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Educação Física escolar e deficiência visual: um estudo de caso

La Educación Física escolar y la discapacidad visual: un estudio de caso

Physical education classes and visual impairment: a case study

 

*Graduada em Educação Física

Licenciatura pelo Centro Universitário UNIVATES

**Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Ambiente e Desenvolvimento

do Centro Universitário UNIVATES. Professor do curso

de Educação Física do Centro Universitário UNIVATES, RS

Vivian Daniele Wermann*

vivi.wermann@gmail.com

Derli Juliano Neuenfeldt**

derlijul@univates.br

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          Este estudo tem como tema a Educação Física Escolar e a Deficiência Visual. O tema surgiu através das dificuldades encontradas durante o estágio supervisionado da pesquisadora deparando-se com um aluno com deficiência visual. O presente trabalho objetiva compreender o processo de inclusão de um aluno com deficiência visual na Educação Física escolar, buscando relacioná-lo com suas experiências sociocorporais na sua trajetória de vida na escola e fora dela. Trata-se de um estudo de caso, portanto a pesquisa caracteriza-se como qualitativa. As informações foram coletadas através de entrevistas semiestruturadas realizadas com o aluno com deficiência visual, com um membro da direção escolar da escola freqüentada pelo aluno, com a mãe do aluno e com dois ex-professores de Educação Física desse aluno. Atualmente, o sujeito de estudo é aluno da pesquisadora e, por essa razão, fez-se uso do diário de campo. Nos resultados encontrados, percebeu-se uma grande necessidade de que alunos com deficiência visual tenham acesso à Educação Física desde pequenos, para que aprendam a conhecer melhor suas capacidades físicas quando inseridos nas aulas. Percebeu-se, também, que os professores buscaram proporcionar ao aluno momentos que possibilitassem a ele aprender as modalidades esportivas e atividades recreativas, porém, faziam isso trabalhando individualmente. Contudo, durante a pesquisa, o aluno demonstrou preferir atividades em dupla, pois assim sente mais segurança quanto aos seus medos. Conclui-se que, quando estimulado a praticar atividade física, o aluno demonstrou grande potencial, porém, seria adequado o estímulo desde a infância, para que quando maior, o aluno possua o hábito da prática da atividade física.

          Unitermos: Inclusão. Deficiência Visual. Educação Física.

 

Abstract

          The theme of this study is the Physical Education and the Visual Disability. The theme came up due to difficulties I have faced in my supervised training when I had a visual disabled student. This study aims to understand the process of including a visual disabled student in the Physical Education classes, seeking to relate it with the sociocorporal experiences of that student in his life journey in school or outside it. This is a case study, the research is characterized as qualitative. Data were collected through semi-structured interviews with the visual disabled student, with a member of the school direction that the student attends, with the student’s mother and with two Physical Education ex-teachers of this student. Currently, the subject of study is a student of this researcher and, for this reason, a field diary was also used. Results showed that there is a big need that visual disabled students have the opportunity to practice Physical Education since they are small, in order to learn to know better their physical abilities when inserted in classes. It was also noticed that teachers sought to provide to the visual disabled student moments in which he could learn sport disciplines and recreation activities, nevertheless, that was done working with the student individually. However, during the research, the student has showed that he prefers activities in pairs, because that is the way he feels more confidence regarding to his fears. We conclude that, when stimulated to practice physical activity, the student demonstrated a great potential, nevertheless, this stimulus would be more valid if made since childhood, because when he is greater, the student already have the habit of practicing physical activity.

          Keywords: Inclusion. Visual disability. Physical Education.

 

Recepção: 26/04/2015 - Aceitação: 23/05/2015

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires - Año 20 - Nº 204 - Mayo de 2015. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    A inclusão é um elemento importante a ser trabalhado no ambiente escolar. Na Educação Física, na maioria das vezes, os alunos que precisam ser incluídos acabam sendo excluídos das atividades pelo fato de não conseguirem realizá-las ou pelo uso de metodologias de ensino que não reconhecem as diferenças dos alunos.

    Ao realizar um estágio no Ensino Médio, em 2013, tive a oportunidade de atuar em uma turma na qual havia um aluno com deficiência visual. Percebi as dificuldades que esse aluno possuía para realizar as atividades propostas. Porém, vi, também, que quando estimulado, ele conseguia participar, se esforçava para que pudesse fazer parte de tudo que era proposto. Por outro lado, também constatei uma grande dependência do aluno em relação aos seus colegas. Então, me questionava, será que este aluno estava sendo incluído nas aulas de Educação Física? O que é inclusão?

