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Os corpos na sociedade contemporânea

Los cuerpos en la sociedad contemporánea

 

*Mestre e licenciado em Educação Física pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Especialista

em Dança e Consciência Corporal pela Universidade Gama Filho (UGF). Atualmente é professor

de Educação Física da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR)

**Pós Doutora em Educação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Possui graduação

em Licenciatura em Educação Física pela Universidade Federal de Pelotas (1985), mestrado

em Educação Física pela Universidade Gama Filho (1992) e doutorado em Educação

pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2003)

Atualmente é professor associado da Universidade Federal de Pelotas

Diego Ebling do Nascimento*

digue_esef@yahoo.com.br

Mariângela da Rosa Afonso**

cafonso@terra.com.br
(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          O objetivo deste artigo é levantar discussões sobre os corpos na sociedade contemporânea. Para isso se faz necessário resgatar o corpo em determinados períodos históricos. Possuir ou não um corpo perfeito têm representado a aceitação ou não do indivíduo em todas as esferas (social, cultural, política e econômica) da sua interação, seja no trabalho ou nas relações pessoais, podendo o corpo tornar-se, inclusive, fator de discriminação e exclusão social, caso o indivíduo esteja fora dos limites estabelecidos pelos padrões vigentes em nossa sociedade. Esses fatores podem levar a busca descontrolada ao corpo canônico, podendo acarretar até mesmo em doenças. Percebemos que o corpo é o local de inscrição dos discursos, estamos em um período onde a imagem corporal é demasiadamente valorizada. Com vistas a uma reflexão sobre os corpos na sociedade contemporânea, retomar a história do corpo se fez necessário. É preciso desnaturalizá-lo, demonstrando os diversos discursos que foram e alguns que ainda são transmitidos e reforçados socialmente.

          Unitermos: Corpo contemporâneo. História do corpo. Corpo cultural.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 18, Nº 190, Marzo de 2014. http://www.efdeportes.com/

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O corpo: a beleza, o pecado e a doença

A Igreja diz: O corpo é uma culpa.

A Ciência diz: O corpo é uma máquina. 

A publicidade diz: O corpo é um negócio.

O corpo diz: Eu sou uma festa.

                                    Eduardo Galeano

    Nunca se falou tanto em corpo como neste século. Nas academias de ginástica e de dança o corpo é modelado para parecer sempre jovem, atlético, favorecendo a estética e, por vezes, a saúde. Porém, esses corpos elegantes, musculosos e vigorosos nem sempre se relacionam bem com outros corpos, com outras pessoas e com tudo que o mundo contemporâneo proporciona.

    Partimos da premissa de que o corpo humano possui várias formas de linguagem e expressividade de seus sentimentos e sensações, com uma carga histórico-cultural herdada por gerações.

    As teorias contemporâneas sobre os estudos do corpo têm demonstrado que cada vez mais não há separação entre corpo e mente e entre o corpo biológico e o corpo cultural. O corpo já não é mais visto como um instrumento, como uma máquina, como uma estrutura que já nasce pronta, fixada. Cada vez mais o corpo é visto como algo que se revela aberto a mudanças, como um processo vivo, em constante transformação. Um corpo individual, diferenciado, mas permeado pelo meio, por suas experiências em ação com o mundo, em permanente relação.

    Por outro lado, percebemos que nos últimos anos o homem não se compreende como um corpo, mas sim como possuidor de um corpo. Isso se dá por consequência de um longo processo histórico de desvalorização do mesmo. Devemos viver a corporeidade nos sentindo como corpos significativos e expressivos, sendo este corpo considerado de forma unitária e não fragmentada.

    De acordo com Gaiarsa (1995) corpo e alma são conceitos exigidos pela ideologia social e tem pouca correspondência com o que de fato acontece. O autor coloca que corpo é o que se vê no outro e em si mesmo (em um espelho, por exemplo) e alma é o que se pensa, misturado com o que se sente, se imagina, se quer, se deseja, se teme, entre outras coisas. Todas elas fundamentalmente ligadas e dependentes do corpo. O único sentido objetivo para a distinção entre corpo e alma, segundo o autor, é “a evidente diferença entre a minha imagem interna de mim mesmo – que eu sinto; e a imagem externa de mim mesmo, a que eu posso ver em um espelho ou em um filme, e que é exatamente como o outro me vê” (GAIARSA, 1995, p.20).

