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Praxias e interação com o mundo: a ação reflexiva 

do sujeito na transformação de sua realidade

Praxias e interacción con el mundo: la acción reflexiva del sujeto en la transformación de su realidad

 

Licenciado em Educação Física pela Universidade Nove de Julho (UNINOVE)

Especialista em Psicomotricidade pelas Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU)

Professor de Educação Física no Ensino Fundamental I

Oriel de Oliveira e Silva

oriel-17@hotmail.com

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          O objetivo deste ensaio foi destacar o potencial transformador das praxias descritas por Vitor da Fonseca e enfatizar a necessidade de fortalecer, na primeira década da vida, os fatores psicomotores que compõem o sistema psicomotor humano. Para tanto, retomou-se a história da Educação Física escolar brasileira nos últimos trinta e cinco anos, analisando o fenômeno da manifestação das teorias pedagógicas nos anos 80 e 90. Nessa análise, foram feitas considerações acerca da aparição das propostas críticas e das teorias “Desenvolvimentista” e “Psicomotora”. Ambas, ao contrário das críticas, parecem não ter se firmado devido ao descompromisso com um projeto político claro e definido. No caso particular da proposta “Psicomotora”, apesar da despreocupação com questões político-ideológicas, que, sem dúvida, desabona-a, esta teoria apresenta contribuições fundamentais para o desenvolvimento dos sujeitos e para a formação do ente idealizado pelas teorias críticas da Educação Física: o cidadão autônomo, crítico, ético e emancipado. O aspecto crucial da Psicomotricidade é o conceito de praxias, diretamente relacionado à ação intencional e transformadora, tipicamente humana, que, se desenvolvido, pode colaborar para a formação de indivíduos participativos e agentes de transformação. Portanto, a proposta “Psicomotora” não deve ser tida como descartável, pois, dentro de suas características e limitações, pode colaborar com o projeto de formação humana idealizado pelas tendências críticas, principalmente através do desenvolvimento das praxias.

          Unitermos: Educação Física escolar. Psicomotricidade. Formação humana. Praxias.

 

Resumen

          El objetivo de este ensayo fue destacar el potencial transformador de las praxias descriptas por Vitor da Fonseca y realzar la necesidad de fortalecer, en la primera década de la vida, los factores psicomotrices que componen el sistema psicomotriz humano. Para tanto, se retomó la historia de la Educación Física escolar brasileña en los últimos treinta y cinco años, analizando el fenómeno de la manifestación de las teorías pedagógicas en los años 80 y 90. En este análisis, fueron hechas consideraciones acerca de la aparición de las propuestas críticas y de las teorías “Desarrollista” y “Psicomotriz”. Ambas, al revés de las críticas, parecen no haberse consolidado producto de la desvinculación de un proyecto político claro y definido. En el caso particular de la propuesta “Psicomotriz”, a pesar de la despreocupación con las cuestiones político-ideológicas, que, sin duda, la perjudica, esta teoría presenta aportes fundamentales al desarrollo de los sujetos y a la formación del ente idealizado por las teorías críticas de la Educación Física: el ciudadano autónomo, ético y emancipado. El aspecto crucial de la Psicomotricidad es el concepto de praxias, directamente relacionado con acción transformadora, típicamente humana, que, desarrollada, puede colaborar para la formación de individuos participativos y agentes de cambio. Por lo tanto, la propuesta “Psicomotriz” no debe ser considerada como desechable, pues, dentro de sus características y límites, puede colaborar con el proyecto de formación humana idealizado por las tendencias críticas, sobre todo a través del desarrollo de las praxias.

          Palabras clave: Educación Física escolar. Psicomotricidad. Formación humana. Praxias.

 

Recepção: 18/10/2015 - Aceitação: 11/12/2015

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 20, Nº 212, Enero de 2016. http://www.efdeportes.com/

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Breves considerações acerca dos fatos históricos da Educação Física escolar nos últimos 35 anos: a emergência e consolidação das teorias críticas

    As duas últimas décadas do século XX foram marcadas pela constituição e divulgação de teorias (Castellani Filho, 1999) ou abordagens (Darido, 2003) pedagógicas para a Educação Física na escola. As propostas “Desenvolvimentista”, “Psicomotora”, “Construtivista-interacionista”, “Crítico-superadora”, “Crítico-emancipatória”, “Aulas abertas”, “Plural”, “Fenomenológica”, “Sociológica” e “Cultural” (Damasceno, 2012) foram apresentadas pela comunidade científica e se tornaram a aposta para a transformação da área, daquele momento em diante.

