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Corpos em evidência: olhares sobre a estética 

masculina nas academias de ginástica

Cuerpos en evidencia: perspectivas sobre la estética masculina en los gimnasios

 

Universidade Estadual de Montes Claros

(Brasil)

Átila Regina de Souza

Saulo Daniel Mendes Cunha

Eric Hudson Evangelista e Souza

Alex Sander Freitas

Vinícius Dias Rodrigues

viniciuslabex@hotmail.com

 

 

 

 

Resumo

          É através do nosso corpo que interagimos com o mundo e com as pessoas ao nosso redor, a filosofia antiga já pregava que o corpo é um meio fundamental para o estreitamento das relações humanas, dessa forma ele se torna um dos elementos mais complexos e interessantes do universo. No entanto, contemporaneamente, ele passou a ser visto como modelo mercadológico sobre o qual são conferidas as mais diversas marcas. Este estudo tem como objetivo analisar a autopercepção masculina com relação à estética no âmbito de academias de ginástica da cidade de Montes Claros, MG. Nessa perspectiva, trata-se de uma pesquisa descritiva de natureza qualitativa e corte transversal, realizada em seis academias de Montes Claros com homens com idade maior ou igual a 18 anos e que praticassem hipertrofia há pelo menos três anos. Com o corpo enquadrado aos padrões da moda, os homens almejam ser mais aceitos pela sociedade, chamar a atenção das mulheres, impor em meio aos outros homens e talvez afirmar a masculinidade ameaçada pelas conquistas feministas. Porém, muitas vezes o desejo comum de obter o corpo tão sonhado ultrapassa o limite do normal e se transforma em uma obsessão doentia que impõe riscos à saúde do sujeito e desestrutura toda a sua vida.

          Unitermos: Corpo. Estética. Masculino.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires - Año 19 - Nº 193 - Junio de 2014. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    A vida nos impõe o corpo dia após dia, já que é através dele que sentimos, desejamos, agimos e criamos. Assim, qualquer situação vivida, nos é apresentada através das formas concretas e singulares de um corpo. Viver, nesse sentido, é assumir a condição de um organismo cuja constituição dá acesso ao mundo e ao outro. Viver também é compreender que essa não é uma situação única, pois vivenciar o corpo não é apenas afirmar sua força, mas ter consciência de suas fraquezas entre os prazeres do gesto afetivo e os sofrimentos carnais (VILLAÇA & GÓES, 1998, p.23).

    Neste contexto, o corpo, influenciado pela cultura do belo, tem sido um dos principais agentes para o crescimento do consumo. Diante da ditadura da beleza e influenciados pela mídia, os corpos vêm sendo homogeneizados a determinados padrões estéticos (BANDEIRA & ZANELLA, 2007, p.3).

    A importância dada à estética nos dias atuais é relevante. Para Novaes (2001), a beleza se tornou objeto de desejo e impulsiona o consumismo no mercado das necessidades do homem moderno. De acordo com Adams (1977) citado por Saikali (2005) hoje, as pessoas julgadas como atraentes pelos modelos vigentes encontram maior facilidade para se sobressair na sociedade, em oposição às pessoas tidas como não atraentes, que expostas à discriminação e a ambientes rejeitadores são desencorajadas a desenvolver habilidades e ascender socialmente.

    Antes a grande preocupação com a imagem corporal era um problema que afetava em grande parte as mulheres, já hoje é possível perceber que os homens estão tão ou mais preocupados que elas no que diz respeito à estética corporal, mas essa preocupação ainda se esconde por trás de tabus como os que pregam que homens não devem se preocupar com a aparência. Em meio a essa obsessão pela beleza, Pope et al. (2000) consideram que nos dias atuais, mais do que nunca é possível perceber o grande número de homens insatisfeitos com a imagem corporal, passando pela mesma pressão à qual as mulheres são submetidas no que diz respeito a obter uma forma física impecável.

    De acordo Falcão (2008), à medida que as conquistas femininas foram ganhando destaque na sociedade, a preocupação masculina com relação ao corpo também aumentou, devido a um sentimento de masculinidade ameaçada. Esse fato pode ser visto com mais intensidade a partir dos anos 60 em que é possível perceber os maiores avanços tecnológicos das mulheres e as mais notáveis transformações nas atitudes culturais com relação ao corpo masculino. Para eles, obter um corpo musculoso se tornou importante porque a musculatura representa a masculinidade e está relacionada às funções culturais dos homens de serem fortes, poderosos, eficazes, dominadores e destruidores.

