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Ensino médio noturno: as dispensas nas aulas de Educação Física

Escuela Media nocturna: los eximidos en las clases de Educación Física

Night shift high school: the dispenses in the Physical Education classes

 

*Acadêmica do Curso de Licenciatura em Educação Física

do Centro Universitário UNIVATES, Lajeado-RS

**Doutoranda em Ciências do Movimento Humano pela UFRGS

Mestre em Ciências do Movimento Humano pela UFRGS

 Docente do Centro de Ciências Humanas e Sociais 

do Centro Universitário UNIVATES

Bárbara Ohlweiler*

ohlweilerbarbara@hotmail.com

Ma. Silvane Fensterseifer Isse**

silvane@univates.br

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          Esta pesquisa, de cunho qualitativo, teve como objetivo compreender o que leva alunos dispensados pela Lei n° 10.793/03 a não participarem das práticas corporais nas aulas de Educação Física em uma Escola de Ensino Médio noturno do Vale do Taquari/RS. Para a coleta de dados, foram realizadas sete entrevistas com estudantes dispensados e/ou que não participam das práticas corporais das aulas de Educação Física, observações dessas aulas e registros no diário de campo. Os resultados da investigação evidenciam que a escola omite a Lei das Dispensas com a intenção de evitar a evasão dos estudantes das aulas de Educação Física. Nela não há um registro dos que têm direito à dispensa conforme os critérios da Lei. Os legalmente dispensados que usufruem dessa Lei são quatro jovens que possuem atestado médico. Os outros três não participam sistematicamente das práticas corporais nas aulas. A discordância dos alunos em relação aos conteúdos trabalhados, às metodologias usadas em aula e aos modos de a professora de Educação Física relacionar-se com os alunos foram apontados como os motivos pelos quais os mesmos não participam das práticas corporais.

          Unitermos: Dispensas. Educação física. Ensino médio noturno.

 

Abstract

          This qualitative research aimed to comprehend what leads students dispensed by the Law number 10.793/03 not to participate of the corporal practices in the physical education classes in a night shift high school of Vale do Taquari/RS. For data collection, were held seven interviews with dispensed students and/or students who do not participate of the corporal practices in the physical education classes, observations of these lessons and registers in the field diary. The investigation results show that the school omits the Law of Dispensation with the intention of avoiding the evasion of students in the Physical Education classes. In the school, there is not a register of students who have the right to leave according to the Law criteria The legally dispensed students who benefit from this Law are four young that have medical certificate. The other three do not participate in a systematic way of the corporal practices in the classes. The disagreement of the students in relation to the worked contents, to the methodologies used in class and to the ways that the Physical Education teacher relates with the students were appointed as the reasons why students do not participate of the corporal practices.

          Keywords: Dispensation. Physical Education. High school of the night shift.

 

Recepção: 03/02/2016 - Aceitação: 30/08/2016

 

1ª Revisão: 18/06/2016 - 2ª Revisão: 26/08/2016

 

 
Lecturas: Educación Física y Deportes (EFDeportes.com), Revista Digital. Buenos Aires, Año 21, Nº 220, Septiembre de 2016. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    O Estado brasileiro oferece o Ensino Médio gratuitamente à população; portanto, todos os cidadãos podem cursá-lo, predominantemente, nas escolas estaduais e federais. A Constituição da República Federativa do Brasil, no inciso VI art. 208, determina que é dever do Estado garantir a “oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando” (Brasil, 2012, p.1).

    O Ensino Médio, etapa final da Educação Básica, tem a duração de três anos e é possível cursá-lo nos turnos diurno e noturno. Suas finalidades estão explícitas no art. 35 da Lei de Diretrizes e Bases 9.394/96:

    I - a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no Ensino Fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos; II - a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores; III - o aprimoramento do educando como pessoa humana incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico; IV - a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina (Brasil, 1996, p. 12).

    Segundo o artigo 14 das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio:

    IV - No Ensino Médio regular noturno, adequado às condições de trabalhadores, respeitados os mínimos de duração e de carga horária, o projeto político-pedagógico deve atender, com qualidade, a sua singularidade, especificando uma organização curricular e metodológica diferenciada, e pode, para garantir a permanência e o sucesso destes estudantes: a) ampliar a duração do curso para mais de 3 (três) anos, com menor carga horária diária e anual, garantido o mínimo total de 2.400 (duas mil e quatrocentas) horas. (Brasil, 2012, p. 5).

