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A dança como experiência cultural

La danza como experiencia cultural

The dance as a cultural experience

 

*Acadêmico do Curso de Educação Física – Licenciatura

Centro Universitário UNIVATES

**Doutoranda em Ciências do Movimento Humano - UFRGS

Centro Universitário UNIVATES

(Brasil)

Maurício Selvino Delazeri*

mauricio_d05@hotmail.com

Silvane Fensterseifer Isse**

silvane@univates.br

 

 

 

 

Resumo

          Este estudo, uma pesquisa bibliográfica, buscou compreender como a dança se configura como experiência cultural, discutindo a idéia de que a dança ultrapassa a questão de movimentos ensaiados ou escolhidos aleatoriamente, mas é carregada de história, tradição, marcas culturais e sentidos que oferecem, também aos espectadores, vivências culturais. Apresenta uma breve passagem da dança na história da humanidade, suas diferenciações em relação às danças atuais e os motivos pelos quais eram dançadas. Discute a dança como elemento de linguagem não verbal e comunicação. Fala sobre a dança como experiência cultural, apresentando os conceitos de incorporação e de corpos bioculturais. Aborda, também, a questão das trocas culturais e propõe, ao final, que a dança ultrapassa os limites dos movimentos, expressando àqueles que a apreciam normas, valores, relações e tradições culturais.

          Unitermos: Dança. Experiência cultural. Linguagem.

 

Abstract

          This study is a literature research which sought to understand how the dance is configured as a cultural experience. This study concluded that the dance goes beyond of the tested movements or randomly chosen, but it carries an enormous amount of history, tradition, cultural imprints and senses that offer, also to the audience, cultural immersion. This study presents a brief overview of the history of the dance through the history of humanity. It also presents the differences between the old dance manifestations and the current ones as well as the reasons why they were danced. This research also discusses how dance can be understood as a non-verbal language element and as a form of communication. Talks about the dance as a cultural experience, presenting the concepts of incorporation and biocultural bodies. It also addresses the issue of cultural exchanges and proposes, at the end, that the dance goes beyond of the movements, expressing to those who enjoy, rules, values, relationships and cultural traditions.

          Keywords: Dance. Cultural experience. Language.

 

Recepção: 01/08/2015 - Aceitação: 22/09/2015

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 20, Nº 208, Septiembre de 2015. http://www.efdeportes.com/

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1.     Introdução

    A dança sempre fez parte da vida humana. Muitas vezes como ritual de agradecimento aos deuses, como forma de expressão de sentimentos, como indignação ou felicidade, ou, ainda, como manifestação do conhecimento, acerca de acontecimentos que deixaram marcas. Nos tempos dos povos primitivos, de acordo com Medina et al. (2008), a dança era o modo como as pessoas se comunicavam, bem como um meio de comunicação e ligação com os seus deuses. Bregolato (2000), Siqueira (2006) e Medina et al. (2008) afirmam que a dança era utilizada como manifestação em acontecimentos religiosos, nascimentos e funerais.

    Estas celebrações eram marcadas pela ampla participação corporal, cujas pessoas eram pintadas e expressavam seus sentimentos, suas emoções, através da dança. Conforme os autores, naquela época, não se buscavam formas corretas de se dançar, não havendo preocupação com o desempenho ou com a qualidade do movimento.

    A dança estava muito presente no cotidiano das pessoas. Não se distinguiam, como hoje, os momentos para a dança dos demais momentos do dia. A dança estava presente nos momentos de ira, de medo, de alegria, de oferenda aos deuses. Não havia como hoje, um espaço ou horário para a dança, quando todos param e apreciam o espetáculo. A dança estava amplamente ligada ao modo de se expressar dos povos.

    Segundo Garaudy (1980),

    A própria palavra dança, em todas as línguas europeias – danza, dance, tanz -, deriva da raiz tanque, em sânscrito, significa “tensão”. Dançar é vivenciar e exprimir com o máximo de intensidade, a relação do homem com a natureza, com a sociedade, com o futuro e com seus deuses. Dançar é, antes de tudo, estabelecer uma relação ativa entre o homem e a natureza, é participar do movimento cósmico e do domínio sobre ele (Garaudy, 1980, p. 14, grifo do autor).