    Pope et al. (2000, p.13) ressaltam que essa preocupação com a aparência musculosa tem levado muitos homens a sacrificar boa parte de suas vidas para se exercitarem exaustivamente nas academias, buscando um tórax mais musculoso, um abdômen mais definido. Vários homens e jovens adultos estão gastando muito na compra de suplementos alimentares, esteróides anabolizantes ou outras drogas perigosas para “aumentar” o corpo, e assim, melhorar a estética. No entanto, podemos nos questionar, por que a noção de beleza do masculino está ligada a imagem de um corpo musculoso?

    Segundo Suguihura (2007, p.199), desde as estátuas gregas, há um elo entre imagem e o discurso que determina o tipo de corpo característico de cada sociedade. Na Grécia antiga, os heróis da mitologia eram imortalizados em estátuas que expressavam, pelos corpos “perfeitos”, os valores, as atitudes que levavam ao sucesso, ao reconhecimento.

    Com todos os eventos que cercavam essa nova moda de adoração às formas corporais masculinas, o body building entrou em ascensão, passando a caracterizar a construção da massa muscular, desligada da noção de força e saúde. Tal tendência se estendeu até a Primeira Guerra, como um ideal de perfectibilidade a ser alcançado. No início do século XX, a exibição corporal se tornou freqüente. Com o desprendimento das amarras da moralidade, nos anos de 1920 a 1930, os ícones esportivos eram mostrados ressaltando o hedonismo que se instaurou no mundo do esporte. Surge uma nova linguagem, a body language, caracterizada como um tipo de comunicação não verbal, que utiliza as posturas, os gestos e expressões faciais (VILLAÇA & GÓES, 1998, p.61).

    Para Dias (2007), os transtornos advindos da exacerbada preocupação com o corpo estão se convertendo em verdadeira epidemia. A vigorexia é um dos resultados de uma sociedade para a qual “uma imagem vale mais que mil palavras”. Desejar fervorosamente uma imagem perfeita não implica sofrer de uma doença mental, mas aumenta as chances de que esta apareça. Mesmo que existam hipóteses biológicas para estes transtornos, os fatores socioculturais e educativos têm grande influência em sua incidência, e para os homens portadores de dismorfia muscular, por mais treinamento que façam, por mais músculos que desenvolvam, eles sempre se acharão fracos, raquíticos e sem nenhum atrativo físico.

    Espelho, espelho meu, existe alguém mais forte do que eu? Chaves e Ferreira (2007, p.2-3) comparando a história de Narciso com o dia-a-dia dos homens atuais, afirmam que esta indagação profética é muitas vezes repetida pelos narcisos de hoje em seus templos de halteres, locais onde a beleza é perseguida sob o signo de força, de músculos. Guardiões da verdade, o espelho assume um papel que o aproxima do sagrado. Através de espelhos, os homens procuram enxergar-se, conhecer-se, ostentando o próprio corpo, já que é a imagem deste corpo que lhes dará visibilidade, distinção e onipotência na sociedade.

    Este estudo objetiva analisar a auto percepção masculina com relação à estética corporal no âmbito das academias de ginástica, justificando-se pela grande importância dada à estética nos dias atuais, a influência exercida por ela sob a vida das pessoas se tornou tão significativa que hoje, para muitos indivíduos, possuir uma bela aparência se tornou mais importante do que possuir um bom caráter. Outra justificativa é o fato de que atualmente a estética não é mais uma preocupação apenas das mulheres, atualmente um número sem precedentes de homens procuram cuidar da forma física e da imagem, na tentativa de fazer com que seus corpos se enquadrem ao que é moda para os corpos masculinos no momento: músculos cada vez mais definidos.

Metodologia

    Esta se trata de uma pesquisa descritiva (KÖCHE, 1999, p.124); de natureza qualitativa (KAPLAN & DUCHON, 1988), não dependendo fortemente para isso de análises estatísticas para suas conclusões ou de métodos quantitativos para a coleta de dados (GLAZIER, 1992); e com corte transversal. Para tal, foram abordados em academias de ginástica da cidade Montes Claros – MG, indivíduos que praticavam musculação há pelo menos três anos, sendo eles, obrigatoriamente, do gênero masculino e com faixa etária entre 18 e 45 anos de idade, os quais aceitaram por espontaneidade participar do estudo, constituindo a população desta pesquisa.

    Para fazer parte da amostra, foram escolhidas por conveniência, seis academias da cidade de Montes Claros, com o intuito de que o público freqüentador dessas academias apresentasse diferença com relação à realidade sócio econômica, uma vez que se acreditava que esta variável, pudesse influenciar no resultado da entrevista. Além do público, também se considerou as diferentes localizações e infraestruturas das academias selecionadas. A amostra foi constituída por um total de quinze indivíduos freqüentadores das academias em questão, sendo esse número suficiente para a realização deste estudo.