    Nesse cenário de renovação paradigmática, principalmente as propostas críticas - nomeadamente a “Crítico-superadora” e a “Crítico-emancipatória” - ganharam força nos discursos acadêmicos, sendo, conseqüentemente, penetradas nos currículos dos cursos de Licenciatura em Educação Física e tornando-se referência para a construção de propostas curriculares para a área. Em sua pesquisa, Darido e Brouco (2010) concluíram que os conhecimentos relativos às “tendências pedagógicas” críticas - outra expressão que Darido e Brouco utilizam para referirem-se àquilo que Darido (2003) chama de abordagem pedagógica e que Castellani Filho (1999) trata como teoria pedagógica – e às questões socioculturais a elas associadas assumem protagonismo nos conteúdos programáticos de editais de concursos públicos das regiões sul e sudeste do Brasil para cargos de Professor de Educação Física escolar. Este fato corrobora a tese segundo a qual as propostas críticas assumiram posição de destaque na área da Educação Física, tanto no que diz respeito aos conhecimentos exigidos nos processos seletivos e concursos públicos quanto, conseqüentemente, no que se refere à formação de professores nos cursos de Licenciatura (conseqüentemente porque os cursos visam à preparação dos futuros professores conforme as tendências teóricas mais relevantes e difundidas na atualidade).

A desvalorização equivocada das propostas não engajadas na transformação sócio-política: o caso das teorias “Desenvolvimentista” e “Psicomotora”

    Com o relevo das propostas críticas, as teorias pedagógicas “Desenvolvimentista” e “Psicomotora” acabaram perdendo destaque. Ambas - disseminadas no Brasil por meio da obra de Go Tani e Jean Le Boulch, respectivamente- talvez tenham tido menor penetração na formação do professor, e conseqüentemente na sua prática, pelo fato de estarem descoladas de um projeto político bem definido e explícito. Ora, à época da aparição dessas propostas, a educação passava a funcionar em prol da reforma social. Assim, ao não apresentarem um ideal revolucionário em sua essência, deixavam de atender a uma importante demanda com a qual a educação se comprometia. No caso da teoria “Psicomotora”, sua não consolidação talvez seja explicada, ainda, pelo fato de tal proposta apresentar algumas situações de ensino baseadas em exercícios de repetição. Ora, sabe-se que, na Educação Física, este tipo de prática passou a ser fortemente criticado pelos movimentos progressistas, cuja crítica fundamental se voltava para as propostas de execução mecânica, repetitiva, sem significado, do movimento. Assim, ao propor ações que recordassem as práticas da pedagogia tradicional, a teoria “Psicomotora” foi sendo afastada da Educação Física.

    Entretanto, tal distanciamento da proposta “Psicomotora” da Educação Física na escola talvez tenha sido fruto de uma leitura enviesada e incompleta - e, por isso, equivocada - da obra de Le Boulch. Isto porque o autor preconiza uma educação psicomotora que se opõe ao modelo tradicional e ao modelo esportivista de Educação Física. Tal entendimento fica claro quando diz:

    “Deixando de lado os problemas próprios à Educação Física e de seus vínculos com a prática esportiva competitiva, reafirmamos, na oportunidade desta edição completamente reatualizada, a importância de vincular a educação do corpo aos imperativos do desenvolvimento da pessoa...”

    “Sob o nome de Psicocinética, formulamos uma teoria geral do movimento a partir da qual propomos aos educadores meios práticos que permitem utilizar o movimento como uma das bases fundamentais da educação global da criança...”

    “O objetivo central da educação pelo movimento é contribuir ao desenvolvimento psicomotor da criança, de quem depende, ao mesmo tempo, a evolução de sua personalidade e o sucesso escolar...” (Le Boulch, 1987).

    Portanto, são claras a verdadeira essência e a autêntica finalidade da proposta “Psicomotora” de Jean Le Boulch. Ela não é uma repetição da pedagogia tradicional da Educação Física. Mesmo assim, não conseguiu seu espaço.