    Bourcier (1987) apud Medina et al. (2008) coloca que, no decorrer da história, a humanidade passou a viver em grupos isolados, criando diferentes sociedades. Assim, cada povo passou a ter suas próprias danças, marcadas pela própria cultura. Neste sentido, pode-se dizer que a dança expressa a cultura de uma sociedade específica.

    Este estudo, através de uma pesquisa bibliográfica, buscou compreender como a dança se configura como experiência cultural, discutindo a ideia de que esta ultrapassa a questão de movimentos ensaiados ou escolhidos aleatoriamente. Porém, é carregada de história, tradição, marcas culturais e sentimentos que oferecem, também aos espectadores, vivências culturais.

    Minha experiência pessoal com a dança, num primeiro momento em Centros de Tradição Gaúcha e, mais recentemente, em um grupo de danças dedicado ao folclore e às danças de diferentes etnias, proporcionou-me intercâmbio cultural com grupos de dança de outros estados do Brasil e de outros países, como Chile, Bolívia e Argentina. Estas experiências de intercâmbio têm me levado a observar os detalhes, as diferenças, as sutilezas culturais que se expressam na dança. Cada dança carrega a bagagem cultural do país em que é criada. Ao reproduzir os movimentos de outros países, deixamos nossas próprias marcas culturais aos gestos, recriando o modo de dançar.

1.1.     A dança como elemento de linguagem, comunicação, expressão

    No vasto campo da comunicação, conforme Siqueira (2006) encontramos a linguagem verbal e não verbal. Em se tratando da dança, entra-se na comunicação não verbal ou linguagem não verbal, cujo corpo humano é elemento básico neste campo.

    Conforme o autor,

    Assim como outras “modalidades de comunicação não verbais”, a dança é uma forma de expressão primal que se complexifica, principalmente a partir de sua profissionalização. [...] Como expressão de uma cultura, está inserida em uma rede de relações sociais complexas, interligadas por diversos âmbitos da vida (Siqueira, 2006, p. 4).

    Barreto (2005) propõe que o corpo é a forma de comunicação dos sentidos e vontades do ser humano. É ele que entrelaça os sentidos com a razão. É através do corpo que se aprimoram as expressões.

    Conforme Siqueira (2006) há um grande potencial de expressividade através do corpo humano, diversos modos de comunicação. Neste sentido, dificilmente haverá um dia em que o corpo terá transmitido tudo de si, expressado todos os sentimentos possíveis. Sempre haverá novas formas de expressão, de diferentes pessoas, de diferentes pensamentos e diferentes formas de comunicação.

    Conforme Siqueira (2006), a dança não se distingue em apenas movimentos, traz, juntamente com eles, diversos sentimentos. Através da dança, consegue-se demonstrar cultura, expressar as suas vivências através de gestos corporais. Segundo Medina et al. (2008), é uma forma de movimento elaborado, fornecendo representações da cultura dos povos. Assim, ela mostra, manifesta os costumes, hábitos de uma sociedade específica.

    Siqueira (2006) coloca também que a dança é simbólica e carrega significados através do espetáculo. Consegue contar histórias sobre determinada cultura, explicar os acontecimentos do mundo, guerras ou histórias de vida. Os movimentos dançados contam histórias, transformam a dança em um modo de comunicação com a sociedade, em um caminho de ligação com a realidade. A dança, pois, não é apenas movimento, mas também uma forma de protesto, indignação, posicionamento político no mundo, na sociedade.

    Siqueira (2006) e Medina et al. (2008) concordam que a humanidade criou um contato direto entre a dança e as representações da sociedade; estabeleceu uma ligação entre os movimentos e os acontecimentos da sociedade, traduzindo necessidades, transformações, religiosidade, tradições.