    Como instrumento da coleta de dados, foi utilizada uma entrevista semiestruturada, com perguntas a respeito de corpo, estética e imagem corporal masculina. A entrevista semiestruturada valoriza a presença do investigador e proporciona ao entrevistado liberdade e espontaneidade para se expressar a respeito do tema proposto, tornando a investigação mais interessante (TRIVIÑOS, 1987, P.145-146). Ela foi composta por dez perguntas abertas, permitindo que o entrevistado ficasse à vontade para respondê-las.

    A entrevista foi elaborada a partir das impressões obtidas com a leitura das idéias dos autores que fizeram parte da revisão de literatura. Como esta entrevista trata-se de um instrumento não validado, um estudo piloto foi realizado em uma determinada academia de Montes Claros com praticantes de musculação que se enquadravam nas características da pretendida população. A partir das necessidades expressas no pré-teste, as perguntas da entrevista foram adaptadas. Assim que o instrumento se mostrou pronto para atender as exigências desta pesquisa, iniciou-se a busca pelas academias onde seriam realizadas as entrevistas. A gravação de voz das respostas à entrevista se deu por um MP3 Player da marca X-Sound.

    O acesso às academias aconteceu através de ofícios de autorização, permitindo que a coleta de dados fosse realizada naquele local. Um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido Para Participação em Pesquisa foi assinado pelos entrevistados, levando em conta as exigências éticas para pesquisas com seres humanos.

    Nesta pesquisa houve cuidado e consideração com todos os dados fornecidos pelos participantes (clientes entrevistados) e pelas instituições que contribuíram para que ela se concretizasse, houve preocupação para que a integridade tanto dos entrevistados, quanto das academias fosse preservada, para tanto, não foram divulgados em momento algum os nomes dos clientes (sendo eles identificados por nomes fictícios) e das instituições participantes.

    Após os dados serem coletados, foram tabulados. As respostas foram separadas e reescritas, para que dessa forma, se tornasse mais fácil e organizada a comparação das mesmas com cada roteiro da entrevista. Em seguida, elas foram analisadas para posterior instrumento de discussão.

Apresentação e discussão dos resultados

    A maneira de pensar dos praticantes de musculação nas academias pesquisadas é bem parecida independente das diferenças apresentadas entre elas, dessa forma, a análise e discussão dos resultados se deu de maneira bastante homogênea, sendo apresentadas apenas as entrevistas consideradas mais relevantes.

    Outra questão dessa discussão é o fato de que não houve linearidade na descrição das respostas das entrevistas, uma vez que buscando cumprir com os propósitos esclarecidos nos objetivos deste estudo, observou-se que muitas vezes os entrevistados não se limitavam somente à questão à qual estavam envolvidos, podendo também abordar temas tratados em outras questões, dessa forma, foram estes também utilizados.

    O valor dado à estética nos dias atuais é relevante. É possível perceber a grande influência exercida pela sociedade no que diz respeito a qual deve ser a estrutura corporal de homens e mulheres. Enquanto para elas o corpo magro é considerado o padrão a ser seguido, para eles, a tendência hoje são os músculos cada vez mais desenvolvidos (DAMASCENO, LIMA, VIANNA & NOVAES, 2005 apud CAMARGO et al. 2008, p.2).

    Diante dessa supervalorização da imagem corporal e do papel exercido pela mídia e pela sociedade no sentido de criar um modelo estético a ser seguido é possível verificar dentre os entrevistados quando questionados acerca da satisfação corporal, que os homens em sua grande maioria, não apresentam 100% de satisfação com o próprio corpo, insatisfação essa que se traduz pela vontade de conseguir um menor percentual de gordura e pelo desejo de aumento da massa muscular.

    Dentre os poucos entrevistados que responderam estar totalmente satisfeitos com seu corpo, destaca-se Juarez Soares que diz estar satisfeito e não pretender mudar nada em sua aparência física.

    Sim! [Sim? Não pretende mudar nada?] Não! Juarez Soares, 45 anos.

    Segundo Pope et al. (2000, p.44-45) a satisfação desse entrevistado pode estar relacionada à idade dele (45 anos), sendo o mais velho de todos os participantes da pesquisa. Para esses autores, os homens de 40, 50 e 60 anos de idade não apresentam desconforto com a própria imagem corporal, pelo fato de que quando jovens, uma aparência impecável não era o que mais importava para eles naquele tempo, dessa forma, como talvez nunca tenham sido submetidos a essa pressão por obter um corpo bonito e se enquadrar aos padrões da moda, cresceram e amadureceram suas idéias, distante dessa obsessão e hoje se sentem satisfeitos como são.

