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O jogo enquanto conteúdo na abordagem crítico-superadora

El juego en tanto contenido en el abordaje crítico-superador

 

Pós graduando em Metodologia de Pesquisa da Educação Física Escolar, no Instituto

Federal de Educação, Ciências e Tecnologia. Juiz de Fora, Minas Gerais

(Brasil)

Fabrício Teixeira Barbosa

fabriciobarbosa01@hotmail.com

 

 

 

 

Resumo

          Este trabalho procura discutir sobre o jogo, em relação ao seu papel na sociedade e as influências culturais que ele pode receber. Busca-se também apontar como o jogo enquanto tema da cultura corporal na abordagem crítico-superadora, pode contribuir na formação de alunos/cidadãos críticos e autônomos preparados para enfrentar os problemas sociais.

          Unitermos: Jogo. Educação Física. Abordagem crítico-superadora.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires - Año 19 - Nº 193 - Junio de 2014. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    Este trabalho é um resumo sobre a pesquisa realizada no trabalho de conclusão de curso, no curso de Licenciatura em Educação Física, pela Fundação Educacional de Além Paraíba no segundo semestre de 2012, em que se discutiu sobre o jogo enquanto conteúdo na abordagem crítico-superadora.

    Nos últimos anos percebe-se que ocorreu um aumento significativo em relação a pesquisas e estudos relacionados ao jogo na educação física escolar. Por isso, acredita-se ser importante contribuir nos estudos sobre o mesmo relacionado à abordagem crítico-superadora. Por esse motivo consideramos interessante, portanto, aumentar o debate acadêmico e os estudos sobre ele. Na educação escolar, o jogo vem aparecendo e sendo tratado como recurso didático-pedagógico em determinados componentes curriculares e como conteúdo na educação física da cultura corporal na abordagem crítico-superadora. Neste instante, surge nossa problemática: o jogo enquanto conteúdo na abordagem crítico-superadora poderá contribuir no processo de ensino-aprendizagem dos alunos e na construção de uma visão crítica sobre o sistema vigente?

    Acredita-se que o jogo, sendo trabalhado enquanto conteúdo nesta perspectiva de ensino poderá contribuir no desenvolvimento das pessoas possibilitando a formação de cidadãos críticos e autônomos, preparando-os para enfrentar os problemas da sociedade. O objetivo desta pesquisa é analisar uma possível contribuição do jogo, enquanto conteúdo da cultura corporal, no processo de ensino-aprendizagem na educação física escolar. Esta pesquisa é resultado de uma revisão bibliográfica, de caráter qualitativo, em que foram utilizados livros e artigos científicos para podermos conhecer e entender o fenômeno estudado.

    No desenvolvimento desse texto, buscou-se discutir sobre o jogo; sua relação cultural e social; e seu tratamento através da abordagem crítico-superadora que poderá contribuir no ensino e aprendizado dos alunos e na formação da identidade crítica dos mesmos.

O Jogo enquanto fenômeno cultural

    O jogo é um fenômeno que faz parte da história da humanidade e tem despertado interesse de diversos estudiosos. Por ser entendido de formas diferentes e por apresentar vários significados o jogo é um conteúdo muito amplo, difícil de ser compreendido.

    A definição do termo jogo não é uma tarefa simples, sua conceituação é bastante complexa, pois traz consigo uma sucessão de significados e sentidos. Para definir se uma atividade pode ser considerada como jogo ou não, vai depender da cultura construída por cada sociedade, uma vez que uma atividade pode ser entendida como jogo em determinada sociedade, e em outra não. Cada sociedade atribui um sentido e imagem para o jogo de acordo com seus valores e modo de vida (KISHIMOTO, 2008).

    Kishimoto (1994, p.1) argumenta que:

    Tentar definir o jogo não é tarefa fácil. Quando se pronuncia a palavra jogo cada um pode entendê-la de modo diferente. Pode-se estar falando de jogos políticos, de adultos, crianças, animais ou amarelinha, xadrez, adivinhas, contar estórias, brincar de ‘mamãe e filhinha’, futebol, dominó, quebra-cabeça, construir barquinho, brincar na areia e uma infinidade de outros.

    Existem algumas teorias que tentam definir o jogo por meio das ciências naturais e também pelas ciências sociais. Dessa forma podemos notar algumas tentativas de explicar seus fundamentos. Aqui colocamos uma passagem em que é possível observar uma dessas tentativas:

    Segundo uma teoria, o jogo constitui uma preparação do jovem para as tarefas sérias que mais tarde a vida dele exigirá, segundo outra, trata-se de um exercício de autocontrole indispensável ao indivíduo. Outras vêem o princípio do jogo como um impulso inato para exercer uma certa faculdade, ou como desejo de dominar ou competir. Teorias há, ainda, que o consideram uma "ab-reação", um escape para impulsos prejudiciais, um restaurador da energia dispendida por uma atividade unilateral, ou "realização do desejo", ou uma ficção destinada a preservar o sentimento do valor pessoal, etc. (HUIZINGA, 2000, p. 5).

