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Ferramentas de abordagem familiar na Estratégia Saúde da Família: relato de caso da Equipe Vila Greyce em Montes Claros, Minas Gerais, Brasil

Herramientas de abordaje familiar en la Estrategia de Salud de la Familia:
relato de caso del Equipo Vila Greyce en Montes Claros, Minas Gerais, Brasil

 

*Cirurgiã-dentista da Residência Multiprofissional em Saúde da Família

**Enfermeira da Residência Multiprofissional em Saúde da Família

***Médico da Residência em Medicina de Família e Comunidade

****Preceptora Cirurgiã-dentista da Residência Multiprofissional em Saúde da Família

*****Preceptora Enfermeira da Residência Multiprofissional em Saúde da Família

*******Preceptor Médico da Residência em Medicina de Família e Comunidade

*******Tutor Cirurgião-dentista da Residência Multiprofissional em Saúde da Família

(Brasil)

Amanda Pereira Alves*

Caroline Maria Silva Lima**

Wilandell Neves Fernandes Rocha***

Carliane Ferreira Nogueira Borges****

Deiviane Pereira da Silva*****

Carlos Henrique Guimarães Brasil******

Carlos Alberto Quintão Rodrigues*******

amandaalves88@hotmail.com

 

 

 

 

Resumo

          A atenção primária à saúde, no Brasil, apresenta a Estratégia Saúde da Família (ESF) como principal componente para a estruturação de uma assistência centrada na família e na comunidade. O trabalho em saúde com famílias pressupõe o emprego de instrumentos que visam estreitar as relações com a equipe multiprofissional de saúde, constituindo fatores fundamentais para o diagnóstico da realidade do núcleo familiar e posterior planejamento das estratégias de ações em saúde. Objetiva-se apresentar um relato de caso envolvendo a utilização de ferramentas de acesso familiar pela Equipe de Saúde da Família Vila Greyce, no município de Montes Claros - Minas Gerais, Brasil. A escolha da família para estudo ocorreu a partir da observação de um paciente-índice que modificou a dinâmica da família acompanhada. Os instrumentos empregados foram: genograma, ciclo de vida, FIRO (Fundamental Interpersonal Relations Orientations), PRACTICE e conferência familiar. O trabalho com a família permitiu propor um plano de intervenção individualizado ao conjunto familiar, admitindo resultados que contribuíram para a mudança nas relações estabelecidas entre seus membros e, consequentemente, acarretando na construção de uma base familiar consistente e harmoniosa.

          Unitermos: Atenção primária. Saúde da família. Ciclo de vida. Família.

 

Recepção: 21/06/2014 - Aceitação: 20/11/2014

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 19, Nº 202, Marzo de 2015. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    A família vem se mantendo, ao longo da história da humanidade, como instituição social permanente, o que pode ser explicado por sua capacidade de mudança, adaptação, resistência e por receber valorização positiva da sociedade e daqueles que a integram. Constitui-se de um sistema interpessoal, formado por pessoas que se interagem por diversos motivos, dentro de um processo histórico de vida, mesmo sem habitar o mesmo espaço físico. É uma relação social dinâmica que durante todo seu processo de desenvolvimento, assume formas, tarefas e sentidos elaborados a partir de um sistema de crenças, valores e normas, estruturadas na cultura da família, na classe social a qual pertence, em outras influências e determinações do “ambiente” em que vivem, incluindo valores e normas de outras culturas (PATRÍCIO, 1994; RIBEIRO, 2004).

    A Estratégia Saúde da Família (ESF) tem como objetivo promover atenção centrada na família, no âmbito dos serviços de atenção primária à saúde. Isso acontece num território de abrangência, com uma população adstrita a uma equipe, na qual as famílias devem ser cadastradas, classificadas por riscos e ter acompanhamento através de ferramentas de abordagem familiar (MENDES, 2012).

    As ferramentas de trabalho com famílias são tecnologias relacionais, oriundas da sociologia e da psicologia, que visam estreitar as relações entre profissionais e famílias, promovendo a compreensão em profundidade do funcionamento do indivíduo e de suas relações com a família e a comunidade (SILVEIRA FILHO, 2007).