    No entanto, para autores como Calligaris (2001, p.1) situações como a de Juarez é um caso à parte, já que quase 50% dos homens americanos estão insatisfeitos com sua aparência, o mesmo acontecendo com os europeus e os brasileiros. De acordo com esse mesmo autor, a insatisfação masculina com a imagem corporal chegou a ponto de mobilizar a indústria da beleza. Em 1999 os homens americanos gastaram dois bilhões de dólares em mensalidades de academias e em aparelhos para exercitarem-se em casa. Somando-se a isso as cirurgias plásticas e o mercado dos suplementos alimentares. Nesse mesmo ano, três milhões de americanos tomavam ou já haviam tomado esteróides anabolizantes para tornar mais fácil o crescimento da musculatura e queimar gordura.

    Relacionando o nível de satisfação corporal desses homens com a preocupação que os mesmos apresentam com a aparência física é possível analisar que todos eles apresentam certa preocupação com a aparência, alguns em maior, outros em menor grau. As grandes preocupações desses homens com a aparência se relacionam com o fato de desejarem uma musculatura desenvolvida e pela vontade de perder peso, eles acreditam que dessa maneira elevarão sua autoestima, chamarão mais a atenção das outras pessoas, atrairão os olhares femininos e de certa forma impõem-se mais perante outros homens.

    Pelo diálogo com os entrevistados acerca do nível de preocupação que apresentam com a aparência é possível verificar o desejo masculino por músculos desenvolvidos.

    É interessante relatar que em oposição às idéias de Pope et al. (2000, p.210) que relatam que a preocupação masculina com a estética também se relaciona aos cabelos, ao aspecto das mamas e a estatura, é possível analisar através da fala de um dos entrevistados que as características consideradas importantes pelos homens estão voltadas em sua maior parte para as formas corporais. O corpo assume neste caso, o papel de símbolo da beleza.

    Codo e Sene (1985, p.85) citados por Felerico e Hoff (2008, p.3) denominam corpolatria a essa idolatria pelo corpo, uma onda de individualismo que o capitalismo promoveu, de busca pela futilidade. A corpolatria atualmente oculta o verdadeiro significado de “corpo”, transformando ativamente a aparência física para que ela não forneça mais informações naturais, mas sim artificiais dos indivíduos. A aparência muscular, hoje em nosso país, se tornou mais significante do que a cor e o gênero (MALYSSE, 2002, p.119 apud FELERICO & HOFF, 2008, P.3).

    De acordo com (Conti, Frutuoso e Gambardella, 2005) citados por Camargo et al. (2008, p.3) a pressão exercida pela mídia, sociedade e meio esportivo para conquista do padrão corporal ideal, ao qual associam a idéia de sucesso e felicidade é um dos principais motivos que levam a alterações da imagem corporal.

    Considerando que para boa parte desses homens o meio através do qual modificam seu corpo em busca de mais músculos e maior definição é a prática da hipertrofia, buscou-se verificar se seus praticantes tinham como verdadeiro objetivo aumentar a massa muscular, dessa forma, foi perguntado aos entrevistados qual o porquê da escolha da hipertrofia como objetivo da prática da musculação. Se sentir demasiadamente magro foi um dos motivos alegados por eles para justificar a escolha da hipertrofia como objetivo.

    Pope et al. (2000, p.13) abordam que o desejo masculino por um corpo musculoso tem levado muitos homens a sacrificar boa parte de suas vidas para se exercitarem exaustivamente nas academias, em busca de um tórax mais musculoso, um abdômen mais definido.

    Além da musculatura, outro fato que gera grande preocupação nos homens é a gordura corporal em excesso. Pope et al. (2000, p.163) abordam que outra grande aflição dos homens com relação ao corpo é o fato de não serem magros o suficiente, no entanto, dentre os entrevistados que afirmaram se preocupar em diminuir o percentual de gordura corporal, foi possível observar que o desejo de perder gordura se faz pela busca de uma maior definição da musculatura, principalmente a musculatura abdominal.

    Essa tendência de padronização dos modelos corporais masculinos e femininos imposta pela mídia alienou a sociedade no que se refere a corpo. Hoje o homem que não se enquadra nos padrões: forte, alto e definido é muitas vezes vítima de discriminação em vários âmbitos sociais.

