efdeportes.com

Artes marciais e desenvolvimento humano. Uma revisão de literatura

Las artes marciales y el desarrollo humano. Una revisión de la literatura

The martial arts and human development. Literature review

 

*Discente do Curso de Medicina

da Universidade Estácio de Sá da cidade do Rio de Janeiro

**Doutora em Psicologia pela UFSC. Professora Adjunta

da Universidade Federal do Sul da Bahia

(Brasil)

Filipe Lustosa Lacrose*

filipelacrose@gmail.com

Sandra Adriana Neves Nunes**

psandranunes7@hotmail.com

 

 

 

 

Resumo

          O ser humano constrói sua identidade e subjetividade enquanto desempenha suas atividades de transformação da natureza, bem como através de suas produções socioculturais. Este artigo, com foco nas artes marciais como produto humano, objetivou elencar efeitos positivos citados na literatura marcial e no senso comum decorrentes da prática deste tipo de esporte como, por exemplo, o aumento do autocontrole, do equilíbrio mental, da autoconfiança, da persistência e reflexos e em seguida, comparou estes resultados aos encontrados pela literatura científica. Deste modo, o presente estudo buscou revisar publicações acadêmicas sobre o tema e analisar possíveis explicações para as supostas conseqüências benéficas das artes marciais sobre o desenvolvimento humano, tanto em seus aspectos físicos quanto psíquicos. Inicialmente foi feita uma definição conceitual acerca do assunto arte marcial, seguida da apresentação dos principais achados científicos obtidos através de uma revisão de literatura nas bases de dados do SciELO, PePSIC e Scholar Google. Por fim, conclui-se que, apesar dos poucos trabalhos investigativos sobre os efeitos positivos das artes marciais para o desenvolvimento físico e psíquico de seus adeptos, há indicativos de que sua prática pode trazer diversas contribuições para a personalidade dos praticantes, no que toca às esferas cognitiva, afetiva, motivacional, física e social.

          Unitermos: Arte marcial. Revisão de literatura. Desenvolvimento físico e psíquico.

 

Abstract

          The human being construct their identity and subjectivity while performing their activities of transformation of nature, as well as through their socio-cultural productions. This article, focusing on martial arts as a human product, aimed to list positive effects reported in the literature martial and common sense arising from the practice of this kind of sport, eg, increased self-control, mental balance, self-confidence, persistence and reflections and then compared these results to those found in the scientific literature. Thus, this study sought to review academic publications on the subject and to examine possible explanations for the supposed beneficial effects of martial arts on human development, both in their physical and psychic aspects. Initially a conceptual definition was made ​​on the subject martial art, then the presentation of the main scientific findings obtained through a review of literature in SciELO, PePSIC and Google Scholar databases. Finally, it is concluded that, despite the few studies about the positive effects of martial arts to the physical and psychological development, there are indications that its practice can bring different contributions to personality practitioners, regarding to cognitive, affective, motivational, physical and social aspects.

          Keywords: Martial arts. Literature review. Physical and mental development.

 

Recepção: 27/10/2014 - Aceitação: 11/01/2015

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 19, Nº 202, Marzo de 2015. http://www.efdeportes.com/

1 / 1

1.     Introdução

    O homem constitui-se e diferencia-se dos demais animais pela natureza de sua atividade no mundo. Esse traço característico da ação prática na realidade percebida entre os homens e os outros animais tem um reflexo importante no processo de construção da subjetividade e da identidade humana: o “quem sou” está relacionado ou intimamente ligado ao “o que faço”.

    Assim, ao referir-se ao termo atividade, não se deve considerar simplesmente o trabalho/profissão, mas sim a qualquer ação motivada pelas necessidades históricas humanas e que é orientada de forma consciente e destinada à transformação da natureza pelo homem e a, conseqüente, transformação de si próprio nesse processo (MARX, 2004). Por isso, Leontiev (1978) afirma que a atividade humana resulta de um longo processo de desenvolvimento sócio-histórico e é internalizada pelo indivíduo, constituindo sua consciência e formando sua personalidade. Podem-se citar como exemplos destas atividades as artes plásticas, a literatura, a música, a ciência, a guerra e, também, as práticas esportivas.