    Essas condições propostas pela Legislação levam a pensar sobre as Leis das Dispensas das aulas de Educação Física no ensino noturno. Segundo a Lei n° 10.793 de 1º de dezembro de 2003, é facultativa a prática da Educação Física em todos os níveis de ensino da Educação Básica (Brasil, 2003). Os alunos a quem cabe essa prerrogativa são os que: 1) cumprem uma jornada de trabalho de seis ou mais horas; 2) têm idade superior a 30 anos; 3) prestam serviço militar inicial ou são obrigados à prática de Educação Física em situação semelhante; 4) são amparados pelo Decreto-Lei  1.044, de 21 de outubro de 1969 (Brasil, 1969), ou 5) têm prole. Ademais, são dispensados temporariamente os estudantes com algum problema de saúde que não lhes permite a execução frequente de exercícios, sendo, nesse caso, necessária a comprovação mediante atestado médico.

    Ao relacionar a dispensa desses alunos à prática da Educação Física, que é um componente curricular que exige conhecimento dos movimentos e da cultura do corpo e o trabalha de forma ampla, fazendo com que os indivíduos passem a compreender o comportamento de sua própria constituição física, pode-se afirmar que

    Um ponto de destaque nessa nova significação atribuída à educação física é que a área ultrapassa a ideia de estar voltada apenas para o ensino do gesto motor correto. Muito mais que isso, cabe ao professor da educação física problematizar, interpretar, relacionar, analisar com seus alunos as amplas manifestações da cultura corporal, de tal forma que estes compreendam os sentidos e significados impregnados nas práticas corporais (Darido, 2007, p. 14).

    Posto isso, o objetivo deste estudo foi compreender o que levava os alunos dispensados pela Lei 10.793/03 a não participarem das práticas corporais nas aulas de Educação Física. Para isso, buscou-se conhecer esses estudantes, verificar se eles sabiam da existência dessa Lei, descobrir o que pensavam sobre as aulas da referida disciplina no Ensino Médio e analisar a sua não participação nas atividades práticas que lhes eram oferecidas pela escola (Brasil, 2003).

Caminhos metodológicos

    Nesta pesquisa, optou-se por utilizar a abordagem qualitativa de caráter descritivo. O trabalho de campo foi realizado em uma Escola Estadual de Ensino Médio da Cidade de Teutônia/RS e dele participaram sete estudantes do Ensino Médio, turno noturno, seis moças e um rapaz, cujas aulas eram ministradas por duas professoras de Educação Física. Como os investigados eram menores de idade, os pais e/ou responsáveis assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido autorizando a sua participação.

    Inicialmente, foi realizada uma conversa informal com a coordenadora pedagógica da escola e foi solicitada a mesma uma lista na qual constasse o nome dos alunos dispensados das práticas corporais das aulas de Educação Física segundo os critérios da Lei 10.793/03. A coordenadora informou que não a possuía e que não costumava comunicar aos seus discentes a existência dessa Lei. Na tentativa de identificá-los, contataram-se as professoras que ministravam a referida disciplina.

    Em seguida, passou-se a observar as turmas de primeiro, segundo e terceiro anos nas aulas de Educação Física. No primeiro dia, identificaram-se três alunos dispensados temporariamente das atividades por questões médicas, os quais foram convidados a participar da pesquisa. Na segunda visita, conheceu-se mais uma aluna com dispensa médica, que também se dispôs a colaborar com a investigação. Constatou-se também que havia três alunos, de diferentes turmas, que não participavam da prática corporal, mas sem amparo legal. Segundo a professora, eles, sistematicamente, não se integravam às aulas da citada disciplina. Questionados se estariam propensos a se envolverem na investigação, responderam afirmativamente.

    Aceitos os convites, realizaram-se, de forma individual, sete entrevistas semiestruturadas em um espaço cedido pela escola, as quais foram gravadas e transcritas. O roteiro inicial sofreu alterações de acordo com as considerações surgidas.

    Em seguida, retoma-se a Legislação referente ao tema da pesquisa e apresentam-se os resultados do estudo.

