para el análisis de los resultados utilizamos los presupuestos metodológicos, denominado Discurso del Sujeto Colectivo (DSC), propuesto por Lefevre y Lefevre (2000). Entendemos que un habitus sexista fue el soporte de la elección deportiva de las estudiantes, pues la mayor preferencia fue por el voleibol (37,93%) -modalidad históricamente reconocida como práctica femenina-, en detrimento del fútbol (8,05%), reconocido como práctica masculina. Siendo así, en la medida que las estructuras sociales contribuyen a la construcción y la permanencia de disposiciones que refuerzan las distinciones entre los géneros, acaban resultando en un perjuicio en la habilidad motora de las niñas. De esta manera, conservan un habitus sexista que fortalece la existencia de prácticas destinadas para niños y otras para niñas. Por lo tanto, es necesario que el profesor de Educación Física reflexione sobre estas cuestiones y trabaje en el sentido de deconstruir tales desigualdades.

          Unitermos: Fútbol. Fútbol femenino. Estudiantes.

 

Recepção: 11/01/2017 - Aceitação: 12/07/2017

 

1ª Revisão: 08/06/2017 - 2ª Revisão: 09/07/2017

 

 
Lecturas: Educación Física y Deportes, Revista Digital. Buenos Aires - Año 22 - Nº 230 - Julio de 2017. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    Este estudo resulta da experiência no Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), e do subprojeto de Educação Física, desenvolvido no Colégio Estadual General Osório1. Durante o período de docência, enfrentou-se a resistência das alunas do ensino médio quanto ao conteúdo prático do futebol. Algo que pode ser visto como contraditório, uma vez que estudiosos indicam que este esporte teve papel relevante “na construção da identidade nacional brasileira, na medida em que foi se transformando numa ‘paixão nacional’ [...]”. (Ribeiro, 2002, p.1).

    Diante disso, é possível perceber algumas discrepâncias quando se trata da participação feminina no futebol. Na estrutura escolar supracitada, além da resistência, notou-se que a última Copa do Mundo de Futebol Masculino (2014), todos incorporaram o verde e o amarelo. Segundo Daolio (2003a), o país se mobiliza em dias de megaeventos como esse e milhares de brasileiros torcem pela seleção. Entretanto a Copa do Mundo de futebol feminino (2015), não desencadeou comportamentos, nem próximos, aos demonstrados no Mundial masculino.

    Ao comparar o gênero feminino e masculino nesta modalidade é importante levar em consideração os aspectos históricos e culturais que são determinantes. Neste sentido, Daolio (2003a) compreende que a construção dos corpos se deu com base nas funções culturais de cada sociedade, sendo subsidiada pelas diferenças biológicas. Desta forma, não é uma questão de igualar meninas e meninos na prática futebolística das aulas de Educação Física, mas perceber a existência de diferenças que não são naturais e podem influenciar nas escolhas e na prática dos discentes pelo esporte. Diante deste contexto o objetivo deste estudo foi identificar e analisar os fatores que sustentam a escolha esportiva das alunas do Colégio Estadual General Osório (2015)?

Metodologia

    Para cumprir o objetivo proposto, realizou-se um estudo de caso, de cunho qualitativo. Optou-se por aplicar uma questão aberta, para uma amostra de 87 das 118 alunas do Ensino médio do Colégio Estadual General Osório, no ano letivo de 2015, com faixa etária de 14 a 18 anos. Segundo Gil (1989), o questionário é uma significativa técnica de investigação, que objetiva obter "conhecimento de opiniões, crenças, sentimentos, interesses, expectativas, situações vivenciadas etc." Para análise dos resultados, utilizou-se o método Discurso do Sujeito Coletivo (DSC), proposto por Lefevre e Lefevre (2000). Ele permite a elaboração de uma síntese dos discursos semelhantes em apenas um, porém não reduz os depoimentos extraídos, permitindo analisar as formas de pensar dos indivíduos entrevistados.

A estruturação do habitus e sua influência nas relações de gênero

    Os esquemas de pensamentos normalmente são inscritos de formas dicotômicas de classificação mítico-rituais (alto/baixo, direita/esquerda, etc.). Nessa lógica, as atividades foram divididas com base nas oposições entre masculino e feminino, as quais são construídas socialmente e parecem estar na "ordem das coisas" de forma naturalizada, como se fossem irreversíveis.