    No que diz respeito à atividade física do homem, mais precisamente aos esportes, nota-se que sua prática pode contribuir positivamente de várias maneiras na vida das pessoas, desde o ponto de vista biológico, social e até psíquico, propiciando bem-estar emocional (PIERON, 2004). Dentre os mais variados esportes, coloca-se em evidência uma modalidade denominada artes marciais, pelos efeitos positivos que podem exercer sobre a saúde física e mental, na medida em parecem promover desenvolvimento pessoal, especialmente de crianças e adolescentes (FEITOSA; NAKASSU; FLAMINO; ARRUDA, 2011; QUINTÃO; NOVACOSKI, 2013; KIM, DATTILO e HEO, 2011).

    Santos (2004, p. 7-8) elucida os efeitos das artes marciais sobre o desenvolvimento psicológico, ao tratar do judô, da seguinte maneira:

    [...] quando Jigoro Kano criou o judô ele definiu objetivos para esta arte, que não se limitavam a questões práticas, mas sim um judô que fosse trabalhado como forma de desenvolver o caráter, a moral, autodomínio, autoconhecimento, respeito mútuo, entre outros.

    Ainda que na literatura marcial e no senso comum sejam amplamente divulgados os efeitos positivos sobre o indivíduo que pratica artes marciais, como por exemplo, a melhoria do autocontrole, do equilíbrio mental, da autoconfiança, da persistência e até dos reflexos e coordenação motora, na literatura científica ainda há poucos trabalhos que atestam essa associação. Para preencher essa lacuna, este artigo visa a analisar as contribuições teóricas produzidas sobre o tema em duas bases de dados importantes da Psicologia: a SciELO (base de dados nacionais) e a PePSIC (base de dados latino-americana), além da ferramenta de busca Scholar Google. Mais especificamente, o presente estudo visa identificar publicações e analisar suas possíveis contribuições para o esclarecimento dos efeitos positivos das artes marciais sobre o desenvolvimento humano, em seus aspectos físicos e psíquicos.

    Para atender aos objetivos, inicialmente será apresentada uma revisão teórica com a finalidade de conceituar as artes marciais, diferenciá-las de esportes de combate e apresentar as doutrinas que as regem, de modo a compreender como os efeitos positivos dessa atividade esportiva são defendidos na literatura marcial. Em seguida, serão apresentados os principais resultados da revisão de literatura, com o intuito de sistematizar os principais achados de estudos empíricos e de revisão que tratam dos efeitos das artes marciais sobre o desenvolvimento psíquico e físico dos sujeitos que a praticam. Finalmente, será tecida uma breve conclusão sobre esses achados de modo a identificar avanços e limites, que poderão nortear futuros estudos.

2.     Metodologia

    Esse é um estudo de revisão bibliográfica sobre artes marciais e suas implicações para o desenvolvimento físico e psíquico humano. Fachin (2006) afirma que a pesquisa bibliográfica é, por excelência, uma fonte inesgotável de informações, pois auxilia na atividade intelectual e contribui para o conhecimento cultural em todas as formas do saber.

    O estudo foi realizado em três momentos: primeiramente, foi conduzido um levantamento de publicações de mestres de artes marciais, bem como sites e/ou documentação que tratavam das doutrinas que regem as diversas artes marciais, buscando identificar suas relações com os aspectos psicológicos, especialmente no que diz respeito à formação moral do caráter (um elemento da personalidade) do praticante. Em seguida, foi conduzido uma pesquisa bibliográfica nas duas principais bases de dados de psicologia brasileiras (SciELO e PePSIC) e também na ferramenta de busca Scholar Google, entrando-se com as expressões “artes marciais” and “saúde mental” and “saúde física”. Não foi feita delimitação de datas para a pesquisa. Finalmente, uma vez que foram identificados poucos estudos, foi feita a leitura na integra de seu conteúdo e sintetizado suas principais conclusões.