    Se diversos estudos apontam a não separação entre corpo e alma, por que ainda negamos o corpo? Gaiarsa (1995) tenta demonstrar, através da história, os motivos que levam a essa negação. Evidenciando o corpo, na história da humanidade, sempre como algo errado, pecaminoso, podre, grosseiro, inferior e subversivo. O autor relembra os grandes massacres ocorridos nos campos de batalha nas guerras, do corpo escravo de si mesmo, da proibição social do corpo em sentir prazer, ou seja, a luta permanente entre os desejos sexuais “do corpo” e as exigências de uma presumível “boa educação”.

    O objetivo deste artigo é levantar discussões sobre os corpos na sociedade contemporânea. Para isso se faz necessário resgatar o corpo em determinados períodos históricos.

    Entendemos o corpo como sendo construído de maneira histórica e culturalmente. Logo, retomar a história do corpo se faz necessário para entendermos o corpo contemporâneo. É preciso desnaturalizá-lo, demonstrando os diversos discursos que foram e alguns que ainda são transmitidos e reforçados socialmente.

    Tanto no período em que o Brasil foi administrado como colônia quanto no período onde a administração foi imperial, Anzai (2000) salienta que por razões religiosas e pela existência da escravidão, onde os esforços físicos eram relacionados às atividades realizadas pelos escravos, não havia incentivo para as atividades ligadas ao cultivo do corpo. Além disso, os padrões de beleza da época eram diferenciados dos que conhecemos hoje. As mulheres deveriam ter a pele branquíssima e o corpo avantajado, rechonchudo. Mais do que estar bela, o alcance desses quesitos, principalmente pelas mulheres, demonstrava que elas pertenciam a classes sociais mais altas¹.

    O autor lembra que hoje ainda vivemos reféns de padrões pré-estabelecidos, em uma espécie de ditadura da estética corporal. Porém, no mundo contemporâneo, essa lógica se inverteu, os gordos são praticamente obrigados a sentir culpa de sua aparência, não pelo fato da gordura não ser benéfica, mas porque esta culpa se faz necessária para beneficiar uma indústria que se aproveita desta insegurança (ANZAI, 2000).

    É importante estarmos cientes de que a construção social do corpo acontece de maneira coletiva e individual. Nem a cultura é um ente abstrato que nos comanda, nem somos puramente receptores passivos que ficamos a esperar as diferentes ações que sobre nós se operam. Reagimos a elas e muitas vezes aceitamos porque a cultura se mostra um campo político como o corpo, sendo assim, designa uma unidade biopolítica. Isso nos leva a pensar o corpo como algo que se produz levando em consideração a história, isto é, o nosso corpo só pode ser resultado do nosso tempo (GOELLNER, 2010).

    Por ser resultado do nosso tempo, cada corpo trás consigo memórias geradas por tudo que foi por ele vivenciado. Neto (1996) fala que são através das experiências e dos diferentes momentos da vida que vão se construindo e se reconstruindo o corpo. Navas (2008) ressalta que o corpo é lugar de lembranças e esquecimentos, um locus de memória, recheado de informações que nele se fixam. Envolto de composições que vão da absoluta originalidade até o deja-vu mais estratificado.

    O grande filósofo e historiador Foucault (1977) evidencia o resultado de processos disciplinares realizados por instituições (escolas, quartéis, igrejas e fábricas) nos séculos XVIII e XIX, atingindo seu auge no início do século XX. Por serem espaços disciplinares, produzem corpos disciplinados, corpos dóceis, com o objetivo de torná-los mais obedientes e mais úteis para o Estado. Estas técnicas, inseridas na sociedade disciplinar, tinham como objetivo submeter os indivíduos a um conjunto de dispositivos de saber-poder, baseados na normalização de comportamentos e na vigilância.

    Já Deleuze (1992) explora a transição da sociedade disciplinar para a sociedade de controle, apontando possíveis aspectos de distinção entre estas duas sociedades. O autor diz que estamos entrando em sociedades de controle, ou seja, as sociedades já não são exatamente disciplinares. Visto que o autor nos faz perceber a existência de uma crise nas instituições que regem a sociedade disciplinar (escolas, quartéis, igrejas e fábricas).

    Enquanto nas sociedades de disciplina não se parava de recomeçar (da escola se ia para a caserna, da caserna para a fábrica) e as atividades se davam sempre em espaços fechados, nas sociedades de controle os espaços são abertos e nunca se termina nada, a empresa, a formação, a sociedade e, consequentemente, seus serviços e os indivíduos coexistem de uma mesma modulação como que de um (de) formador universal (DELEUZE, 1992).