    Esse programa social de percepção incorporada aplica-se a todas as coisas do mundo e, antes de tudo, ao próprio corpo, em sua realidade biológica [...]. A diferença biológica entre os sexos, isto é entre o corpo masculino e o corpo feminino, e, especificamente, a diferença anatômica entre os órgãos sexuais, pode assim ser vista como justificativa natural da diferença socialmente construída entre os gêneros, [...]. (Bourdieu, grifo do autor, 2014, p. 24).

    Este antagonismo presente no mundo social é incorporado no habitus dos agentes, o qual atua como esquemas de pensamento, influenciando e orientando a percepção, apropriação e ação dos indivíduos. Sendo assim, não se pode perder de vista uma análise relacional entre as estruturas objetivas (sociais) e subjetivas (cognitivas) da sociedade, pois os esquemas de disposições não são dissociados das estruturas que as produzem e reproduzem em ambos os gêneros. Esses esquemas duráveis e transponíveis são constituídos social e historicamente e colocados em prática, estando sobre apreciação das regras que regem os campos sociais. (Bourdieu,1983). No campo esportivo e especificamente no subcampo futebolístico, a mulher enfrentou inúmeras dificuldades para inserção neste espaço demarcado hegemonicamente como masculino e masculinizante. (Gabriel, 2015). Segundo Moura (2003), com as primeiras partidas de futebol feminino no início do século XX no Brasil, surgiram opositores que consideravam a prática prejudicial à saúde da mulher, pois poderiam acometer o órgão reprodutor e afetar sua principal função social que era ser mãe.

    Como efeito dos discursos opositores, citamos a promulgação do Decreto-Lei 3.199/1941, que objetivava regulamentar as bases organizacionais do esporte no território brasileiro. Seu artigo 1º estabelece o Conselho Nacional de Desportos (CND), como responsável para orientar, fiscalizar e incentivar a prática esportiva. No artigo 54 determinou a interdição de algumas práticas esportivas para as mulheres como: lutas, boxe, salto com vara, salto triplo, decatlo e pentatlo, tendo em vista que tais modalidades eram incompatíveis a sua natureza. Outras práticas foram permitidas, desde que não apresentasse riscos a saúde da mulher. Para efetivar o disposto no Decreto, em 1965, o CND baixou a deliberação nº 7/65, proibindo a prática do futebol, pólo, pólo aquático e rúgbi, a qual veio a ser revogada somente em 1979.2

    Subjacente a essa interdição, havia a concepção de que o suor excessivo, o esforço físico, as emoções fortes, a rivalidade consentida, os músculos delineados, os gestos espetacularizados do corpo, a liberdade de movimentos, a leveza das roupas e a seminudez, práticas comuns ao universo da cultura física, quando relacionadas à mulher, abrandariam os limites que contornavam uma imagem ideal de ser feminina. Além disso, poderiam desestabilizar a estruturação de um espaço de sociabilidade criado e mantido sob domínio masculino, cuja justificativa para sua consolidação, assentada na biologia do corpo e do sexo, deveria atestar a superioridade deles em relação a elas. (GOELLNER, 2005, p. 144).

    A partir deste contexto, constituiu-se um habitus sexista, o qual está presente nas estruturas sociais e percebe-se que ele conformou a lógica do campo esportivo. Bem como foi construído com base em aspectos anátomo-fisiológicos dos sexos, produzindo e reproduzindo a oposição antagônica entre os gêneros. (Bourdieu, 2014). Na medida em que tais disposições foram sendo interiorizadas nos agentes, influenciaram nas tomadas de posição no campo esportivo, de acordo com as diferenças entre o masculino e o feminino.

    Scott (1990) compreende o gênero como uma categoria útil para análise das relações de poder, das desigualdades e hierarquias sociais construídas ao longo da história. O núcleo da sua definição está subsidiado na conexão de duas propostas: O gênero enquanto um elemento constitutivo de relações sociais baseados nas diferenças entre os sexos e pensar esta categoria como uma forma primária de dar significado às relações de poder. Neste sentido, refletir sobre gênero é perceber as definições que os indivíduos fazem de si próprios e do outro, pois a partir do conhecimento sobre o sexo de um bebê varias ações são desenvolvidas para reafirmar a identidade sexual da criança, por intermédio de símbolos de gênero como cores, roupas e brinquedos. (Knijnik, 2010).

