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A disciplina natação na Licenciatura em Educação 

Física: o discurso docente nas IES do Rio de Janeiro

La disciplina natación en la Licenciatura en Educación Física: el discurso docente en las IES de Río de Janeiro

 

*Licenciado em Educação Física – UFF/RJ

**Doutor em Educação Física e Cultura

Professor Adjunto do IEF-UFF/RJ

(Brasil)

João Augusto Galvão Rosa Costa*

galvao.uff@hotmail.com

Fabiano Devide**

fabianodevide@uol.com.br

 

 

 

 

Resumo

          O objetivo deste estudo foi analisar e refletir sobre o conteúdo das ementas das disciplinas e o discurso dos docentes que ministram aulas com o tema Natação, assim como seu desenvolvimento nos cursos de Licenciatura em Educação Física das Instituições de Ensino Superior (IES) públicas do Rio de Janeiro. O estudo justifica-se por [re]pensar a grade curricular dos cursos de Licenciatura em Educação Física; por ampliar as pesquisas sobre a pedagogia da Natação; assim como repensar as aulas de EFe com este conteúdo. A pesquisa possui caráter qualitativo, descritivo e exploratório. Foi realizada entrevista estruturada com cinco docentes das IES. Como referencial teórico-metodológico de análise dos dados, utilizamos a Análise de Conteúdo. A análise do conteúdo das entrevistas nos permitiu a construção de quatro categorias discursivas: “ludicidade como elemento central do ensino da Natação”, “conteúdos hegemônicos da Natação”, “aprender a nadar ou ensinar a ensinar na graduação” e “falta consenso na avaliação”. Concluímos que apesar de em alguns discursos os informantes mencionarem a escola como espaço para o ensino da Natação, predomina uma perspectiva que se distancia da escola, adequando-se aos espaços não-formais, como clubes e academias.

          Unitermos: Educação Física. Formação profissional. Natação. Educação Física escolar.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 19, Nº 195, Agosto de 2014. http://www.efdeportes.com

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Introdução

    Ao longo do processo de formação na Universidade Federal Fluminense (UFF) e através das participações nas disciplinas obrigatórias do Instituto de Educação Física, comecei a questionar qual sentido a Natação deve assumir quando pensamos em formação de professores de Educação Física, ou seja, como as discussões e a organização das disciplinas acerca desse conteúdo norteiam uma forma de trabalho, visto que estamos no contexto da Licenciatura em Educação Física, cuja finalidade é o ensino desta no âmbito escolar.

    Tal questionamento é reforçado quando Araujo Júnior (1993) ressalta que os programas desenvolvidos nas universidades de Campinas-SP1 estão voltados para a especialização e a ênfase na performance, o que credencia investigar como tratamos o ensino de determinado conhecimento nas Instituições de Ensino Superior (IES) cujo foco é a habilitação em Licenciatura. Estas questões abrangem nossa formação inicial e continuada e nossa prática pedagógica, que devem ser pensadas na atuação na escola.

    Para Garcia (1999), a formação inicial possui três funções importantes: preparar os futuros professores para exercerem a docência, garantir a licença para o exercício do magistério e contribuir na transformação da Educação e socialização de uma cultura. Por isso, ao oferecer uma formação atenta às contradições da sociedade, o docente poderá organizar o conhecimento relativo ao conteúdo Natação a partir de uma visão contextualizada e crítica acerca dos conteúdos da Educação Física na escola.

    A partir dessa abordagem acerca da formação inicial e do currículo, entrar em contato com dada realidade se faz necessário no intuito de compreendermos as disciplinas que abordam a Natação como conteúdo, visto que entendemos a importância de um olhar crítico e reflexivo atento para as questões em torno desse conteúdo. Este panorama provocou reflexões que abrangem a discussão da grade curricular dos cursos de Educação Física das IES do Rio de Janeiro, com fins de estabelecer constatações, relações e sugestões aos problemas encontrados acerca do tema da pesquisa. Nesse contexto, o problema de estudo que norteia a pesquisa visa responder a questão: Como e para qual local de atuação as disciplinas que abordam a Natação nos cursos de Licenciatura em Educação Física formam futuros docentes?