    Dentre as ferramentas de abordagem familiar em atenção primária à saúde, as mais utilizadas são: genograma, ciclo de vida familiar, FIRO (Fundamental Interpersonal Relations Orientations), PRACTICE (Present Problem; Roles and Structure; Affect; Communication; Time in the family life cycle; Illness in family past and present; Coping with stress; Ecology) e a Conferência Familiar.

    A partir da utilização dessas ferramentas pela Equipe de Saúde da Família Vila Greyce, no município de Montes Claros – Minas Gerais – Brasil, pretende-se apresentar um relato de caso envolvendo uma família em que um dos membros modificava a dinâmica familiar, sendo poliqueixoso e utilizando o serviço de saúde além do esperado. Ao mesmo tempo, a família apresentava morbidades crônicas, não adesão aos tratamentos propostos e a forma de enfrentamento dos problemas familiares não favorecia a melhoria das condições de vida.

Metodologia

    Trata-se de um relato de caso desenvolvido no campo do Programa de Residência Multiprofissional em Saúde da Família, após a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes, sob parecer número 572.244/2014.

    A escolha da família surgiu a partir da observação da maior quantidade de visitas domiciliares solicitadas pelos membros da família, além da solicitação constante para agendamento de consultas médicas com queixas diversas. Ressalta-se ainda, as morbidades crônicas e complexas na família, a não adesão ao tratamento e a forma que enfrentam os problemas familiares.

    Foram realizadas três visitas domiciliares pela equipe multiprofissional (médico, enfermeira e cirurgiã-dentista), a fim de utilizar as ferramentas de acesso à família, de modo a identificar o perfil da família em estudo. Na primeira visita domiciliar foi construído o genograma, Na segunda, o ciclo de vida, FIRO e PRACTICE. Posteriormente, na terceira, quarta e quinta visitas domiciliares realizou-se a conferência familiar. A coleta de dados foi realizada no período entre os meses de fevereiro e abril de 2014.

    O genograma representa graficamente a estrutura e o padrão de repetição das relações familiares. Suas características básicas são: identificar a estrutura familiar e seu padrão de relação, mostrando as doenças que costumam ocorrer, a repetição dos padrões de relacionamento e os conflitos que permeiam o processo de adoecer. (RAKEL, 1997; MOYSÉS et.al., 1999; SILVEIRA FILHO, 2002).

    O Ciclo de vida familiar divide a história da família em estágios de desenvolvimento, onde se caracterizam papéis e tarefas específicas a cada um desses estágios. A família não é uma estrutura estática, está sujeita a mudanças contínuas no seu desenvolvimento. O ciclo de vida familiar, segundo Duvall (1994), compõe-se de oito fases, apesar de não ser necessário que cada família passe pelo ciclo completo e em sequência. Os estágios podem ser agrupados da seguinte forma: estágio I - iniciando a vida a dois; estágio II - famílias com filhos pequenos; estágio III - famílias com crianças pré-escolares; estágio IV - famílias com crianças em idade escolar; estágio V - famílias com adolescentes; estágio VI - famílias como centro de partida; estágio VII - casais de meia idade; estágio VIII - famílias envelhecendo.

    O modelo FIRO é baseado em orientações fundamentais nas relações interpessoais. Especificamente com relação à família, destina-se a compreender melhor o seu funcionamento. As relações de família podem ser categorizadas nas dimensões: inclusão – diz respeito à interação dentro da família para sua vinculação e organização; controle – refere-se às interações do exercício de poder dentro da família e intimidade – trata-se de interações familiares relacionadas às trocas interpessoais. As três dimensões constituem uma sequência lógica de prioridades para o tratamento e desenvolvimento de mudanças na família (WILSON et.al., 1996; MOYSÉS e SILVEIRA FILHO, 2002; BRASIL, 2013).

