A semiologia e a Educação Física.
Um diálogo com Betti e Parlebas

José Ricardo da Silva Ramos
(Brasil)
jricardo@bayside.com.br

Especializado em Lingüística aplicada às Ciências Sociais, UERJ.
Mestre em Educação Física, UGF.

    Resumo
    Este texto é resultado de meu estágio em Praxiologia Motriz orientado pelo Professor Pierre Parlebas, em seu laboratório LEMTAS (Laboratorie d'Etude des Méthodes et des Technologies de l'Analise Sociologique) na Universidade René Descartes, Paris V, Sorbonne. Trato de questões sobre as teorias lingüísticas aplicadas ao ensino da Educação Física e a sua repercussão na esfera das práticas corporais e motrizes. Ao me movimentar na trama das redes lingüísticas e semiológicas procuro dialogar com Betti (1994) e Parlebas (1977 e 1999). Analisando as obras desses dois autores, busco sistematizar minha leitura e produzir um texto novo a partir dos quais estes já construíram em pesquisas e ciências.
    Unitermos: Praxiologia. Semiologia. Educação Física.

    Abstract
    This text results from my apprenticeship in Motive Praxiology with Professor Pierre Parlebas in his laboratory LEMTAS (Laboratorie d'Etude des Methodes et des Tchnologies de l'Analise Sociologique) at University René Descartes, Paris V, Sorbonne. Here, I deal with questions about linguistics theories applied in the teaching of Physical Education and its consequences in the body and motive practices. By being concerned with linguistic and semiological nets I try to keep a dialogue with Betti (1994), and Parlebas (1977 and 1999). By analyzing the works of these authors, I look forward to systematizing my interpretation of what they have already constructed in researches and sciences and producing a new text.
    Key words: Praxiology. Semiology. Physical Education.

http://www.efdeportes.com/ revista digital | Buenos Aires | Año 5 - Nº 20 - Abril 2000

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Cependant, l'arbre ne doit pas cacher la forêt 1
Pierre Parlebas2


Construindo o diálogo

    A linguagem humana, compreendida como um sistema de signos verbais e não verbais, está presente em todo o universo educacional. Na Educação Física percebemos um processo pedagógico sendo intermediado por um exercício epistemológico de profissionais da área que buscam desvendar e conhecer mais sobre as concepções semiológicas ou lingüísticas aplicadas ao campo da ação corporal.

     Encontro este exercício em Betti (1994), num ensaio epistemológico sobre o que a semiótica pode inspirar ao ensino da Educação Física 3 . O autor oferece alguns exemplos de como pode ser interessante e possível obter a relação pedagógica entre a semiologia, a semiótica, a lingüística e o ensino da Educação Física. Seu texto demonstra que o conhecimento sígnico abrange desde a leitura do comportamento verbal do professor, sua função comunicativa, até as observações dos significados dos signos no contexto educacional. O referido ensaio, muito bem fundamentado em clássicos como Saussure, Barthes, Pierce, entre outros, é marcado e situado por uma análise diacrônica e sincrônica que vislumbra, num discurso articulador, a Educação Física e as concepções lingüísticas.

     Dessa forma, Betti mostra um caminho viável para a produção de uma pedagogia nova. A partir de concepções lingüísticas, ele desvenda, observa, critica e faz menção a possíveis articulações de conhecimentos da Educação Física com aqueles já postos e vividos nas teorias da ciência da linguagem verbal.

     Como Betti, que ao tecer a rede imbricada das relações semiológicas e a Educação Física, busca discutir questões sérias, como o significado dos signos corporais e as devidas intervenções pedagógicas, eu também ousarei escrever os pontos e os contrapontos das teorias lingüísticas no campo da Educação Física. Em vez de um ensaio que evidencie a importância da mediação semiótica para a compreensão do movimento humano, apresentarei um corpus de estudos sobre trabalhos lingüísticos relacionados às ações corporais, descobertos em minhas pesquisas e reflexões sobre o tema em questão.

