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Organização do trabalho pedagógico em Educação Física 

nos anos iniciais do ensino fundamental: a voz dos professores

La organización del trabajo pedagógico en Educación Física en los años iniciales de la escuela primaria: la voz de los profesores

 

*Membro do LEPPEF (Laboratório de Estudos e Pesquisas

das Dimensões Pedagógicas da Educação Física - CNPq)

Licenciatura em Educação Física pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)

Mestrando em Educação Escolar (UNESP - Araraquara)

*Licenciatura em Educação Física pela Universidade Estadual Paulista (UNESP - Rio Claro)

Mestrado em Ciências da Motricidade – área de Pedagogia da Motricidade Humana (UNESP - Rio Claro)

Doutorado em Educação Escolar (UNESP - Araraquara)

Docente do Departamento de Educação Física e Motricidade Humana

da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)

Docente do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de São Carlos

Coordenador do LEPPEF (Laboratório de Estudos e Pesquisas

das Dimensões Pedagógicas da Educação Física)

Otoniel Rodrigues dos Santos Filho*

Fernando Donizete Alves**

alves.sommer@gmail.com

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          Essa pesquisa teve como objetivo investigar os princípios teóricos e práticos que norteiam a prática pedagógica de professores de Educação Física que atuam nos anos iniciais do Ensino Fundamental da rede municipal de ensino da cidade de São Carlos, Estado de São Paulo. Foram participantes quatro professores de Educação Física, de ambos os sexos, experientes e iniciantes, que atuam nos anos iniciais do Ensino Fundamental em escolas da cidade de São Carlos, Estado de São Paulo. O instrumento utilizado para a coleta de dados foi a entrevista aberta, norteadas por temas gerais relacionados à prática pedagógica dos professores participantes como formação inicial, experiências com a docência na escola, objetivos e conteúdos da educação física escolar. Os resultados apontaram o processo de sistematizar e organizar os conteúdos toma como base as experiências pessoais dos professores em relação às manifestações da cultura corporal de movimento, um conjunto de conhecimentos científicos (em essência, aprendidos por ocasião da formação inicial) associado ao cotidiano da prática pedagógica. Os professores consideram muito pouco a relevância social do conteúdo no processo de construção da disciplina educação física.

          Unitermos: Educação Física escolar. Planejamento. Prática pedagógica.

 

Financiamento: PIBIC/CNPq.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires - Año 19 - Nº 194 - Julio de 2014. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    Desde sua chegada em território brasileiro na primeira metade do século XIX, a Educação Física mostra intenso relacionamento com o cenário escolar. No que se refere a sua relação com a escola, a história da Educação Física brasileira mostra um longo caminho em busca de legitimidade e de reconhecimento de sua importância para a formação/educação da criança e do adolescente. Um dos pontos nevrálgicos desta busca recai sobre o processo de sistematização e organização das aulas. Problemática que reflete as vicissitudes cotidianas da prática pedagógica do professor de Educação Física na escola.

    Questões que circundam o papel da Educação Física na escola (política e pedagogicamente), traduzido pelos objetivos a serem alcançados, pelos conteúdos a serem trabalhos, pelas estratégias/metodologias de ensino a serem adotadas, pelo processo avaliativo. Nas últimas três décadas, inúmeros documentos foram produzidos na perspectiva de responder estas questões e, consequentemente, sustentar a prática pedagógica do professor.

    Tani et al (1988), Freire (1989), Betti (1991), Soares et al (1992), Kunz (1994), Daólio (1995), Brasil (1997) são alguns exemplos de investidura na tentativa de reorganizar a Educação Física Escolar brasileira, em oposição às vertentes tecnicistas, esportivistas, biologistas inspirados no novo momento histórico-social por que passaram o País, a Educação e a Educação Física (DARIDO; SANCHEZ NETO, 2005). Entre as concepções/abordagens que surgiram na Educação Física Escolar, podemos citar a Psicomotricidade; a Desenvolvimentista; a Construtivista; a Críticas; Saúde Renovada, os PCNs, entre outras.

    Contudo, nos parece que as dificuldades ainda são grandes. Todo esse constructo teórico ainda se apresenta distante da realidade cotidiana da prática pedagógica do professor de Educação Física. Essa, certamente, é uma das maiores reclamações dos professores de Educação Física atuantes no ensino básico brasileiro. Segundo Caparroz e Bracht (2007), é cada vez maior a freqüência de ex-alunos da licenciatura (Educação Física) que expressam ter dificuldade em relação a sua prática pedagógica, em depoimentos e/ou indagações sobre como realizar e organizar o trabalho docente em Educação Física.