    Outro ponto importante de se ressaltar sobre preocupação com a aparência física é a relação que os entrevistados fazem da estética com a saúde, como se uma dependesse da outra para existir. Na verdade, o interessante de se observar nos discursos dessas pessoas é que a busca pela saúde na prática da musculação, muitas vezes serve como uma “máscara” para disfarçar o verdadeiro objetivo desses sujeitos que é a busca pela estética, como observou um professor de educação física em um estudo feito por Vilaça et al. (2007, p.3). Para este professor, falar em praticar exercício para obter saúde é apenas uma maneira usada por alguns freqüentadores de academias para esconder o principal objetivo da prática de exercícios: a estética.

    Percebendo essa idéia de saúde sempre atrelada à noção de estética que os entrevistados demonstraram, torna-se necessário enfocar que, muitas vezes, em busca de um “corpo saudável” (por trás do qual está a busca pelo belo) o que muitas pessoas encontram na verdade é um estado patológico de obsessão pela beleza corporal que foge do controle do indivíduo. Dessa maneira, em busca de um corpo bonito, que muitos consideram ser o corpo saudável, o sujeito se depara com um descontrole doentio.

    Esse verdadeiro fascínio masculino por músculos desenvolvidos esteve presente em todas as épocas. Enquanto a vaidade feminina está voltada para a beleza física, delicadeza; a masculina se caracteriza pela força. A mulher deve ser bela, o homem deve ser forte (CAMARGO & HUMBERG, 2007, p.2). A difusão dessa idéia que o homem necessita ser forte, juntamente com a pressão exercida pela mídia de que o corpo masculino para ser belo precisa ser “sarado”, definido, expõe o sujeito a uma preocupação extrema com sua imagem corporal e inserção na sociedade, o que muitas vezes leva ao surgimento de transtornos físicos e psicológicos que agravarão esse quadro de insatisfação. Através do diálogo com os entrevistados foi possível perceber a influência que não somente a mídia, mas também a sociedade exerce na pessoa quando o assunto é aparência física.

    Através das falas dos entrevistados é possível verificar como as imagens hercúleas divulgadas pela mídia são captadas pela mente masculina como fiéis representações de beleza (POPE et al. 2000, p.46).

    Segundo Russo (2005, p.2) a indústria corporal através da mídia encarrega-se de atiçar os desejos das pessoas, enaltecendo imagens, padronizando corpos. Hoje o corpo pode ser visto como um instrumento de marketing, unido ao mundo do consumo, movimentando mercados, levando a compra e venda de diversos produtos (FELERICO & HOFF, 2008, p.1). Para Silva et al. (2007, p.2) o corpo transformou-se em um modelo sob o qual são conferidas diversas marcas, tornando-se algo provisório, mutável.

    Para Felerico e Hoff (2008, p.2) esse destaque que a mídia dá ao corpo belo relacionado à idéia de sucesso e felicidade intensifica a idéia de corpo ideal. A concepção de corpo hoje feita pela mídia e transmitida para a sociedade é que ter um corpo perfeito e uma boa forma consagra homens e mulheres. Atualmente a valorização da imagem física muitas vezes chega a contrapor valores.

    Um dos entrevistados ao abordar sobre a exclusão que muitas pessoas sofrem por não se enquadrarem aos modelos corporais impostos pela mídia, nos remete a outra questão: “Um corpo forte é o padrão de beleza para os corpos masculinos hoje em dia?” Para alguns entrevistados, esse não é o padrão, apesar de desejarem aumentar a massa muscular e praticarem hipertrofia.

    Alonso (2006, p.1) afirma que muitos homens, corrompidos pela obsessão por um corpo belo, desenvolvem transtornos como a vigorexia, que se trata da prática excessiva de exercícios físicos devido a uma preocupação doentia com a aparência física, preocupação que vem acompanhada de uma distorção do esquema corporal. Os pacientes se vêem fracos e sem músculos apesar de fortes, procuram modificar essa aparência mediante a prática de exercícios sem limites, não considerando os riscos relacionados à realização de esforços musculares exagerados.

    Interessante de se abordar nesse estudo que os homens entrevistados e que relataram considerar um corpo forte como padrão de beleza para os corpos masculinos, parecem ter uma noção do ponto a partir do qual uma aparência musculosa se torna exagerada e passa a não mais transmitir a idéia de beleza, com isso deixam transparecer que a preocupação com a imagem corporal que apresentam parece não ser doentia. Foi possível perceber que nossos entrevistados buscam obter certo volume muscular e a partir do momento que atingem o volume desejado priorizam a definição.

