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O mercado municipal de Montes Claros: um olhar da psicossociologia

El mercado municipal de Montes Claros: una mirada desde la psicosociología

 

Acadêmicas de Psicologia da Faculdade de Saúde Ibituruna, FASI

Montes Claros, MG

(Brasil)

Caroline da Silva Santos

Míriam Lena Silva Freitas

Franciana Cristina de Souza

Sara de Barros Lima Feres

Paula Ramone Oliveira

carolinesantosll@yahoo.com.br

 

 

 

 

Resumo

          O Mercado Municipal de Montes Claros é uma instituição freqüentada diariamente por um grande número pessoas. Trata-se de um local muito conhecido na cidade e rico de experiências, de relações sociais, economia, memórias e vivências Esse estudo tem como objetivo analisar a instituição através da teoria Psicossociológica, para isso foram utilizadas observações no local e entrevistas semi estruturadas com três vendedores. Foi constatado que mesmo diante do crescimento e evolução da cidade, o Mercado é um espaço onde se encontra preservada um pouco da história e cultura da região

          Unitermos: Psicossociologia. Mercado. Cultura.

 

Abstract

          The Municipal Market of Montes Claros is an institution frequented daily by many people. It is a place well known in town and rich experiences, social relations, economics, memories and experiences of this study is to analyze the institution through psychological theory, were used for this site observations and semi-structured interviews with three sellers. It was found that even with the growth and evolution of the city, the Market is a space where preserved a bit of the history and culture of the region

          Keywords: Social psychology. Marketing. Culture.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 18, Nº 190, Marzo de 2014. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    O presente trabalho tem por objetivo apresentar uma análise psicossociológica do Mercado Municipal de Montes Claros, que se iniciou como prática da disciplina “Intervenções Psicossociológicas” do curso de Psicologia da Faculdade de Saúde Ibituruna em Montes Claros.

    De acordo com Neves (1999) o profissional psicólogo, ao demarcar sua área de trabalho, deve ter clareza de que a instituição não é uma abstração, ela existe pelos membros que a compõem. Pensar em alterações que envolvam questionar a estrutura da instituição implica em lidar com os vínculos desenvolvidos com a mesma e cabe ao psicólogo conquistar o respeito e a confiança dos integrantes para que interfira na cadeia de vínculos estabelecidos. Segundo Pichon-Rivière (1980 apud NEVES, 1999), o vínculo se expressa nos dois campos psicológicos, o interno e o externo, de forma que se integram em um processo que configura uma espiral dialética, havendo uma passagem constante daquilo que está dentro para fora e vice-versa.

    O supracitado destaca que a emergência de um novo paciente, editado e reeditado por personagens diversos, chama-se instituição. É preciso criar um espaço para o exercício da sintetização, dinamização e concomitantemente para a análise crítica das inúmeras obras que dispõem sobre o conceito de instituição e suas implicações sociais, culturais, políticas e psicológicas é tarefa árdua.

    Esse estudo tem como objetivos principais conhecer o Mercado Municipal de Montes Claros, as pessoas que trabalham no local diariamente, a forma de organização, as regras existentes, a cultura, além de entender como é a relação entre os comerciantes e entre os comerciantes e clientes além dos aspectos imaginários e simbólicos presentes nos entrevistados.

História da instituição observada

    O Mercado Municipal de Montes Claros é uma instituição constituída por um local público freqüentado diariamente por muitas pessoas. Caracteriza-se como um espaço rico de experiências, de relações sociais, economia, memórias, vivências, tradições, cultura e da história da região perpetuada em seus produtos e atores socais.

    A cidade de Montes Claros tem em sua história dois principais mercados municipais, o Mercado Velho e o Mercado Novo. No intervalo entre a existência dos dois há o Mercado localizado na Rua Coronel Joaquim Costa com a Rua Belo Horizonte, próximo à Praça de Esportes, no centro da cidade. O Mercado Velho foi fundado no dia dois de setembro de 1899, ele ficou conhecido como o “Mercado da Praça Doutor Carlos”. A planta da construção foi feita pelo engenheiro Frederico Gambra, mas João Froés, o empreiteiro responsável pela execução da obra, achou por bem não utilizar os alicerces conforme descrevia o projeto de engenharia (ODA, 2010).