Compreendendo a legislação

    A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9.394/96 de 20 de dezembro de 1996, no seu Art. 3º, propõe que:

    O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

    I - Igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; IV - respeito à liberdade e apreço à tolerância; V - coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; VI - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; VII - valorização do profissional da educação escolar; VIII - gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino; IX - garantia de padrão de qualidade; X - valorização da experiência extraescolar; XI - vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais (Brasil, 1996, p. 1).

    Nos itens acima, constata-se a importância da presença do aluno nas aulas, considerando-se a ideia de inclusão de todos os cidadãos, bem como o seu direito à liberdade e ao conhecimento. O fato é que os princípios adquiridos na escola contribuem para a vida fora dela. No caso especifico da disciplina de Educação Física, o respeito à cultura corporal de cada pessoa é fundamental para que ela possa aprender algo novo.

    Ainda na Lei n° 9.394/96, no artigo 4º, parágrafo VII, discorre-se sobre a “oferta de educação escolar regular para jovens e adultos, com características e modalidades adequadas às suas necessidades e disponibilidades, garantindo-se aos que forem trabalhadores as condições de acesso e permanência na escola” (Brasil, 1996, p. 2).

    Nesse caso, chega-se a um ponto extremamente relevante desta pesquisa, onde consta que os trabalhadores têm direito à permanência nas aulas e principalmente às condições de acesso. Contrapondo-se aos princípios de inclusão da LDB, em 20 de dezembro de 2003, entrou em vigor a Lei n° 10.793/03, que reeditou dispensas previstas pela Lei 6.503/77 de 13 de dezembro de 1977 (Brasil, 1977), a qual teve sua redação alterada pela Lei 7.692/88 de 20 de dezembro de 1988 (Brasil, 1988).

    Conforme a Lei n° 10.793/03, Art. 1º, “é facultativa a prática da Educação Física em todos os graus de ensino” (Brasil, 2003, p. 1).

    O projeto de lei propõe que a educação física seja facultada a uma determinada clientela, cujo perfil identifica-se com uma população que não teve acesso à educação básica na idade regular, itens I, II, III, VI: trabalhadores, adultos e a jovens em serviço militar, portanto, maiores de 18 anos. A opção dessa clientela à oferta da educação física identifica-se com o art. 37, § 1º, da Lei Nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 – LDB, que trata da Educação de Jovens e Adultos e assim dispõe: "os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e aos adultos que não puderam efetuar os estudos na idade regular, oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as características do alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho, mediante cursos e exames (Brasil, 2003, p. 1).

    A questão é que, se, na LDB, consta a importância de o aluno ter liberdade e acesso ao conhecimento, de que forma ele o usufruirá já que existe a dispensa legal das práticas? Dessa forma, pode-se concluir que Lei nº 10.793/03, art. 1º, ao instituir essa mudança, desfavorece o aprendizado dos jovens.1

    Segundo Darido (2007, p. 14):

    [...] devem ser esclarecidas aos alunos a relação entre esporte, sociedade e interesses econômicos; a organização social, o esporte e a violência; o esporte com intenções de lazer e o que visa à profissionalização; a história, o contexto das diferentes modalidades esportivas; a qualidade de vida, a atividade física e o contexto sociocultural; as diferenças e similaridades entre a prática de jogos e dos esportes; as adaptações necessárias para a prática do esporte voltado para o lazer, entre outros temas.

    Darido (2007) ainda ressalta que os discentes deveriam concluir a escolaridade e ter condições de manter alguma prática esportiva regular. Para que essa probabilidade seja maior, é preciso que os estudantes vivenciem e compreendam o seu papel na sociedade.

    Sendo assim, a prática da Educação Física auxilia na recuperação e/ou manutenção da saúde corporal e até mesmo emocional. Além disso, é uma atividade que transmite sensação de liberdade, autonomia, bem-estar, convivência em grupo, entre outros benefícios que os alunos não participantes deixam de vivenciar.

Como a escola lida com a Legislação 

    No início da pesquisa de campo, foi realizada uma entrevista com a Coordenação Pedagógica da Escola. Esta não continha registros dos alunos dispensados, ou seja, a direção não sabia exatamente a quantidade de alunos com direito à dispensa legal das práticas corporais nas aulas de Educação Física. Os documentos do educandário, segundo a coordenadora, não se referiam à Lei 10.793/03.