    Principalmente durante esses últimos dois séculos alcançamos avanços sociais, intelectuais e tecnológicos, além da conquista de diversos direitos trabalhistas. Porém, quando pensamos em atitudes sólidas de mudança de comportamento identificamos poucos avanços. O que se percebe hoje é a existência de uma “pseudocrítica social”. Embora os indivíduos tenham a possibilidade de um “livre arbítrio”, eles ainda continuam sendo, vigiados, dominados e modelados.

    Logo, já não estamos mais em um momento de cárcere completo, mas sim de um controle aberto e contínuo. Podemos citar como exemplo o celular, as redes sociais, a invenção do GPS. Pois, mesmo estando fora das fábricas, das escolas e das igrejas, ainda somos pacientes contínuos das vigilâncias.

    A partir disto, principalmente nós professores, temos então o desafio de pensar em atividades que não sejam vistas como adestramento ou pura repetição mecânica. Apesar disso, as pessoas, preocupadas em encontrarem saídas para seus corpos, os quais consideram imperfeitos, entram, então, em uma dura e controlada disciplina corporal “com exercícios feitos mecanicamente, e num rígido regime alimentar, como se tais atitudes pudessem garantir o seu ‘lugar ao sol’, independente de suas condições sociais, intelectuais ou profissionais” (ANZAI, 2000, p. 75).

    Segundo Soares e Fraga (2003) esses

    “corpos jovens, esbeltos, longilíneos, altos, saudáveis, e ativos de hoje são aqueles que há muito tempo encararam a retidão. A aparência externa tornou-se uma prega subjetiva mais profunda, que potencializa o sujeito a exterminar em si mesmo todo o tipo de desvio que o desalinhe física ou moralmente”.

    Sendo assim, percebemos que o corpo é o local de inscrição dos discursos e representações culturais, que posicionam os sujeitos em lugares sociais específicos, por meio da construção de diferentes “marcas” corporais (LOURO, 2004).

    Essas marcas corporais têm diferentes sentidos em diferentes tempos. De acordo com Goellner (2010) o culto ao corpo tem seu início no final do século XVIII se intensificando no século XIX. Pois é neste período histórico que o corpo adquire relevância nas relações que se estabelecem entre os indivíduos. É neste século, também, que surge a “moral das aparências”, que faz convergir o que se aparenta ser com o que, efetivamente, se é.

    Para exemplificar o caráter transitório, mutável e histórico das relações do corpo e da sociedade, Goellner (2010) cita duas transformações sociais que ocorreram no século XIX: o banho e a intensa prática de atividades físicas, em especial a ginástica.

    A autora afirma que o banho nem sempre esteve ligado à ideia de limpeza e higienização do corpo. Na Idade Média, o banho estava ligado às atividades festivas, aos prazeres corporais, a excitação sexual, ao erotismo. A população apenas banhava-se nas partes visíveis, como no rosto e nas mãos. Pois se acreditava que pelo fato da pele ser uma superfície porosa o banho permitiria a penetração de vírus e agentes malignos ao organismo mais facilmente.

    Foi no período da Revolução Industrial que a ideia de corpo como máquina se potencializou. A atividade física, principalmente a ginástica, passou a ser realizada visando fortalecimento corporal. Porém, de acordo com a autora, a ginástica neste período compreendia diversas práticas corporais, tais como exercícios militares de preparação para a guerra, acrobacias, danças, cantos, corridas, lutas, marchas. Importava-se com a formação do caráter, potencializando a energia individual, aumentando a força, a resistência e a agilidade. Enfim, o treinamento era pautado para a lógica do rendimento, da produtividade (GOELLNER, 2010).

    “A Milícia integralista (...) tinha como objetivo a formação do soldado integral. Essa formação prescindia de uma educação moral e corporal, afinal é no corpo que se inscreve a história pessoal de cada um e, também, de seu tempo” (SIMÕES e GOELLNER, 2012, p. 331).

    É impossível negar que o corpo contemporâneo incorporou muito dos valores construídos naquela época. Logo, no contexto atual Pelegrini (2004) diz que a insatisfação com o corpo resultou na incorporação social da prática do exercício físico com fins estéticos.

    “As representações de beleza, saúde, doença, vida, juventude, virilidade, entre outras, não deixaram de existir, apenas transmudaram-se, incorporaram outros contornos, produziram outros corpos. Corpos que, simultaneamente, mantém vínculos com o passado e carregam em si potencialidades do futuro” (GOELLNER, 2010, p. 38).