    “O prédio do Mercado Municipal era do século XIX, estruturado com esteios de aroeira e pé direito muito alto. Na sua fachada destacavam-se as portas altíssimas e a torre do relógio. Ele tinha um sino que batia as horas e as meias-horas, ouvidas em quase toda a cidade. Ao longo das ruas Cel. Antônio dos Anjos e Rui Barbosa estavam os açougues e as lojas que vendiam cereais. Havia, além delas, lojas de roupas e armarinhos, materiais de construção e ferragens. Tinha de tudo no mercado velho. No miolo do prédio ficavam algumas bancas e os bruaqueiros fixos, que funcionavam durante a semana. No sábado, que era o dia de feira, as ruas laterais eram literalmente ocupadas pelos feirantes, ficando, portanto, interrompida para o trânsito de veículos, que, diga-se de passagem, eram poucos. O prédio ocupava a metade do terreno onde hoje está construído o Shopping Popular Mário Ribeiro. Na outra metade ficava um terreno vago que, nos dias de feira, era ocupado pelos animais: burros, cavalos e carros de boi que traziam os feirantes e suas mercadorias; havia até cabritos, bodes e porcos vivos para serem comercializados. (CARVALHO, 2007)

    Após um desabamento que aconteceu no ano de 1985, o Coronel Antônio dos Anjos, figura importante e influente na época, saiu de porta em porta para arrecadar dinheiro e reconstruir o local, em dois dias já tinha a quantia necessária. A obra agora seria executada conforme as instruções do engenheiro. Em dois de setembro de 1889, o Mercado foi realmente inaugurado (ODA, 2010).

    Ainda de acordo o autor, em junho de 1906, no governo de Honorato Alves, foi inaugurada a torre do Mercado. Construída com madeira, tinha um parapeito trabalhado. No seu interior havia uma escada, pelo qual subia um funcionário para dar corda no relógio suíço, que veio do Rio de Janeiro, transportado por carros de bois, e tinha a incumbência de marcar o compasso e a hora na cidade. Ao alto podia-se avistar a rosa-dos-ventos, feita de metal, com os pontos cardeais, norte, sul, leste e oeste. Após meio século de trabalho o relógio foi retirado da torre. Depois foi a sua vez de ser demolida. Para o historiador Haroldo Lívio de Oliveira, o ato correspondia a um sinal da modernização no aspecto urbanístico da cidade.

    O Mercado Velho foi demolido no ano de 1967, na gestão do prefeito Antônio Lafetá Rabello. Após a demolição, o local foi transformado em um estacionamento de veículos conhecido popularmente como “Praça do Cimentão”. Antônio Lafetá Rabello construiu então outro Mercado, na Rua Coronel Joaquim Costa com a Rua Belo Horizonte, que depois foi desativado no governo do prefeito Luiz Tadeu Leite, no ano de 1983. Os feirantes foram transferidos para outro local, o Mercado Cristo Raeff, também conhecido como Mercado Novo, que após alguns anos ativo, foi oficialmente inaugurado em 1992 (ODA, 2010).

    A autora destaca ainda que a justificativa para a construção do Mercado Novo estava centrada na melhoria de estrutura e condições de trabalho para os feirantes, que trabalhavam em espaços pequenos e apertados, alguns inclusive vendiam seus produtos na rua. Segundo dados de 2010 havia 250 boxes e 200 bancas no local. Neste ano, entre segunda e quinta-feira, um movimento de mais de três mil pessoas, a partir da sexta, cerca de cinco mil pessoas circulavam pelo local

A psicossociologia

    A psicossociologia é uma vertente da Psicologia Social, que enfoca os grupos, organizações e comunidades em situações cotidianas, utilizando para esse fim a metodologia da pesquisa-ação. Com base em seus estudos, são produzidas explicações sobre a criação e evolução do vínculo entre os indivíduos, e também sobre a dinâmica social e seus processos de mudança (ENRIQUEZ, 1994)

    Os teóricos e práticos que privilegiam a denominação sociologia clínica traçam a origem da Psicossociologia na Escola de Chicago do início do século XX, quando ocorreram as primeiras experiências de “cidade como laboratório” (PENEFF, 1990 apud MACHADO, 2010) e onde se discutiu o estatuto científico da ciência aplicada, produzida em situação natural de vida real, versus ciência pura, feita no ambiente artificial e controlado do laboratório (MACHADO, 2010).

