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O movimento ‘não vai ter copa’ e as novas 

perspectivas de mobilização pelas redes sociais

El movimiento "nao vai ter copa" y las nuevas perspectivas de la movilización a través de las redes sociales

The movement “nao vai ter copa” and the new perspectives of mobilization through the social networks

 

Mestrando do programa de Mudança Social e Participação Política

da Escola de Artes Ciências e Humanidade

da Universidade de São Paulo (EACH-USP)

Diego Monteiro Gutierrez

diegomonteirogutierrez@gmail.com

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          O objetivo deste trabalho foi analisar as manifestações que ocorreram entre abril e julho de 2013 no Brasil, que tiveram como grande ferramenta de organização as redes sociais. Como resultado dos protestos, percebemos um grande impacto inicial, porém, que não conseguiu ser revertido em resultados práticos, mostrando o caráter imprevisível desse novo tipo de mobilização.

          Unitermos: Copa do Mundo. Brasil. Mobilizações. Internet.

 

Resumen

          El objetivo de este estudio fue analizar los hechos ocurridos entre abril y julio de 2013 en Brasil, que tuvieron como principal herramienta de organización a través de las redes sociales. Como resultado de las manifestaciones vemos un gran impacto inicial que, sin embargo, no pudo convertirse en resultados prácticos, mostrando el carácter impredecible de este nuevo tipo de movilización.

          Palabras clave: Copa del Mundo. Brasil. Movilizaciones. Internet.

 

Abstract

          The objective of this study was to analyze the events that occurred between April and July 2013 in Brazil, which had as major organizational tool the Internet. As a result we of the manifestations we see a large initial impact, however, it could not be turned into practical results, showing the unpredictable character of this new type of mobilization.

          Keywords: World Cup. Brazil. Mobilizations. Internet.

 

Recepção: 03/09/2015 - Aceitação: 07/10/2015

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 20, Nº 209, Octubre de 2015. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    A Internet, desde que surgiu para o público no início dos anos 90, assumiu uma extensão que poucas pessoas poderiam imaginar, ao ponto que hoje as crianças aprendem a usar o computador antes de saber escrever ou mesmo falar. A influência política desses novos meios de comunicação também surpreendeu a todos. Um enorme número de países presenciou sua população mobilizada em prol de alguma causa a partir da Internet.

    O objetivo deste trabalho foi analisar as manifestações que ocorreram entre abril e julho de 2013 no Brasil, os maiores protestos de massa desde o movimento de impeachment do então presidente Fernando Collor em 1993. O grande impacto inicial dos protestos, porém, não conseguiu ser revertido em resultados práticos, mostrando o caráter imprevisível desse novo tipo de mobilização, ao mesmo tempo em que provocou uma mudança profunda de mentalidade em alguns setores da população, inclusive com um aumento das críticas em relação a sediar a copa do mundo. O texto busca demonstrar também que, muitas vezes, esses movimentos não se enquadram nas teorias vigentes.

A Internet e os movimentos sociais

    A Internet se enraíza cada vez mais na vida da população, atingindo até mesmo os cantos mais remotos do globo. Novas ferramentas como o Facebook e o Twitter mudaram a forma de interagirmos. O uso dessas novas tecnologias como ferramenta política também vem crescendo, de 2001 para cá milhares de protestos e manifestação foram organizados através da rede mundial de computadores. Esses movimentos tiveram os mais variados graus de sucesso, indo desde pequenos protestos restritos à esfera da Internet, até atividades envolvendo milhões de pessoas.

    A Internet não apenas contribui para a formação de uma esfera independente de contestação, mas também muda a forma como o governo e as instituições lidam com o público (Coldry, 2008, p.375)

    Na atuação dos movimentos sociais muitas das novas estratégias ainda não estão bem definidas, nem o formato dessas novas atuações totalmente consolidado. Para fins deste trabalho utilizaremos a definição que Massimo Di Felice (2013, p. 59) dá para esses movimentos, conforme a tabela abaixo.