    Atualmente, passamos por um período onde a imagem corporal é demasiadamente valorizada. A busca pelo corpo canônico² se tornou uma ideia fixa na contemporaneidade. Pois, de acordo com Florentino e Florentino (2007) as questões da imagem corporal têm representado a aceitação ou não do indivíduo em todas as esferas (social, cultural, política e econômica) da sua interação, seja no trabalho ou nas relações pessoais, podendo o corpo tornar-se, inclusive, fator de discriminação e exclusão social, caso o indivíduo esteja fora dos limites estabelecidos pelos padrões vigentes em nossa sociedade.

    Esses fatores podem levar a busca descontrolada ao referido corpo canônico, podendo acarretar até mesmo doenças. É possível notar isso com o crescente número de casos de bulimia e anorexia e a evolução da medicina estética, resultando em um aumento excessivo de realizações de cirurgias plásticas. Podemos citar como outros exemplos de reconstruções de corpos, os tatuadores e as tatuadoras, os e as fisiculturistas, os e as modelos. As mudanças ocorridas nesses corpos se referem a ideologias, modas ou crenças. E todos esses modelos e padrões de corpos são fortemente veiculados pelas mídias.

    De acordo com Pelegrini (2004), a superexposição de modelos corporais nos meios de comunicação contribuiu para a divulgação de uma ótica corpórea estereotipada e determinada pelas relações de mercado. Logo, o corpo é um objeto de reconstrução cultural e social. A mídia contemporânea veicula somente corpos que se encaixam em um padrão estético “aceitável”, mediado pelos interesses da indústria de consumo. Modelos corporais são evidenciados como indicativo de beleza, em todos os formatos de mídia. Esse conjunto de fatores acabou por criar no imaginário social uma ligação entre “corpo ideal” e sucesso.

    Além disso, Anzai (2000) corrobora dizendo que a mídia, ao anunciar produtos referentes à beleza estética, reforça os sistemas hierárquicos de valores, tornando a beleza o ponto alto desta hierarquia, o que pode acarretar em uma busca descontrolada à ascensão social, profissional ou mesmo afetiva, motivada exageradamente à aparência física de seus corpos.

    Garcia (2004) ressalta que mais do que mensagens apelativas, o corpo, na mídia, ressalta-se como um estímulo ao “sucesso”, a “fama” – um projeto de corpo em evidência, na moda.

    “A imagem do corpo contemporâneo impregna-se de (de/trans)formações biotecnológicas e socioculturais. O corpo toma um lugar de tamanha importância no nosso cotidiano, e por isso é o centro do debate com suas alterações artificiais de próteses, exercícios de musculação e tratamentos estéticos para homens e mulheres. A ordem da aparência investe em enunciados capazes de agilizar a imagem corporal, que a publicidade tanto preza em divulgar como um brinde promocional, isto é, projeta-se o corpo como algo a mais (um plus) do anúncio (GARCIA, 2004, p. 200).

    Santin (1993) indica que grande parte dos programas televisivos são responsáveis pelo convencimento da opinião pública sobre a utilização do corpo. As propagandas ideológicas são os principais meios para definir os comportamentos dos corpos.

    Adorno e Horkheimer (1985) corroboram trazendo o conceito de Indústria Cultural. Os autores dizem que a indústria cultural possui padrões que se repetem com a intenção de formar uma estética ou percepção comum voltada ao consumismo. No entanto, os autores destacam a necessidade de perceber que “o consumidor não é, como a indústria cultural gostaria de fazer acreditar, o soberano, o sujeito desta indústria cultural, mas antes o seu objeto” (ADORNO, 1963, p. 1) Sendo assim,

    “o efeito global da indústria cultural é o de um anti-iluminismo [...] torna-se engano das massas, meio para sujeitar as consciências. Impede a formação dos indivíduos autônomos, independentes, capazes de julgar e se decidir conscientemente. Pois bem, estes seriam os pressupostos de uma sociedade democrática que somente indivíduos emancipados podem manter e desenvolver. Se engana as massas, se pelo alto se as insulta como tal, a responsabilidade não cabe por último à indústria cultural; é a indústria cultural que despreza as massas e as impede da emancipação pela qual os indivíduos seriam maduros como permitem as forças produtivas da época” (ADORNO, 1963, p. 1).

    Segundo Romanelli e Bedani (2009), a Indústria Cultural faz com que o corpo seja tratado como escravo. Os indivíduos precisam utilizar grande parte do seu tempo para se dedicar a incorporar formas impostas. Para esses autores,

    “o corpo em que pulsa a vida, e que poderia associar amor e prazer, dá lugar a um corpo que, embora “sarado”, encontra-se limitado, em seu potencial criativo e transformador. Ao se distanciar das reais necessidades do corpo, alienando-se, assim, das possibilidades expressivas e intelectivas que uma corporalidade menos formatada poderia oferecer, o indivíduo corre o risco de ficar exclusivamente à mercê dos valores e práticas difundidos e legitimados pela indústria cultural” (ROMANELLI e BEDANI, 2009, p.47-48).