    Para tal, o estudo tem como objetivo geral: Analisar e refletir sobre o discurso dos docentes que ministram aulas que tem como tema a Natação, assim como o seu desenvolvimento, nos cursos de Licenciatura em Educação Física das Instituições de Ensino Superior do Estado do Rio de Janeiro.

    Como objetivos específicos, esta investigação pretende: a) verificar se a Natação se resume ao domínio técnico dos quatro nados, saídas e viradas com foco à especialização do movimento; b) identificar se a formação dada no âmbito da Natação é voltada para um “saber fazer” ou “ensinar a ensinar”; c) propor sugestões para a organização da disciplina Natação nas grades dos cursos de Licenciatura em Educação Física, com vistas à sua adequação ao contexto escolar.

    O estudo traz questões que devem ser consideradas para o encaminhamento da pesquisa e sua importância no campo da Educação Física, especificamente do ensino da Natação. Nessa perspectiva, enumeramos três argumentos para sua justificativa: 1) a necessidade de pensar a grade curricular dos cursos de Licenciatura em Educação Física; 2) ampliar as pesquisas sobre uma pedagogia da Natação; e 3) repensar as aulas de EFe com o conteúdo Natação.

    A primeira contribuição reside no aspecto curricular, onde pensar o currículo significa refletir sobre o perfil de docente que queremos formar para lidar com as situações dentro e fora do espaço escolar. Para Saviani (2003), o currículo é composto de uma seleção, sequência e dosagem de conteúdo da cultura em situações de ensino-aprendizagem possuindo ideias, conhecimentos, hábitos, procedimentos dispostos em conjuntos de disciplinas e respectivos programas, com indicação de atividades para sua consolidação e avaliação. Isto se relaciona às ementas das disciplinas2, que delimitam e estruturam objetivos, conteúdos, metodologias e referências que influenciam nossa formação inicial, tornando-se um aspecto fundamental na construção, organização e aplicação desse conhecimento na prática pedagógica futura, evidenciando a necessidade de pensar nossa grade curricular.

    A construção da grade curricular se relaciona ao processo complexo no qual decisões são tomadas e discutidas com o objetivo de organizar um corpo de conhecimentos com perspectivas sociais, culturais e políticas. Segundo Gimeno Sacristán (2000), o currículo oficial, no momento em que chega às IES passa a ser estruturado sofrendo influência de uma cultura profissional, sendo configurado no projeto educativo da instituição, no projeto político-pedagógico e nos planos de ensino das disciplinas. Portanto, esse processo constituiu uma forma de mencionar problemas inseridos na formatação das disciplinas que podem ser localizados a partir deste estudo, com foco na disciplina Natação.

    A segunda contribuição desse trabalho é no âmbito da pesquisa sobre pedagogia da Natação na escola, apontando problemas pertinentes, visto que há diversos estudos sobre Natação que abordam prioritariamente temas ligados ao alto rendimento, aspectos motores e técnicos. Portanto, cabe mencionarmos produções desenvolvidas na perspectiva da pedagogia da Natação, como as de: Xavier Filho e Manoel (2002); Fernandes e Lobo da Costa (2006); Freire e Schwartz (2006) e Lobo da Costa (2010).

    A terceira contribuição relaciona-se à prática pedagógica do professor de Educação Física, fazendo parte da constituição da formação desde o início da graduação. Porém, a prática concreta insere questionamentos acerca do modo como determinado conhecimento é sistematizado, organizado e ensinado. Entendemos a necessidade de potencializarmos nossa atuação com a Natação nas aulas de EFe, bem como compreendermos a importância da utilização das abordagens presentes na Educação Física no desenvolvimento desse conteúdo, para que haja sentido e intencionalidade docente ao trabalhar com o eixo esporte no currículo dos cursos de Licenciatura em Educação Física das IES, no intuito de colaborar para as possíveis mudanças no currículo na formação de sujeitos que tenham consciência da sua atuação perante a sociedade.