    Para Huizinga (2000), o jogo é uma atividade voluntária que segue determinados limites de tempo e espaço, onde os participantes seguem regras criadas e aprovadas por eles próprios, mas incontestavelmente obrigatórias, acompanhadas de sentimentos de alegria e tensão, além de ser diferente da vida real, ou seja, existe a consciência do faz-de-conta durante o jogo. Para ele o jogo é um fenômeno cultural.

    A contribuição cultural do jogo dependerá da forma como ele será vivenciado. Pois, ele recebe influências culturais que podem direcionar o seu propósito, como por exemplo, a reprodução da ordem social estabelecida onde muitos não conseguem enxergar as injustiças sociais existentes, a divisão de classes.

    Podemos ver tais influencias utilizando como exemplo os tempos de engenho de açúcar, em que os filhos dos fazendeiros maltratavam os moleques (filhos dos negros escravos) batendo neles.

    Segundo Gilberto Freyre e José Veríssimo, esses moleques, nas brincadeiras dos meninos brancos, desempenhavam a função de leva-pancada; uma reprodução, em escala menor, das relações de dominação do sistema de escravidão. O menino branco usava o moleque como escravo em suas brincadeiras. [...] Nas brincadeiras, muitas vezes violentas, os moleques viravam bois de carro, cavalos de montaria, burros de literias, em fim, os meios de transporte da época (KISHIMOTO, 1993 p. 32-33).

    Notamos aqui como as crianças reproduziam, em seus jogos, coisas que aconteciam em seu meio cultural. No entanto, acredita-se que o jogo possui um potencial transformador. A compreensão do jogo construído historicamente fornece a habilidade das pessoas refletirem sobre ele, possibilitando-as questionar, (re)criar e (re)significar suas práticas, de modo que possam construir um novo significado, adquirindo autonomia e entendimento da realidade. E para fazer essa leitura social, podemos utilizar do método dialético marxista como forma de interpretar os dados da realidade, dando ao indivíduo a capacidade de transformá-los.

O Jogo e a abordagem crítico-superadora

    A abordagem crítico-superadora surgiu em 1992, ano em que foi escrita por um coletivo de autores composto por Carmen Lúcia Soares, Celi Nelza Zülke Taffarel, Maria Elizabeth Medicis Pinto Varjal, Lino Castellani Filho, Micheli Ortega Escobar e Valter Bracht no livro Metodologia do ensino de Educação Física.

    Os autores dessa abordagem tiveram como base teórica o Materialismo Dialético de Karl Marx durante a formulação da mesma.

    “O materialismo dialético é a base filosófica do marxismo e como tal realiza a tentativa de buscar explicações coerentes, lógicas e racionais para os fenômenos da natureza, da sociedade e do pensamento.” (TRIVIÑOS, 2012, p. 51). O materialismo dialético faz uma análise da realidade concreta, através dos fatos construídos ao longo da história, buscando refletir sobre a mesma na intenção de desvendar a essência desses fatos encontrando seus possíveis significados. A interpretação dialética do mundo é o pensamento crítico que se compromete em desvendar a realidade aparente existente no mundo da pseudoconcreticidade, levando-nos a compreensão da “coisa em si”, dando a possibilidade de enxergarmos o desenvolvimento e as transformações dos fenômenos, ou seja, sua real essência (KOSIK, 1976).

    A partir dessa análise e reflexão, o indivíduo consegue interpretar a realidade sendo capaz de elaborar suas ideias, trazendo-as para a realidade na tentativa de transformá-la.

    O Coletivo de Autores (1992, p.34) argumenta que a perspectiva dialética:

    [...] favorece a formação do sujeito histórico à medida que lhe permite construir, por aproximações sucessivas, novas e diferentes referências sobre o real no seu pensamento. Permite-lhe, portanto, compreender como o conhecimento foi produzido historicamente pela humanidade e o seu papel na história dessa produção.

    Como podemos observar a abordagem crítico-superadora utiliza do método dialético em sua proposta de ensino, na intenção de formar o sujeito histórico que seja capaz de pensar, compreender e transformar a realidade. Seu tratamento com o conteúdo jogo também se dá por meio deste método.