    O esquema PRACTICE opera por momentos de entrevista familiar, facilita o desenvolvimento da “avaliação familiar”, fornecendo as informações sobre que intervenções podem ser utilizadas para manejar aquele caso específico. Este modelo pode ser usado para itens da ordem médica, comportamental e de relacionamentos. Representa o acróstico das seguintes palavras do original em inglês: problem; roles and structure; affect; communication; time in life; illness in family past and present; coping with stress; environment/ecology; traduzidos para o português: problema apresentado ou razão da entrevista; papéis e estrutura; afeto; tempo no ciclo de vida; doenças na família passadas e presentes; lidando com o estresse; meio ambiente ou Ecologia (MOYSÉS e SILVEIRA FILHO, 2002).

    A conferência familiar representa uma ferramenta de intervenção na família, particularmente útil quando se diagnostica enfermidade com risco de morte ou incapacitante, em tratamentos complexos ou quando um dos membros está acometido por uma doença terminal. Os principais objetivos são: promoção da readaptação individual e coletiva à nova realidade; capacitação para cuidados com o doente e para o autocuidado; preparação para perdas e enfretamento de novas situações conflitantes. (BRASIL, 2013).

    A fim de manter confidência dos sujeitos envolvidos, foram utilizadas as siglas L.B.C. ao se referir à paciente-índice; a sigla S.A.M. referindo-se ao seu companheiro; R.B.C.; V.R.B. e M.C.B. para mencionar as filhas em ordem crescente de idade: oito, doze e dezesseis anos.

Relato de caso

    A família em estudo reside em domicílio emprestado, o qual possui dois quartos, uma sala, uma cozinha, um banheiro e um quintal com garagem. Trata-se de uma casa de construção antiga, com cômodos pequenos e que não possuem porta entre eles, dificultando a privacidade para os moradores.

    A paciente-índice L.B.C. tem trinta e oito anos, encontra-se em união estável com S.A.M., afirma ser evangélica não praticante, apresenta-se obesa (peso: 150 Kg; estatura 1,66m, IMC 54 Kg/m2), diagnosticada com diabetes mellitus tipo II, possui hábito tabagista, cardiopatia, hipertensão arterial e história pregressa de câncer de mama. Faz uso de Captopril, HCTZ, AAS e Sinvastatina. Relata, algumas vezes, fazer uso da medicação do marido porque “acha mais forte”, esquecendo-se de tomar suas próprias medicações. Faz uso de uma alimentação irregular e nega restrição alimentar. Quando morava em Brasília (DF), foi diagnosticada com câncer na mama esquerda e submeteu-se a tratamento de quimioterapia sendo considerada curada, segundo relatos próprios.

    O companheiro da paciente-índice, S.A.M., cinquenta e oito anos, evangélico não praticante, apesar de possuir outra família, manteve um relacionamento extraconjugal com a paciente-índice, sendo que, atualmente, encontram-se em união estável. É cardiopata, usuário de marca-passo, relata ter Chagas, portador de hipertensão arterial, tem queixa de dispneia a pequenos esforços e cefaleia. Faz uso de Carvedilol, Amiodarona, Sinvastatina, Furosemida, Omeprazol, AAS e Losartana.

    A filha mais velha, M.C.B., tem dezesseis anos, evangélica, alfabetizada e solteira. História pregressa de convulsão aos quatro anos. No ano de 2013 usou Carbamazepina para tratar "depressão" e atualmente está fazendo uso de Paroxetina e Cefalium. Cursava a escola regular, porém no último ano parou de estudar, diz-se indisposta para sair de casa. Segundo a mãe, a filha está deprimida, não sai do quarto, nem conversa com a família, já tentou suicídio cortando os pulsos e frequentemente chora sem motivos específicos. Trata-se de uma adolescente poliqueixosa, que requer bastante atenção da família. Sente-se sobrecarregada com os serviços domésticos e com a exigência da mãe, que não lhe concede autonomia.

    V.R.B., doze anos, é asmática, solteira. Apresenta queixa de insônia e dores de cabeça frequentes. Também não está frequentando a escola porque a irmã mais velha, que a levava, parou de estudar e a mãe não a deixa sair sozinha. Trata-se de uma adolescente rebelde, desobediente que, quase sempre, se envolve em conflitos com a mãe e a irmã mais velha.