    Por inclusão entende-se incluir um indivíduo em um meio social diferente do dele, seja em função de uma deficiência ou por possuir diferenças sociais em relação aos demais. Por isso, Sassaki (1999, p. 42) nos diz que a inclusão social é um processo que contribui para a construção de um novo tipo de sociedade através de transformações, nos ambientes físicos, espaços internos e externos, equipamentos, aparelhos, utensílios, mobiliário e meios de transporte. Mas passa, também, pela mudança da mentalidade de todas as pessoas e do próprio indivíduo com deficiência.

    Pensar em inclusão requer que reconheçamos a diversidade, o diferente, o singular, o heterogêneo. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional assegura esse direito às pessoas com deficiência, exigindo adequação de currículos, métodos, técnicas e recursos para atender às especificidades. Ainda, a referida lei estipula que a educação especial é definida como modalidade de educação escolar em todas as etapas e níveis de ensino. Com isso, desvincula-se a educação especial da escola especial, o que permite a convivência das diversidades (Brasil, 2005).

    Portanto, escolhi como tema de pesquisa a Educação Física Escolar e a deficiência visual pelo desafio que se apresentou no meu estágio com um aluno com deficiência visual. Acredito que nós, professores de Educação Física, devemos tratar a inclusão como um tema de suma importância tanto no ambiente escolar como na vida fora da escola. Hoje, como professora da escola onde o aluno estuda ministro aulas para ele e tenho como desafio incluí-lo nas aulas de Educação Física. Assim, defino o problema da pesquisa: De que forma ocorre o processo de inclusão de um aluno com deficiência visual nas aulas de Educação Física escolar?

    O objetivo geral do trabalho foi compreender como se dá o processo de inclusão de um aluno que possui deficiência visual na Educação Física escolar.

    Este estudo justifica-se pelas dificuldades encontradas no ambiente escolar, enquanto professora de Educação Física em uma turma com um aluno com deficiência visual e pela necessidade do professor ser investigador da sua própria prática pedagógica. Principalmente em função da falta de espaço adequado e materiais específicos, sabemos que a inclusão é um desafio, ao mesmo tempo é um compromisso dos professores com seus alunos. Espera-se que este estudo possa contribuir com demais professores e estudantes de Educação Física no exercício da docência, visto que a atuação com pessoas com deficiência é uma realidade que demanda estudos. Nesse sentido, mesmo reconhecendo a singularidade de cada escola e de cada aluno, espera-se que esse artigo possa auxiliar a outros professores a pensar e repensar a relação da Educação Física com a deficiência visual.

Característica da pesquisa

    Esta pesquisa é de caráter qualitativo e é um estudo de caso que trata da deficiência visual nas aulas de Educação Física. Gomes (1994) refere que a pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares e não se busca a quantificação, ou seja, trabalha-se com um universo de significados, correspondendo a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis.

    Um estudo de caso de caráter qualitativo exige que critérios sejam observados, tais como: a seleção do lugar e os casos a serem investigados, pois para que seja feita uma boa pesquisa deve-se ter um fácil acesso ao ambiente e ao aluno pesquisado, boa receptividade, saber um pouco da história ou fazer uma reconstrução dela para que se saiba como proceder nos próximos passos. Outro critério que deve ser observado é o que é e o que não é relevante para a investigação.

Contexto e sujeitos do estudo

    O caso escolhido foi um aluno do sexo masculino com deficiência visual. No segundo semestre de 2014, período da realização da pesquisa, possuía 16 anos e frequentava o 2º ano do Ensino Médio em uma escola da rede estadual da 3ª Coordenadoria de Educação do Rio Grande do Sul/Brasil. É uma escola que atende a mais de 800 alunos do Ensino Fundamental - Anos Iniciais - ao Ensino Médio. Escolhi este caso pela relação de proximidade com o aluno e por já ter feito um estágio curricular com a turma em que este aluno estuda. Outro fator que motivou a escolha por este caso é o acesso à família e por estar tendo a experiência de ministrar aulas como professora titular de Educação Física para este aluno.