3.     Arte Marcial e seus efeitos sobre o desenvolvimento psicológico humano. Revisão da literatura marcial

    Com origens históricas antiquíssimas, etimologicamente falando, a “Arte Marcial” quer dizer “Arte Militar” – marcial refere-se a Marte, deus romano da guerra – e são técnicas de combate com ou sem armas (ÁRIES, 1998). Devido a suas distantes origens cronológicas e, também, ao fato de que muitos dos ensinamentos eram passados verbalmente, com ausência quase que total de registros escritos, suas gêneses históricas reais são envoltas de mitos e lendas (ÁRIES, 1998).

    Segundo Áries (1998), muitas pessoas acreditam que artes marciais são as lutas orientais praticadas cotidianamente em academias. Entretanto, para o mesmo autor, também existem definições melhor creditadas, que as conceituam como diferentes métodos de defesa pessoal e técnicas militares a serviço dos povos para defesa da pátria e de seus bens. Desta forma, não basta ser uma técnica de combate ou defesa pessoal para ser considerada arte marcial, é necessário também que tenha sido utilizada historicamente como método ou recurso de defesa de uma nação ou comunidade (ÁRIES, 1998).

    No oriente, influências advindas da filosofia e de religiões como o budismo, taoismo, xintoísmo e confucionismo estão intimamente arraigadas na cultura e igualmente ligadas às artes marciais. Tal junção visava preparar o sujeito física e espiritualmente, e objetivavam, deste modo, seu aprimoramento como ser humano de uma forma mais ampla (LEE, 2007). Para Áries (1998, p. 17) tais “artes têm a intenção de servir como meio de autoanálise e aprimoramento do caráter, levando o praticante a uma maior compreensão das forças que regem o universo”. Os esportes de combate, por sua vez, são definidos como práticas desportivas com competições e regras estabelecidas, podendo ou não ser utilizados como técnica de defesa pessoal ou de aperfeiçoamento físico, mas não visam contribuir para o amadurecimento e aperfeiçoamento do indivíduo (ÀRIES, 1998).

    Diante do exposto, pode-se afirmar que, conforme Áries (1998), o Karatê, o Judô, o Jiu-Jitsu e o Aikidô, por exemplo, podem ser considerados artes marciais da mesma forma que a Capoeira brasileira, visto que os escravos existentes em todo o Brasil, além de desenvolvê-la, utilizaram-na para sua própria defesa e incorporaram nela seus elementos culturais. Na mesma linha de raciocínio, exemplificativamente, o boxe, o kickboxe e o MMA (do inglês mixed martial arts; artes marciais mistas), para o mesmo autor, não podem ser considerados artes marciais pelos mesmos fatores: além de não terem sido ensinados sistematicamente nas forças armadas de uma nação, não têm a intenção de desenvolver aspectos espirituais e de auto-aperfeiçoamento nos praticantes.

    Importante observar que, como a competitividade é bastante disseminada no mundo atual, principalmente na parte ocidental, muitas artes marciais têm sido ensinadas somente como esportes de combate. Torna-se comum, assim, encontrar escolas que ensinam as mesmas técnicas marciais, porém com um enfoque doutrinário diferente do original (ÁRIES, 1998).

    As artes marciais, como enfatizado antes, são permeadas por inúmeros aspectos, entre eles os religiosos e filosóficos. Sábios do passado, como o fundador do Taoísmo, Lao Tsé, e outros, como os do oráculo grego de Delfos afirmavam o que, para muitos, são considerados axiomas filosóficos clássicos. Era dito por eles, Lao Tsé e no Oráculo de Delfos, respectivamente:

    Aquele que conhece os outros é sábio, aquele que conhece a si mesmo é iluminado. Aquele que vence o outro é potente, aquele que vence a si mesmo é forte. Conhece-te a ti mesmo e conhecerás o universo e os deuses. (ÀRIES, 1998, p.18 e p. 36)