    A filha mais nova, R.B.C., tem oito anos e é alfabetizada, não está frequentando a escola pelos mesmos motivos da irmã do meio. É uma criança bastante dependente da mãe, que a superprotege e, muitas vezes, deixa transparecer para as outras filhas sua preferência.

    O Genograma da família foi realizado considerando três gerações familiares e pode ser observado abaixo (Figura 1):

Figura 1. Genograma

    Considerando o Ciclo de Vida Familiar, a família estudada está no estágio de desenvolvimento “V”, uma vez que, se trata de uma família com adolescentes. Nessa fase, é importante que haja um equilíbrio entre liberdade e responsabilidade, na medida em que os adolescentes vão adquirindo individualidade e autonomia.

    As relações de famílias foram categorizadas de acordo com a aplicação do FIRO. Em relação à inclusão, na família estudada, o relacionamento entre o pai e as filhas é afetuoso, porém, com a mãe, o mesmo é conflituoso e de bastante cobrança, com exceção da filha mais nova. O relacionamento entre as irmãs é de hostilidade e entre o casal, a relação é de ressentimento e mágoa, bastante conflituosa. Tempos atrás, era comum a família se reunir à mesa para fazer as refeições e conversar. Atualmente, esse ritual não é mais realizado, apenas se reúnem à frente da televisão, não havendo momentos de conversa entre eles.

    Considerando a categoria controle, pode-se perceber que a paciente-índice se posiciona como “chefe da família”, assumindo uma postura dominante. Sobre ela ficam as responsabilidades da casa e da família, assim como as decisões a serem tomadas. A filha M.C.B., por sempre tentar contrariar a mãe, agindo sempre por negação, assume uma postura reativa. O cônjuge S.A.M. se coloca como controle colaborativo, uma vez que apenas acata as decisões da paciente-índice, sobre a casa, as filhas, os medicamentos, o que ou não fazer.

    Em relação à categoria intimidade, pode-se perceber que, apesar do relacionamento, muitas vezes, conflituoso entre alguns membros da família, há carinho e amor entre eles.

    Para melhor avaliação do funcionamento da família, foi utilizado o modelo PRACTICE, que foi aplicado com o intuito de traçar intervenções para o manejo do caso familiar específico. P – presenting problem (problema apresentado): em entrevista familiar, o principal problema levantado foi a sobrecarga da paciente-índice em relação às suas funções na família – cuidando das filhas e do marido doente, lidando com as dificuldades financeiras. Desse modo, não está dando conta de administrar seus próprios problemas, principalmente cuidar da sua saúde. Com isso, está projetando seus problemas nos demais membros da família, causando conflitos internos, morbidades que, muitas vezes, não existem. Esse fato está refletindo no descontentamento da família em relação à situação de vida, moradia e saúde. Como consequência, a família se tornou poliqueixosa, sobrecarregando cada vez mais o serviço de saúde.

R - roles and structure (papéis e estrutura): A paciente-índice é responsável pelo gerenciamento das tarefas domésticas e pelo cuidado familiar, principalmente relacionado à saúde. Também controla os rendimentos financeiros, apesar de, no momento, a família não possuir renda mensal fixa, uma vez que, todos estão desempregados. Relatam viver de doações dos vizinhos e da igreja. Os demais membros da família se colocam em posição de aceitação.

A – affect (afeto): o cônjuge S.A.M. se torna cada dia mais debilitado, fato que impossibilita a ajuda no contexto familiar. O mesmo reconhece que sobrecarrega a paciente-índice, uma vez que, se tornou um homem fragilizado por problemas de saúde. A filha mais velha, M.C.B., está sempre reclamando da vida e não ajuda nos serviços domésticos. As demais filhas ficam apáticas em relação à situação. A paciente-índice, não se preocupa em cuidar da sua saúde, relatando não ter ânimo para isso. Como consequência, se tornou uma mulher amargurada, de comportamento explosivo, sempre em conflito com o cônjuge e cobrando demais das filhas.