    Siqueira (2006) sugere que, se a sociedade é complexa, a dança também será. A dança muda, pois, conforme a sociedade. Ainda que duas cidades vizinhas dancem o mesmo estilo, esta poderá ser totalmente diferente, pois a dança expressará as vivências corporais de cada cidade, expressas através de gestualidades diferentes. Se um americano aprender a sambar, tendo como referência os gestos de um carioca (brasileiro), o samba do americano estará atravessado de sua experiência corporal com a dança. Ainda que uma pessoa aprenda um determinado movimento, específico de outra cultura, ao fazê-lo, imprimirá seus traços culturais à cultura que está sendo aprendida.

    Em uma viagem feita ao Chile, com o grupo de dança do qual faço parte, tive a oportunidade de participar de uma aula de dança tradicional peruana. Consegui aprender os movimentos corretamente, conforme os peruanos me ensinavam, de acordo com o ritmo musical que seguiam, mas havia uma grande diferença entre nossas danças. A expressão corporal dos peruanos era totalmente diferente das minhas expressões. Havia uma alegria nos seus movimentos, um jogo de quadris e braços executado com uma facilidade incrível, o que era, para mim, bem difícil de ser feito. Enquanto me preocupava com os passos a serem executados, sentia-me “travado”, sem “gingado” ao dançar.

    Porém também tive a oportunidade ensinar aos peruanos, argentinos, chilenos e colombianos algumas figuras do xote figurado1 e uma coreografia do samba. Vi naquele momento, uma inversão dos papéis. Enquanto eu executava os movimentos com postura e interpretação, com facilidade, via os dançarinos dos outros países tentando incorporar a expressividade gaúcha, aos passos que estavam executando. Eram eles que naquele momento pareciam “travados” ou sem “gingado”, já que a vivência corporal deles era bem diferente da minha.

    Mendes e Nóbrega (2009, p. 2) falam dos corpos como “mediadores de conteúdos simbólicos”. Os seres humanos, ao dançarem, expressam sentimentos e cultura através do seu corpo. Assim, os movimentos corporais, são como um livro apresentando à cultura vivida naquele corpo. Os movimentos, segundo Mendes e Nóbrega (2009), mudam conforme a interpretação das pessoas, as suas vivências, educação, experiências culturais, pois estas,

    [...] possuem significados originais de acordo com o local em que foram produzidas, podendo mudar conforme o novo contexto e a interpretação das pessoas que a vivenciam ou apreciam. Nesse sentido, o simbolismo das técnicas corporais varia conforme a educação, as diferentes experiências vividas e as trocas culturais. Em determinado local, uma atitude corporal pode ser permitida e em outro pode ser proibida, como ressalta Mauss (1974 apud MENDES; NÓBREGA, 2009, p. 7).

    Na citação acima, Mendes e Nóbrega (2009) comentam sobre uma pessoa que tenha feito “trocas culturais”. Siqueira (2006), também esclarece alguns pontos exemplificando que um indivíduo, após anos de trabalho corporal na dança, seria transformado, modificado, incorporando cultura, através de suas experiências diferenciadas. Através de uma coreografia, o dançarino pode expressar toda sua experiência, colocando um pouco de cada cultura conhecida, como também poderá recriar uma parte específica de sua experiência, um momento exato de um local ou cultura já vivenciada.

    Marques (2010), ao falar sobre dançarinos que executam danças de uma sociedade diferente da sua, coloca que apenas aprender os movimentos exatos desta determinada dança não é suficiente para compreendê-la. Terá pouco sentido para os dançarinos e nenhum para os espectadores. Conforme a autora, o dançarino, para compreender a cultura daquela sociedade, precisará entender o significado daquela dança.

    Através das minhas vivências, percebe-se que é bastante comum presenciar grupos de dança que tentam apresentar uma coreografia de certa cultura, mas não conseguem se expressar nela. Segundo Marques (2010), isto acontece porque os dançarinos apenas aprenderam passos de dança, mas não fazem ideia de que aquele movimento pode demonstrar um momento de raiva para aquela cultura, pode demonstrar, talvez, um momento de paixão. Para o dançarino será apenas um movimento. Por isso, provavelmente, os expectadores também não entenderão aquela cultura.