    Outros privilegiam como acontecimento fundador a pesquisa-ação de Kurt Lewin (1948 apud MACHADO, 2010) e seus discípulos, que elaboraram, nos Estados Unidos, um dispositivo de “engenharia social” (LEWIN, 1948 apud MACHADO, 2010), em que se buscou, de um lado, solucionar problemas sociais de minorias, comunidades, escolas, sindicatos patronais, sindicatos de trabalhadores e órgãos do Poder Público, por meio de procedimentos de mudança planejada de condutas e atitudes individuais e, de outro lado, produzir conhecimento, buscando as leis gerais da vida social, usando como método o experimento de campo (MACHADO, 2010). Ainda de acordo com o autor, na França, a intervenção Psicossociológica continuou a se desenvolver, em um trabalho coletivo, com posteriores desdobramentos na Itália, Canadá, Rússia e Brasil, entre outros países. Entre os primeiros teóricos e práticos estão Max Pagès, Jean-Claude Rouchy, André Lévy, Eugène Enriquez e Jean Dubost.

    Segundo o supracitado, nos anos 60 (séc. XX), a intervenção psicossociológica recebe uma influência de origem brasileira de grande importância para sua elaboração teórico-metodológica: a pesquisa participante de Paulo Freire abre possibilidades para o trabalho em meios abertos: como comunidades e populações que passam a ser vistas como protagonistas da prática e agentes de mudança.

    Machado (2010) ainda ressalta a importância atribuída ao discurso e à linguagem que ganhou cada vez mais espaço na Psicossociologia. Segundo Lévy (2001, apud MACHADO, 2010) a partir de uma multiplicação de pesquisas utilizando a análise de discursos coletivos e a análise de interações lingüísticas, inicialmente “com objetivos unicamente descritivos e de pesquisa”, a linguagem, cada vez mais, passa a ser vista “como lugar de produção e de transformação de estruturas e de relações sociais”, convergindo com a intervenção psicossociológica, ajudando a esclarecer processos de intervenção, fornecendo conceitos e métodos novos de análise.

    O trabalho da psicossociologia será sobre as resistências, que também podem ser o lugar da mudança. É um trabalho de análise nos níveis organizacional e grupal que busca mudanças não apenas nas estruturas, mas igualmente nos hábitos, atitudes, mentalidades e nos processos psíquicos. O material sobre o qual se fará o trabalho de intervenção psicossociológica são as palavras, as representações, as condutas, enquanto efeito de processos inconscientes e intersubjetivos que revelam a organização como espaço de confronto entre sentimentos e fantasias polares, como a angústia e a alegria, os temores de desmembramento e os desejos de onipotência, a identidade individual e coletiva (ENRIQUEZ, 1997 apud AZEVEDO, et. al. 2010).

Metodologia

    A metodologia utilizada para a realização do presente trabalho consistiu de duas observações realizadas no Mercado Municipal de Montes Claros em dias e horários diferentes. Foram realizadas entrevistas semi estruturadas com três comerciantes que trabalham no local. Utilizou-se também de pesquisas em acervos virtuais sobre a história da instituição e sobre a teoria da Psicossociologia.

O mercado em análise

    A avaliação dos resultados da intervenção psicossociológica implica considerar o alto grau de incerteza e ambigüidade dos processos sociais, bem como a impossibilidade de se garantir controle sobre os processos de intervenção. Nesse sentido, "é inevitável que as intervenções tenham resultados ambíguos que podem ser interpretados de maneira muito diferentes, segundo o molde de análise utilizado. Nós queremos determinadas coisas e damos origem a outras. O social é feito assim" (ENRIQUEZ, 1997).