C – comunication (comunicação): A família pouco discute sobre os seus problemas. Por vezes, L.B.C. já tentou conversar, fazer acordos, dividir responsabilidades, mas nunca tem uma resposta positiva e efetiva da família. Não há intimidade entre mãe e filhas para conversas, as filhas se sentem desconfortáveis em dividir angústias e problemas.

T – time of life cycle (tempo no Ciclo de Vida): A fase familiar é classificada em “família com filhos adolescentes”.

I – illness in family (doenças na família) e C – coping with stress (enfrentando o estresse): Anteriormente, assim que a família mudou-se para Montes Claros, relatam que passaram por dificuldades financeiras. Nessa oportunidade, ficou acordado que cada membro da família assumiria um papel para reverter tal situação. Tal estratégia não foi eficaz, visto que as filhas pouco ajudavam e, ao poucos, deixaram de colaborar com a mãe. Para problema familiar atual, ainda não foi proposto nenhuma intervenção familiar para resolvê-lo. Os membros da família se sentem muito fragilizados, incapazes de identificar uma solução.

E – ecology (ecologia): A paciente-índice relata não frequentar a igreja com regularidade, mas tem muita fé. A família não tem momentos de lazer, não possui amizades e, geralmente, saem de casa apenas por necessidade de saúde. Relata ainda, estar satisfeita com o tratamento e apoio familiar que recebem na Estratégia Saúde da Família Vila Greyce e da assistência que os membros da equipe dão à sua família.

    A conferência familiar aconteceu com a participação de todos os membros da família e a enfermeira da ESF Vila Greyce foi a moderadora do encontro. Foram expostos os seguintes problemas: sobrecarga da paciente índice em relação às suas funções na família – cuidar das filhas e do marido doente, lidando com as dificuldades financeiras; paciente-índice não consegue de administrar seus próprios problemas, principalmente cuidar da sua saúde.

    Os objetivos da conferência familiar foram expostos: apresentar o genograma à família; buscar soluções para uma melhor distribuição de tarefas na atenção à saúde da paciente; realizar promoção e prevenção de complicações baseadas na abordagem global dos fatores de risco modificáveis no caso de hipertensão e diabetes.

    Dessa forma, deu-se início à discussão e exposição dos pontos de vista dos familiares. A cliente L.B.C. disse que não estava bem, sente dificuldade em respirar, dor no peito, com piora pela noite. Refere sentir aumento da hipertensão arterial e queixa de cefaleia intensa. Disse: "estou com sensação que vou morrer hoje". Refere que as filhas acordam tarde e que não auxiliam nas atividades de domiciliares. Além disso, M.C.L. apenas fica deitada e isolada, não conversa com ninguém e precisa de consulta com psicólogo. Reforça afirmando que a família: "não esta bem, todo está mundo doente". Concorda que precisa de ajuda e cita os problemas de saúde dela, do marido e filhas. S.A.M. concorda que a família precisa de ajuda.

    Em relação às causas para os problemas existentes na família, L.B.C. acredita ter relação espiritual, visto que S.A.M. não se divorciou da esposa. Conta que desde o início do relacionamento passam por dificuldades financeiras e doenças foram desencadeadas. S.A.M. não concorda, e acha que a dificuldade financeira está relacionada com o fato de estar debilitado e doente, e não conseguir trabalhar como antes. M.C.L. afirma que há excesso de responsabilidade sobre ela, por ser a filha mais velha, mesmo concordando que a mãe está sobrecarregada.

    As responsabilidades familiares foram esclarecidas e as seguintes propostas foram levantadas: divisão das tarefas domésticas; revezamento no cuidado à saúde de S.A.M.; manutenção da higiene e organização da casa; retorno das filhas aos estudos; promoção de maior liberdade e autonomia às filhas.

    Foi esclarecido aos membros da família sobre algumas doenças crônicas – hipertensão arterial, diabetes e câncer, além de causas, fatores de risco e prevenção. Ficou acordado que a paciente-índice deve passar por consulta médica para acompanhamento de suas morbidades; fazer uso somente da medicação prescrita pelo médico; manutenção de alimentação saudável e regular; realização de atividade física; evitar o uso do cigarro; participar do grupo de tabagismo; realizar mamografia e mostrar o resultado ao médico. A família deve reunir-se mais vezes, sentar-se a mesa para as refeições, reservar tempo para atividade em conjunto; evitar confrontos e discussões; realizar acompanhamento, através de consulta em saúde mental de L.B.C. e M.C.L.; retornar às reuniões da igreja e ter momentos de oração em casa.