    Infelizmente ainda é muito recorrente nas aulas de educação física o modelo esportivista, com pouca variação de conteúdos e cuja ênfase está nos quatro esportes coletivos de quadra mais praticados, quais sejam: futsal, voleibol, handebol e basquetebol. Como observam Rosário e Darido (2005), muitos professores de Educação Física, ainda influenciados pelo modelo esportivista, continuam restringindo os conteúdos de suas aulas aos esportes mais tradicionais. A consequência do distanciamento entre teoria e prática, entre pensamento e ação é uma prática pedagógica vazia de sentido (mera reprodução), restrita na diversidade (fundamentalmente o esporte).

    Nos anos iniciais do Ensino Fundamental, quando não se observa a inserção do esporte nos moldes do modelo esportivista (o que poderíamos entender como uma especialização precoce), assistimos ao desenvolvimento de um modelo em que o papel do professor se restringe a oferecer uma bola e marcar o tempo, modelo este conhecido como “rola bola” e presente ainda hoje em diversas escolas, ainda que desde sempre muito criticado (DARIDO; SANCHEZ NETO, 2005).

    Não bastasse isso, muitas vezes os conteúdos (jogos, esportes, dança etc) são propostos sem nenhuma organização e apresentados de forma desordenada e aleatória, ou seja, sem nenhuma relação entre as aulas. Além disso, é também corriqueiro que os conteúdos sejam tratados de modo superficial pelos professores, limitando-se ao ‘saber fazer’. Há uma forte tendência entre os professores de Educação Física em não considerar as dimensões conceitual e atitudinal como importantes no tratamento dos conteúdos. Corrobora com essa situação, de um lado, a resistência dos alunos a propostas que incluam qualquer sugestão de discussão sobre conceitos, atitudes, valores e comportamentos inerentes ao que eles estão ‘fazendo’ e, de outro a marginalização da Educação Física junto ao corpo diretivo e docente da escola.

    Isso provoca uma falta de aprofundamento dos conteúdos propostos para as aulas de Educação Física na escola (DARIDO, 2001). Consequentemente, um processo educativo/formativo empobrecido, limitado ao ‘fazer’ e a um conjunto restrito de conteúdos. Ou seja, as dimensões atitudinal e conceitual perdem espaço e são esquecidas em favor da dimensão procedimental ou técnica.

    Na contramão dessa lógica, é fundamental que o professor pense sua prática pedagógica na perspectiva de tornar o ensino da Educação Física na escola uma prática educativa mais humanizada, histórica e politicamente engajada. Uma reflexão que possibilita ao professor conscientizar-se que a ação educativa atua por meio de saberes e modos de agir, tais como conceitos, teorias, habilidades, técnicas, procedimentos, estratégias, atitudes, crenças, valores, preferências, adesões, que precisam ser internalizados pelos indivíduos como condição de continuidade da sociedade e produção de outros saberes e modos de agir.

    O objetivo desta pesquisa foi investigar os princípios teóricos e práticos que norteiam a prática pedagógica de professores de Educação Física que atuam nos anos iniciais do Ensino Fundamental da rede municipal de ensino da cidade de São Carlos, Estado de São Paulo.

Percurso metodológico

    Os participantes da pesquisa foram quatro professores de Educação Física, de ambos os sexos, experientes (mais de cinco anos de carreira docente) e iniciantes (até cinco anos de carreira docente após a formação inicial), que atuam nos anos iniciais do Ensino Fundamental em escolas da cidade de São Carlos, Estado de São Paulo.

    O instrumento utilizado para a coleta de dados foi a entrevista aberta (BLEGER, 1977). As entrevistas foram norteadas por temas gerais relacionados à prática pedagógica dos professores participantes como formação inicial, experiências com a docência na escola, objetivos e conteúdos da educação física escolar. As entrevistas foram realizadas individualmente no próprio local de trabalho dos professores e gravadas com auxílio de um aparelho mp3. É importante ressaltar que os professores concordaram com sua participação na pesquisa, devidamente documentado pelo Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

    Na perspectiva de compreender as concepções (princípios teóricos e práticos) que sustentam a prática pedagógica dos professores participantes desta pesquisa, optamos pela adoção da Análise de Conteúdos (BARDIN, 1977) como caminho para analisar os resultados.