Metodologia

    A pesquisa possui caráter qualitativo, descritivo e exploratório (GIL, 2002). A pesquisa qualitativa considera o ambiente como fonte direta na obtenção dos dados, valoriza o processo como foco e não o resultado e se preocupa em realizar uma interpretação dos fenômenos constitutivos da pesquisa e seus dados. Sua dimensão descritiva trabalha no âmbito de descrever tipos de populações e fenômenos bem como contribuir para a percepção das relações existentes entre as variáveis. Por fim, o estudo é exploratório por apresentar como um dos objetivos principais o aprimoramentos de ideias, proporcionar maior aproximação com o problema do estudo e contribuir para que o pesquisador tenha uma visão geral da pesquisa.

    A pesquisa foi organizada e desenvolvida com entrevistas estruturadas GIL (2002). Consistiu na entrevista com os docentes das IES pesquisadas. Utilizou-se como técnica de obtenção de dados, o uso da entrevista por possibilitar maneiras de perceber e compreender uma dada realidade. O estudo utilizou a entrevista estruturada, compreendendo que este instrumento de coleta de dados se constitui como uma forma de interação social que compreende a realidade e descreve os fenômenos. Dado recurso metodológico permite ao pesquisador pensar em um roteiro de perguntas que contribua para o alcance dos seus objetivos estabelecidos durante a pesquisa (DUARTE, 2008). O roteiro de entrevista foi validado por três juízes doutores da Universidade Federal Fluminense, docentes do curso de Licenciatura em Educação Física.

    O grupo de informantes foi composto por cinco docentes que ministram as disciplinas referentes ao conteúdo Natação nas IES públicas do Estado do (RJ): UFF, UFRJ, UFRRJ e UERJ. A coleta de dados ocorreu com agendamento da entrevista determinados pelos docentes das IES. O pesquisador solicitou autorização dos informantes para gravá-la a fim de facilitar a posterior transcrição e análise da mesma. Em seguida, os mesmos receberam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) de pesquisa para lerem e assinarem. Por fim, a entrevista foi realizada de acordo com o roteiro preestabelecido.

Resultados

Análise das entrevistas

    Quanto às características do grupo de informantes, três destes formaram-se em IES particulares e dois em IES públicas. Quatro docentes possuem especialização em psicomotricidade, handebol, vôlei, ginástica rítmica desportiva, folclore, danças típicas, treinamento, administração, hidroginástica, gestão ou ciência política; enquanto apenas dois docentes possuem especialização em Natação.

    Quanto à relação dos docentes com a Natação, a maioria entrou em contato com esta modalidade na infância, alguns por indicação médica no intuito de melhorar sua condição; outros por gostarem do esporte. O que predomina no discurso é a participação e aproximação desses docentes com as competições, o treinamento e a sua inserção em clubes tradicionais do Rio de Janeiro. visto que alguns eram atletas na adolescência e se tornaram técnicos de Natação ao longo da sua carreira profissional, antes de ministrarem aulas nas IES.

    Identificamos quatro categorias: Ludicidade como elemento do ensino da Natação escolar, Conteúdos hegemônicos da Natação, Aprender a nadar ou ensinar a ensinar na graduação a Natação, e Falta de consenso na avaliação. A seguir, iremos dissertar acerca das categorias mencionadas.

Ludicidade como elemento do ensino da natação escolar

    A partir da fala dos informantes sobre a abordagem utilizada no ensino da Natação na escola, o elemento lúdico é enunciado como o mais apropriado por haver uma heterogeneidade nas turmas, pois encontraremos alunos que possuem medo ou trauma com o meio líquido. O elemento lúdico aparece como meio para planejar e desenvolver o ensino da Natação nas escolas:

    “[...] olha seria a descoberta do meio líquido, prazer pela água e desenvolver a segurança aquática com atividades lúdicas para desenvolver determinadas capacidades: flutuação, respiração, deslocamento básico etc. [..] que você vai conferir a segurança, mas o objetivo principal é esse né?”. (Info 1, grifo nosso)