    O aluno estuda nesta escola desde os Anos Iniciais, porém, neste nível de ensino não teve professor de Educação Física. Desde que ingressou nos Anos Finais do Ensino Fundamental até hoje, já no Ensino Médio, o aluno em estudo teve dois professores de Educação Física. A direção escolar busca estar em contato com a família do aluno e, na escola, faz um acompanhamento.

    Portanto, buscando compreender melhor a trajetória de vida do aluno sujeito de estudo, participaram também da pesquisa a mãe, um representante da direção da escola e os dois ex-professores de Educação Física do aluno.

Instrumentos e procedimentos para coleta de informações

    As informações foram coletadas mediante entrevistas semiestruturadas. Negrine (1999) nos diz que a entrevista é a prestação de informações e opiniões de forma oral. É também uma estratégia utilizada para obter mais informações e opiniões, frente a frente, o que gera um maior vínculo com o entrevistado.

    Na entrevista semiestruturada, o instrumento de coleta está pensado previamente para obtenção de informações concretas, porém permite que se realizem explorações não previstas. Além disso, o entrevistado tem mais liberdade para falar o que pensa (Negrine, 1999).

    Nas entrevistas foram feitas perguntas abertas que permitiram que o entrevistador conhecesse melhor os entrevistados e ampliasse o diálogo sobre o tema de estudo. Esse tipo de entrevista tem como objetivo obter informações mais profundas.

    Foram entrevistados o aluno estudado, um familiar (mãe), dois ex-professores de Educação Física do aluno e um membro da direção. O horário das entrevistas foi combinado previamente. Todos os entrevistados permitiram que a entrevista fosse gravada, exceto a mãe do aluno, que preferiu que eu escrevesse suas falas na medida em que ela ia respondendo. As entrevistas gravadas foram transcritas com as mesmas palavras que os entrevistados utilizaram. Depois de transcrita, entregou-se uma cópia da entrevista para os entrevistados para que a lessem e, se concordassem, autorizassem o seu uso na pesquisa.

    Em relação aos cuidados éticos foram utilizados Termos de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE). Cada participante ou responsável assinou o TCLE consentindo que fosse feita a pesquisa. Ainda, como cuidado ético durante a análise e escrita dos resultados, não se citou nomes, utilizou-se siglas como: “professor 1” e “professor 2”, aluno, mãe e vice-diretora.

    Outro instrumento utilizado foi o diário de campo, o qual foi usado para fazer acompanhamento daquilo que se estava observando no decorre da pesquisa (Vergara, 2006). O diário de campo foi utilizado no período de treze de agosto a cinco de novembro, foram escritos semanalmente durante as aulas de Educação Física da turma que tinham duração de cinquenta minutos. No total, foram oito diários de campo.

Análise e interpretação

    A análise e interpretação foram trabalhadas através de categorias de análises. As categorias são feitas para se estabelecerem classificações, ou seja, agrupando elementos, idéias ou expressões conseguimos trabalhar num sentido para abranger tudo que foi buscado através das entrevistas. O conjunto de categorias deve ser estabelecido a partir do único princípio de classificação, bem como deve permitir a inclusão de qualquer resposta numa das categorias do conjunto. Além disso, são exclusivas, ou seja, uma resposta não pode ser incluída em mais de duas categorias (Gomes, 1994).

    Tendo como base as falas dos professores, direção, familiar e do próprio aluno quanto à prática da Educação Física e inclusão, o estudo de caso está estruturado em três categorias de análise que serão apresentadas a seguir.

História de vida

    O aluno pesquisado é deficiente visual pois nasceu prematuro e ficou muito tempo na incubadora. Como consequência teve o deslocamento da retina, razão pela qual sua deficiência é de nascença.

    A cegueira é uma deficiência sensorial caracterizada pelo fato de que as pessoas que dela padecem têm seu sistema visual de coleta de informações total ou parcialmente afetado. Portanto, quando falamos em cego, falamos de uma população muito heterogênea, na qual se incluem não apenas aquelas pessoas com deficiência total, mas também aqueles que possuem resquícios visuais que podem ser aproveitados em seu desenvolvimento e aprendizagem (Jannuzzi, 2004).