    A partir das propostas sugeridas e da realização de acordos, houve momentos de reflexão e tomadas de decisões. L.B.C. conseguiu que as filhas retornassem aos estudos e fizessem recuperação paralela. Relatam que M.C.L. encontra-se estável e está dedicada aos estudos. A paciente-índice relata ter organizado a divisão das atividades domiciliares, de acordo com horário de estudo das filhas. Houve melhora do quadro de S.A.M. após implantação de Stent, tornando-o menos dependente do cônjuge.

    L.B.C. relata, ainda, que apesar de não integrar o grupo de tabagismo, diminuiu o uso de cigarros. E mesmo que não seja de forma regular, tenta se alimentar corretamente e praticar atividade física. Também passou a valorizar o tempo com a família de forma harmoniosa, desenvolvendo o hábito de sentar-se à mesa para as refeições. Com isso, a família reconhece a importância da intervenção da equipe de saúde e da conferência familiar, contribuindo para a solução dos conflitos familiares e favorecendo, assim, uma convivência harmoniosa. Como consequência, a paciente-índice passou a estabelecer uma nova relação com a equipe de Saúde da Família, o que também acarretou em utilização menos frequente da Unidade Básica de Saúde.

Discussão

    O desafio dos profissionais da Estratégia Saúde da Família é reconhecer e trabalhar com as famílias além de uma visão reducionista, concebendo-se o processo de interações entre pessoas e como elas constroem a noção de família em um contexto múltiplo (MELLO et al., 2005).

    A aplicação do genograma em saúde da família potencializa uma visualização do processo de adoecer, trazendo subsídios para elaboração do plano terapêutico e, à família, uma melhor compreensão sobre o desenvolvimento de suas doenças (MELLO et al., 2005). Através do genograma pode ser identificado um padrão de repetição de morbidades como a hipertensão arterial, diabetes mellitus e cardiopatias, e de acordo com Castelli (1984) estas doenças guardam, entre si, complexa relação, tendo em comum em suas etiologias: modo de viver, estilos de vida e a herança genética, constituindo-se em graves problemas de saúde pública.

    Considerando o Ciclo de Vida Familiar, segundo Duvall (1994), das oito fases relatadas pelo autor, a família estudada está no estágio de desenvolvimento “V”, uma vez que, se trata de uma família com adolescentes. Nessa fase, é importante que haja um equilíbrio entre liberdade e responsabilidade, na medida em que os adolescentes vão adquirindo individualidade. É necessário também, estabelecer fundamentos para atividades dos pais após a saída dos filhos, mesmo que isso possa ainda demorar a acontecer. Os pais devem estabelecer uma relação, com o adolescente, que reflita no aumento da sua autonomia.

    Segundo Brasil (2013), as relações de família podem ser categorizadas nas dimensões de inclusão, controle e intimidade. No presente estudo, através de tais categorias, observou-se que há conflitos na relação entre pais e filhos, assim como momentos de afeto. A literatura ressalta que o aumento desses conflitos geralmente está acompanhado de uma diminuição na proximidade do convívio, principalmente em relação ao tempo que adolescentes e pais passam juntos (STEINBERG & MORRIS, 2001).

    A ferramenta de acesso familiar, PRACTICE, opera por momentos de entrevista familiar, fornecendo informações sobre possíveis intervenções a serem utilizadas para um caso específico. Segundo Moysés e Silveira Filho (2002), esse modelo facilita o desenvolvimento da "avaliação familiar" e foi desenvolvido para o manejo de situações difíceis, focado na resolução de problemas.