    Para Scott (1990) o gênero é construído histórica/culturalmente, portanto é resultado dos valores produzidos por cada sociedade e evidência os papéis que homens e mulheres exercem. Emily Martin (2012) compreende que se a cultura molda a maneira que os estudiosos, da biologia humana, descrevem o que eles descobrem sobre o mundo natural, então estamos aprendendo que crenças e práticas culturais são naturalizadas. Em relação a isso, Romero (1994) percebe que as brincadeiras, desde a infância são diferentes, enquanto os meninos são estimulados a serem viris, agressivos e corajosos, jogando bola, correndo, subindo em árvores, as meninas são incentivadas a serem frágeis, emotivas e comportadas, brincando com bonecas e panelas. Essas construções de gênero são interiorizadas e muitas vezes compreendidas como naturais dos sexos biológicos. Sendo assim, se ambos tiverem comportamentos que não coadunam com tais características, podem ser reprimidos.

    Vale lembrar a compreensão de Goffman (1967) sobre as diferenças comportamentais que estão constantemente presente na vida dos indivíduos. Essas ações são influenciadas por regras sociais que estão em conformidade com as diferenças culturais de cada sociedade. Essas diferenças entre os comportamentos vão sendo interiorizadas com subsídio de elogios ou críticas

    No ambiente escolar, essas influencias continuam e refletem nas tomadas de posição dos discentes nas aulas de Educação Física. Desta forma, este habitus sexista, pode influenciar na recusa das alunas nas práticas consideradas masculinas como o futebol. "Pois seus corpos são preparados e educados para a dependência e submissão, aliados ao ideal de feminilidade." (ROMERO, 1994, p. 228). Desta forma, é necessário refletir sobre essas disposições que atuam na conformação de estereótipos de gênero, pois essas construções transcendem as escolhas no campo esportivo ou atividades físicas desenvolvidas na estrutura escolar. Pois, percebe-se que determinadas práticas são incentivadas para homens e outras para mulheres, contribuindo para a estruturação de um habitus sexista, que atua como coadjuvante na perpetuação das desigualdades de gênero. Isso pode resultar em um desprestígio na posição dos agentes nos campos sociais, no esportivo, por exemplo, pode-se ter uma perda no aspecto motor para realização de alguma modalidade, neste estudo em especifico observamos uma perda na pratica futebolística.

Resultados

    Os discursos das respondentes serão expostos seguindo os procedimentos metodológicos do DSC (Lefevre; Lefevre 2000). Apresentaremos primeiramente as categorias que emergiram a partir das preferências esportiva encontradas nas respostas das alunas, as quais serão representadas por um único discurso que corresponde ao DSC. Vale salientar que não encontramos ancoragens nesses discursos, entendendo-se ancoragem como “afirmações genéricas usadas pelos depoentes para ‘enquadrar’ situações particulares”. (Lefevre; Lefevre, 2000).

    Questão aplicada: Qual seu esporte favorito? Explique Por quê?

Categorias emergidas das respondentes

    A – Voleibol; B – Basquetebol; C – Queimada; D – Tênis de Mesa; E – Xadrez; F – Futsal; G – Outros3

Figura 1. Resultados quantitativos das discentes (gráfico)

Fonte: A Autora

Discurso do sujeito coletivo

Categoria A – Voleibol, gosto desse esporte porque sempre pratiquei, portanto tenho mais facilidade. É uma modalidade que não é violenta, não tem muito perigo de se machucar. Este esporte trás saúde, gosto bastante da dinâmica do jogo. Eu me sinto bem jogando esta modalidade e passei a gostar de praticar nas aulas de Educação Física.

Categoria B – Basquetebol, pelos benefícios à saúde e aos aspectos físicos. Desde pequena eu pratico essa modalidade, gosto da maneira como é jogado, do que ele proporciona através do jogo. Eu me identifico com esse esporte e conheço bastante suas características. Sendo assim tenho muita facilidade para jogá-lo.