    Porém, percebemos a partir de um relato uma contradição entre as opiniões dos entrevistados, apesar de afirmarem que não desejam ser extremamente hipertrofiados, nunca se mostram satisfeitos com a imagem que apresentam e estão sempre querendo aumentar o volume de seus músculos e obter maior definição.

    Segundo Felerico e Hoff (2008, p.6) o que instigou nos homens essa exacerbada preocupação com a aparência física foi o fato de o mercado ter descoberto no público masculino, promissores consumistas de serviços de moda e de beleza. Para as mesmas autoras, o homem apresentado antigamente como provedor da família, o pai trabalhador, se mostra hoje nas campanhas publicitárias preocupado com a beleza e com a moda, em papéis desnudos e sensuais.

    De acordo com Pope et al. (2000, p.75-76) as conquistas alcançadas pelas mulheres surgiram para os homens como uma grande ameaça à sua masculinidade, já que hoje, elas podem fazer praticamente qualquer coisa tão bem como eles fazem. Dessa forma, um corpo forte e musculoso teria sido o caminho encontrado por eles para afirmar e ostentar a masculinidade. Para verificar se essa relação corpo musculoso/mais masculinidade influencia os entrevistados, foi perguntado a eles se consideram que um corpo musculoso transmite uma idéia de mais masculinidade a um homem. Uma pequena parcela dos entrevistados considera que a masculinidade não está relacionada a músculos, mas sim a outros aspectos como a forma de agir do sujeito.

    Como relatou Cecarelli (1998, p.1) é bastante complicado precisar o que é masculino e o que é feminino. Para ele, considerar que a feminilidade está relacionada à graça e a masculinidade à coragem, como se vê com freqüência, é apenas se apegar a uma definição tautológica. Levar em consideração a biologia para definir a identidade sexuada das pessoas é deixar de lado que o principal da sexualidade humana está em sua dimensão inconsciente. Ainda assim, a maior parte dos entrevistados diz considerar que um corpo musculoso transmite a idéia de mais masculinidade a um homem.

    O relato de um dos entrevistados se opõe a idéia de Cecarelli (1998) no que diz respeito ao processo biológico já definir a sexualidade, segundo o entrevistado, a genética masculina já determina uma musculatura mais desenvolvida como uma característica do homem, até mesmo pela influência da testosterona, indicando que a natureza já trabalha de forma a proporcionar o desenvolvimento da musculatura para o gênero masculino, levando a pensar que o homem nasceu para ser musculoso.

    Para Calligaris (2001, p.1), atualmente, somos masculinos e femininos pela aparência e não por nossa maneira de agir. A definição de masculino se molda hoje em um corpo ideal forte e poderoso, mais inatingível do que os mais complexos exemplos de força moral. A masculinidade que antes era um ideal espiritual misterioso e complicado, agora se tornou um corpo impossível.

    Como já relatado anteriormente, desde antigamente, ter um corpo maior e mais forte, pode proporcionar aos homens determinadas vantagens, como dominar outros homens, proteger a prole e lutar por uma fêmea (POPE et al. 2000, p.75). Muito dessa idéia permanece até hoje no inconsciente de diversos homens. Primeiramente abordando a relação de que corpo mais musculoso e maior masculinidade são iguais a maior imposição e domínio na sociedade.

    Dois entrevistados demonstram conhecimento no assunto, mas, ainda assim, se deixam influenciar pela noção de que um corpo mais forte faz com que o homem possa dominar outros do mesmo gênero. Para eles essa epidemia de busca pela perfeição estética, ainda não se sobrepôs a todos os princípios do ser humano. Para algumas pessoas, os valores são o que moldam o caráter do indivíduo e fazem com que ele consiga ascender socialmente.

    Para a grande maioria dos participantes da pesquisa, essa aparência musculosa pode sim proporcionar a um homem certo destaque na sociedade, destaque esse que considera o fato de chamar mais a atenção das pessoas e atrair os olhares femininos. É o que se pode ver pelas ruas, em festas, nas praias, nos shoppings, enfim, locais públicos onde se tornam alvo das atenções e dos comentários.

    A fala de um entrevistado relata que uma boa aparência é interessante para os profissionais da área da saúde, como por exemplo, para os profissionais de educação física, pois como já apresentam certa afinidade com o universo dos exercícios físicos, eles encontram mais facilidade para alcançar a boa forma e uma aparência mais definida, aparência essa que pode lhes proporcionar uma maior credibilidade.

