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Educação Física Escolar e saúde: predomínio da visão reducionista

Educación Física escolar y salud: el predominio de la visión reduccionista

School Physical Education and health: prevalence of reductionist conception

 


*Mestre em Ciência de Alimentos e doutoranda em Ciências Biológicas:
Fisiologia na Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, MG
**Especialista em Educação Física Escolar e professora do Estado de Minas Gerais
***Educadora Física, especialista em Educação Física Escolar
Professora da prefeitura Municipal de Belo Horizonte e de Contagem, MG
****Doutorando em Ciências do Esporte e professor substituto na Escola
de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional
da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, MG
*****Oficial do Corpo de Bombeiros Militar de Minas. Belo Horizonte, MG

Tatiana Ramos Fonseca*
Débora Cavalcanti de Menezes**
Flávia Patente de Souza Mendonça***
Christian Emmanuel Torres Cabido****
Daniela Cerqueira de Oliveira Sardinha*****

christianemmanuel@gmail.com

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          Esse trabalho teve como objetivo investigar quais as concepções de saúde presentes no discurso dos professores de Educação Física Escolar do Ensino Médio. Foram pesquisados 11 professores (9 homens e 2 mulheres; faixa etária entre 34 e 56 anos), os quais responderam a um questionário composto por perguntas abertas e fechadas, aplicados a um professor em cada uma das escolas participantes. Os dados coletados foram analisados qualitativamente por meio da análise de conteúdo e quantitativamente por meio da análise estatística descritiva, utilizada como complemento. Foi possível constatar que a visão restrita, com foco no indivíduo e na dimensão biológica, predominou no discurso dos professores como concepção de saúde. Conseqüentemente, ocorre o reflexo dessa concepção nos conteúdos das aulas de Educação Física Escolar.

          Unitermos: Saúde escolar. Educação Física. Educação em saúde.

 

Resumen

          Este estudio tuvo como objetivo investigar las concepciones de salud dentro del discurso de los profesores de Educación Física de la Escuela Media. Se encuestó a 11 profesores (9 hombres y 2 mujeres, con edades entre 34 y 56 años) que respondieron a un cuestionario compuesto por preguntas abiertas y cerradas aplicados a un profesor en cada una de las escuelas participantes. Los datos recogidos se analizaron cualitativamente mediante análisis de contenido y el uso de análisis estadístico descriptivo, utilizado como un complemento cuantitativo. Se pudo constatar que una visión limitada, centrada en el individuo y en la dimensión biológica, predominó en el discurso de los docentes como concepción de la salud. En consecuencia, se produce el reflejo de esta concepción en los contenidos de las clases de Educación Física escolar.

          Palabras clave: Salud Escolar. Educación Física. Educación en salud.

 

Abstract

          This study aimed to investigate the health concepts within the discourse of the teachers of Physical Education for Secondary Education. We surveyed 11 teachers (9 men and 2 women, aged between 34 and 56 years) who answered to a questionnaire composed of open and closed questions applied to a teacher in each of the participating schools. The collected data were analyzed qualitatively using content analysis and descriptive quantitative analysis, used to supplement qualitative research. It was established that the narrow view, focusing on the individual and biological dimension, dominated the discourse of teachers as the concept of health. Consequently, there is a reflection on the contents of this conception on physical education classes.

          Keywords: School health. Physical Education. Health education.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 18, Nº 190, Marzo de 2014. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    A Educação Física teve origem nas concepções naturalistas de homem e corpo. No século XIX, a concepção dominante da Educação Física, estreitamente ligada às instituições militares e à classe médica, era calcada na perspectiva do higienismo, que possuía como preocupação central os hábitos de higiene e saúde, valorizando o desenvolvimento do físico e da moral, a partir do exercício físico (BRASIL, 1997a; DARIDO; RANGEL, 2005). Assim, o objetivo da Educação Física era a conquista de um corpo físico saudável, em equilíbrio orgânico e, por consequência, menos suscetível às doenças, por meio do exercício físico. Dessa forma, a área da Educação Física traz consigo marcas da visão hegemônica que priorizava os conhecimentos advindos das Ciências Biológicas e Naturais (BRASIL, 1997a; DAOLIO, 2001; SOARES, 1994).