    Bem, a despeito de a consideração equivocada sobre a teoria “Psicomotora” ter sido importante para a impopularidade dessa proposta, o que parece ter sido definitivo, mesmo, para que a teoria de Le Boulch fosse descartada foi o descompromisso dela com um projeto político, aspecto que, já nas teorias críticas, é central. Ora, era por isto que a educação brasileira àquela época ansiava. O que provavelmente não foi levado em conta no julgamento e no descarte da teoria “Psicomotora” é que, apesar de não se comprometer com uma posição político-ideológica, como o fizeram as abordagens críticas, esta proposta representa um meio pelo qual se torna possível o desenvolvimento psicomotor da criança, que é básico para a construção da personalidade, da auto-imagem e da estruturação espaço-temporal, para a aquisição de aprendizagens gráficas e simbólicas, como a escrita e a leitura, por exemplo, e, inclusive, para a formação de cidadãos éticos e emancipados. Parece ter havido uma idealização do aluno, no sentido de considerar que ele deve ser um sujeito autônomo, crítico, reflexivo, politizado, mas não se levou em conta que este indivíduo, para chegar ao nível da emancipação, precisa ter, antes de qualquer aquisição, se desenvolvido satisfatoriamente na dimensão de sua psicomotricidade. Ora, para ter noção de coletividade, de ética, de empatia, de alteridade, de justiça e de respeito, é imprescindível que a criança ou o adolescente tenham construído uma psicomotricidade estruturada. O sujeito idealizado pelas pedagogias críticas não está dado a priori: é produto conseqüente da construção de um sujeito psicomotor. É fruto da descoberta do próprio corpo, de suas potencialidades e limitações de movimento; da construção da autoconfiança e da capacidade de tomar decisões - através das atividades psicomotoras; do estabelecimento da noção de responsabilidade; da assunção dos riscos implícitos em cada ato; do reconhecimento das possibilidades de ocupar o espaço e se deslocar nele e de manejar os objetos que nele estão, alterando a forma como se encontram distribuídos ou arrumados, descobrindo o poder transformador de suas ações.

    Nesse sentido, descartar a abordagem “Psicomotora” da Educação Física escolar, sobretudo na primeira e na segunda infância, quando se desenvolve com mais intensidade a psicomotricidade, parece um erro. Tal defesa em favor da teoria “Psicomotora” baseada na Psicocinética de Jean Le Boulch já seria suficiente para confirmar a necessidade de aproximar a educação psicomotora da Educação Física. No entanto, ela se torna ainda mais fundamentada e razoável ao pautá-la na proposta de Sistema Psicomotor Humano (SPMH), de Vitor da Fonseca, que, sem dúvida, aponta para uma formação ainda mais completa do sujeito, na medida em que considera a suscetibilidade do mundo às ações do homem e a suscetibilidade deste aos fenômenos ambientais.

Sistema psicomotor humano, praxias e interação com o mundo

    Vitor da Fonseca fundamenta o movimento humano a partir da noção de psicomotricidade. Para o autor, toda ação humana é psicomotricidade, quer dizer, é motricidade práxica, intencional, que visa dialogar com o mundo. Só o homem detém esse nível de interação com o ambiente; nenhuma espécie mais. Fonseca (2012) explica esta ação como fenômeno resultado da interação de todos ou quase todos os sete fatores psicomotores que compõem o sistema psicomotor humano: tonicidade; equilibração; lateralização; noção do corpo; estruturação espaço-temporal; praxia global e praxia fina. Esses fatores, chamados também de subsistemas, cada um dependendo de determinada área do cérebro, entraria em ação para dar luz ao movimento humano. A tonicidade e a equilibração, associadas às zonas cerebrais mais antigas filogeneticamente, especialmente do tronco cerebral, cerebelo e formação reticulada, atuariam nas funções de alerta, atenção e controle postural. A lateralização, a noção do corpo e a estruturação espaço-temporal, associadas aos lóbulos parietais, occipital e temporal, entrariam em ação nas funções de captação e processamento das informações sensoriais vindas do mundo. As praxias, associadas à zona frontal do cérebro, apareceriam na ideação da ação (baseada na percepção construída pelos três fatores psicomotores anteriores) e em sua materialização como resposta ao estímulo ambiental que a originou.