     Esses trabalhos lingüísticos, na medida em que forem sendo abordados, serão destacados no campo do movimento humano, com os seus respectivos autores devidamente citados. Porém, diferentemente de Betti, traço um outro caminho onde denuncio a fragmentação lingüística, quando esta é considerada aplicável ao movimento vivido pelo sujeito. Assim, procurarei incorporar a cada teoria lingüística, semiótica e sobretudo semiológica, a minha visão epistemológica sobre o tema em questão, a partir do que tenho lido e entendido sobre a interessante correspondência entre linguagem e Educação Física. Cabe lembrar as palavras sábias de Paulo Freire que diz que cada sujeito cognoscente tem a sua própria leitura de mundo e as de Bakhtin que ensina que cada mensagem vem introjetada de outras tantas mensagens vividas em nossa história educacional. Igualmente oportuna é a referência a Parlebas (1977 e 1999) sobre o caráter polissêmico de leitura dos signos no nosso universo educacional.

    Uma última questão a ser relatada surge de uma inquietação pessoal no sentido compartilhar com os demais professores de Educação Física os resultados um estimulante estágio que fiz, com o professor Pierre Parlebas sobre semiomotricidade, função semiotriz e análise praxiológica. A partir então, de uma melhor compreensão da obra do referido autor, não consegui privatizar o desejo de registrar,- sob a forma de um estudo investigativo - o que a praxiologia motriz está produzindo e sobre meu conhecimento a respeito da linguagem, lingüística e Educação Física.

    Pensando sobre as mudanças de referenciais pedagógicos no ensino da Educação Física, Betti (1994) destaca um trabalho pioneiro de valorização do uso da linguagem verbal pelo professor de Educação Física. Ried (apud Betti, 1994), demonstra o encontro do elo entre a linguagem verbal e a comunicação, indispensável na aula de Educação Física. Assim, Ried serve-se do modelo de comunicação de Jakobson (1969), principalmente da função referencial, onde a mensagem comunicativa denota referenciar-se em algum objeto qualquer da comunicação, ou em alguma tarefa dominante entre numerosas mensagens. O próprio Jakobson afirma em seu livro: Lingüística e Comunicação que "(...) a participação adicional de outras funções em tais mensagens deve ser levada em conta pelo lingüista atento". (p. 123)

     O que interessa-nos especialmente em Jakobson é que, embora este autor classifique seis aspectos básicos da linguagem 4 , nenhum aspecto básico preenche uma única função, sendo necessária ao pesquisador a observação da função predominante em um determinado contexto. Parlebas (1977) destaca o terreno fértil dessas funções para quem estuda o processo de interpretação signica dentro do domínio das atividades corporais. Ele percebe a ligação das funções lingüísticas às situações motrizes pela relação analógica entre as situações verbais e corporais. Enfatiza as imbricações profundas entre situações psicomotrizes e sociomotrizes com as funções, entre atividades não esportivas (expressão corporal e jogos tradicionais) e as seis funções lingüísticas de Jakobson. E observa nos jogos tradicionais um processo de conquista de todos os fenômenos comunicativos. E, contrapondo-se à Ried, Parlebas afirma que se as funções de Jakobson não fazem um processo de elaboração de uma nova teoria para a ação corporal, esta somente se constituir de um paralelismo entre lingüística e o ensino da Educação Física. Com relação à função referencial, Parlebas (1977a, p.60) assevera:

"Toutes les fonctions y laissent en effet leur empreinte, et souvent avec générosité. La fonction référentielle par exemple, si représentative du pouvoir symbolique de la parole, figure ici en très bonne place".5

    Compreendo que todas as ações pedagógicas do professor de Educação Física estão completamente inseridas na polissemia da comunicação humana. Esta comunicação não obedece nenhuma linearidade, pois se desenvolve em situações espaciais e temporais, contempladas por todas as dimensões: físicas, afetivas e intelectuais que a dimensão corpórea tem a oferecer. A dimensão corpórea se estabelece pela nossa capacidade motriz de nos relacionarmos com o mundo e com os outros. Dessa forma, vamos interagindo com o universo cultural e educacional que nos envolve, compreendendo o nosso mundo interior e mudando nosso comportamento.