    No Brasil, a Educação Física era ensinada com base nos métodos europeus: sueco, alemão e, posteriormente, o francês, os quais se apoiavam em ideologias biológicas (SOARES, 1994). A Educação Física inseriu-se no currículo escolar público de Minas Gerais em 1906 com o intuito de higienizar, disciplinar e corrigir os corpos dos alunos com o objetivo de colocá-los nos moldes “ideais” para a vida cotidiana e profissional (VAGO, 2002). Em meados da década de 30, o pensamento político e intelectual brasileiro da época tinha uma forte preocupação com a eugenia, culminando em uma estrita relação entre os objetivos nacionais e o conteúdo da Educação Física escolar (BRASIL, 1997a; VAGO, 2002).

    Na década de 60, ocorreu a ascensão da valorização dos corpos eficientes, eficazes e produtivos. Tal busca pela eficiência, no contexto escolar, resultou em uma decadência da Ginástica enquanto conteúdo para a disseminação do esporte. A prática esportiva, nesse contexto, era pautada por novos valores como competitividade, rendimento, resultados e eficiência. Sendo idealizados, principalmente, os lucros decorrentes da sua inserção na sociedade, iniciando um ciclo denominado a esportivização da Educação Física (SOUSA et al., 2004).

    Cabe salientar que, a Educação Física foi caracterizada como: “atividade, que, por seus meios, processos e técnicas, desperta, desenvolve e aprimora forças físicas, morais, cívicas, psíquicas e sociais do educando, constituindo um dos fatores básicos da educação nacional”, na legislação federal, através do Decreto n. 69.450- vigente de 1971 a 1996 (BRASIL, 1971).

    A partir da década de 80, iniciou-se uma crise de identidade e no discurso da Educação Física, sendo necessária uma reconstrução da proposta pedagógica. Dessa maneira, houve uma mudança de enfoque e as primeiras produções surgiram apontando o rumo das novas tendências em relação à natureza da área e aos seus objetivos, conteúdos e intenções pedagógicas de ensino e aprendizagem (SOUSA et al., 2004).

    Na atualidade, a tendência das abordagens para a Educação Física escolar no Brasil é decorrente da inter-relação entre diferentes teorias: biológicas, psicológicas, sociológicas e filosóficas, as quais almejam uma Educação Física que articule as múltiplas dimensões do ser humano: biológica, cultural, social, política e afetiva, dentre outras (BRASIL, 1997a; DAOLIO, 2001; PINTO, 2009). Como conseqüência, a Educação Física passou a possuir objetivos mais amplos, não somente em busca de um físico saudável; com conteúdos variados, indo além de exercícios físicos e esportes; e intenções pedagógicas mais humanas, sem finalidade de adestrar o corpo físico (BRASIL, 1997a).

    Nessa perspectiva, a saúde além de ser contextualizada como um conteúdo biológico, no qual era vinculada somente a parte fisiológica do indivíduo (BRASIL, 1997a; DAOLIO, 2001; PINTO, 2009), também, engloba uma concepção que considera as diferentes dimensões do ser humano: biológica, cultural, social, política e psicológica (MIRA, 2003).

    A partir do exposto, podemos concluir que, inicialmente, a saúde na Educação Física significou ausência de doenças e completo bem estar físico-psíquico-social (CARVALHO, 2001; CARVALHO, 2005; PALMA, 2000), sendo essa, uma perspectiva reducionista (PALMA, 2000). Posteriormente, surge a visão ampliada de saúde, a qual engloba diversos aspectos que não estão vinculados somente com a dimensão biológica do corpo físico, mas também com a social, cultural, mental, afetiva, espiritual, psicológica, dentre outras (PINTO, 2009).

    Entretanto, ainda encontramos na sociedade e na própria Educação Física Escolar uma visão estritamente fisiológica de saúde. Nesse sentido, compreender a concepção de saúde presente no discurso dos professores de Educação Física que atuam na área da Educação Física Escolar é fundamental para identificar a importância que eles conferem à saúde em suas propostas pedagógicas e, logo, à intervenção deles no contexto das aulas.