    Segundo Boterf (1984 apud NEVES, 1999), o pesquisador deve se colocar como um diapasão dos pesquisados, "deve partilhar o seu cotidiano, a sua utilização do tempo e do espaço; ouvir, em vez de tomar notas ou fazer registros; ver e observar em vez de filmar; sentir, tocar em vez de estudar; viver junto em vez de visitar".

    Conforme foi observado na análise da história do Mercado Municipal, ele foi evoluindo e se modificando, conforme a cidade também crescia e mudava. A instituição faz parte da cultura da cidade, vai além da simples venda de produtos, tem um significado para as pessoas que ali trabalham e para os seus clientes.

    O lugar da memória é muito mais que o espaço geográfico, aquele território definido, com fronteiras delimitadas e claras. O espaço que se aborda nesse estudo é aquele em que as pessoas têm sentimentos, ou se identificam com ele. Ele faz parte da sua vida como trabalho, diversão, estudo, enfim, torna-se referência de vivências. (WILLIAMS, 1989 apud REIS)

    De acordo com as observações, os produtos comercializados representam um pouco da cultura e tradições da cidade. São várias bancas com produtos artesanais, bonecas, chapéus, produtos feitos de barro, objetos decorativos que lembram a vida rural, como bichos e berrantes. Além disso, estão presentes toalhas bordadas, enfeites feitos de madeira etc.

    Foi visto também que são comercializadas diversas mercadorias originadas na região, são vendidas em grandes quantidades e em muitas barracas alimentos como queijos, doces de fabricação caseira, como o doce de leite, rapaduras, além de farinha de mandioca, pimentas etc. Existem também na Instituição outros vários produtos feitos pelos próprios vendedores como temperos diversos e corantes. É vendida também uma grande variedade de frutas típicas, além de hortaliças, ervas, carnes e bebidas.

    Em relação à organização física concluiu-se através das observações que o local é dividido por setores de acordo com o que é comercializado. Tem um setor onde há principalmente açougues. Em outro lado estão presentes produtos artesanais, próximo deles estão os temperos e alguns bares. Na parte superior existem principalmente bares e algumas lojas de roupas, Na parte externa são vendidas frutas, verduras, flores, além de animais vivos, como galinhas e patos.

    Nota-se também a grande quantidade de pequis - principalmente em conserva ou congelados, já que não está na época de sua colheita- e seus derivados como óleo, licor e a polpa do fruto. O pequi é um fruto típico e símbolo da cidade encontrado em grandes quantidades e muito apreciado na região, está presente em diversos pratos tradicionais da cidade. É um produto indispensável na culinária local. Há 23 anos Montes Claros tem a festa do Pequi que acontece no final do ano, geralmente entre novembro e dezembro onde há apresentações musicais, exposições de fotografias e pratos que contém o fruto. Como se pôde observar, parte das tradições da cidade e região, seus alimentos típicos, suas tradições, suas lembranças estão presentes no Mercado Municipal.

    Em relação à movimentação de clientes foi constatado pelas observações que na quinta feira de manhã o fluxo de pessoas é bem reduzido. Já no sábado à tarde o movimento é bem mais intenso, tem muito mais clientes, os bares estão bem agitados, com música, pessoas cantando e dançando. De acordo com uma vendedora, a partir de sexta feira o movimento começa a aumentar, o sábado é o dia que mais vende, o dia da semana que tem mais clientes, no domingo de manhã também tem muita gente. Percebe-se também que no sábado há um número maior de vendedores na parte externa do mercado.

    Foi possível perceber através das entrevistas que as pessoas gostam de trabalhar no local, o mercado não é utilizado de forma mecânica para compra e venda de produtos, as pessoas entrevistadas mostram uma relação afetiva com o lugar. De acordo com o relato de JGP um vendedor de queijos, temperos e sementes: "Eu gosto muito de ser comerciante do mercado, não sei fazer outra coisa." Disse ainda: “Tudo aqui é bom, não tem nada que eu não gosto”. Outra comerciante, a senhora AFS, vendedora de temperos e hortaliças relatou: "Eu amo trabalhar aqui, é daqui que vivo, tiro meu sustento e é só o que eu sei fazer né? cresci aqui. Criei meus filhos, construí minha casa, tudo com o que ganho aqui."