1.2.     A dança como elemento de experiência

    Larrosa (2011) cita que se um indivíduo ler um livro, e ao final dele, não perceber nenhuma mudança em si mesmo, nenhuma transformação, é porque este indivíduo consegue apenas ler o papel transcrito, mas não consegue ler o significado do livro. Assim quando um indivíduo passa por uma experiência, e ao final dela, não se transforma, é porque não conseguiu compreender os significados desta experiência vivida. Apenas passou por ela, sem deixar rastros

    Para Larrosa (2002), experiência e informação têm significados diferentes. O autor comenta que a experiência é algo que nos toca de alguma forma e a informação não tem esta conexão com o indivíduo. No dia a dia passam-se diversas coisas por nós, mas pouquíssimas delas nos tocam de alguma forma, nos mudam, nos transformam.

    Figueiredo (2008) cita que a experiência pode ser vista da forma corporal, do ser individual, ou da forma social, pela construção da realidade em sua volta. Deste modo, a autora julga correto utilizar o termo “sociocorporal” ao expressar as experiências vividas.

    O sentido polissêmico de experiência, podendo ser compreendida como uma maneira de sentir, individual, representada pelo “vivido” ou como atividade cognitiva, maneira de construir o real, de verificar, de experimentar, enfim, para o sociólogo, remete à experiência para o social, como uma forma de construção da realidade. [...] Essa noção de experiência social me fez pensar que as experiências corporais dos alunos em formação são, também, sociais, por isso venho utilizando a expressão “experiência sociocorporal” (FIGUEIREDO, 2008, p. 2).

    Pode-se dizer então, que as experiências não são somente individuais (corporais), ou somente experiências sociais (sociedade). De acordo com a autora, as duas dimensões estão interligadas, constituindo o que Figueiredo (2008) chama de experiências “sociocorporais”.

1.3.     A dança como experiência cultural

    De acordo com Rengel (2014, texto digital) a cultura é o conjunto de informações cotidianas de uma sociedade. A cultura pode ser entendida e expressa de diversas formas, podendo ser verbal ou não verbal. A cultura não verbal entendida como o modo de como os alunos vestem-se, o comportamento, os gestos.

    Na busca de uma definição para dança, Barreto (2005, p. 125-126) explica que dançar é:

    [...] expressivo da existência humana, como possibilidade de construir imagens [...] revela a essência dos medos, mistérios e riscos, transformando e representando o que não pode ser senão expressividade humana dinâmica [...] o corpo que dança é o próprio ato da expressão [...] A dança seja o corpo próprio, o espelho, o retrato, mas também o reflexo de outros corpos no meu corpo, dançando só, aos pares e só, mais uma vez.

    Como se pode ver, Barreto (2005) apresenta uma vasta gama de pensamentos sobre o que é dançar, traduzindo a dança como expressão dos medos, riscos, ou seja, de algo que já foi vivido por nós, através de movimentos e imagens, que para nós, exemplifica este sentido. Vê-se também que, de acordo com os pensamentos da autora, um corpo dançando, já se explica por si só, mostrando através do próprio corpo, outros corpos, ou seja, outras culturas, outras vivências através do corpo dançante.

    Sborquia e Neira (2008) expressam pensamentos que se aproximam aos de Siqueira (2006) e Medina et al. (2008), ao dizer que a dança é uma manifestação de expressões humanas, utilizando crenças, valores de cada grupo social.

    [...] compreende-se a dança como manifestação da expressividade humana produzida e reproduzida conforme o contexto, crenças, valores e características de cada grupo social (SBORQUIA; PÉREZ GALLARDO, 2006). A argumentação desenvolvida pelos autores permite considerar a dança como artefato cultural produzido pela gestualidade sistematizada, passível, portanto, de tematização no interior do currículo da Educação Física (SBORQUIA; NEIRA, 2008, p. 3).

    Sborquia e Neira (2008) apresentam um conceito interessante ao pensar na dança. Trazem a dança como um “artefato” cultural. Assim, pode-se dizer que a cultura, após ser expressa pelo nosso corpo em movimento, nosso corpo que dança, se transforma em um artefato, um objeto cultural.

    “A dança se organiza a partir de um corpo que se movimenta no tempo e no espaço. O corpo que dança organiza o movimento em padrões espaço-temporais, com determinantes naturais e determinantes culturais [...]” (CALAZANS; CASTILHO; GOMES, 2003, p. 254).