    Desse modo, surgem as seguintes questões: Quais são as concepções dos professores de Educação Física Escolar a respeito do tema “saúde”? E, como é abordado o tema “saúde” nas aulas desses professores (quais conteúdos e recursos pedagógicos utilizados)?

    O presente estudo teve como objetivo identificar quais as concepções de saúde presentes nos discursos dos professores de Educação Física Escolar do Ensino Médio e quais os conteúdos que eles trabalham nesse tema.

Métodos

Participantes da pesquisa

    A amostra foi composta por 11 professores (9 homens e 2 mulheres; faixa etária entre 34 e 56 anos) de Educação Física do Ensino Médio de escolas municipais da cidade de Contagem - MG. No que diz respeito à formação desses professores, cinco possuem formação inicial somente em licenciatura e seis professores contemplam ambas as graduações (licenciatura e bacharelado). Além disso, três possuem especialização e um ainda está cursando.

    Os professores foram selecionados para participar da pesquisa como voluntários, desde que atendessem aos seguintes critérios: a) professores de Educação Física Escolar do Ensino Médio; b) concordar em ser voluntário da pesquisa, ter disponibilidade para participar do estudo, assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) após concordar com as explicações realizadas pelos pesquisadores responsáveis.

Coleta e análise dos dados

    Para a coleta de dados foi utilizado um questionário composto por perguntas abertas e fechadas. Os questionários foram aplicados a um professor em cada uma das escolas participantes. Os dados coletados foram analisados qualitativamente por meio da análise de conteúdo. A análise qualitativa objetiva menos a generalização e mais o aprofundamento e abrangência da compreensão de um grupo social, de uma organização, de uma instituição, de uma política ou de uma representação (MINAYO, 2004). A análise quantitativa descritiva foi utilizada como complemento da pesquisa qualitativa.

Resultados e discussão

    Por meio dos questionários aplicados, chegou-se aos seguintes resultados da guia investigativa. Com relação ao vínculo dos professores com as escolas: dos 11 professores questionados, 100% são efetivos em seus cargos, sendo que a maioria (55%) trabalha há mais de 20 anos nas referidas escolas.

    Desses professores 99% relatam possuir autonomia, pela escola, para modificar/acrescentar/adaptar os conteúdos ministrados nas aulas de Educação Física. Além disso, dois professores destacaram: “sim, aliás a escola nem se preocupa”; “sim, apesar de não ajudar muito com material e estrutura física”, demonstrando que o professor tem autonomia na escola, porém a instituição escolar não tem demonstrado preocupação com o trabalho realizado por eles.

    Com relação ao tema foco do presente estudo, foi constatado que 100% dos entrevistados consideram o tema “saúde” como parte dos conteúdos a serem abordados nas aulas de Educação Física. Além disso, consideram que trabalhar esse tema no Ensino Médio possui o grau de importância variando de muitíssimo significativamente a significativo (Figura 1).

Figura 1. Grau de importância do tema saúde nas aulas de Educação Física para o Ensino Médio

    Considerando que todos os professores julgaram importante trabalhar o tema saúde no Ensino Médio, constatamos que, esses quando perguntados se trabalham o tema saúde nas aulas de Educação Física no Ensino Médio, 100% responderam que já lecionaram alguma aula para o Ensino Médio com conteúdos objetivando especificamente o trato com a saúde.

    Quando questionados de que forma eles se mantêm atualizados em relação ao tema “saúde”, observamos que todos afirmam manter-se atualizados, entretanto, através de diferentes meios como representado na Figura 2.

Figura 2. Formas de atualização dos professores com relação ao tema saúde.

    Por meio do questionário perguntamos aos professores: “Para você, o que significa saúde?” Constatamos que, apesar do conceito do tema saúde ter sido tratado superficialmente pelos participantes do estudo, esses a compreendem como: “qualidade de vida”; “bem estar físico e mental” ou “bem estar físico, psicológico e mental” ou “estar bem, nos aspectos físico, mental e espiritual” ou, apenas “bem-estar físico”; “englobando percentual de gordura dentro da normalidade, flexibilidade...”; “hábito diário em planejar em dividir seu tempo para qualificar sua alimentação, seus estudos, lazer, academia, religião, trabalho, família e outras com tempo e metas”; “é ter disposição tanto para as atividades obrigatórias quanto para o lazer”. Outro conceito relacionado à saúde e aos hábitos: “a pessoa que pratica esportes, alimenta bem, dorme bem etc.”