    Notou-se que os entrevistados gostam de trabalhar no local e o fazem há bastante tempo, o mercado tem um sentido para eles, é da instituição que tiram seu sustento e os bens que conseguiram foi através do trabalho no mercado. “Eu estou aqui no mercado desde o dia que inaugurou, há mais ou menos 24 anos, trabalhava no mercado lá em cima, esse que agora é aqui, no inicio era muito parado quase não vendia, o movimento era pouco e foi crescendo, aí foi melhorando a estrutura que antes as barracas eram de taboas, não tinha cobertura (B.S.F.)”.

    De acordo com o que foi observado e com os relatos dos entrevistados, há uma relação de proximidade entre os vendedores. As acadêmicas perceberam, por exemplo, que quando um cliente não encontra a mercadoria que está a procura, o vendedor indica para ele onde vai encontrar, quem vende, como chegar à sua barraca etc. Foi visto também que algumas barracas em certos momentos ficam vazias, sem nenhum comerciante responsável por ela, quando se aproxima algum cliente, outro vendedor que está próximo tenta ajudar, pede para o cliente aguardar um pouco ou chama o dono da barraca. Há certa cumplicidade entre os feirantes, uma relação de cooperação entre eles. "A relação com os outros comerciantes é muito boa, tenho muitos amigos é uma família aqui, um olha o outro (J.G..P.). "Converso com quase todo mundo, é assim: o dia que a gente tá boa
é bom, as vezes não estamos boa aí é ruim
( A.F.S.)." “Gosto de meu trabalho, dos meus colegas, de tudo (B.S.F.)” Em relação aos demais feirantes ele completou: “Gosto demais deles, é um povo bom, tudo gente boa (B.S.F.)”

    Segundo os dados colhidos, os vendedores entrevistados trabalham há bastante tempo no mercado trazem consigo parte da história da instituição e alguns seguem uma tradição familiar de trabalho no local, vendendo os mesmos produtos. "Eu já trabalhava no outro mercado, Sempre vendi queijos, quando mudou para esse eu vim junto, estou aqui desde o inicio, têm mais de 30 anos (J.G.P)." "Essa banca era da minha mãe, desde criança eu vinha trabalhar com ela, cresci aqui dentro, têm mais de quarenta anos. Hoje a banca é minha (A.F.S.)."

    Foi observado também que há uma boa relação entre a maioria dos clientes e vendedores, de acordo com as entrevistas, eles conversam e se conhecem. "O que eu mais gosto no mercado é de conversar com o povo, converso com todo mundo, a gente não fica só, toda hora têm uma pessoa pra conversar (JGP)." “Eu gosto de tudo, das coisas que vende, do movimento, tem cliente meu que tem anos que atendo, isso é muito bom, tem gente que vi crescer aqui, os colegas alguns são bons, outros eu não gosto muito. Tinha era que ser um ponto turístico esse mercado, os ônibus de Montes Claros todos tinham que passar por aqui, aí ia aumentar muito o movimento pra nós, ia ficar melhor ainda." Nessa fala, observa-se a importância que a vendedora atribui ao mercado e o que ele é um símbolo da cidade que deveria ser ainda mais visitado. Além disso, notou-se nas observações realizadas que os feirantes não vendem seus produtos somente, alguns deles ensinam os clientes como utilizar, dão idéias de receitas, explicam para que servem por exemplo.