    Então, segundo Calazans, Castilho e Gomes (2003), o corpo organiza seus movimentos através de dois processos, duas determinações: os naturais e os culturais. Neste ponto, Silva (2001a, 2001b) apud Mendes e Nóbrega (2009, p. 4) explicam também sobre estes dois processos:

    O corpo humano possui historicidade tanto na estrutura orgânica quanto nas interações com a cultura em que se convive, o que desmistifica a ideia de que só os estudos culturais reconhecem a historicidade do corpo. Desse modo, a Biologia passa a reconhecer as diversidades individuais e culturais, desautorizando, portanto, a ideia da mundialização de um corpo padrão.

    Conforme Mendes e Nóbrega (2009), o corpo possui uma história tanto orgânica, como cultural, bem como suas especificidades individuais e culturais. Por isso, o corpo não pode ser visto como um padrão. O corpo irá modificar o modo de agir e pensar sobre o significado dos mesmos gestos.

    De acordo com Mendes e Nóbrega (2009), a cultura é como um macrossistema comunicativo, que passa por várias manifestações. Pode-se dar o exemplo do andar ereto. O ser humano em si tem esta cultura, e é preciso entendê-la para que, então, se compreenda as culturas individuais, específicas. E é esta comunicação, entre as culturas individuais, que permite ultrapassar algumas fronteiras, criar ligações entre as culturas.

    Percebemos, portanto, que corpo, natureza e cultura se interpenetram através de uma lógica recursiva. O que é biológico no ser humano encontra-se simultaneamente infiltrado de cultura. Todo ato humano é biocultural. Os gestos, considerados bioculturais, expressam a nossa própria vida individual e coletiva, porque têm um sentido histórico (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 16 apud MENDES; NÓBREGA, 2009, p. 5-6).

    O corpo está sempre ligado ao mundo, a atos culturais, mas esta relação contínua com atos individuais de sua cultura vai se transformando conforme as situações se modificam. Mendes e Nóbrega (2009) colocam que os movimentos, mesmo involuntários ou pequenos, são carregados de significados históricos e biológicos, de uma cultura individual e coletiva.

    Geertz (1989) explica que o homem cultural é visto entre natural, universal, e convencional, local. Traçar uma linha divisória entre essas dimensões humanas seria uma tarefa extremamente difícil, pois, segundo o autor, estas linhas se entrelaçam continuamente na nossa vida cotidiana, nos nossos movimentos diários.

    As formas de Geertz (1989) e Mendes e Nóbrega (2009) de explicarem o ser humano coincidem. Para um há o ser natural, para outro biológico: o que há de semelhante em todos os seres humanos. O ser convencional de Geertz (1989) e o ser cultural de Mendes e Nóbregas (2009), por outro lado, estão impregnados de experiências culturais distintas e individualizadas.

    Katz (2010) entra numa discussão sobre o corpo biológico e a cultura. A autora não concorda com a ideia de que o corpo biológico é algo que está dentro, e a cultura é algo que está fora. Acredita que o que está dentro e o que está fora estão conectados, utilizam intercâmbio de informações entre o dentro e fora, ou seja, o aspecto biológico e o cultural sempre trocam informações e se mesclam. Katz (2010) entende que o corpo é a superfície onde serão inscritos tais eventos e culturas.

    Daolio (1995) cita Rodrigues (1986) ao dizer que as características biológicas permitem que a pessoa veja, escute, cheire, sinta. E as características culturais fornecem os cheiros agradáveis ou desagradáveis, os sentidos alegres ou tristes. Cultura e natureza estão ligadas, complementando uma à outra. Outro exemplo dado é a capacidade biológica de sentir dor. O limite da dor é diferente em cada pessoa, pelas suas características culturais, sendo difícil, ou até impossível na maior parte dos casos, traçar a linha onde termina o biológico e inicia o cultural.