    Para Calligaris (2001, p.2) o que os homens buscam de verdade é ser impossivelmente musculosos, motivo pelo qual nunca se mostram satisfeitos e sempre estão querendo mais. Ainda de acordo com o mesmo autor, os homens buscam ser cada vez mais musculosos nem tanto pelo desejo de seduzir as mulheres, mas sim pelo desejo de competir com os outros homens. Alguns testes demonstram que o corpo masculino que, segundo eles, atrairia todas as mulheres é dez quilos (de músculos) mais pesado do que o corpo masculino que as mulheres realmente preferem. Será que eles então estão enganados e assim treinam em vão? Parece que não. Eles querem mesmo mais e mais músculos para se mostrar para outros homens, afinal a vontade de conquistar um homem ou uma mulher nos empolga menos do que a vontade de causarmos inveja em nossos semelhantes (CALLIGARIS, 2001, p.1-2).

    Sendo hoje a ditadura corporal tão cruel no que diz respeito aos modelos corporais, magro para as mulheres, forte para os homens e sabendo que em busca desses modelos muitas pessoas se submetem a qualquer tipo de sacrifício, verificou-se entre os entrevistados se eles consideram que para obter um corpo musculoso, valha a pena qualquer tipo de intervenção, como cirurgias plásticas, implantes de silicone, uso de anabolizantes e suplementos. A partir das respostas, foi possível verificar que dentre todos os entrevistados apenas um concorda em fazer qualquer coisa para obter um corpo musculoso:

    Eu acho que sim! [Qualquer tipo de intervenção, anabolizantes, suplementação, cirurgias?] Se for pra ficar forte qualquer tipo. Gustavo Fernandes, 18 anos.

    Sabendo de todos os malefícios advindos do uso de anabolizantes e de todos os riscos enfrentados por seus usuários, e ainda assim concordando com o uso dessas drogas na tentativa de se tornar mais musculoso, é possível verificar certa imaturidade por parte desse entrevistado e a forma como ele se deixa influenciar por essa tendência de transformação dos corpos. É comum presenciarmos atitudes como essas nesses jovens, ainda inexperientes e impulsivos, muitas vezes imaturos, que no seu imediatismo em ganhar massa muscular rapidamente se aventuram a tomar anabolizantes.

    Dentre os outros entrevistados foi possível encontrar aqueles que não concordam com o uso de anabolizantes e com a realização de cirurgias plásticas, mas não são contra ou até mesmo fazem uso da suplementação. Foram encontrados também os adeptos da cirurgia plástica, como uma alternativa rápida e viável para modificar o corpo.

    Para a maior parte desses homens, no entanto, apesar de se mostrarem preocupados com a aparência física e muitas vezes sentirem-se insatisfeitos com seu corpo a melhor maneira para atingir seus objetivos com relação à imagem corporal é de forma natural, a partir de uma dieta saudável e balanceada e da prática de exercícios físicos.

    A busca desenfreada do ser humano pelo corpo ideal, produzido pela mídia e divulgado nas revistas, nos filmes nas novelas tem acarretado uma falta de prudência nas pessoas, em que o que importa somente é estar dentro dos padrões determinados, sem se levar em conta as conseqüências de certas atitudes (FERREIRA et al., 2005, p.4). Dietas extravagantes, cirurgias plásticas, métodos de controle de peso, prática de exercícios extenuantes, uso de esteróides anabolizantes são apenas algumas dessas atitudes. Segundo Villaça e Góes (1998, p.29) a evolução das ciências da vida nos últimos anos facilita o acesso do corpo a alterações, já que a possibilidade de aceitar ou não o corpo que se tem é uma alternativa oferecida ao indivíduo a partir do distanciamento vindo com a tomada de consciência de sua própria imagem.

    Obter um corpo musculoso através de métodos artificiais, sem dúvida é uma alternativa para aqueles homens que sonham e almejam acima de tudo se enquadrar nos padrões impostos pela mídia como modelos de beleza e adoração, porém essa aventura também implica em riscos e muitas vezes o resultado final para quem adota esse tipo atitude não é se olhar no espelho e se sentir bem, com o corpo tão desejado, mas sim graves problemas de saúde e até mesmo a morte. É um caso a ser pensado, muitas vezes esse é um sacrifício que não vale à pena.

Considerações finais

    Através da análise dos dados foi possível concluir no que diz respeito à auto percepção masculina relacionada à estética, que os homens realmente têm se mostrado mais preocupados com a aparência física. Atualmente mais vaidosos do que há alguns anos, eles tornaram-se promissores consumistas e estão mobilizando o mercado de produtos estéticos.