    Da mesma forma, Gichin Funakoshi orientava seus discípulos (através de máximas dentro dos seus vinte ensinamentos) para que cada um “Conheça a si próprio antes de julgar os outros” (FUNAKOSHI, 2005). Ao analisar essas sentenças e sabendo de doutrinas que influenciaram tais artes, é notória a importância do autoconhecimento, autocontrole e autoconfiança, não só para os karatecas, mas para todo artista marcial. Estes aspectos seriam passados para os aprendizes ao experimentarem a prática, pois só assim, diante da necessidade de sobrevivência, tais ensinamentos surtiriam efeito. De acordo com Feijó (1992), a prática de Jiu-Jitsu, Judô e Karatê são marcadas pelas características como nobreza, obediência ao mestre e às regras, respeito mútuo, e são reconhecidas por enfatizar a competição interna. Isso significa que o maior desafio do atleta ou do praticante está em vencer uma “guerra interior” que é travada contra os desequilíbrios e desarmonias pessoais, o que auxilia no autocontrole e no combate à agressividade (FEIJÓ, 1992; PACHECO, 2012).

    Destarte, autoconhecer-se finda em melhores relações internas e externas. O auto-aperfeiçoamento propagado neste campo da atividade humana pode ser evidenciado na afirmação de Morihei Ueshiba, o fundador do Aikido, quando ensinava aos seus discípulos que “a essência do aikido não está no combate aos outros, mas na luta consigo próprio.” (ÁRIES, 1998, p. 163), e de igual maneira no ensinamento de mestre Funakoshi (2005), cuja máxima enunciava “não pense em vencer, pense em não ser vencido”.

    O mundo das artes marciais é bastante empírico, isto é, o indivíduo vai se conhecendo e aprendendo, principalmente a partir de suas experiências. Será através da experimentação prática que ele irá ganhando provas dos fundamentos ensinados e, principalmente, de sua própria capacidade, gerando deste modo confiança em si mesmo. Não existe material publicado para referência, mas uma máxima oral comum em academias de artes marciais japonesas diz que “Sem a prática, não há prova. Sem a prova, não há confiança. Sem a confiança, não há respeito”.

    Como é possível constatar, muitas artes marciais defendem o autoconhecimento como um pilar bastante importante na construção do praticante. A guisa de exemplo, alude-se a um conjunto de pensamentos que ficou conhecido popularmente como “os mandamentos do judô” , ensinamentos que Jigoro Kano – seu fundador – transmitia aos seus alunos e que, como explica Virgílio (1986), orientam a sua prática. Entre eles, neste contexto, pode-se destacar o “conhecer-se é dominar-se, dominar-se é triunfar” (VIRGÍLIO, 1986) e, ainda, novamente pode-se fazer menção a Gichin Funakoshi (2005) quando em seus ensinamentos afirmava: “Conheça a si próprio antes de julgar os outros”. Ao provar a autoconfiança e autoconhecimento, o indivíduo se autoavalia e, tomando noção do seu valor, pressupõe-se que tem possibilidades de adquirir o autorrespeito e, ao menos em tese, sabendo da sua importância desenvolveria a estima e o respeito ao próximo.

    Praticamente em todas as modalidades deste esporte as atividades se iniciam e terminam com cumprimentos. De acordo com o site do Instituto Takemussu (1996), centro oficial de divulgação do Aikido Tradicional no Brasil, Morihei Ueshiba (fundador desta arte) educava que o “Aikido começa e termina com respeito”. Gishin Funakoshi (2005) tinha como mandamento o “respeito acima de tudo” e como ensinamento “não se esqueça que o karatê inicia-se e termina com saudação”, e Jigoro Kano (2008) também enfatizava bastante as reverências. Este, por sua vez, explicava isso como uma indicação, um sinal de respeito com o colega, principalmente por ele “emprestar” seu corpo para o seu treino.

    Da mesma forma que na existência cotidiana, no mundo marcial dificilmente se vencem obstáculos sem o desenvolvimento de estratégias. E no calor da batalha, vence aquele que consegue o autocontrole para manter-se equilibrado a ponto de desenvolver tais táticas. Muitos comparam um combate marcial a um jogo de xadrez, no qual a pessoa tem sempre que estar um passo à frente do seu oponente para vencê-lo. A diferença é que a integridade física também está em jogo, uma variável que força (estimula) o desenvolvimento de um grande equilíbrio mental em situações estressantes. Morihei Ueshiba instruía que “o estado interior deve ser como um grande e calmo mar” (ÁRIES, 1998, p.163), e mestre Funakoshi (2005) tinha como ensinamento que o karateca deveria “evitar o descontrole do equilíbrio mental”.