    O imaginário social ao nível das organizações é tido por Enriquez como espaço de articulação das necessidades psíquicas dos indivíduos às necessidades funcionais das organizações. Os sujeitos se ligam à organização por vínculos não apenas materiais, mas, acima de tudo, afetivos e imaginários. As organizações são objeto de transferência, não só espontânea, mas também induzida, mostrando-se capazes de satisfazer as necessidades narcísicas dos indivíduos. Como espaço para o jogo do reconhecimento, as organizações procuram capturar os indivíduos em seus próprios desejos de afirmação narcísica e de identificação. Os processos de identificação, base para os processos de adesão/laço social, permitem ao sujeito o sentimento de inclusão no mundo (AZEVEDO, 2010)

    Em relação ao imaginário dos comerciantes, foi percebido que eles acreditam que não há regras no local que eles são mais ‘livres’ pra fazerem o que quiserem, tem autonomia para fazer seus próprios horários, vender os seus produtos como desejarem, que não estão sendo fiscalizados ou vigiados por ‘superiores’ e que trabalham em um ambiente menos formal "Não tenho horário certo não, mas trabalho de sábado a sábado. Vou embora na hora que quero, depende do movimento, sexta e sábado têm mais movimento. Abro as 6:00 hs e não tem hora de fechar (J.G.P). " "Aqui não tem regras não, só têm os guardas aqui que vêm e abre e fecha (J.G.P)" O comerciante disse também: “Trabalho todos os dias, têm dia que chego mais cedo, outros mais tarde, também não tem hora pra sair. No domingo fecho ao meio dia, sábado e sexta são os dias de maior movimento. Quando não tem movimento posso fechar a banca e ir embora (A.F.S.)." A vendedora ainda completou: "Aqui não tem regras não, cada um cuida do seu espaço, só os guardas que abrem e fecha, mais o resto somos nós mesmos que cuidamos (A.F.S.)" Somente um dos entrevistados relatou que as regras estão implícitas e que são respeitadas mesmo não sendo faladas claramente, disse ainda que há pessoas responsáveis pelas regras e por verificar seu comprimento “O mercado tem regras de horário pra abrir e fechar, todo mundo já sabe a hora e cumpre, quem faz as ordens é o gerente lá em cima, mais eu não sei o nome todo ano muda, e tem os fiscais que ficam rodando e corrige os erros que tem (B.S.F.)”.

    Ainda sobre o imaginário existente na instituição, o mercado possui um valor sentimental para os comerciantes em parte devido o tempo que trabalham no local "Eu já trabalhava no outro mercado, Sempre vendi queijos, quando mudou para esse eu vim junto, estou aqui desde o inicio, têm mais de 30 anos (J.G.P), esse conteúdo afetivo também está relacionado com as tradições que estão preservando, a continuação do ofício da família "Essa banca era da minha mãe, desde criança eu vinha trabalhar com ela, cresci aqui dentro, têm mais de quarenta anos. Hoje a banca é minha (A.F.S.)”. Outro ponto importante observado é a relação com os demais comerciantes e clientes “A relação com os outros comerciantes é muito boa, tenho muitos amigos é uma família aqui, um olha o outro. . (J.G.P) ", "Converso com quase todo mundo, é assim: o dia que a gente tá boa é bom, as vezes não estamos boa aí é ruim (A.F.S)." “Gosto de meu trabalho, dos meus colegas, de tudo (B.S.F.)”. A instituição tem um significado de muita importância para os vendedores

    Foi percebido em uma das entrevistas o aspecto imaginário que uma vendedora tem sobre o que as outras pessoas pensam dela e as demais comerciantes do sexo feminino: “Muita gente pensa mal de quem trabalha no mercado, tem preconceito, tem muita gente que fala que as mulheres que trabalham aqui são todas sem vergonha (A.F.S.).”

    O imaginário social/organizacional seria para Enriquez “uma certa maneira de representar para nós aquilo que somos, o que queremos ser, o que queremos fazer em que tipo de sociedade e de organização desejamos intervir ou existir” É um sistema de interpretação, de produção de sentido que surge na interação e encontra-se articulado ao desejo dos sujeitos (AZEVEDO, 2010),

    Para o autor, é essencial considerar a dimensão imaginária pois possibilita a compreensão da complexa dinâmica entre os indivíduos e as organizações, entre os sujeitos e o coletivo, implicando uma outra perspectiva para analisar a cena organizacional, particularmente quando pensamos situações de crise e processos de mudança