Categoria C – Queimada, pois gosto da dinâmica do jogo, a movimentação, as estratégias e os aspectos físicos que ele proporciona. Além disso, não existe diferença entre os sexos, tanto meninas quanto meninos podem ter um bom desempenho nesta modalidade.

Categoria D – Tênis de Mesa, pela dinâmica do jogo e aspectos físicos que ele proporciona. Pode contribuir para a saúde. Gosto porque sempre joguei bem esse esporte, por não precisar correr, além de não existir contato corporal.

Categoria E – Xadrez, pois proporciona estímulo mental e raciocínio lógico. Bem como não requer esforço físico e nem contato corporal.

Categoria F – Futsal, porque pratico desde criança, desta forma, adquiri um bom desempenho na modalidade e tenho facilidade na prática desse esporte.

Discussões

    O voleibol encontra-se com maior freqüência (37,93%), na preferência esportiva das alunas. Altmann (2006), ao estudar as aulas de Educação Física de um colégio em Porto Alegre, percebeu que automaticamente os meninos dirigiam-se à quadra procurando pelo futebol e as meninas pelo voleibol. A autora salienta que devido os movimentos serem vistos como femininos, como exemplo, a quebra do punho na cortada, essa modalidade foi inicialmente inserida na Educação Física escolar brasileira como prática do gênero feminino. Durante nossas observações de docência nas aulas do Colégio, percebemos situações parecidas:

    Os meninos chegaram à quadra de esportes do colégio, com suas chuteiras calçadas e outros com ela em mãos, vestidos para jogar, com times já formados, fazendo planos para o jogo com uma grande animação, enquanto as meninas sentam-se na arquibancada e se acomodam esperando ser apenas expectadoras. A professora convida a todos para o alongamento, percebemos as expressões dos alunos/alunas, de desinteresse e frustração, eles apresentam uma visão de que elas atrapalham o jogo e elas demonstram não gostar da modalidade que será trabalhada. (Pereira, Diário de Campo, 2015).

    Nunes et al. (2014), em sua analise demonstra que o desinteresse ou interesse dos discentes pela prática futebolística está associada aos aspectos históricos e culturais, confirmando as informações encontradas na literatura sobre temática. Segundo Moura (2003), na década de 1940 os especialistas indicavam às mulheres, esportes como a natação, o tênis e o voleibol. Em contra partida, o futsal, modalidade que se encontra minoritária na preferência (8,05%) das alunas, era visto pelos médicos e militares opositores, como violento e prejudicial à mulher. A “brutalidade” presente no excesso de contato físico provocaria lesões no órgão reprodutor feminino ou em seu corpo considerado frágil. A mulher passa a participar de forma legal, e mais legitimamente do futebol, somente na década de 1980, universo já caracterizado como masculino e masculinizante. Ou seja, existiam concepções que afastavam as mulheres dessa prática, pois acreditavam que além de afetar a saúde, poderia também, masculinizar o seu corpo. Goellner (2005a, p. 143) salienta:

    [...] mesmo que em muitas situações as atletas tenham saído das zonas de sombra, ainda hoje são recorrentes algumas representações discursivas que fazem a apologia da beleza e da femininlidade como algo a ser presevado, em especial, naquelas modalidades esportivas consideradas como violentas ou prejudiciais a uma suposta natureza feminina.

    Diante disso percebe-se a construção do habitus sexista, o qual foi reproduzido e internalizado nos agentes sociais e encontra-se subjacente às escolhas esportivas dessas alunas. Infere-se isso, a partir dos discursos que emergiram das discentes ao justificarem a preferência por modalidades como o voleibol. “É uma modalidade que não é violenta, não tem muito perigo de se machucar. Não requer muito esforço físico e nem contato corporal”. (Aluna I, 2015).