    A mãe conta um pouco da história do filho e demonstra que sempre procurou por recursos para que ele tivesse uma vida de oportunidades, de inclusão nos demais ambientes em que frequenta e não passasse por muitas dificuldades de convivência. Ela comenta:

    Ele começou a estudar em Porto Alegre, no Centro Luiz Braille, quando ainda era pequeno. Depois foi para a pré-escola, na mesma escola onde estuda até hoje no 2° ano do Ensino Médio. Em Lajeado, município vizinho, frequenta a escola Presidente Castelo Branco que possui sala de recursos com mais materiais, lá também vai desde pequeno, onde faz aulas de reforço e temas de casa. Também em Lajeado frequenta uma instituição de Deficientes Visuais chamada APADEV (Associação de Pais, Amigos e de Pessoas com Deficiência Visual). Lá ele faz aula de vocal, se encontra com outras pessoas com deficiência visual uma vez por semana e às vezes quando tem algum evento (Entrevista, mãe).

    O aluno, ao ser entrevistado, nos fala que gosta de fazer atividades mais calmas, não gosta de se exercitar. Ele comenta: “Gosto de cantar e ficar no computador conversando com amigos, não costumo praticar atividades físicas fora da escola...” (Entrevista aluno).

    Isso demonstra que o aluno prefere, em seus momentos de lazer, ficar em casa fazendo o que mais gosta que é cantar e conversar com amigos nas redes sociais. Dessa forma, percebe-se que o aluno não demonstra um interesse pelas práticas da cultura corporal. Figueiredo (2004) menciona que as experiências sociocorporais de cada indivíduo vivenciadas durante a trajetória de vida interferem na aceitação ou não de novas experiências. Elas agem como filtros, influenciando as escolhas.

    No caso estudado, percebemos que o aluno, quando recebe estímulos e oportunidades, constrói novas experiências corporais. Porém, se evidenciou uma restrita estimulação para a exploração corporal. De acordo com Paes e Balbino (2005) crianças que recebem estímulos para as práticas esportivas até os doze anos de idade possuem maior facilidade para uma futura inserção em um esporte específico.

    Nesse contexto, a vice-diretora relata que a escola procurou sempre recursos e maneiras de se atualizar para que conseguisse envolver o aluno nas atividades, conforme se observa na fala abaixo:

    O aluno entrou na escola ainda na pré-escola e está até hoje, já no Ensino Médio. Foi uma conquista para a Escola, pois teve o desafio da professora da 1° série, em um quadro diferente para ela, que buscou aprender o Braille, buscou a melhor forma de trabalhar com ele, se especializou, aprendeu e sempre o acompanhou, assim como os outros professores que sempre adaptaram as atividades a ele (Entrevista vice-diretora).

    Em relação às mudanças que a escola e os professores devem fazer para que esse aluno seja incluído, bem como no que se refere à busca pelo aprendizado, Fávero et al. (2009, p. 186) comentam:

    A inclusão social, escolar em particular, constitui uma tarefa complexa, porém não impossível. Ela exige múltiplos saberes da prática docente, além da mudança de atitudes, hábitos e valores e um efetivo compromisso com os alunos em geral e, em especial, com aqueles tidos como deficientes, que têm sua própria e também complexa forma de ser e estar no mundo.

    Podemos perceber que tanto a escola como a mãe sempre tiveram o mesmo pensamento quanto ao desenvolvimento deste aluno, buscando atualizar-se e ir atrás de recursos para que este aluno tivesse a mesma atenção que os demais possuem no ambiente escolar, tendo, assim, oportunidades de crescimento iguais aos demais colegas.

Escola, inclusão e deficiência visual

    Um dos grandes temas que tem tomado conta do nosso dia a dia é a inclusão. Nesse contexto, a direção da escola, assim como a mãe, têm uma visão similar a respeito do conceito de inclusão. Porém, a vice-diretora percebe que inclusão não se trata apenas de pessoas com deficiência, mas de todos que necessitam de atendimento especial por alguma necessidade que venham a passar.

    A inclusão se dá no momento em que se percebe que o aluno é diferente não só fisicamente, mas também dentro das dificuldades de compreensão, de aprendizado, de raciocínio e até de relacionamento, e consegue-se incluir ele dentro da turma regular fazendo com que ele interaja e aprenda tanto quanto os outros (Entrevista Vice-diretora).