    Autores como Freire e Schwartz (2005) apresentam pesquisas acerca do papel do elemento lúdico nas aulas de Natação. Demonstram que muitos docentes em academias e clubes entendem a utilização do lúdico apenas como um elemento facilitador da aprendizagem da Natação, com uma visão funcionalista para trabalhar este conteúdo nas faixas etárias. Tal característica é identificada na fala do informante 4, ao comentar o uso deste elemento nas aulas e seu aspecto facilitador para que a criança alcance os objetivos da aprendizagem:

    “[...] pra mim a abordagem principal é a abordagem lúdica né? Que faz com que você ensine a criança a nadar de uma forma prazerosa [...]. Na verdade, a ludicidade, ela entra como um fator facilitador para que ela aprenda a nadar (...) através dos jogos que a gente organiza, das brincadeiras (...)” (Info 4, grifo nosso)

    Percebemos que o informante 1 percebe que o lúdico deve ser uma característica facilitadora do desenvolvimento de capacidades como a flutuação, respiração e deslocamento básico. Tais capacidades são o que os autores Machado (1978), Reis (1987); Catteau, Garoff (1990); Palmer (1990); apresentam como fases de aprendizagem presentes em suas obras.

    Os informantes se referirem ao lúdico de forma polissêmica. O informante 1 se refere à “atividade lúdica”, o informante 4 menciona uma “abordagem lúdica”. Cabe refletirmos sobre os significados atribuídos por estes professores ao se referirem ao uso do “lúdico”. Bruhns (1996) entende que atividade lúdica se relaciona como prática das relações sociais, como produto coletivo da vida humana, podendo se manifestar no jogo, no brinquedo e na brincadeira, Entendemos que o informante 1 se refere as “atividades lúdicas” numa perspectiva das atividades em si - os jogos e brincadeiras - para desenvolver as capacidades citadas.

    Benda (1999) tece uma crítica às metodologias que trabalham com atividades repetitivas e monótonas, enfatizando que é importante “ler” a realidade no ensino formal ou não. A autora afirma que jogos e brincadeiras no aprendizado da Natação são relevantes na obtenção da motivação, prazer e descontração ao entrar em contato com outro ambiente, onde o corpo sofre adaptações e reconhece novas sensações.

    É crucial que a dimensão lúdica das aulas de Educação Física com o conteúdo Natação favoreça o desenvolvimento de outros aspectos sociais, afetivos e comunicativos, contribuindo para que os alunos desenvolvam uma “cidadania emancipada” (KUNZ, 2004); ou seja, desenvolvam uma competência social e comunicativa, como meio de favorecer a participação em atividades coletivas, o agir solidário, o respeito à diferença a partir de uma didática comunicativa.

Conteúdos hegemônicos na natação

    Esta categoria discute a hegemonia de alguns conteúdos de ensino na abordagem da Natação nas disciplinas analisadas nas IES. Tais conteúdos reduzem o entendimento acerca da Natação aos quatro nados, saídas, viradas e salvamento, não oportunizando aos licenciandos/as o diálogo com outros conhecimentos que perpassam essa prática corporal.

    Percebemos que nenhum docente apresentou uma justificativa para a seleção de tais conteúdos, não ficando clara a existência de critérios para selecionar somente esses conteúdos nas aulas.

    “[...] Priorizo a parte de iniciação é [...] seriam os estilos de Natação crawl, costas, peito e golfinho e [..] suas é [....] digamos assim [..] suas técnicas básicas, alavancas, respiração dentro desses estilos e um pouco de salvamento no sentido de acidentes que podem ocorrer na piscina”. (Info 5, grifos nossos)

    O ensino dos nados na fala do informante 5 traz uma perspectiva de trabalhar com a “iniciação”, “técnicas básicas” e “alavancas”. A noção de iniciação para licenciatura cabe no intuito dos futuros docentes dominarem minimamente alguns movimentos básicos, para darem um tratamento pedagógico em suas aulas. Fernandes e Lobo da Costa (2006) entendem que a biomecânica contribui na compreensão do corpo humano no meio líquido em repouso ou em movimento, valorizando a experiência do aluno com o meio líquido, fazendo-o identificar as características dessa interação.