Características dos movimentos sociais modernos

Características dos movimentos sociais em redes

1. Identidade política coletiva

2. Discurso ideológico

3. Objetivos políticos definidos

4. Luta pelo poder

5. Líderes e hierarquia definida

6. Submissão dos meios às finalidades

7. Tendência à institucionalização

8. Previsibilidade

9. Temporalidade diacrônica

10. Espaço de ação: o local nacional.

1. Anonimato e ausência de identidade política coletiva

2. Discurso sem ideologia

3. Objetivo cosmopolíticos múltiplos

4. Atuação estranha à lógica da luta pelo poder

5. Formato organizativo em rede e a-hierárquico

6. Ação elíptica, não direcionada apenas ao externo

7. Recusa de qualquer tipo de institucionalização

8. Imprevisibilidade

9. Temporalidade sincrônica

10. Espaço de ação: atopia e info-localidades.

    As características acima descrevem os movimentos políticos originados através da Internet, mas sem fazer uma análise de sua extensão, que varia do local para o global. As características desses movimentos têm seguido um padrão mais ou menos estável, já entender a sua influência real, e também o quanto delas realmente se deve a Internet, ainda é fonte de muito debate na sociedade como um todo (Fuchs, 2012, p. 777).

O gigante acordou e voltou a dormir

    A série de manifestação que ocorreram entre abril e julho de 2013 foram extremamente marcantes no cenário nacional, sendo consideradas a maior mobilização popular desde o impeachment do presidente Fernando Collor em 1994, reunindo mais de 1 milhão de pessoas em um único dia1.

    O roteiro dos protestos seguiu, em parte, o formato que esses movimentos têm assumido ao redor do mundo. O estopim se deu a partir dos protestos contra o aumento das tarifas de ônibus em diversas cidades. Esses movimentos, organizados por uma série de organizações sociais, já vinha acontecendo há muitos anos. A situação em 2013 se alteraria gerando um engajamento muito maior.

    Tomaremos como fio condutor a cidade de São Paulo, lugar onde as manifestações tiveram mais destaque, e o Movimento Passe Livre2 como o grande protagonista. “O Movimento Passe Livre é um movimento horizontal, autônomo, independente e apartidário, mas não antipartidário. A independência do MPL se faz não somente em relação a partidos, mas também a ONGs, instituições religiosas, financeiras.”3

    As primeiras manifestações de maior vulto ocorreram em junho, em diversas cidades, especificamente em São Paulo foram realizados eventos nos dias 6, 7 e 11. Essas manifestações tiveram um apoio misto da população, além de contar com casos esporádicos de vandalismo e violência policial4. A grande virada veio nos protestos realizados no dia 13, nesse momento a repressão policial se mostrou excessiva, com um grande número de feridos e presos5. As imagens e os relatos nas redes sociais de manifestantes chocaram o país, virando a opinião pública a favor dos manifestantes. O que se seguiu foi um crescente que tirou milhões de pessoas de suas casas para tomarem as ruas em quase todo o país. A isso se somou a realização da Copa das Confederações, evento prévia para a Copa do Mundo de Futebol, e cujos jogos geraram uma série de protestos6. Nesse novo momento os manifestantes irão ter outra série de reivindicações. Seguindo a tendência atual, não se constituirão demandas claras, nem lideranças definidas. Nesse sentido podemos definir dois grandes elementos, o descontentamento com a classe política brasileira e os gastos exagerados para a copa do mundo. O número de reivindicações é muito grande para ser descrito em um único trabalho, muitas delas se referindo a questões municipais específicas e restritas a grupos muito pequenos, mas alguns pontos ganharam destaque, sendo eles o descontentamento com a qualidade da educação e da saúde pública e os seguidos casos de corrupção em todas as esferas governamentais.

    O uso de cartazes foi uma das grandes marcas das manifestações, se encaixando na lógica de Internet de criar hashtags e palavras chaves. Como não existe um conjunto formal de reivindicações, consideramos os cartazes como um bom exemplo do que as pessoas esperavam. (Figueiredo, 2013, p. 62).