    Já a mãe percebe a inclusão através do que ela vive, que é a inclusão por deficiência. Para ela “inclusão é quando se coloca o meu filho junto nas atividades, tanto na sala de aula como fora dela” (Entrevista mãe).

    Neste estudo de caso, evidenciamos que tanto a direção quanto os familiares e o próprio aluno percebem que a escola está preocupando-se com a inclusão desse aluno, sem perder de vista que há outros que também necessitam de um olhar diferenciado. A vice-diretora nos diz:

    Como é uma escola bastante inclusiva, o aluno participa de todas as atividades normalmente. É um aluno totalmente incluído. A escola precisa melhorar a questão do piso, pois o piso tátil ainda não foi colocado na escola. Com relação ao espaço, como o aluno estuda desde a pré-escola, ele sempre teve auxílio dos colegas e professores para conseguir se situar, para conseguir desempenhar as atividades (Entrevista vice-diretora).

    Tendo em vista a colocação da vice-diretora, Duran e Prado (2006) referem que a familiarização daqueles alunos com necessidades especiais com o ambiente escolar é muito importante. Dentro da escola, a familiarização deve ocorrer com alguém conduzindo esse aluno para que ele conheça os ambientes, sendo importante que nada mude de lugar depois disso. Caso algo mude de lugar, o aluno deverá ser informado. Por todos esses motivos, é importante a colocação do piso tátil para que o aluno se localize melhor no ambiente em que convive durante o turno de aula.

    Porém, a mãe e o aluno não percebem que a escola esteja precisando de melhorias. Segundo eles a escola está apta para que esse aluno estude, sem necessitar de adequações, como se percebe a seguir: “Para mim a escola está muito boa assim, e vejo a cada ano melhorias. Percebo que como está, está apta sim às necessidades de meu filho” (Entrevista, mãe). Sobre esta questão o aluno comenta: “A escola está apta e apresenta melhorias a cada ano, pois tem bastantes livros, computador, tudo que preciso encontro lá” (Entrevista, Aluno).

    Uma vez apresentada a história de vida do caso estudado, como a vice-direção e a mãe dele percebem o processo de inclusão, torna-se possível compreender a relação desse aluno com a Educação Física escolar.

A Deficiência Visual e a Educação Física Escolar: um olhar a partir do aluno e professores de Educação Física

    Nesta categoria, a partir das entrevistas com o aluno e com os professores de Educação Física, vamos analisar quais são as suas facilidades e dificuldades durante as aulas, bem como quais práticas costumam desenvolver com este aluno e de quais práticas o aluno gosta de participar.

    Relembrando, percebeu-se durante os relatos que o aluno estudado gosta de ficar em casa cantando e mexendo no computador. Fora da escola não pratica atividades físicas. Em relação à Educação Física, ele disse:

    Até gosto da prática da Educação Física, porém nos anos anteriores não me sentia muito incluído nas aulas, costumava fazer mais trabalhos individuais (Entrevista, Aluno).

    Na prática gosto dos alongamentos, corridas e brincadeiras, que é onde tenho mais facilidade, encontro mais dificuldade na parte dos jogos (Entrevista, Aluno).

    A deficiência visual, seja ela total ou parcial, faz com que os que possuem deficiência utilizem mais dos outros sistemas sensoriais para conhecer o mundo a sua volta. Um dos principais sentidos utilizados por eles é o tato, que permite a coleta de informações bastante precisa sobre objetos próximos. A audição também tem uma enorme importância no desenvolvimento e na aprendizagem de um cego, pois pode ser utilizada como uma comunicação verbal (Espinosa; Ochaíta, 2004)

    O aluno teve dois professores de Educação Física em sua trajetória escolar. Ele começou a ter aula de Educação Física orientada por um professor da área na 6° série, aos 12 anos de idade, sendo assim, teve apenas 5 anos de aulas com um professor específico até a realização do estudo. Antes da 6.ª série a experiência motora na escola era restrita a algumas brincadeiras que a professora, unidocente, ministrava. Em relação aos professores de Educação Física, percebeu-se que cada um, em suas particularidades, conseguiu incluir e perceber diferentes maneiras e gostos deste aluno, tentando, assim, adaptar a aula para atender ao aluno.