    É importante salientar que a indústria cultural atinge a sociedade como um todo, portanto este apelo ao corpo perfeito não é particularidade das mulheres, visto que o público masculino vem sendo cada vez mais atingido pelas propagandas que vinculam a imagem de homens com músculos bem definidos, jovens e bem vestidos. Há muitos casos, também, de propagandas explorarem o seminu. Nestas, de uma maneira um pouco mais explícita vem se construindo e ditando uma norma de corpo belo, um “exemplo” para outros corpos, cuja constatação reforça estereótipos e estigmatizações que não dão espaço para outras possibilidades discursivas.

    Conforme Fontes (2009) o corpo canônico da industrial cultural e da comunicação de massa é em sua essência, além de tudo isso que explanamos até aqui, “a negação dos efeitos do tempo e da depreciação causada pelos agentes cronológicos na anatomia do corpo” (FONTES, 2009, p. 83).

    Por outro lado, temos o conceito de corpo dissonante, o qual é trazido pela mesma autora. Segundo ela o corpo dissonante é o oposto do corpo canônico, pois é aquele que não adere aos artifícios de reformulação e adequação da aparência. Fontes (2009) ressalta, ainda, que o corpo dissonante tende a despertar reações de estranhamento e até mesmo de repulsa. E ainda complementa dizendo que ele é “sistematicamente mantido fora da pauta de discursos e imagens da cultura de massa, o corpo dissonante é um corpo ausente dos discursos culturais” (FONTES, 2009, p. 86).

Notas

  1. Soares e Fraga (2003) também trazem contribuições a este respeito, apresentando algumas considerações sobre os corpos contemporâneos alinhados, lisos e esbeltos. Os autores trazem exemplos da história do corpo para explicar a atual obsessão por esses ideais de beleza.

  2. Fontes (2009, p. 82) conceitua corpo canônico como “a determinação da corporeidade físico-anatômica predominante na cena sociocultural contemporânea e corresponde a um modelo de construção da identidade e da imagem próprio das últimas décadas do século XX”. O corpo canônico é sinônimo do modelo corporal, marcado pelo culto a chamada boa forma, o corpo estandartizado onipresente nos meios de comunicação de massa. A autora ainda afirma que “a ideia de corpo canônico não equivale, necessariamente, à beleza física. O corpo idealizado, configurado conforme os parâmetros que podemos considerar como de boa forma é, antes de ser um corpo bonito, um corpo reconstruído a partir de um conjunto de discursos, práticas e procedimentos de várias naturezas que visam torná-lo culturalmente adequado, capaz de atender às exigências de uma corporeidade supostamente considerada ideal” (p. 84).

Referências

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  • GARCIA, Wilton. O corpo contemporâneo: a imagem do metrossexual no Brasil. In: Mneme - Revista de Humanidades. V. 05. N. 11, jul./set. de 2004. – Semestral. Disponível em: Acessado em: 11 de outubro de 2013.

  • GOELLNER, Silvana Vilodre. A produção social do corpo. In: LOURO, Guacira Lopes; FELIPE, Jane; GOELLNER, Silvana Vilodre (org.). Corpo, Gênero e Sexualidade: Um debate contemporâneo na Educação. 6ª edição. Editora Vozes, 2010.

  • LOURO, Guacira Lopes. Um corpo estranho: Ensaios sobre sexualidade e teoria queer. 1. ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2004.

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  • ROMANELLI, Nancy; BEDANI, Ailton. O engodo do corpo perfeito: alguns apontamentos inspirados nas ideias de Adorno e Horkheimer. In: Verinotio revista on-line de educação e ciências humanas. n. 10, Ano V, out./2009.

  • SANTIN, Silvino. Educação Física: outros caminhos. Editora: EST/ESEF/UFRGS, 2ª edição, 1993.

  • SIMÕES, Renata Duarte; GOELLNER, Silvana Vilodre. A educação do corpo para o “soldado integral”, “forte de físico, culto de cérebro e grande de alma”. Motriz, Rio Claro, v.18 n.2, p.327-337, abr./jun. 2012.

  • SOARES, Carmen Lúcia; FRAGA, Alex Branco. Pedagogia dos corpos retos: das morfologias disformes às carnes humanas alinhadas. In: Pro-Posição, v. 14, n. 2 (41), maio/ago. 2003.

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