    Com o intuito de evitar a evasão, a Escola não mencionava aos alunos a Lei que lhes facultava a dispensa à prática corporal nas aulas de Educação Física, ou seja, por desconhecerem esse direito, eles se sentiam no dever de participar. O receio da instituição era, segundo a coordenação, que esses discentes circulassem pelo espaço escolar sem realizar outras atividades, ou até mesmo perturbassem outras aulas. Portanto, ignorar a Lei foi um mecanismo encontrado para mostrar bons resultados em relação à presença e participação dos estudantes nas aulas de Educação Física.

    Tal fato se comprovou quando os alunos foram questionados se eles tinham conhecimento sobre a Lei que lhes facultava a dispensa das aulas de Educação Física e todos responderam negativamente. Inclusive, alguns afirmaram não terem ideia do que isso significava. Ademais, ignoravam o direito de receberem tarefas substitutivas às atividades de prática corporal.

Quem são os alunos dispensados

Cena 1: aula da professora “A” 2

    A professora entra na sala; os alunos estão sentados esperando por ela. A professora fala o que vão fazer e por que a aula e o conteúdo são aqueles. Os alunos aguardam a chamada e assim que terminam, a professora abre a porta da sala e eles saem para a quadra esportiva da escola. Na quadra, como os alunos já sabiam o que iriam trabalhar, já se dividem nos times e aguardam a professora com a bola. Em todas as aulas observadas desta professora, a forma de agir é a mesma, e os alunos são organizados para que possam aproveitar o máximo do tempo que têm de aula. Os alunos dispensados das três turmas desta professora têm a dispensa por atestado médico e os mesmos falam que adoram as aulas e que queriam participar (Registro diário de campo, 14/09/15).

Cena 2: aula da professora “B”

    A professora entra na sala. Há alunos nos corredores, alunos com fones de ouvido, conversando e cantando. A professora pede silêncio, mas nada muda. Ela faz a chamada, mas é um aluno que senta à sua frente que diz quem veio. A professora fala o que vão realizar e os alunos discordam, descem para a quadra e decidem o que eles vão fazer. Para a outra turma que ela dá aula, segue da mesma forma. Foi nas aulas dela que foram encontrados alguns alunos sentados e sem dispensa da prática. Na verdade, os alunos teriam direito da dispensa porque trabalham mais de 6 horas diárias, mas a dispensa não acontece e os alunos desconhecem a Lei (Registro diário de campo, 16/09/15).

    Na busca por alunos dispensados das práticas das aulas de Educação Física, foram encontrados quatro de diferentes turmas ministradas pela professora em questão. Todos alegaram diferentes problemas de saúde, mas afirmaram que tinham apreço pela disciplina e que estavam realmente impossibilitados de participar. Parte deles complementou que, dependendo da atividade, eles tentavam realizá-la; entretanto, desistiam quando sentiam desconforto provocado pelas dores. Seus esforços eram evidentes, pois, durante as aulas observadas, empenhavam-se em interagir; porém, sem sucesso. Inclusive, a professora os aconselhava a parar.

    Já nas aulas da professora “B”, os fatos aconteceram de maneira diferente. Na primeira observação, presenciou-se a seguinte cena:

    A professora “B” entra na sala de aula, abre o caderno de chamada e tenta conversar com os alunos. Os alunos encontram-se uma boa parte em pé caminhando na sala de aula e outra boa parte com fones de ouvido, mexendo no celular. Parecia que a professora não tinha chegado ainda. Ela diz que não poderão ir para a quadra, pois a quadra tinha poças d’água por causa da chuva que teve à tarde. Logo dois alunos abrem a porta da sala vão até o corredor e olham pela janela a quadra e dizem: capaz professora, nós vamos igual. E foram. Levaram o resto da turma com eles e dentro da sala ficaram a professora e a pesquisadora. A professora tímida diz: aqui é impossível mandar em algo, eles sempre decidem tudo. Vou descer e pegar as bolas (Registro diário de campo, 16/09/15).

    Ao ser questionada sobre a identidade dos alunos com direito à dispensa concedida pela Legislação, a professora respondeu que “nenhum aluno tem dispensa” (Registro diário de campo, 16/09/15). Entretanto, duas alunas permaneciam sentadas, alheias à aula. Novamente indagada, a docente confirmou que elas estavam aptas às práticas corporais, ou seja, não estavam amparadas pela Lei.