    Foi percebido que mesmo diante da cidade em constante progresso, um pouco da sua história, sua cultura, tradições, produtos típicos, materiais feitos artesanalmente, mercadorias que remetem ao interior e a zona rural. Um dos comerciantes relatou: “Me sinto muito bem, é uma coisa que faço desde novo, eu considero esse mercado o maior mercado municipal do Brasil, é um ponto de turismo todos que chegam aqui em Montes Claros vem aqui visitar (B.S.F.).” Pierre Nora acredita que uma das questões significativas da cultura contemporânea situa-se no entrecruzamento entre o respeito ao passado, seja ele, real ou imaginário, e o sentimento de pertencimento a um dado grupo; entre a consciência coletiva e a preocupação com a individualidade ou entre a memória e a identidade. (NORA apud REIS, 2011)

    Diferentemente dos demais vendedores que destacaram apenas os pontos positivos do mercado um dos entrevistados, relatou um aspecto negativo do local, falou do vandalismo e dos furtos que acontecem na instituição. “Não gosto desses maloqueiros que ficam botando fogo em tudo, fazendo fumaça, ladrão, hoje mesmo me roubaram um requeijão de dois quilos pela segunda vez essa semana”.

Considerações finais

    A singularidade e inovação da abordagem psicossociológica para a compreensão e intervenção nas organizações se reflete não só no aporte teórico empregado - particularmente a abordagem psicanalítica para elaboração das relações entre os indivíduos e grupos, e para o enfrentamento dos problemas organizacionais - como na própria forma de conceber a intervenção. A intervenção psicossociológica, tal como concebida por Eugène Enriquez, pode ser caracterizada como um trabalho de favorecimento da descoberta e busca contínua de sentidos - social-histórico, institucional/organizacional, grupal, individual e pulsional - para as interações humanas nas organizações e, simultaneamente, o que é fundamental destacar, de intervenção especializada no campo gerencial (AZEVEDO, 2010)

    De acordo com as observações, verificou-se que o Mercado Municipal é um espaço extremamente rico de memórias, tradições, histórias, lembranças e de pessoas que levam a sua vida de forma simples, que vivem do que é vendido na instituição e que tem uma relação afetiva com o local, com os demais comerciantes e com os clientes que freqüentam o ambiente. Algumas pessoas trabalham há bastante tempo na instituição, outros ainda estão seguindo um ofício da família.

    Notou-se também que as pessoas freqüentam o mercado não somente para fazer compras, mas também para se divertir, conversar etc. "Eu mais gosto no mercado é de conversar com o povo, converso com todo mundo, a gente não fica só, toda hora têm uma pessoa pra conversar (J.G.P)."

    Nesse sentido, o Mercado Municipal de Montes Claros se constitui um ponto de encontro, bem como desperta nos cidadãos montesclarenses o sentimento de lugar e de pertencimento, pois como acontece na maioria das cidades, o mercado é o local onde as pessoas se encontram não apenas para fazer compras, mas para conversar e trocar experiências. (THOMPSON, 1998 apud REIS, 2011)

    Conclui-se também que há um imaginário dos comerciantes locais em relação à existência de regras, ao pensamento das outras pessoas sobre os vendedores, a autonomia relacionada aos horários, produtos comercializados. Além disso, constatou-se que os responsáveis pela instituição e pela criação das regras e normas do local são desconhecidos pela maioria dos vendedores. Enriquez (1997 apud AZEVEDO, et. al. 2010) apresenta uma concepção geral da organização caracterizando-a como um sistema cultural, simbólico e imaginário. Toda organização dispõe de uma estrutura de valores e de normas que condicionam seus membros a certa forma de apreensão do mundo e de orientação de suas condutas. Trata-se de representações sociais historicamente constituídas, resultando na conformação de determinada cultura, que se traduz, por exemplo, "em atribuições de postos, em expectativas de papéis a cumprir, em condutas mais ou menos estabilizadas, em hábitos de pensamento e ação" (ENRIQUEZ, 1997). Tais representações encontram uma correspondência, do ponto de vista psíquico, sobre os sujeitos que compartilham determinadas imagens sobre as organizações das quais fazem parte - um imaginário social, que deve ser mais ou menos interiorizado por seus membros (ENRIQUEZ, 2000, apud AZEVEDO, et. al. 2010).

Referências

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