Sobre a relação teoria e prática na Educação Física

    Todos os professores entrevistados optaram pela formação em educação física devido à relação com o esporte na infância e adolescência e esperavam na graduação encontrar uma proximidade entre educação física e esporte, mas propriamente o esporte que era “praticado” por eles antes da graduação. Como diz a professora Júlia (nome fictício) “a gente sempre acha que vai aliar o que a gente viveu com o que a gente vai trabalhar né?”. São experiências que se deram essencialmente ao nível do ‘saber fazer’, ou seja, na dimensão procedimental.

    Na formação inicial dos professores, essa questão em torno da teoria e prática se intensifica. Os professores Júlia, Flávio e Valmir (nomes fictícios), quando questionados sobre quais disciplinas eles consideravam mais importantes em suas formações, responderam:

    É... Eu acho que as aulas práticas foram importantes pra gente ter uma ideia do que era, o que a gente ia ter que passar para o aluno depois. (Júlia).

    Agora, outras disciplinas que foram muito legais foi educação física infantil né? Que ele trouxe bastante a questão prática pra gente [...] (Júlia).

    Bom, antes a gente tem aquela ideia que em educação física você vai ter (é...), predominantemente matérias práticas, quando na verdade quando eu entrei na graduação a gente teve pouquíssima prática que hoje eu acho que faz muita falta na minha prática profissional. (Flávio).

    Então (pausa) olha... as práticas com certeza né? (Valmir).

    Podemos perceber nessas falas que a questão da prática em maior ou menor grau esteve presente em todos os discursos. Isso tem uma forte relação com a bagagem que eles trazem antes de suas graduações. Para complementar esse entendimento e nos ajudar a compreender, Saviani (2008) explica melhor essa situação na qual os alunos reivindicam a prática enquanto professores defendem a teoria: “os alunos, movidos por um certo ativismo, criticam, em nome da prática, o verbalismo do professor, que eles pensam ser a teoria. O professor, por sua vez, defende seu verbalismo em nome da teoria, contra a reivindicação prática dos alunos, chamando-os de ativistas” (p.128).

    Nesse mesmo sentido, a professora Júlia comenta sobre sua decepção em relação a uma disciplina de sua graduação:

    Mas assim, uma disciplina que caracterizou assim a minha, a minha decepção foi didática, porque eu imaginava que ele fosse me ensinar a ensinar e, no entanto, a gente falou só sobre teoria, então foi uma que decepcionou (Júlia).

    Podemos perceber nessa fala uma busca pela prática ou algo mais concreto, aplicável, talvez uma receita, o que não acontece, justificando a sua decepção. Ela esperava a prática, mas encontrou somente a teoria ou o verbalismo (suposto) do professor.

    O professor Flávio faz uma comparação entre as disciplinas práticas (ou a falta delas) na graduação e a atuação profissional na escola:

    [...] no âmbito que eu estou trabalhando que é o âmbito escolar eu acho que as principais disciplinas deveriam ser as práticas que a gente tem, que na época chamavam modalidades 1 ou alguma coisa assim que no fim não deu muito embasamento para gente trabalhar na escola. Mas eu acho que as que deveriam ser as principais para o âmbito escolar são as... as disciplinas práticas né? (Flávio)

    A gente sai formado sabendo toda a teoria, passamos em concursos e tal, mas na hora da prática em si aí faz um pouco de falta, então eu avalio que faltou um algo mais no nosso curso. (Flávio)

    Dizem que (é...) em faculdades privadas é predominantemente prática o curso deles e pelos amigos que eu tenho eu acredito que seja isso mesmo e eles tem maior facilidade de chegar e dar aula e dar atividades e coisa e tal. Talvez a gente seja melhor no planejamento e (pausa) montar conteúdo, mas na hora das atividades práticas faltou um pouco na nossa graduação. (Flávio)

    Essa primeira categoria coloca em cena uma problemática antiga que cerca a Educação Física, particularmente a escolar: primeiro a prática pela prática e, como consequência a tendência de os professores trabalharem aqueles conteúdos com os quais possuem maior afinidade, ou seja, aqueles conteúdos que fazem parte do rol de suas experiências pessoais. São conteúdos que inspiram ao professor maior segurança durante o processo de ensino, dado o domínio procedimental que possui sobre esta ou aquela prática corporal.