    Os autores argumentam que o jogo é uma invenção do ser humano, de característica intencional e curiosa que procede a partir de um ato criativo capaz de alterar, de forma imaginária, a realidade. Para eles a criança satisfaz suas necessidades através do jogo, que não é a característica principal da infância, mas deve ser compreendido como agente importante no desenvolvimento da criança, pelo fato de estimulá-la na prática do pensamento e com isso, cria-se a possibilidade de se desprender da realidade em que vive, podendo atuar livremente em relação ao que ela vê.

    “A criança vê um objeto, mas age de maneira diferente em relação aquilo que vê. Assim, é alcançada uma condição em que a criança começa a agir independentemente daquilo que vê” (VYGOTSKY, 2007, p. 114).

    A partir do momento que a criança joga, ela age de acordo com a noção de seus atos e, por meio destes, é capaz de desenvolver algo que deseja além de se tornar ciente de suas opções e decisões. Deste modo, o jogo é considerado um elemento básico para a alteração das necessidades e do pensamento (COLETIVO DE AUTORES, 1992). Então, entende-se que, através do jogo, a criança poderá fazer uma leitura da realidade e possíveis mudanças da mesma.

    Portanto, se o jogo desprende a criança da realidade, ela pode ser capaz de iniciar suas reflexões sobre a mesma de forma crítica. Essa reflexão crítica poderá ser aguçada através do direcionamento pedagógico do jogo pela abordagem crítico-superadora.

    O jogo deverá ser tratado na escola apresentando um significado em que se penetram alternativamente, de forma dialética, a intencionalidade/objetivos do ser humano e as intenções/objetivos da sociedade (COLETIVO E AUTORES, 1992).

    Para tratar desse significado, é preciso alcançar a percepção das relações de interdependência que o jogo, através de um projeto de Educação Física, tem no que diz respeito aos extensos problemas políticos presentes em nossa sociedade.

    É fundamental refletir sobre esses problemas políticos e sociais pelo fato de darmos oportunidade aos alunos entenderem a realidade, para assim, serem capazes de interpretá-la e explicá-la após sua análise, partindo de seus pontos de vista de classes.

    O ensinamento do jogo por meio da abordagem crítico-superadora deverá ser trabalhado por meio de um projeto político-pedagógico. Este projeto político-pedagógico se incorporaria em uma concepção de currículo ampliado, estando vinculados a uma reflexão pedagógica ampliada e comprometida com os interesses da classe trabalhadora, tendo como base a reflexão, a interpretação, a compreensão e a explicação da realidade social que é bastante complexa e contraditória (COLETIVO DE AUTORES, 1992).

    Além disso, os autores argumentam que, por meio de uma perspectiva dialética, os conteúdos, deveriam ser mostrados para os alunos simultaneamente, para desenvolver a percepção de que são dados da realidade que não podem ser pensados nem ensinados de forma isolada. Nessa perspectiva o conhecimento é construído no pensamento de forma espiralada e assim vai se ampliando (VARJAL, 1991, apud COLETIVO DE AUTORES, 1992). Ele se constrói de acordo com o aumento das informações do pensamento.

    Na abordagem crítico-superadora, são propostos esquemas de jogos para as várias séries onde seus conteúdos devem ser selecionados respeitando a história lúdica da comunidade em que o aluno vive, além de proporcionar a ele o conhecimento dos jogos existentes nas diferentes culturas das várias regiões do Brasil e de outros países.

    O ensino do jogo deve ser dado em ciclos de escolarização propostos pelo Coletivo de Autores (1992). O primeiro é o da organização da identificação da realidade, que vai da 1ª a 3ª séries1 do ensino fundamental. O segundo ciclo é o de iniciação à sistematização do conhecimento, que vai da 4ª a 6ª séries do ensino fundamental. O terceiro ciclo é o de ampliação da sistematização do conhecimento, que vai da 7ª a 8ª séries do ensino fundamental. O quarto e último ciclo é o de sistematização do conhecimento, que vai da 1ª a 3ª séries do ensino médio.

    Para saber se o aluno está desenvolvendo algum tipo de conhecimento é necessária uma avaliação. A idéia e o significado da avaliação do processo de ensino-aprendizagem em Educação Física é torná-la uma referência para analisar a aproximação ou o distanciamento do eixo curricular que conduz o projeto pedagógico da escola (COLETIVO DE AUTORES, 1992). A avaliação escolar é o lugar onde os diversos tipos de sentimentos e conceitos entram em conflito, onde se misturam a intencionalidade do aluno, e as intenções da sociedade, expostas nas propostas curriculares que, por sua vez, colocam em movimento os interesses de classes antagônicas.