    Ao analisar as respostas dos professores do presente estudo, observamos a referência à definição da Organização Mundial da Saúde (OMS): "um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença ou enfermidade" (Organização Mundial da Saúde, apud Lewis, 1986, p.1100). Esse conceito remete à concepção de um estado estável de saúde, a qual uma vez atingida ficaria permanente e caracterizada como uma conquista individual: marcada por sua herança genética ou por seu desempenho pessoal. E também, durante o decorrer da sua vida, as pessoas poderão apresentar momentos de saúde e momentos de doença (BRASIL, 1997b).

    Tanto essa definição quanto as demais relatadas pelos professores conduzem a uma visão reducionista de saúde. Uma vez que, nelas a saúde decorre de determinismos biológicos, tendo como “marcador” de saúde a ausência de doenças. Sendo responsabilidade do próprio indivíduo alterar os seus hábitos de saúde e estilos de vida, como realizar exercícios físicos e regime dietético, para obter saúde e permanecer na ausência de doenças (PALMA, 2000). Essa visão decorre do processo histórico, relatado anteriormente, no qual a saúde significava ausência de doença com completo bem estar físico-psíquico-social.

    Entretanto, o conceito de saúde é dinâmico e complexo, uma vez que engloba aspectos objetivos como o físico, biológico e fisiológico, e subjetivos relacionadas ao mental, emocional e espiritual (PINTO, 2009). Desse modo, a visão ampliada de saúde considera o homem como um sujeito sócio-político-cultural e não o único responsável por ter saúde, visto que possui saúde de acordo com as mais diversas possibilidades e condições da vida cotidiana (MINAYO, 2006). Dentre essas, destacamos o meio físico: condições de moradia, água para o consumo, ter acesso aos alimentos e ao transporte, ambos de qualidade; o meio socioeconômico, político e cultural: ter educação formal, lazer, serviços de promoção e recuperação da saúde acessíveis e todos com qualidade, diz respeito, também, aos graus de renda, de liberdade, e ainda, aos hábitos e formas de relacionamento interpessoal; e claro os aspectos biológicos: idade, sexo, características pessoais, herança genética (BRASIL, 1997b; CAMARGO, 1986).

    Consequentemente, a Educação Física, por meio da cultura corporal de movimentos e do próprio corpo do individuo, pode abordar desde os aspectos biofísicos do corpo até a inserção desse em seu contexto político-sócio-cultural e também construir, desconstruir e reconstruir cultura. Portanto, o professor de Educação Física deve ampliar a sua visão reducionista diante do corpo que apresenta mais do que os aspectos dos biológicos (de músculos, ossos, articulações, nervos e células). Visto que, esse corpo traz consigo diferentes construções culturais e corporais entre sociedades, com sua própria bagagem: como gestos, jeito, valores, movimentos e conhecimentos (DAOLIO, 2001; DAOLIO, 2006).

    Por esse motivo, perguntamos aos professores quais foram os conteúdos abordados por esses em suas aulas com o objetivo de trabalhar, especificamente, o tema saúde.

    Os conteúdos citados pelos professores do Ensino Médio dessa pesquisa foram: “esteróides anabólicos, musculação, corridas e marchas, caminhadas ecológicas, doenças cardiovasculares”; “atividade física (mitos e verdades), condicionamento físico, uso de anabolizantes/esteróides”; “benefícios da atividade física regularmente, alimentação balanceada, controle de peso corporal, avaliação física com treinamento mensal com cálculo de freqüência cardíaca, no 3° mês, ficha anamnese, cuidados com a postura, postura no sentar na cadeira”, “Higiene pessoal e ambiental. Prevenção contra as drogas e outros vícios” “Cultural corporal planejada”; “alongamentos, exercícios aeróbicos, freqüência cardíaca”; “obesidade, problemas posturais de colunas, sedentarismo, importância da atividade física para a saúde”; “relação entre atividade física, exercício físico e saúde. Aptidão física, qualidade de vida relacionada à saúde, nutrição”; “sedentarismo, obesidade, uso de drogas, tabagismo, higiene”; “qualidade de vida, saúde, aptidão física”; “Saúde dos trabalhadores (quem tinha plano de saúde) e a política pública de Contagem na saúde. Folder sobre benefícios da caminhada.” Esses conteúdos são “sinônimos” do conceito de saúde em sua visão puramente biológica e como uma conquista individual.