    Destarte, na perspectiva de Fonseca (2012), todos os fatores psicomotores seriam importantes para o movimento humano, mas as praxias assumiriam um papel central e decisivo na ação, porque é mediante elas que o sujeito concretiza o diálogo com o ambiente. Se os processos perceptivos ocorrem a contento, mas a elaboração e a efetivação da resposta não ocorrem suficientemente bem, a comunicação indivíduo-mundo ficará deturpada. Isto não significa, porém, que é suficiente as praxias funcionarem adequadamente, porque, se a captação e o processamento dos estímulos são falhos, a percepção também o será, e a elaboração das respostas que estabelecem a comunicação com o mundo ficará prejudicada. A noção de interdependência dos fatores psicomotores é chave no SPMH. Além da interdependência, outra propriedade fundamental do SPMH é a “interação com o meio envolvente” (Fonseca, 2012) e a sua adaptabilidade a ele. Isto significa que o movimento humano existe em função do diálogo que o homem estabelece com seu meio, com as pessoas que nele estão e com os objetos que nele se situam. E, além disso, por buscar um diálogo com o mundo, é a este adaptável. Por fim, Fonseca (2012) apresenta a propriedade que caracteriza o SPMH como sistema eminentemente humano: a propriedade teleológica. O sistema psicomotor humano, explica o autor, visa sempre ao um fim, que está, invariavelmente, relacionado com a transformação do meio. Quer dizer, a ação psicomotora seria, para Fonseca (2012), a intervenção do homem no mundo, para transformá-lo.

    A partir destas considerações, pode-se estabelecer uma relação entre psicomotricidade e participação do homem na transformação do meio onde vive. Afinal, é a partir de seu sistema psicomotor que reconhece (percebe) a realidade e age (praxicamente, intencionalmente) para modificá-la conforme seus ideais, sua ética. Portanto, a mudança social que tanto almejam as teorias críticas da Educação Física depende da construção de uma noção ética. Esta construção elas (as teorias críticas) são capazes de promover; porém, para efetivá-la, é fundamental, antes de tudo, construir a capacidade de a criança perceber a realidade, tomar consciência de sua presença no mundo, das relações que estabelecem com os outros e de idealizar ações para satisfazer os desejos e interesses - primeiramente - individuais e - num patamar mais elevado - coletivos. E esta construção a psicomotricidade, a partir da proposta de SPMH de Vitor da Fonseca, tem o potencial de realizar.

Considerações finais

    Como vimos, as praxias são a expressão da vontade humana: é a partir delas que os ideais, os desejos do homem, suscitados através da percepção do mundo e da reflexão sobre ele, realizam-se. E, no âmbito da Educação Física na escola, a proposta que talvez melhor possibilite o desenvolvimento delas seja a teoria “Psicomotora” baseada no conceito de sistema psicomotor humano apresentado por Fonseca (2012). Ora, Vitor da Fonseca, com a proposição do SPMH, muito se aproxima da proposta de Educação Física como Ciência da Motricidade Humana, de Manuel Sergio. Segundo essa concepção, não existe movimento sem significado. Toda ação expressa algum sentido e visa comunicar algo ao mundo. Fonseca converge com Sergio no sentido de considerar que a ação interfere no meio social, porque traduz, em comportamento motor, um desejo, um ideal: é a corporeidade e a motricidade que materializam a reflexão do sujeito sobre o mundo. Mas para que a criança perceba o potencial expressivo e transformador de seu movimento, ela precisa ter possibilidades de descobri-lo através da experiência psicomotora. E essas descobertas acontecem predominantemente na primeira e na segunda infância.

    Desse modo, ao negar à criança oportunidades de desenvolver sua psicomotricidade, quer dizer, de ampliar os fatores psicomotores que compõem o SPMH - deixando de ser sujeito reflexo para se tornar um ente práxico (que age consciente, reflexiva e intencionalmente sobre o mundo), a Educação Física tolhe as possibilidades de a criança descobrir-se como cidadão que, mediante suas ações, pode mover-se no espaço, manipulando-o e dominando-o, e transformar a realidade a que pertence. Ora, toda transformação nasce da convicção de um potencial transformador próprio. E esta convicção se constrói a partir da compreensão de que, agindo praxicamente, interfere-se na configuração do ambiente. Isto a proposta “Psicomotora” tem o mérito de possibilitar.

Bibliografia

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Lecturas: Educación Física y Deportes - ISSN 1514-3465 - © 1997-2016 Derechos reservados