    A reclamação apontada pelos professores em seus depoimentos sobre a relação entre teoria e prática em suas respectivas formações iniciais, traz implícita a ideia de que basta saber jogar vôlei para poder ensinar vôlei, numa relação de causa e efeito pura e simples. Mesmo a concepção de aula prática se reduz ao ‘saber fazer’ com as práticas corporais. Não implica necessariamente a experiência pedagógica em relação ao ensino daquele determinado conteúdo.

    Como consequência, muitos professores se limitam ao um reduzido universo de práticas corporais (jogos, brincadeiras, esportes etc) que lhe são mais familiares, limitando também as possibilidades de experiências de seus alunos. Exemplos cotidianos disso podem ser observados em relação aos materiais produzidos pela Secretária de Educação do Estado de São Paulo, muito criticado pelos professores, entre outras questões, pela diversidade de conteúdos que o documento sugere e, com as quais o professor não tem afinidade/experiência.

Objetivos da Educação Física

    Quando se fala em objetivo tratamos de algo que se deseja alcançar mediante algumas formas de ação. O ser humano é capaz de objetivar suas ações, ou seja, prever mentalmente e executar depois. “Com efeito, a atividade humana é uma atividade adequada a finalidades, isto é, guiada por um objetivo que se procura atingir” (SAVIANI, 2008, p.127). O professor enquanto formador deve ter claro para si os objetivos que deseja atingir para que sua prática tenha sentido e significado. Cabe ao professor de educação física nas séries iniciais do ensino fundamental inserir os alunos no universo da cultura corporal, transmitindo-lhes o saber universal dentro do que lhe compete, de maneira crítica.

    Vejamos o que dizem os professores participantes sobre o objetivo da educação física na escola:

    É, no fundo não sei se está certo ou não [...]. O meu intuito maior é que eles façam atividade física. (Júlia)

    Então assim, o objetivo geral meu é esse, é proporcionar o maior numero de experiências motoras para que mais para frente ele consiga discernir o que é mais legal para ele, o que traz mais prazer (hã...), o que ele considera que ele poderia fazer com menos dificuldade. (Júlia)

    Eu acho que o primeiro deles é a gente passar nossos conteúdos que são alem da atividade física em si, mostrar a importância da gente ter o, o condicionamento, ter o cuidado com o corpo [...]. (Flávio)

    Os depoimentos dos professores se voltam para o desenvolvimento motor e para a melhoria da saúde e qualidade de vida como finalidade da educação física na escola. É um discurso desenvolvimentista cujo foco está na dimensão física e motora. Consequentemente, os aspectos sócio-políticos e cultural torna-se secundários. De certo modo, são discursos que fortalecem a saúde pela saúde, o desenvolvimento motor por si só, sem criticidade, sem consciência.

    Na esteira desse discurso desenvolvimentista, segue um discurso direcionado para aulas de educação física voltada ao esporte. O problema está em se trabalhar só o esporte e o objetivo e forma como é trabalhado, porque segundo Kunz (1994) o esporte como conteúdo hegemônico impede o desenvolvimento de objetivos mais amplos para a educação física, como sentido expressivo, criativo e comunicativo.

    Bom, nessa faixa etária, pelo menos eu trabalho no (hã...) na parte pré-desportiva né? Parte lúdica e pré-desportiva. (Valmir)

    Mas eu acho que a função dessa faixa etária [...] é você trabalhar a coordenação, a agilidade e desenvolver as atividades (hã...), as qualidades físicas da criança né? [...] pra que ela possa a partir dali né? Estar optando por um esporte ou então fazer todos eles né? De acordo com o gosto de cada criança. (Valmir)

    Os depoimentos dos professores Flávio e Felipe demonstram pouca consistência ou mesmo consciência do que poderia ser objetivo da educação física. São depoimentos evasivos e muito gerais. Apresentam dificuldades em definir o que objetivam com as aulas de educação física nas escolas em que trabalham. Aproximam-se de uma a prática pela prática, sem sentido ou significado:

    Então na educação física eu acho que a gente tem que ter esses objetivos: mostrar os conteúdos, trabalhar, fazer eles vivenciarem, porque talvez um dia lá na frente eles possam querer usar ou retomar [...]. (Flávio)