    Diante dessa revelação, as discentes foram convidadas a dar uma entrevista, “afinal, não estavam fazendo nada” (Registro diário de campo, 16/09/15). Ambas concordaram em concedê-la e, questionada sobre sua não participação, a aluna 1 declarou que o fato se devia à agressividade dos meninos na hora da prática de esportes. Ela acrescentou que desejava muito integrar-se às aulas de Educação Física, mas o receio de “ganhar boladas” ou ouvir xingamentos a levava a desistir. Ao ser solicitada a comentar um pouco mais a situação, declarou que

    A professora nunca fala nada, ela deixa isso acontecer. Eu não vou fazer algo que eu tenha medo.... eles são muito competitivos aí se você faz algo de errado, meu Deus (Entrevista 1, 16/09/15).

    Para Moreira (2004), a inclusão do aluno pode ser afetada por frustrações ou exposição ao ridículo, ou seja, por não conseguir realizar objetivos preestabelecidos pelo professor e evitar ser vítima de piadas e brincadeiras, ele desiste de participar e interagir nas aulas. No caso da aluna 1, o desrespeito demonstrado pela turma e a atitude da professora contribuíam fortemente para a perda do seu interesse pelas atividades da disciplina de Educação Física. Inquirida sobre o que pensava sobre a Educação Física, ela prontamente respondeu:

    Eu queria muito participar sabe, eu adoro as aulas, mas enquanto a professora não fizer nada, eu não vou (Entrevista 1, 16/09/15).

    Para Moreira (2004, p. 22), a ideia é justamente que, o princípio de inclusão não deve desconsiderar as dificuldades dos alunos, mas sim, fazer com que todos sejam importantes na aula e principalmente que se sintam bem.

    O fato é que a aluna esperava que as aulas fossem prazerosas e produtivas. Suas declarações apontam a necessidade de os professores estarem atentos a práticas que respeitem cada aluno e estas devem estar presentes em todas as aulas (Moreira, 2004).

    A entrevistada 2 também afirmou que não participava das aulas por não concordar com a forma de a professora conduzi-las:

    [...] na outra escola, nós participávamos porque gostávamos. O professor participava junto, era muito bom. Só que aqui parece que os professores não têm interesse em dar aula. Tipo eles ficam ali sentados ou aqui tomando um café e deixam os alunos lá, se virando. Aí o aluno vai perdendo o interesse com o passar do tempo (Entrevista 2, 18/09/15).

    Para Moreira (2004), falta entender que a aula de Educação Física deve acontecer em função do aluno, ou seja, ser pensada para o estudante que se encontra naquele local e momento. Além disso, seu real interesse e conhecimentos prévios precisam ser considerados, tarefas que cabem ao professor. Quanto à aluna 2, ela estudava naquela escola havia três anos e afirmou estar cansada de jogar vôlei.

    Por sua vez, o entrevistado 3 não estava dispensado das práticas corporais, mas também não participava das aulas da professora “B”. Um intenso diálogo o convenceu a conceder a entrevista por meio da qual relatou que estudava na escola há três meses e tinha dificuldade de conversar com a direção.

    É difícil sabe, eu nasci filho de pastor. Não que eu não possa ou seja proibido de fazer, então eu me afasto, o que eu faço é diferente, porque, de alguma forma, influencia na hora que eu vou cantar, tocar... muitas vezes eu tentei falar com os professores e com a direção, mas eles diziam que eu era obrigado. De alguma forma eu me decepcionei, porque os professores falam: ah, tu não tens capacidade. Não é uma coisa que eu gosto, eu nasci para a música. Na primeira aula, quando eu vim para cá, já queriam que eu jogasse, e a professora falava: esse menino deve ter problema em casa. Nunca falei com a professora, ela nem sabe o que eu tenho (Entrevista 3, 16/09/15).

    Essas declarações levam à discussão de várias questões, como a atitude da professora de não dialogar e interagir com o aluno e a possível influência da Educação Física sobre a música no caso desse estudante. Ele se contradiz ao justificar a sua não participação nas aulas por ser filho de pastor e, no final, afirmar não ser esse o motivo.