    O professor 1 de Educação Física entrevistado, que lecionou aulas ao aluno da 6° até a 8° série, mencionou:

    Ele era super parceiro, na parte de alongamento e aquecimento, dentro do limite dele ele fazia [...] Na parte de aquecimento era mais trabalhado com corrida .[...] mesmo sem material específico a ele, em todas as aulas havia uma atividade que era conduzida para a participação do aluno, e aí tinha a questão de ele gostar sempre de ser goleiro, ele ficava no gol e mais um, o ajudante, na cobrança do tiro de meta era mostrado quantos passos para que ele se situasse [...].

    Já o professor 2 encontrou maiores dificuldades, pois percebia muita dependência do aluno em relação aos colegas: “Era bastante complicado de dar aula, ele se portava teoricamente bem, mas o achava muito dependente dos colegas isso já no 1° ano do Ensino Médio”.

    Por isso que Rodrigues (2003) menciona que os professores de Educação Física não são todos iguais, pois cada professor tem seu modo de trabalhar, sendo que alguns têm mais facilidades e outros mais dificuldades. Isso se deve ao fato de que cada universidade tem seu método de ensino e cada professor sua maneira de abordar a deficiência.

    Contudo, para que esse aluno se sentisse incluído, os dois professores utilizavam métodos muito parecidos, buscando o trabalho individual e valorizando os alongamentos e aquecimentos, momentos em que era mais fácil mantê-lo junto ao grupo.

    A valorização desta parte de alongamento e aquecimento, os trabalhos mais individuais, como atletismo, as modalidades mais individuais, porque as atividades coletivas eram ruins por causa disso, porque geravam mais barulho (Professor 1).

    Assim como para o professor 1, o professor 2 utilizava métodos parecidos na condução das aulas, conforme ele nos descreve abaixo:

    Principalmente na parte de alongamento e aquecimento, ele participava normalmente, na parte especifica de handebol eu trabalhava bastante com ele, certos momentos na goleira, saindo jogando, posicionamento (Professor 2)

    Bezerra (1998) nos diz que os alunos com necessidades especiais esperam que o professor acredite nele para que ele faça bem as atividades, porém, os professores mostram-se inseguros quanto a esta atuação, e colocam o discurso em cima da falta de recursos e materiais aptos para as práticas necessárias.

    Durante este pouco tempo de aula, mesmo que com algumas dificuldades, foram percebidos alguns avanços. Poucos, mas houve, como cita o professor 1:

    Não eram avanços motores significativos, mas a segurança dele em se deslocar era um grande avanço, e isso era uma coisa que eu fazia bastante com ele, pois ele era muito preso aos amigos conduzirem. Acho que ele tinha medo de os amigos deixarem ele de lado, que ele preferia não levar a bengala dele e queria que alguém andasse de braço com ele sempre, pra que alguém ficasse responsável de ficar com ele (Professor 1).

    O professor 2 percebeu poucos avanços nas atividades, porém, na atividade que ele mais trabalhou, percebeu, sim, que o aluno obteve progressos:

    Como falei, ele era muito dependente, era não, ele é muito dependente, ele não tem aquela autonomia de um deficiente visual. Mas dentro do possível ele teve um progresso sim, no desenvolvimento do início do ano até o final, no handebol como é a atividade que mais gosto de trabalhar, então ele teve bons fundamentos (Professor 2).

    Através desses avanços, buscou-se incluir este aluno nas atividades, tais como a de handebol, nas quais o professor 2 relata que percebeu progresso. Porém, facilidades e dificuldades na prática pedagógica são relatadas pelos dois professores de Educação Física do aluno:

    Como facilidade, a compreensão dos colegas e da turma era um fator que tornava fácil e o fato de ele ter vindo comigo muitos anos fez com que a gente fosse criando uns códigos que ele conseguia compreender. Já as dificuldades eram na questão do barulho, porque os alunos ficavam agitados na Educação Física e ficava difícil de trabalhar com um material de guizo, pouca alternativa de material e a condição do espaço físico que era todo esburacado (Professor 1).

    Facilidade é que ele é um guri bem alegre, e dificuldade era fazer com que ele, principalmente, tivesse uma noção, acredito que é da própria deficiência, uma noção do corpo dele (Professor 2).

    Nas minhas aulas, ao analisar os meus diários de campo, também percebi dificuldades em relação ao espaço físico e materiais específicos para o trabalho com deficiência visual e de ele realizar atividades que consistiam em correr individualmente.