    Romero (1994), ao perceber a existência de um discurso sexista que incentiva comportamentos estabelecidos aos gêneros e subsidiados no sexo biológico, compreende que isso pode resultar em um prejuízo na habilidade motora, que acomete principalmente as meninas. Vale lembrar Daolio (2003), quando relata sobre um episódio ocorrido em uma escola de São Paulo na aula de Educação Física, trabalhando com o voleibol. Na qual uma aluna ao ver que não conseguiu inclinar o seu corpo para recepcionar a bola vinda de um saque, diz: “Por que eu sou uma anta?”. Esta frase contemplava não somente a reação dessa aluna, mas de outras, na medida em que elas sentiam-se inferiores aos meninos em relação à habilidade motora em quase todas as atividades físicas. Não se pode dizer que todas as meninas são desprovidas de habilidade motora, nem que todos os meninos há possuem durante as aulas. A situação se inverte em uma aula que se trabalha a dança – possivelmente os meninos iriam sentir-se incapacitados. Este alerta é importante para evitar uma visão reducionista dos gêneros, tendo em vista que Scott (1990) compreende que as construções de gênero são diversas e plurais em cada sociedade.

Conclusões

    Para realizar as considerações finais deste estudo, retoma-se a pergunta central que serviu como fio condutor de todo o trabalho de pesquisa: "Quais os fatores que sustentam a escolha esportiva das alunas do Colégio Estadual General Osório?”4 A partir da teoria bourdieusiana (1996) compreendeu-se a constituição de um habitus, o qual predispõe os agentes a fazerem suas escolhas, podendo influenciar na tomada de posição das alunas na prática do futebol nas aulas de Educação Física.

    Primeiramente, é importante destacar que as análises realizadas buscaram compreender a temática a partir da relação dialética entre as estruturas sociais e cognitivas. Buscou levar em consideração o contexto histórico do campo esportivo e especificamente do futebol. Pois, é por meio do processo histórico que percebe-se a construção de um habitus sexista, o qual foi produzido e reproduzido até os dias de hoje. Além disso, este percurso nos possibilitou notar como o campo esportivo influência nas relações de gênero e vice-versa.

    Segundo Darido (2001) ocorreram muitas transformações na Educação Física escolar com o aparecimento das novas abordagens pedagógicas como a Sistêmica proposta por Mauro Betti ou a Cultural por Jocimar Daolio, as quais incentivam os professores a questionar a construção do habitus sexista, contribuindo para diminuição da desigualdade entre os gêneros. Entretanto, mesmo com essas contribuições, essas disposições se fazem presentes na realidade escolar estudada, pois foram internalizadas por essas alunas. Segundo Louro (2003), as representações de dominação e sexismo entre os gêneros são produzidas, internalizadas e transmitidas através de aprendizagens e práticas, pelas diversas instâncias sociais e culturais.

    Compreendemos que o habitus sexista subsidiou a escolha esportiva das discentes, na medida em que percebemos que a maioria prefere o voleibol - modalidade historicamente reconhecida como prática feminina, em detrimento ao futebol - reconhecido como prática masculina. Além disso, as alunas buscam realizar esportes que não possuem contato corporal excessivo, mas sim a realização de atividades construídas histórica e socialmente como femininas.

    Neste sentido, pode-se perceber que as estruturas sociais como a escola e a família, ao contribuir para a construção e a permanência de disposições que reforçam distinções entre os gêneros, acabam resultando em um prejuízo na habilidade motora das meninas e conservam um habitus sexista que fortalece a existência de práticas destinadas para meninos e outras para meninas. Sendo assim é necessário que o professor de Educação Física reflita sobre essas questões e trabalhe no sentido de desconstruir tais desigualdades.

Notas

  1. Situado no bairro de Uvaranas na cidade de Ponta Grossa/PR, a qual, tem população de 334.535, IDHM 0,763. População Economicamente Ativa (PEA) 149, 288. Índice de Gini 0,5437. Domicílio na Zona Urbana 97,81%, Renda Média Domiciliar per Capita R$ 862,43. (IPARDES, 2016).

  2. BRASIL. Conselho Nacional de Desportos e Conselhos Regionais de Desportos. Estabelece as bases de organização dos desportos em todo o país. Decreto-Lei nº. 3199. 14 de Abril de 1941. Rio de Janeiro. Abr. 1941.

  3. Nesta categoria estão enquadradas as alunas cujo o esporte favorito são: Ciclismo, Skate, Corrida, Handebol, Patins, Karatê, Balé. Optou-se por não analisá-las, devido o número de respondentes ter sido menor ou igual a duas pessoas na escolha dessas modalidades.

  4. Não é possível dizer que contemplaremos todas as respostas para esta questão, mas realizamos análises que permitem alguns apontamentos acerca da temática.

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