    Finalmente, é importante discorrer que diversos mestres recomendavam que as artes marciais não deveriam limitar-se somente à academia e, principalmente, que somente surtiriam seu real efeito nos praticantes se seus princípios fossem aliados a vida cotidiana. Como último exemplo, faz-se referência mais uma vez a dois grandes educadores e expoentes do meio artístico marcial, o mestre Funakoshi (2005), que ensinava como um mandamento acerca de sua modalidade que “o Karatê dará frutos quando associado à vida cotidiana”, e o mestre Kano (2008), que via o judô como uma ferramenta para ensinar e aprimorar o uso da energia mental e física das pessoas, e tinha como propósito principal ajudar a pessoa a se aperfeiçoar – nos aspectos físicos, intelectuais e morais – com a finalidade de que, através disso, este pudesse contribuir com a sociedade.

4.     Relações entre a prática de artes marciais e desenvolvimento psíquico e físico: revisão da literatura científica

    Gondim (2006), ao analisar a indicação do Judô pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a educação, ciência e cultura), entende que esse é um dos esportes mais aconselhados na fase que envolve da infância até os quatorze anos de idade, pois:

    permite mediante o jogo e a diversão, conjugar fatores essenciais para o desenvolvimento do indivíduo, como por exemplo, a coordenação de movimentos, a psicomotricidade, o equilíbrio, a expressão corporal e a situação espacial (percepção cinestésica). (GONDIM, 2006, p. 4).

    Diversas pesquisas mostram como a prática de artes marciais pode ser bastante produtiva desde a tenra infância, especialmente em termos de psicomotricidade. Um estudo comparativo realizado por Violan et al. (1997), entre garotos de 8 a 13 anos de idade, sem treinos em artes marciais, mas que iniciaram e praticaram Karatê durante seis meses, contrastados com meninos que praticaram pelo mesmo período de tempo outros esportes recreativos, teve como resultado que os testes de avaliação e comparação entre os grupos expôs significativos ganhos em flexibilidade, força e equilíbrio para o grupo praticante de karatê. Estes três componentes são básicos na educação física e muito importantes na prevenção de lesões esportivas em tempos futuros.

    Outros estudos com crianças e artes marciais comparadas a jogos e esportes recreativos foram realizados. Sekulic et al. (2006) pesquisaram e concluiuram que o treino de Judô é mais efetivo para o desenvolvimento físico do que esportes recreativos. Foi comparado o desenvolvimento físico de meninos de 7 anos de idade após 9 meses de prática destas modalidades esportivas, e a análise da variação dos resultados mostrou que ambas produziram contribuições para a coordenação motora, flexibilidade, velocidade, enrijecimento muscular, altura e peso corporal. Entretanto, os submetidos ao treino de judô demonstraram significativamente melhores resultados em agilidade, flexibilidade e enrijecimento da musculatura abdominal. Portanto, a prática deste esporte permitiu às crianças melhorarem suas capacidades físicas em comparação a outros esportes e jogos não especializados.

    Num estudo qualitativo, conduzido com pais de crianças que praticam judô, Feitosa, Nakassu e Flamino (2011), concluem que há uma série de indicadores psicossociais que aparecem no discurso dos entrevistados, quando falam sobre como esse esporte pode contribuir para a formação educativa de seus filhos (diferenciação entre lutar e brigar, aspecto de respeito, aspectos de concentração, aumento de autoconfiança, crença na importância formativa, contribuição no aspecto emocional e aspecto de superação).

    Outra pesquisa realizada por Palermo et al. (2006) com crianças que apresentavam distúrbios comportamentais discordantes como desobediência, transtorno de oposição e desafio, transtorno de conduta e transtorno do déficit de atenção\hiperatividade, teve como objetivo verificar a eficácia do karatê como intervenção no ajuste destes comportamentos. Os pesquisadores tiveram como resultado justamente que a arte marcial, quando bem ensinada, pode ser proveitosa no auxilio dos programas que visam à redução da externalização destes comportamentos problemáticos. Palermo et al. (2006) concluiram também que as crianças submetidas à prática do karatê apresentaram melhoras em casa, na academia e na escola, em contraste com as que não receberam este tipo de intervenção. E ainda que, quando tradicionalmente e metodologicamente ensinado e praticado, o karatê conduz à melhoria de aspectos como autoconfiança, autocontrole, concentração, atenção dirigida e administração de habilidades, da mesma forma que estimula habilidades sociais e respeito mútuo.