    Apenas o informante 4 apresenta outros conteúdos inseridos na disciplina que ministra, conforme recorte a seguir:

    “dentro da hidroginástica tem duas abordagens da disciplina, que é a escolar, onde a gente trabalha com a questão da ludicidade e da recreação; e a hidroginástica, que a gente chamaria de fitness. [...] a Natação pra bebê, que eu acho que é eixo que tem que ter um cuidado maior... As atividades de praia também [....], a questão da segurança fica em evidência porque o mar diferentemente da piscina ele exige muito mais da pessoa. (Info 4, grifo nosso)

    Este recorte amplia o enfoque da disciplina, desenvolvendo conteúdos relacionados à hidroginástica, à Natação para bebês e as atividades na praia. Bonachela (1994) caracteriza a hidroginástica como um programa que contribui para uma boa forma física, com o objetivo de melhorar a saúde e o bem-estar físico, destinado às pessoas de ambos os sexos, independentemente de saberem ou não nadar. O informante destaca que o desenvolvimento na escola deve ser feito a partir da ludicidade e da recreação como possibilidades de ensino.

    Em relação à Natação para bebê, compreendemos que é necessário contextualizar, pois crianças de 0 a 6 anos realizam o ato de nadar, ou seja, se deslocam no meio líquido de acordo com seus próprios recursos (BURKHARDT e ESCOBAR, 1985; DAMASCENO, 1997). Este ato deve ocorrer nas aulas de EFe na Educação Infantil através de atividades que estimulem e contribuam para o desenvolvimento e crescimento destes sujeitos bem como ao atingir tal maturidade realizar os movimentos propriamente ditos dos nados.

    As atividades de praia estão relacionadas à percepção das condições deste ambiente, a formação de ondas e fatores ligados à segurança. As aulas nas praias podem ser dialogadas, estimulando os alunos a compreenderem, por exemplo, as diferenças quando o corpo entra em contato com a água do mar e água doce, as estratégias para sair de situações em que a maré está alta, e maneiras de socorrer sujeitos que estão se afogando. Constatamos a importância desses conteúdos ao se ministrar a Natação, porém a abordagem desse conteúdo é predominantemente técnica, pois são raros os momentos de um olhar pedagógico sobre eles, visto que é fundamental ampliar os conteúdos das disciplinas no intuito de proporcionar aos futuros professores ferramentas que contribuam para a inserção na escola.

Aprender a nadar ou ensinar a ensinar na graduação

    Esta categoria relaciona-se com o discurso apresentado pelos docentes com enfoque na relação acerca do “aprender a nadar” ou “ensinar a ensinar”. Necessitamos trabalhar com esta categoria, pela discussão do “saber fazer” ou “ensinar a ensinar”. Iremos nos debruçar sobre os objetivos apresentados pelos informantes, onde encontramos respostas que se relacionam com a vivência e apropriação dos conteúdos da disciplina:

    “O objetivo é oportunizar eles a vivenciarem os quatros nados, educativos e dar para eles subsídios para que eles possam atuar no mercado de trabalho e escolas [...] desde a adaptação até formar pequenas equipes nas escolas. Esse é... São os objetivos.” (Info 2, grifo nosso)

    No informante 2, cremos que o direcionamento dado à disciplina se direciona às escolas, ainda que haja menção à formação de “pequenas equipes”, o que pressupõe o aperfeiçoamento e o treinamento da modalidade, ainda que isso possa ocorrer no horário extra-classe. O foco parece voltado para o ensino no espaço formal de acordo com os níveis de ensino como fica explícito. Alguns docentes compreendem que a disciplina deve ter o foco direcionado à escola, onde a questão do aprender a nadar aparece, pois:

    “o objetivo principal aqui é [...] no primeiro período que dada a chamada disciplina Prática da Natação que é eminentemente prática. Não tem nada de teoria. Que é só prática pra tentar fazer um nivelamento, porque a cada semestre nós recebemos mais de cem alunos. O segundo período, ai se chama disciplina Fundamentos da Natação já vai ter uma parte teórica, que é conhecimento, aprofundamentos das técnicas dos nados, das leis e princípios mecânicos e toda parte didática porque ele vai ensinar basicamente crianças a nadarem em [..] na situação de escola porque licenciatura é voltada para ensino em escolas. (Info 3, grifos nossos)

    Uma das disciplinas trabalha na perspectiva do “saber fazer”, para fazer um “nivelamento” dos alunos de licenciatura em relação à Natação, visto que tem a pretensão de trabalhar com a perspectiva de aprender a modalidade. Para Catteau, Garoff (1990), aprender a Natação é colocar-se ou ser colocado individual ou coletivamente no meio líquido em uma sequência de situações. Nesta IES, em outra disciplina, o licenciando é levado a aprofundar os conteúdos da disciplina, quando recebe conhecimentos teóricos acerca da Natação, incluindo aspectos didáticos do seu ensino no âmbito escolar.

    O “ensinar a ensinar” aparece como perspectiva de trabalho em alguns recortes mencionados, a partir de uma proposta voltada para a escola. Argumentamos que os licenciandos devem “ensinar a ensinar”, em detrimento de aprenderem a nadar no âmbito da disciplina no curso de graduação, visto é necessário tempo para construir estratégias de ensino, elaborar intervenções pedagógicas, a partir de atividades para os diferentes segmentos de ensino.

Falta de consenso sobre avaliação

    A avaliação é meio importante que oferece aos alunos respostas do processo de ensino e aprendizagem, articulado as disciplinas. Percebemos que não houve consenso no que tange à forma utilizada para avaliar aqueles que cursam tais disciplinas, conforme as seguintes falas:

    “Ocorre de forma teórica e prática. Como a disciplina é de caráter teórico-prático, ela tem essa divisão: uma prova com um conteúdo teórico, através de prova com as aulas teóricas eles fazem a prova no final [...] e a prova prática, eu divido em duas partes. Uma eu divido em habilidades aquáticas e a outra avaliação da técnica rudimentar pelo menos dos nados de crawl e costas [...]. A Natação tem a questão da segurança, como é que eu posso passar um aluno em Natação se ele ainda não sabe nadar?” (Info 1, grifos nossos).

    O docente cita instrumentos avaliativos como provas de caráter teórico e prático. Apresenta justificativas para dada avaliação na fala do informante 1, ao comentar que não pode aprovar um aluno sem que este saiba nadar. Tais afirmações trazem questionamentos, pois muitos alunos podem chegar à graduação sem saber nadar ou conhecer a Natação. Cabe refletir sobre termos que o informante apresenta, como: “habilidades aquáticas” e “técnica rudimentar”.

    Segundo Catteau e Garoff (1990), as habilidades aquáticas básicas objetivam promover a familiarização e a autonomia do indivíduo no meio aquático. Avaliar tais habilidades proporciona um caminho para que o aluno domine alguns movimentos característicos dos nados como: posições de flutuação em diferentes decúbitos, deslizes, mergulhos elementares, recuperação da posição pronada para vertical, contribuindo para melhor experiência com o meio líquido.

    Autores como Luckesi (2006) e Perrenoud (1999) refletem acerca dos instrumentos avaliativos nas aulas, problemas contidos nas concepções de avaliações e a compreensão dos tipos de avaliações no cotidiano escolar. Luckesi (2006) define a avaliação como um julgamento de valor ligado às manifestações da realidade, tendo em vista uma tomada de decisão. Realizamos uma reflexão com o recorte do informantes 1 que fala de “habilidades aquáticas”, “técnica rudimentar” e “saber nadar” como produtos a serem avaliados, visto que para este informante, o critério de avaliação ideal é que o licenciando passe pela disciplina dominando a execução de noções da técnica e dos nados destacados, como o crawl e costas.