    O ambiente e os materiais que temos não são os mais adequados, pois a quadra possui degraus perto e é de concreto o que pode acontecer do aluno cair e se machucar. O aluno não encontra materiais específicos, tais como bolas de guizo, o que dificulta ainda mais a sua participação (Diário de campo, n.º 1).

    O aluno demonstrou bastante dificuldade em interagir nas atividades que consistiam em correr mesmo que em duplas para um local específico (coelho sai da toca) conduzindo a bola, tem medo de se soltar na aula, o que dificulta sua participação. Procurei adaptar as atividades para serem feitas em duplas, sem a bola, o que facilitou para ele, porém o aluno sempre colocava as mãos a frente do rosto com medo de bater em algum obstáculo ou algum colega. Também demonstrou dificuldade com os alongamentos que foram feitos individualmente, pois possui pouca flexibilidade e muitas vezes não entendia minha explicação (Diário de campo, n.º 1).

    Mesmo com algumas dificuldades, tanto físicas quanto em relação ao ambiente e aos materiais, o aluno buscava interagir com os demais colegas e se empenhava para conseguir desempenhar o que estava sendo proposto, jamais se negando antes de tentar. “Nas atividades mais recreativas, tais como pega-pega em dupla e caçador em dupla, ele demonstrava se sentir muito feliz em poder participar juntamente com os demais (Diário de campo, n.º 2).

    Porém, como mencionado pelos outros professores, o aluno era bastante dependente dos demais colegas. Por isso trabalhar com esportes específicos e individualmente se tornou difícil. Os trabalhos individuais eram mais fáceis quando a corrida e o deslocamento individuais não eram requeridos.

    Quando trabalhamos com esporte específico com o objetivo de trabalhar passe, deslocamento e domínio do futsal, ele precisou de ajuda dos colegas para fazer o deslocamento entre os cones, demonstra medo de caminhar ou correr sozinho, procurei colocar uma bola junto e com ajuda de um colega conseguiu participar, porém relatou que se sentiu estranho (Diário de campo, n.º 3).

    No dia que trabalhamos com exercícios localizados de academia, o aluno teve bastante dificuldade de fazer o movimento, demonstrando bastante rigidez na musculatura, em vários momentos tive que esticar suas pernas para que estendesse e mesmo assim ele relatava que não conseguia mais, demonstrou gostar bastante de participar, pois estava bastante feliz e atento a tudo (Diário de campo, n.º 6).

    Em relação à origem das dificuldades na realização das atividades pode estar relacionado com o fato de a deficiência visual vir a ter uma má adaptação sensório-motora quando não estimulado na infância, por isso, fazer com que ele conheça seu corpo é facilitar para ele o acesso ao trabalho de orientação e mobilidade (Melo, 2004).

Conclusão

    Ao finalizar este estudo de caso, percebi que o aluno enfrentou algumas dificuldades em sua trajetória de vida quanto às suas experiências sociocorporais pelo fato de não ter sido estimulado e por não ter tido aulas de Educação Física nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. A mãe buscou apoio para o seu desenvolvimento em instituições, tal como a APADEV, onde ele fez aulas de canto e pode conviver com outras pessoas também deficientes visuais. Porém, a mãe sempre o manteve muito sob seu cuidado, o que faz com que o aluno em estudo tenha dificuldades de caminhar sozinho com a bengala e até de ser mais independente.

    Quanto à inclusão do aluno nas aulas, percebi que ele gosta de participar, porém os professores buscavam sua participação em atividades mais específicas para ele e individuais, como os fundamentos nos esportes e o atletismo. Contudo, o aluno gosta das atividades em duplas ou grupo, pois se sente mais seguro com os colegas por perto. Portanto, percebi que eram realizadas atividades individuais, nas quais ele trabalhava separado e isso fazia com que ele se sentisse “excluído” ao invés de incluído.

    Concluo que conhecer a história de vida de um aluno com deficiência visual é fundamental para o professor orientar o processo de ensino-aprendizagem, pois cada sujeito é único. Assim, quando recebermos um aluno com deficiência em nossa turma, a investigação da trajetória de vida dele torna-se indispensável. Além disso, a reivindicação de espaços e materiais específicos que podem contribuir com a construção de um ambiente favorável a aprendizagem também se fazer necessário.

Referências

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