    É o desenvolvimento do aluno né? O desenvolvimento global do aluno. Eu acho que não tem que pensar a educação física só como atividade física, é o desenvolvimento geral [...]. (Felipe)

    É o desenvolvimento motor né? Como parte física né? Mas também o desenvolvimento como ser humano. Eu acho que (pausa), eu acho que deve ser o objetivo principal do, da educação física. O motor vem, porque é o principal, mas o desenvolvimento como ser humano, como cidadão também é importante. (Felipe)

    Por meio desta rápida análise acerca dos objetivos dos professores ao ensinar educação física percebe-se que a influencia biologicista ainda é forte bem como a idéia da preparação esportiva, iniciação esportiva. O acesso à cultura corporal no que diz respeito ao movimento e ao conhecimento crítico de seus conteúdos ainda é secundário quando se pensa no objetivo da educação física, ao menos no discurso desses professores.

Conteúdos das aulas de Educação Física e estratégias

    Um dos temas abordados com os professores tratava sobre quais conteúdos eles costumam trabalhar nas aulas e de que maneira, ou seja, baseado em quais concepções/abordagens. Vejamos alguns depoimentos:

    [...] a gente trabalha basicamente as capacidades físicas e as habilidades básicas, e trabalhando essas habilidades básicas muitas vezes com (hã...), com material, sem material, e ai sim se utilizando dessas outras, de jogos, brincadeiras, danças, as vezes um jogo que envolve uma luta né? (Júlia)

    É... de primeira a quarta série eu gosto muito de trabalhar a parte lúdica, então dou muito pouco jogos, alias quase nada de jogo coletivo, dou uma vez por mês futebol porque eles gostam muito e eles querem, mas procuro trabalhar nas minhas aulas [...] habilidades, capacidades relacionadas ao lúdico [...], deixando completamente de lado a parte de esporte. (Flávio)

    Então aqui nas aulas a gente trabalha com esses pré-desportivos né? Como a queimada, o pique bandeira, [...] toda aula tem um tipo de pega-pega [...], um futebol mais livre [...], todos os tipos de atividades que possam desenvolver as crianças pra futuramente estarem mais aptas a, pra escolher um esporte.” (Valmir).

    [...] mais atividades lúdicas, muito. Praticamente não tem esporte, o que tem de esporte é atividade lúdica que prepara para o esporte, mas não especifico o esporte. (Felipe).

    Os jogos, brincadeiras e atividades pré-desportivas ainda são conteúdos muito fortes para essa faixa etária. A relação entre a atividade lúdica e a infância é um aspecto importante. O jogo é o ponto de partida de relação da criança com o mundo da Cultura. É a partir do jogo e da brincadeira que ela amplia suas experiências para outras atividades como o esporte, a dança, as lutas, a ginástica, o teatro, a literatura etc.

    Contudo, é preciso pensar em como esses conteúdos são tratados. Considerando o discurso desenvolvimentista, pode-se dizer que os conteúdos são abordados essencialmente em sua dimensão procedimental. A consequência de um distanciamento entre teoria e prática, entre pensamento e ação é uma prática pedagógica vazia de sentido, restrita na diversidade (ROSÁRIO; DARIDO, 2005).

    Os professores foram questionados acerca da dimensão conceitual dos conteúdos.

    [...] o trabalho dos alimentos [...], o respeito às diferenças [...], a importância da atividade física [...], a freqüência cardíaca e freqüência respiratória [...] (Júlia).

    Então (é...) muito pouco também. Como eu falei a escola tem [...] um pouco caráter prático pra educação física, eles não querem que a gente fique muito em sala de aula. Mas (é...) a gente procura fazer uma atividade ou outra que tenha um caráter mais né? Conceitual. Esse ano vamos trabalhar alimentação [...], alimentos saudáveis e não saudáveis. (Flávio).

    Sempre tem a parte teórica, se bem que onde se aprende mais é na prática. Tem a parte o (pausa), com que músculos você ta trabalhando, a atividade física (pausa) o trabalho de (é...) deles perceberem a (pausa) os batimentos cardíacos, tudo, o desenvolvimento geral. (Felipe).

    A dimensão conceitual observada na maioria dos discursos está sempre voltada ao biológico, além do distanciamento em relação à dimensão procedimental: entre teoria e prática. O professor Felipe afirma que onde se aprende é na prática, concepção um tanto quanto utilitarista, visto que a teoria é o “primórdio” da prática, ou pelo menos deveria ser nas atividades humanas.