    Outros docentes apresentam suas formas de avaliação e que dificilmente avaliam a técnica dos alunos, como a seguinte fala:

    “a gente faz a construção de um trabalho teórico e apresentação de uma aula prática em relação às atividades que são trabalhadas. Dentro da aprendizagem, dificilmente eu trabalho com a parte [...] pouco vou fazer da avaliação técnica dos alunos porque não trabalhamos isso como prioridade” (Info 5, grifos nossos)

    A avaliação referente ao domínio da técnica dos nados, saídas e viradas deve ser feita de forma somativa para que o docente perceba a evolução do aluno num processo e que oportunize a este ensinar os conhecimentos articulados pela disciplina, sejam técnicos ou pedagógicos, podendo desconstruir e construir estratégias que se adequem à realidade escolar para que o ensino da Natação seja realizado de maneira didaticamente transformada na escola (KUNZ, 2004).

    Sugerimos que a avaliação se de através a partir da: capacidade de planejar o processo de ensino da Natação, a caracterização pelo licenciando dos movimentos básicos dos nados, saídas e viradas; a participação nas aulas; a aplicação de conteúdos da disciplina em estratégias didático-metodológicas que podem ser avaliadas a partir de práticas de micro-ensino ou mesmo para o público escolar.

Considerações finais

    A partir das entrevistas realizadas e o discurso dos informantes abordaram os conteúdos considerados hegemônicos no que tange o ensino da Natação - os quatro nados, salvamento, saídas e viradas do ponto de vista técnico. Interpretamos que há uma tendência à preocupação com a especialização dos movimentos ao se trabalhar os referidos conteúdos hegemônicos na licenciatura em Educação Física, cabendo repensar os objetivos dessas disciplinas nas IES do Rio de Janeiro.

    O discurso dos informantes possibilitou a percepção que há predominância do “saber fazer” em detrimento do “ensinar a ensinar” a Natação na graduação, apesar de considerarmos que na formação a ênfase deve ser dada ao “ensinar a ensinar” para que este futuro professor promova e ensine didaticamente a Natação no âmbito escolar.

    No último objetivo específico deste estudo, sugerimos: i) que as ementas das disciplinas sejam repensadas para que se adequem especificamente a escola; ii) a inclusão da forma de avaliação em todas as disciplinas, visto que apenas quatro delas trazem esse componente. iii) além da avaliação prática do domínio dos nados, saídas e viradas, incluir uma avaliação prática que oportunize os futuros docentes ministrarem aulas de micro-ensino ou para escolares da rede pública nas IES.

    Constatamos o predomínio do “saber fazer” em detrimento do “ensinar a ensinar” a partir das categorias “aprender a nadar ou ensinar a ensinar na graduação”, os “conteúdos hegemônicos da Natação” e a “falta de abordagem teórica para o ensino e de consenso na avaliação”. A proposta das disciplinas, ainda que tragam resquícios de uma proposta para escola, apresentam uma perspectiva descontextualizada deste ambiente formal de ensino, mostrando que as disciplinas estão mais adequadas ao ensino da Natação nos espaços como clubes, academias e condomínios.

    Concluímos que as disciplinas necessitam ser reorganizadas, sinalizando as competências pedagógicas que irão ser desenvolvidas, o seu direcionamento para escola, orientando a prática pedagógica da Natação a partir das abordagens de ensino críticas da Educação Física. Nesta perspectiva, a Licenciatura em Educação Física estará fornecendo ferramentas concretas para que o futuro docente ensine os conteúdos da cultura corporal numa perspectiva crítica, entre os quais a Natação, de forma adequada à EFe.

Notas

  1. O referido estudo apresenta uma pesquisa relacionada ao curso de Educação Física nas Instituições de Ensino Superior da cidade de Campinas-SP, no intuito de apontar que formação profissional é oferecida ao futuro professor para com a disciplina natação e investigar o porquê dessa modalidade não ser trabalhada nas escolas de 1º e 2º graus do estado de São Paulo.

  2. Uma de nossas fontes de dados nesta pesquisa.

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