    A conferência familiar permitiu aos profissionais de saúde a possibilidade de educar a família sobre os problemas levantados, além de ajudá-los a encontrar suporte e soluções, assim como possibilitar momentos de interação e reunião familiar. De acordo com Coleman (2001), essa ferramenta de abordagem familiar deve ser utilizada em situações de conflitos, abordando condições de saúde e de interação/comunicação entre membros da família. Marca o início do aconselhamento, em que o profissional sente-se confortável em abordar condições de saúde e sentimentos familiares, atuando como moderador.

Considerações finais

    A realização deste estudo tornou-se relevante, pois mostrou que trabalhar com famílias constitui uma arte desenvolvida por meio da compreensão e exploração das estruturas familiares, com o intuito de elaborar uma estratégia personalizada a cada conjunto familiar, sendo isto possível com o uso das ferramentas de acesso.

    As ferramentas utilizadas como coleta de dados na metodologia do estudo permitiram, de modo adequado, atingir o objetivo de demonstrar o quanto é necessário conhecer a família, seus membros, as linhas de poder e decisão dentro dela, seu modo de perceber o processo de saúde e doença, seus recursos naturais e seus suportes, tanto financeiro quanto emocional. Com esta análise, foi possível propor um plano de intervenção, respeitando o seu estilo de vida.

    A utilização da conferência familiar no presente caso mostrou-se eficaz para ajudar a família na resolução de conflitos, favorecendo a autonomia, melhora da comunicação e convivência entre os membros. A família tornou-se capaz de identificar seus problemas e, através do aumento da interação familiar, puderam propor soluções. A distribuição de tarefas domiciliares minimizou a sobrecarga da paciente-índice, assim como, diminuiu significantemente os desentendimentos e discussões, melhorando a harmonia familiar. Com tudo, a família passou a estabelecer uma nova relação com a equipe de Saúde da Família, o que também acarretou em utilização menos frequente da Unidade Básica de Saúde.

Referências

  • BRASIL, C. H. G. Ferramentas de Acesso à Família, Montes Claros, 2013.

  • CASTELLI, W. P. Epidemiology of coronary heart disease: The Framingham Study. Am. J. Med., 27:4-12, 1984.

  • COLEMAN, W. L. Family-Focused Behavioral Pediatrics. 1. ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins Publishers; 2001.

  • DUNCAN, B. B. Medicina ambulatorial: condutas de atenção primária baseadas em evidências. 4. Ed. Porto Alegre: Artmed, 2013.

  • MELLO, D. F. et al. Genograma e Ecomapa: Possibilidades de Utilização na Estratégia de Saúde da Família. Rev Bras Cresc Desenv Hum, 2005.

  • MOYSÉS, S. J.; SILVEIRA FILHO, A. D. Os dizeres da boca em Curitiba: boca maldita, boqueirão, bocas saudáveis. Rio de Janeiro: CEBES, 2002. p. 155-60.

  • MOYSÉS, S. T. et al. Ferramenta de descrição da família e dos seus padrões de relacionamento: genograma: uso em saúde da família. Revista Médica do Paraná, Curitiba, v. 57, n. 1/2, p. 28-33, jan./dez. 1999.

  • PATRÍCIO, Z. M. Cenas e Cenários de uma Família: a concretização de conceitos relacionados à situação de gravidez na adolescência. Florianópolis, 1994.

  • RAKEL, R. E. Tratado de Medicina de Família. Rio de Janeiro, 1997.

  • RIBEIRO E. M. As várias abordagens da família no cenário do programa/estratégia saúde da família. Revista Latino-Americana de Enfermagem v. 12, n. 4, p. 658-64, jul/ago. 2004.

  • SILVEIRA FILHO, A. D. et al. Programa saúde da família em Curitiba: estratégia de implementação da vigilância à saúde. Curitiba: a saúde de braços abertos. Rio de Janeiro: CEBES, 2001. p. 239-51.

  • STEINBERG, L. & MORRIS, A. S. Adolescent development. Annual Review of Psychology, 52, 83-110, 2001.

  • WILSON; L. et al. Trabalhando com famílias: livro de trabalho para residentes. Curitiba: SMS, 1996.

  • WONG, D. L. Enfermagem pediátrica, 5. ed. Guanabara Koogan Rio de Janeiro, 1999.

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