    Outro assunto abordado foi o método de ensino, abordagem de ensino, visto que a escolha por determinada abordagem também implica na seleção de conteúdos.

    Então, (ah) a gente vai trabalhar com o construtivismo, a gente vai trabalhar com o método tradicional e, porque assim, (é...) eu acho que a gente faz uma mescla de tudo, eu pelo menos acho que na minha prática a gente faz isso (Júlia).

    [...] isso é uma coisa que eu não sei te falar assim o que eu sou, porque muita coisa que a gente vê lá, eu não sei se é aplicável aqui e não sei te definir como é que eu sou (Flávio).

    Não, não trabalho. [...] Você já percebeu que eu tenho muitos anos de experiência é claro, mas, (...) acho que eu poderia me atualizar um pouquinho, faz tempo que não me atualizo nessa parte (Valmir).

    A professora parece ter um bom conhecimento acerca das teorias e abordagens da educação física ao justificar que faz uma mescla e dá exemplos de abordagens conhecidas. O professor Flávio fica em dúvida quando questionado a este respeito e não diz exatamente se segue algum método/abordagem. Já o professor Valmir mostra certo distanciamento desse conhecimento, fato que ele assume.

    Segundo Dittrich et al. (2000, p. 86), “é necessário ter muita clareza de qual concepção pedagógica se defende e a sua implementação no cotidiano escolar”. Para tanto, continua o autor, é importante “ter ciência de que sociedade se objetiva construir e o que se pensa sobre os alunos quando se deparam com seu olhar incisivo”.

Considerações finais

    Os depoimentos dos professores apontam para uma significativa experiência pessoal em relação a práticas corporais que compõem o universo da cultura corporal de movimento, com maior ênfase para os esportes. Quando falam de suas respectivas práticas pedagógicas, nota-se certa tendência em aproximar os conteúdos e objetivos que compõem seus planejamentos de ensino para a Educação Física com este contexto de experiência pessoal. Os professores tendem a propor como objeto de ensino aqueles conteúdos com os quais possuem maior afinidade. Portanto, pode-se dizer que a diversidade dos conteúdos trabalhados pelos professores considera, em parte, a diversidade da experiência pessoal de cada professor. Outro elemento importante e que interfere neste processo está relacionado à formação inicial e continuada dos professores, mais propriamente em relação aos conhecimentos científicos produzidos na área da educação física escolar.

    Em linhas gerais, pode-se dizer que o processo de sistematizar e organizar os conteúdos toma como base as experiências pessoais dos professores em relação às manifestações da cultura corporal de movimento, um conjunto de conhecimentos científicos (em essência, aprendidos por ocasião da formação inicial) associado ao cotidiano da prática pedagógica. Os professores consideram muito pouco a relevância social do conteúdo no processo de construção da disciplina educação física.

Referências

  • BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977.

  • BLEGER, J. Temas de psicologia: entrevista y grupos. Buenos Aires: Nueva Vision, 1977.

  • CAPARROZ, F. E.; BRACHT, V. O tempo e o lugar de uma didática da Educação Física. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, Campinas, v. 28, n. 2, p. 9-20, jan. 2007.

  • DARIDO, S. C. Os conteúdos da Educação Física escolar: influências, tendências, dificuldades e possibilidades. Revista Fluminense de Educação Física Escolar. Niterói, v.2, n.1, p.5-25, 2001.

  • DARIDO, S. C.; SANCHES NETO, L. O contexto da Educação Física na escola. In: DARIDO, S. C.; RANGEL, I.C.A. Educação Física na escola: implicações para a prática pedagógica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005. p. 37-49.

  • DITTRICH, D. D. et. al. Educação Física escolar: cultura, currículo e conteúdo. Educar. Curitiba, n.16, 2000. p. 81-90.

  • KUNZ, E. Transformação didático-pedagógica do esporte. Ijuí: Unijuí, 1994.

  • ROSÁRIO, L. F. R.; DARIDO, S. C. A sistematização dos conteúdos da educação física na escola: a perspectiva dos professores experientes. Motriz, Rio Claro, v.11 n.3 p.167-178, set./dez. 2005.

  • SAVIANI, D. A pedagogia no Brasil: história e teoria. São Paulo: Autores Associados, 2008.

  • SOARES, C. et al. Metodologia do ensino de educação física. São Paulo: Cortez, 1992.

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