    A questão é que a dimensão corporal deve ser reconhecida, compreendida e identificada pelas relações que estão baseadas diretamente pelas coordenadas espaciais e temporais determinadas por uma situação motriz. Não podemos negar que as nossas ações motrizes sofrem a materialidade sensível e dependente, como afirmamos, do tempo e do espaço, onde elas se manifestam.

    Betti (1994, p. 25) ajuda a entender o que estou tentando explanar quando fala da oposição ou complementação aos modelos de demonstração e imitação no ensino da Educação Física. Segundo este autor, não é apenas a palavra do professor que tem significado nas aulas, a forma como se processa a palavra também o tem. Assim, parece-me pertinente refletir sobre todas as ações disponíveis dos sujeitos que constróem uma aula de Educação Física, uma metamotricidade que poderia desvendar as produções corporais dentro de uma situação de ensino. Daí, poderíamos observar os sinais corporais, os gestos, as relações intra e inter-grupais, as atitudes, as relações temporais, espaciais, os papéis incorporados por cada sujeito, enfim, todas as manifestações verbais e não verbais como instrumentos sígnicos carregados de sentidos e significados e não apenas a palavra (a parole).

    Em relação à palavra como um sistema de signos, Parlebas (1977b) constata um fenômeno, o qual, segundo os lingüistas, fundamenta essencialmente toda a linguagem verbal. Este fenômeno chama-se dupla articulação, onde todo o significado verbal que o sujeito busca comunicar deve ser analisado em unidades seqüenciais. Cada unidade se desenvolve em uma linearidade temporal que recebe uma forma vocal (física) e um significado. Essas unidades são caracterizadas como verdadeiros signos e dão sentido à palavra. Os lingüistas as chamam de monemas, representando assim a primeira articulação da linguagem.

    Esse sistema de signos é formado também por unidades da segunda articulação, que se desenrolam de acordo com o órgão fonético - os fonemas. Os fonemas se manifestam fisicamente, isto é, de forma sonórica, em unidades sem significado que possibilitam a formação de unidades seqüenciais através dos sons, não chegando, portanto, a serem considerados signos. Os fonemas são considerados pelos lingüistas como significantes da palavra, constatados na segunda articulação da linguagem verbal. Reside aqui o argumento de muitos autores que consideram, dentro da língua, as unidades de duas faces: o significante que se manifesta fonicamente (som) e o seu significado, o sentido que a palavra representa.

    A dupla articulação é uma forma lingüística que André Martinet (1970) desenvolveu para distinguir de forma econômica a codificação das línguas, onde o sujeito falante pode transmitir um número infinito de mensagens diferentes construídas a partir de unidades com significação, isto é, dos monemas e discriminá-las por unidades físicas constituídas de significantes, os fonemas. Assim, é plausível que o próprio conceito de signo seja sustentado nesta visão paradigmática da linguagem verbal.

    Betti (1994), escreve sobre a idéia estrutural no seu ensaio-texto, apresenta-a como uma possibilidade de articulação entre o objeto de estudo que se quer conhecer e o modo de como um signo pode circular no ensino da Educação Física, quando afirma que:

"É necessário explicitar que não estamos nos referindo, quando falamos em 'signos do ensino' à comunicação, mas como propõe Barthes (1987), indicamos a necessidade de adotar uma posição imanente ao objeto que queremos estudar, o que implica abandonar o enfoque relativo à emissão ou recepção das mensagens, e colocarmo-nos ao nível das próprias mensagens, que não veiculam somente informações, mas constituem também sistemas estruturados de signos, quer dizer, essencialmente sistemas de diferenças, de oposições e de contrastes." (pag. 33)


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