    Nas redes socais as manifestações atingiram uma extensão inédita no país. A Internet foi dominada por termos relativos aos protestos principalmente no Twitter, com as hashtags “#vemprarua” e o “#ogiganteacordou”. A enorme presença nas redes ajudou também a chamar a atenção para o movimento internacionalmente, já que diversos indicadores de tráfico destacavam termos brasileiros.

    “A mobilização rápida através das redes denomina-se swarming. Segundo monitoramento da empresa Scup7, o swarming brasileiro impactou mais de 79 milhões de internautas. Embora a forma de quantificação seja imprecisa devido ao próprio fluxo dos dados nas redes, é possível que o alcance do swarming brasileiro tenha sido igual ou maior do que o das Primaveras Árabes. O mesmo monitoramento indica que entre mais de 236 mil termos analisados os mais comuns foram ‘protesto’, ‘o gigante acordou’, ‘vem pra rua’ e ‘acorda, Brasil’.” (Figueiredo, 2013, p.60)

    Após a onda inicial a preocupação dos governantes se voltou para a Copa do Mundo de Futebol, que seria realizada no ano seguinte. A suposta insatisfação da população pode ser resumida na criação da hashtag “#nãovaitercopa”. O passar do tempo viu o aumento das dissidências internas, um crescimento da violência por parte dos manifestantes e um arrefecimento do movimento. A Copa do Mundo passou sem maiores incidentes, sendo considerada um enorme sucesso pelos organizadores e imprensa em geral e, nas eleições governamentais que se seguiram, para a surpresa de todos, os governantes foram referendados pela população em quase todas as esferas.

    A questão de quanto um governo representa a vontade seus cidadãos é, em ultima instância, subjetiva e sempre sujeita a críticas e discordância, que não são o objetivo desse estudo. Para o nosso trabalho consideraremos a democracia representativa como um modelo que mostra a vontade de seus cidadãos.

    Nesse sentido a democracia brasileira é considerada estável e, no geral, satisfatória, apesar de ainda ter problemas. No Democracy Ranking, uma iniciativa não governamental, o Brasil aparece como uma democracia de alta qualidade7. No ranking formulado pela prestigiosa revista The Economist o Brasil possuía, em 2012, a nota 7,12, sendo o máximo dez. Essa nota é dada a partir de cinco critérios e, se em termos de participação e cultura política a qualidade ainda é insatisfatória, em termos de eleições e liberdades civis o país está próximo de um 108. Na questão da liberdade o Brasil é considerado um país livre pela Freedom House, ONG norte-americana que analisa a liberdade no mundo, ganhando 2, sendo o melhor 1 e o pior 10, recebe 2 também no quesito direitos políticos e nas liberdades civis9. Nesse sentido podemos considerar que, mesmo ainda apresentando diversos problemas, a democracia no Brasil é estável e representa, de forma geral, a vontade da população.

    As eleições gerais de 2014 não trouxeram a tão esperada renovação. Na esfera mais alta a presidenta Dilma Rousseff foi reeleita, apesar de uma margem reduzida. Nos governos estaduais, dos 18 governadores que tentaram a reeleição 11 se reelegeram (61%). No congresso federal 75% dos que tentaram a reeleição tiveram sucesso e no senado 50% volta para Brasília.

    O caso do Brasil é interessante, pois é o primeiro que mostra uma clara oposição entre o que as redes sociais mostram e a democracia representativa. Se muitos analistas costumam ver o que ocorre na Internet como uma representação fiel da realidade, e a organização livre na Internet como a principal ferramenta de mobilização, atualmente seria necessário pensar qual dos lados está mais conectado com a realidade.

    Um dos primeiros temas que tem de ser abordado é o acesso à Internet. Se o Brasil ainda não possui acesso universal, ele tem um percentual significativo, atingindo mais de 54% da população, em 2013. Muito mais do que o Egito, que tinha 26%, na época da Primavera Árabe, estando mais próximo de países como Portugal e Itália, 65% e 58% respectivamente (http://www.internetworldstats.com/). Se não podemos considerar um movimento na Internet tão representativo como, por exemplo, um país como a Holanda, onde a acesso é quase universal, a porcentagem de internautas no Brasil é representativa.