    O fato evidencia que ele desconhecia os princípios da Educação Física por não entender a importância da atividade física em relação à música e de que forma esse vínculo poderia ajudá-lo. Nesse caso, a intervenção e a capacidade da professora de estabelecer um diálogo com o aluno são essenciais para levá-lo a pensar essa disciplina como uma aliada da música, o que contribuiria para um melhor desempenho artístico. Afinal, aptidão física e atividades diferenciadas na vida das pessoas se complementam.

    Cumpre lembrar que os Parâmetros Curriculares Nacionais facilitam o entendimento quanto ao papel da Educação Física na escola. Ela é responsável pela formação dos alunos que estejam aptos a participar de atividades corporais, as quais contribuem para estabelecer o respeito mútuo, levando-os a valorizar e desfrutar a cultura corporal e a adquirir hábitos saudáveis em termos de alimentação, movimentação e vivências. Além disso, possibilita-lhes compreender a sua inserção na cultura, organizar e intervir no espaço, entre outras atitudes que fariam desses discentes seres capazes e dignos daquilo que fazem (Brasil, 1999).

Considerações finais

    A prática corporal nas aulas de Educação Física é fundamental, pois trabalha o corpo humano de uma forma ampla, exige conhecimento dos movimentos e da cultura corporal, o que leva o indivíduo a aprender um pouco mais sobre o comportamento de sua constituição física, ultrapassando a ideia de apenas considerar o ensino como algo relacionado ao desenvolvimento da coordenação motora. Ademais, problematizar, interpretar, relacionar, analisar as amplas manifestações da cultura corporal são atitudes inerentes às práticas físicas. Ao professor, junto a seus alunos, cabe a compreensão dos sentidos e significados dos movimentos criados durante as aulas.

    A pesquisa evidenciou que a falta de participação, comprometimento e interesse da professora de Educação Física gerava desconforto aos alunos, fazendo com que eles perdessem o interesse pelas aulas. Quanto aos jovens entrevistados, todos estavam amparados pela Lei da dispensa, já que trabalhavam mais de seis horas por dia. Entretanto, desconheciam a sua existência, fato que os levava a encontrar maneiras de não participar. Por sua vez, a escola não questionava, simplesmente, aceitava e minimizava a situação não os informando desse direito, fazendo com que se sentissem obrigados a se envolverem nas atividades.

    Portanto, é compreensível que os alunos amparados pela Lei da dispensa não participassem das práticas corporais nas aulas de Educação Física, já que possuíam atestado médico. O fato de desconhecerem a existência dessa Lei se devia à falta de informação e motivação do corpo docente da escola em questão. Se este os ouvisse e dialogasse, o problema, talvez, seria resolvido.

    Concluindo, no presente estudo, constatou-se que as atitudes dos professores eram questionadas pelos alunos, alegando não serem por eles ouvidos e compreendidos. A ausência de escuta, diálogo e intervenção por parte da professora gerava distanciamento dos alunos em relação à professora e as aulas. Como forma de evitar evasões, a escola não os informava sobre a Lei. Não cabe julgar essa atitude, mas pode-se afirmar que a tal omissão impedia que mais alunos deixassem de participar das práticas corporais nas aulas de Educação Física.

Notas

  1. Art. 1º. São considerados merecedores de tratamento excepcional os alunos de qualquer nível de ensino, portadores de afecções congênitas ou adquiridas, infecções, traumatismo ou outras condições mórbidas, determinando distúrbios agudos ou agudizados, caracterizados por: a) incapacidade física relativa, incompatível com a freqüência aos trabalhos escolares; desde que se verifique a conservação das condições intelectuais e emocionais necessárias para o prosseguimento da atividade escolar em novos moldes é; b) ocorrência isolada ou esporádica; c) duração que não ultrapasse o máximo ainda admissível, em cada caso, para a continuidade do processo pedagógico de aprendizado, atendendo a que tais características se verificam, entre outros, em casos de síndromes hemorrágicos (tais como a hemofilia), asma, cartide, pericardites, afecções osteoarticulares submetidas a correções ortopédicas, nefropatias agudas ou subagudas, afecções reumáticas, etc.

  2. Com o intuito de preservar a identidade das professoras, elas são referidas no texto como professoras A e B.

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