    Grande parte dessa vaidade se traduz pelo desejo da modificação corporal. Para eles, um aspecto importante relacionado à imagem do corpo é possuir uma aparência musculosa e definida, já que esse é o padrão ditado pela mídia nos dias atuais para os corpos masculinos, e a mídia a cada dia exerce maior influência na vida das pessoas. Muitas vezes os homens que não apresentam um corpo “sarado” e definido e as mulheres que não se mostram esguias são vítimas de discriminação, pois hoje a aparência “fala mais alto", muitas vezes se sobrepondo até mesmo sobre os valores morais. Atualmente a estética é usada não somente no julgamento do que seja o bonito ou feio, mas também do que seja o bom e do que seja o mau.

    Aqueles que possuíam um corpo bem comportado há alguns anos transmitiam a idéia de serem pessoas honradas, confiáveis, decentes. Hoje o que se vê muitas vezes é que aqueles que possuem corpos malhados, “sarados” transmitem a idéia de que são pessoas dotadas de sucesso financeiro, emocional e sexual e esse tipo de interesse é o que instiga o desejo de grande parte da sociedade contemporânea, apesar das formas perfeitas dos modelos corporais vigentes serem cada vez mais exigentes e difíceis de serem atingidas.

    Por esse motivo grande parte dos entrevistados nessa pesquisa se mostrou insatisfeita com a sua forma física atual, alguns se consideram ainda fora de forma (apresentam gordura corporal em excesso), mas a grande maioria se mostra insatisfeita com o volume muscular que possuem, estão sempre almejando aumentar a massa muscular e tornarem-se mais definidos. Por isso pode-se perceber como é cada vez maior o número de homens dentro das academias de ginástica treinando hipertrofia, muitos treinam até a exaustão e nunca se mostram satisfeitos, apesar de fortes ao se olharem no espelho se vêem magros e franzinos, pois a preocupação que apresentavam com relação à imagem corporal se tornou uma obsessão patológica. No entanto, ao contrário desses sujeitos os participantes dessa pesquisa relataram não desejar um corpo demasiadamente hipertrofiado, demonstrando apresentar certo controle sobre essa situação.

    Foi possível analisar também que o desejo desses homens por um corpo musculoso se faz na grande maioria das vezes pelo desejo de chamar a atenção do próximo, principalmente à atenção feminina e pela vontade de se impor perante outros homens, já que boa parte deles considera que um corpo musculoso proporciona a um homem mais masculinidade e de alguns anos para cá a masculinidade se viu perdendo espaço para as conquistas feministas.

    Buscar compreender o que se passa na cabeça dos homens de hoje com relação à estética é importante, já que antes as mulheres eram o alvo principal das pressões que exigiam um corpo perfeito e atualmente elas dividem com eles o palco das preocupações com a imagem corporal. O homem visto antigamente apenas como pai de família, no papel do provedor, se mostra hoje esbanjando sua musculatura bem trabalhada em capas de revistas, filmes, novelas, etc.

    Tudo isso acaba por influenciar as pessoas a buscarem aquela imagem tida como ideal. Os homens têm crescido tão acostumados com as imagens de corpos musculosos traduzindo o que eles devem ser como pessoas, que simplesmente se colocam no papel de vítimas da atual cultura do belo e se submetem ao processo de padronização corporal como uma forma de aceitação na sociedade, já que atualmente, o que se tem são os corpos-mensagem, que falam pelo sujeito assim como um panfleto ou outdoor fala sobre determinado produto.

    No entanto, até que ponto vale à pena correr atrás de um corpo escultural? Dietas rigorosas, o uso de fármacos, exercícios extenuantes, o uso de anabolizantes são demonstrações de que a vida na frente do espelho muitas vezes se torna perigosamente vazia. Será que tudo isso realmente compensa na tentativa de obter um abdômen definido, um peitoral desenvolvido, braços musculosos? Para a mídia e a indústria corporal sim, já que o corpo se tornou para eles uma mercadoria capaz de gerar cada vez mais lucros através de uma imagem bonita, mas e para o ser humano? O que as pessoas ganham possuindo essa imagem corporal padronizada? Reconhecimento, respeito, estar na moda? Talvez, atualmente; porque hoje o que vigora são os corpos fortes, musculosos, esbeltos, mas me pergunto se daqui a alguns anos os modelos corporais serão os mesmos. Se não, quais serão? As pessoas também se mobilizarão para se enquadrar aos novos padrões, ou terão mudado seu modo de pensar sobre corpo? Isso só o tempo poderá dizer.

Referências

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EFDeportes.com, Revista Digital · Año 19 · N° 193 | Buenos Aires, Junio de 2014  
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