    Para o Coletivo de Autores (1992, p. 112):

    O que se pretende é deixar evidente que a avaliação não se reduz a partes, no início, meio e fim de um planejamento, ou a períodos predeterminados. Não se reduz a medir, comparar, classificar e selecionar alunos. Muito menos se reduz a análise de condutas esportivo-motoras, a gestos técnicos ou táticas.

    O que se destaca é que a avaliação apresenta, em sua variedade de eventos avaliativos, em cada momento avaliativo, o que a constitui como uma totalidade que tem uma finalidade, um sentido, um conteúdo e uma forma.

    Este sentido está diretamente relacionado à efetivação de um projeto político-pedagógico combinado com um projeto histórico composto de interesses da classe trabalhadora, em que o primeiro tem seu eixo curricular voltado para a assimilação e intervenção crítica e independente da realidade social aparente.

    Entende-se que a avaliação é fundamental no processo de ensino-aprendizagem, é através dela que será apontado para o aluno se ele está se afastando ou se aproximando do eixo curricular que conduz o projeto pedagógico responsável pela concretização do aprendizado do aluno.

Conclusão

    Em virtude do que foi mencionado, percebemos que o jogo constitui diversos tipos de significados, além disso, ele pode apenas reproduzir a cultura ou possuir um potencial transformador como propõe a abordagem crítico-superadora. Observamos que a proposta dessa abordagem é, através da cultura corporal, conduzir pedagogicamente o jogo sob um olhar crítico, possibilitando aos alunos a interpretação e transformação da realidade.

    Também é notório que, a proposta de currículo ampliado é de extrema importância por atender os interesses da classe trabalhadora e por transmitir o conhecimento de maneira simultânea e espiralada, possibilitando uma visão de totalidade por parte do aluno.

    A avaliação proposta pela abordagem em questão se trata de um processo e, portanto, está relacionada a uma totalidade de fatores e não deve se valer, sendo de uma proposta que remete a uma mudança estrutural da sociedade, de elementos classificatórios e excludentes, que estimulam somente os alunos mais habilidosos, desmerecendo os demais. Devemos então, na avaliação, propor situações que favoreçam o desenvolvimento da criatividade, da ludicidade e da reflexão sobre os fatos dados como imutáveis pelo sistema capitalista.

    O jogo, sendo trabalhado enquanto conteúdo na abordagem crítico-superadora, pode contribuir de forma significativa na formação de alunos/cidadãos críticos, independentes e preparados para enfrentar os diversos problemas da sociedade. Mas, entende-se que são necessárias pesquisas de campo que possam mostrar de forma mais concreta, com maior aproximação da verdade, as reais contribuições que o jogo pode trazer por meio da abordagem em questão e até apontar alternativas de se trabalhar com este conteúdo.

Notas

  1. Foi utilizada a nomenclatura “séries” devido ao ano de publicação do livro Metodologia do Ensino de Educação Física, publicado em 1992, antes da mudança para “anos”.

Referências bibliográficas

  • COLETIVO DE AUTORES. Metodologia do ensino de Educação Física. São Paulo: Cortez, 1992.

  • HUIZINGA, Johan. Homo Ludens. 4. ed. São Paulo: Editora Perspectiva, 2000.

  • KISHIMOTO, Tizuko Morchida (org.). Jogo, brinquedo, brincadeira e a educação. 11. ed. São Paulo: Cortez, 2008.

  • KISHIMOTO, Tizuko Morchida. Jogos Tradicionais infantis: o jogo a criança e a educação. Petrópolis, RJ: Vozes, 1993.

  • KISHIMOTO, Tizuko Morchida (org.). O brincar e suas teorias. 6. reimpr. São Paulo: Cengage Learning, 2011.

  • KISHIMOTO, Tizuko Morchida. O jogo e a educação infantil. Disponível em: http://www.inesul.edu.br/professor/arquivos_alunos/doc_1311627204.pdf. Acesso: 17 set 2012.

  • KOSIK, K. Dialética do Concreto. 2 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.

  • MELO, Marcelo Soares Tavares de. O ensino do jogo na escola: uma abordagem metodológica para a prática pedagógica dos professores de Educação Física. 2. ed. Recife: EDUPE, 2011

  • PARANÁ, Secretaria de Estado da Educação. Educação Física: Ensino Médio. 2. ed. Curitiba: SEED-PR, 2006.

  • TRIVIÑOS, Augusto Nibaldo Silva. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. 21. reimpr. São Paulo: Atlas, 2012.

  • VYGOTSKI, Lev Semenovitch. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. Trad. José Cipolla Neto, Luís Silveira Menna Barreto, Solange Castro Afeche. 7. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

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