    Vale lembrar, que as artes marciais na condição de atividades físicas praticadas regularmente – devido a questões fisiológicas e metabólicas – têm impacto positivo sobre a vida das pessoas, desde a saúde (como redução dos níveis de ansiedade, depressão moderada, estresse e prevenção de doenças), e também promovendo mais energia e vigor físico, atitudes positivas em relação ao trabalho e, conseqüentemente, melhor convívio social (PIERON, 2004).

    No que tange ao relacionamento das artes marciais e o estresse é pertinente comentar acerca de uma pesquisa realizada por Szabo e Parkin (2001). Eles avaliaram o impacto psicológico da privação de treino em atletas graduados em karatê de ambos os sexos durante uma semana. Ao final, eles puderam notar consideráveis aumentos na raiva, depressão, tensão, emoções negativas e total distúrbio no humor. E ainda, modestas, mas significativas quedas em emoções positivas e vigor, sem encontrar diferenças nos resultados entre homens e mulheres. Szabo e Parkin (2001), desta forma, concluíram que, ao menos nos praticantes avançados de karatê, altos distúrbios de humor surgem após a abstinência de uma semana de treino, independente do gênero do praticante. Embora este estudo tenha sido desenvolvimento somente com karatecas e exista na literatura científica uma grande lacuna de trabalhos com outras modalidades de artes marciais, seria um erro pensar que tais resultados se limitariam somente a esta arte, pois as demais compartilham elementos em comum, como muitos princípios, técnicas e metodologia bastante similares.

5.     Conclusão

    Os resultados encontrados permitem concluir que, apesar da escassez de estudos que investigam os efeitos positivos das artes marciais sobre o desenvolvimento físico e psíquico de seus praticantes, parece haver alguma evidência de que a prática de artes marciais pode trazer como conseqüência diversas contribuições positivas para a personalidade dos praticantes, no que toca às esferas cognitiva, afetiva, motivacional, física e social do indivíduo. De modo geral, algumas características psicológicas percebidas nos praticantes de artes marciais coincidem com aquelas apontadas na literatura marcial: aumento da concentração, aumento de autoconfiança e do autocontrole, desenvolvimento habilidades sociais e respeito mútuo, exatamente os aspectos preconizados por muitos mestres, a exemplo de Gichin Funakoshi. Ainda no que diz respeito aos aspectos psicológicos, estudos têm indicado o efeito positivo na redução dos níveis de ansiedade, da depressão, do estresse e na prevenção de doenças.

    Para além das características psicológicas, os estudos científicos apontam para melhorias no aspecto psicomotor e físico, especialmente de crianças e adolescentes, tais como, melhoras na coordenação de movimentos, no equilíbrio, na expressão corporal e na situação espacial, ganhos em flexibilidade, força, enrijecimento muscular, altura, peso corporal e agilidade.

    Até o momento, os estudos publicados centram-se mais na fase da infância e adolescência e com amostras pequenas. Dada a escassez de pesquisas e a importância que as artes marciais parecem ter sobre o desenvolvimento físico e mental saudável dos indivíduos, novos trabalhos, especialmente empíricos e com amostras mais numerosas e variadas, incluindo indivíduos de outras faixas etárias são necessários, principalmente no momento atual, no qual as artes marciais ganham cada vez mais popularidade e destaque na mídia e sociedade do Brasil e do mundo.

Referências

Outros artigos em Portugués

  www.efdeportes.com/
Búsqueda personalizada

EFDeportes.com, Revista Digital · Año 19 · N° 202 | Buenos Aires, Marzo de 2015
Lecturas: Educación Física y Deportes - ISSN 1514-3465 - © 1997-2015 Derechos reservados