    A derrota do candidato de oposição Aécio Neves foi comemorada por muitos, mas também lamentada, principalmente na Internet, com a hashtag #RIPBrasil (em referencia ao termo em inglês Rest In Peace), que foi a palavra mais tuitada no mundo no dia da reeleição ou pela mais representativa #ogiganteacordouevoltouadormir.

Observações finais

    O desenvolvimento dos movimentos sociais em rede tem se mostrado mais amplo e complexo do que qualquer um poderia imaginar. A questão vai muito além da representatividade ou não, sucesso ou fracasso. É preciso encontrar novas maneiras de interpretar esses fenômenos, uma forma que vá além da lógica que aprendemos a utilizar analisando os movimentos off-line.

    A própria natureza desses movimentos, descentralizada e avessa à lógica política tradicional, faz com que seja muito difícil entender quais são as reivindicações de fato e sua influência no mundo da política tradicional.

    No caso brasileiro específico o movimento, apesar do extenso apoio popular e representação fora da rede, não conseguiu, no curto prazo, ter um impacto tangível, independente de suas ramificações no longo prazo ainda serem incertas. Fica em aberto assim a forma de avaliar corretamente os movimentos iniciados na rede e sua permanência no tempo. O objetivo deste trabalho não é afirmar que o movimento ocorrido em junho foi um fracasso, nem que a democracia representativa não está mais conectada com os anseios da população, mas que esses movimentos precisam de novas formas de análise e que as antigas metodologias não mais conseguem englobar o mundo em rede, onde a informação viaja muito rápido e leva as pessoas junto.

    Esse caso mostra que presenciamos apenas o início das transformações que a rede mundial de computadores traz para a sociedade como um todo. Novas formas de engajamento são encontradas, com uma grande frequência. Essas organizações têm desafiado os especialistas, pois as antigas ferramentas não mais ajudam a prever esses movimentos, suas influencias e ramificações.

Notas

  1. http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2013/06/20/em-dia-de-maior-mobilizacao-protestos-levam-centenas-de-milhares-as-ruas-no-brasil.htm

  2. Criado no Fórum Social Mundial em Porto Alegre em 2005 o grupo tem como objetivo a gratuidade no transporte público. Suas características organizacionais e ideológicas têm muito dos novos movimentos sociais em rede, focando na participação coletiva, no uso da Internet como forma de organização e repúdio as antigas associações políticas.

  3. http://saopaulo.mpl.org.br/apresentacao/carta-de-principios

  4. http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2013-06-11/manifestantes-contra-aumento-da-passagem-entram-em-conflito-com-pm-em-sao-paulo, http://www.estadao.com.br/infograficos/em-uma-semana-quatro-protestos-contra-aumento-da-tarifa-em-sao-paulo,cidades,196224

  5. http://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2013/06/pm-de-sao-paulo-realiza-prisoes-em-massa-e-se-recusa-a-dar-informacoes-2575.html

  6. http://copadomundo.uol.com.br/noticias/redacao/2013/06/21/fifa-ameaca-cancelar-copa-das-confederacoes.htm

  7. http://democracyranking.org/?page_id=738

  8. http://pages.eiu.com/rs/eiu2/images/Democracy-Index-2012.pdf

  9. https://freedomhouse.org/sites/default/files/FIW2014%20Booklet.pdf

Bibliografia

  • Di Felice, M. (2013). Ser redes: o formismo digital dos movimentos net-ativistas. MATRIZes, 7(2), 49-71.

  • Figueiredo, C. (2014). Saímos do Facebook #soquenão. Sobre os discursos que circularam no Facebook e os cartazes levados às ruas nos protestos de junho de 2013. Cadernos de Estudos Sociais, 28(1/2), 53-72.

  • Fuchs, C. (2012). Some Reflections on Manuel Castells’ Book" Networks of Outrage and Hope. Social Movements in the Internet Age. TripleC: Communication, Capitalism & Critique. Open Access Journal for a Global Sustainable Information Society, 10(2), 775-797.

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