    Daolio (1995) utiliza o termo “incorporação” para explicar a relação entre corpo e cultura:

    O homem, por meio do seu corpo, vai assimilando e se apropriando dos valores, normas e costumes sociais, num processo de inCORPOração (a palavra é significativa). Diz-se correntemente que um indivíduo incorpora algum novo comportamento ao conjunto de seus atos, ou uma nova palavra ao seu vocabulário, ou, ainda, um novo conhecimento ao seu repertório cognitivo (DAOLIO, 1995, p. 37, grifo do autor).

    Conforme Daolio (1995), ao vivenciar novos costumes sociais, novas experiências, o corpo incorpora tais costumes, se apropria deles e os incorpora ao conjunto de costumes já obtidos em experiências anteriores.

    O pensamento de Daolio (1995) se aproxima ao de Rodrigues (1986), Geertz (1989) e Vargas (1990), ao dizer que todos os seres humanos, independente de onde foram criados e de quais vivências tiveram, possuem uma constituição biológica semelhante. Mas não são estas semelhanças que definem o corpo humano, e sim as construções culturais.

    Ao falarmos sobre todas as semelhanças do corpo humano, não há como explicar uma sociedade específica. Mas se olharmos com atenção as particularidades culturais, as diferenciações, ou como Geertz (1989, grifo nosso) cita, se olharmos as “esquisitices”, é possível então, ter sucesso ao tentar explicar uma sociedade específica.

Conclusão

    Durante o trabalho, muitos conceitos importantes sobre dança foram vistos para compreender melhor o assunto, esclarecendo as dúvidas destacadas no início deste ensaio. O ser humano tem suas linhas culturais e naturais. Estas linhas estarão sempre unidas, não se conseguindo perceber onde terminará uma e começará outra. Nós, humanos, incorporamos cultura, adquirindo outras diferentes às culturas já conectadas em nós.

    Dentre estas culturas, a dança tem um poder incrível de comunicação e expressão corporal. Através dela somos capazes de apreciar culturas que nunca havíamos percebido, ou até que nunca teríamos a chance de conhecer.

    A dança consegue atravessar as barreiras dos movimentos e romper com a ideia de que é somente movimentos corporais com ritmos musicais. A dança carrega nos movimentos, tradições, emoções e significados culturais. Um espetáculo de dança, pois, aproxima a cultura de povos distantes de espectadores representantes das mais diversas etnias.

    “A dança é a linguagem escondida da alma” (Martha Graham).

Nota

  1. Xote Figurado é um ritmo gaúcho, dançado por casais em bailes tradicionalistas, com passos coreografados no compasso da dança.

Bibliografia

  • Barreto, D. (2005). Dança...: ensino, sentidos e possibilidades na escola. 2ª ed. Campinas, SP: Autores Associados.

  • Bregolato, R. A. (2000). Cultura corporal da dança. São Paulo: Ícone.

  • Calazans, J., Castilho, J. Gomes, S. (2003). Dança e educação em movimento. São Paulo: Cortez.

  • Daolio, J. (1995). Da cultura do corpo. Campinas, SP: Papirus.

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  • Garaudy, R. (1980). Dançar a vida. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.

  • Geertz, C. (1989). A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC – Livros Técnicos e Científicos Editora S.A.

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  • Marques, I. A. (2010). Linguagem da dança: arte e ensino. São Paulo: Digitexto.

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  • Mendes, M. I. B. S., Nóbrega, T. P. (2009). Cultura de movimento: reflexões a partir da relação entre corpo, natureza e cultura. Revista Pensar a Prática, 12 (2) 1-10.

  • Rengel, L. (2014). Ler a dança com todos os sentidos [versão eletrônica]. Acessado em 5 de maio de 2014 de: http://culturaecurriculo.fde.sp.gov.br/administracao/Anexos/Documentos/420090630140353Ler%20a%20danca%20com%20todos%20os%20sentidos.pdf

  • Sborquia, S. P., Neira, M. G. (2008). As Danças Folclóricas e Populares no Currículo da Educação Física: possibilidades e desafios. Revista Motrivivência, 31, 79-98.

  • Siqueira, D. C. O. (2006). Corpo, comunicação e cultura: a dança contemporânea em cena. Campinas: Autores Associados.

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