    O exercício físico regular tem sido recomendado na prevenção de doenças. Dentre essas, há evidências que o exercício físico aumenta a sensibilidade à insulina e a tolerância à glicose, reduz a hipertensão arterial, aumenta o colesterol da fração lipoproteína de alta densidade, diminui as concentrações de triacilgliceróis e do colesterol da fração LDL e promove redução do peso corporal e do estresse emocional (SMITH, 2001; BENÍTZ et al., 2002; ENSIGN et al., 2002; THOMPSON et al., 2003). Por essa razão, o sedentarismo aparece como fator de risco para essas doenças. Uma vez que, a inatividade física aumenta o risco de diabetes tipo 2 (TUOMILEHTO et al., 2001), as doenças cardiovasculares (NOCON et al., 2008), câncer de cólon (WOLIN et al., 2009) e câncer de mama pós-menopausa (MONNINKHOF et al., 2007). Além disso, a inatividade física também podem desempenhar um papel no desenvolvimento da demência (ROVIO et al., 2005) e até mesmo depressão (PAFFENBSARGER et al., 1994).

    Realmente, o exercício físico regular proporciona tais efeitos. Entretanto, no que tange a saúde, essa representa como algo maior que a ausência de doença (PALMA et al., 2003). Já existem evidências das relações entre condições sócio-econômicas e estado de saúde (PALMA, 2000; PALMA et al., 2003). Visto que, os exercícios físicos representam mais do que um estímulo biológico e englobam dimensões múltiplas (biológicas, psicológicas, sociais, culturais) (MIRA, 2003).

    Nesse sentido, na proposta curricular, da Secretaria do Estado de Educação de Minas Gerais para o ensino da Educação Física, constam algumas diretrizes que objetivam a formação voltada para a cidadania dos alunos, tais como:

    O Corpo concebido em sua totalidade:

    “...Compreender o corpo como totalidade significa conceber o sujeito a partir da indissociabilidade de suas dimensões biológica, afetiva, cognitiva, histórica, cultural, estética, lúdica, lingüística, dentre outras. Significa compreender que o ser humano é um todo indivisível que pensa, sente e age, simultaneamente.

    Além de conceber o corpo na sua totalidade, é preciso compreender que a forma como os sujeitos lidam com o corpo não é universal, e sim uma construção social resultante de significativos processos históricos. O nosso corpo revela nossa singularidade e caracteriza nosso grupo cultural...” (SOUSA et al., 2004, pg. 18).

    E, ainda, a qualidade de vida como requisito para a vivência corporal plena:

    “...É comum pensar a qualidade de vida apenas na perspectiva da saúde, entendida como ausência de doença. Entretanto, a qualidade de vida, considerada na perspectiva do corpo totalidade, é o estado de bem-estar geral dos sujeitos, em todas as suas dimensões: biológica, psicológica, social, cultural econômica, ambiental, dentre outras...” (SOUSA et al., 2004, pg. 18 e 19).

    Contrastando as respostas dos professores e as diretrizes citadas anteriormente, foi possível verificar que três participantes desse estudo citaram as palavras: “social”, “espiritual”, “psicológica” em suas definições de saúde. Apenas um, desses voluntários, tentou abordá-los em seus conteúdos: “biologicamente – nutrição enquanto qualidade de vida e aumento de rendimento. Combate ao sedentarismo e aumento da performance para o dia-a-dia; Socialmente – a importância da saúde social, trabalho em equipe; Mental – equilíbrio e ser feliz”. Entretanto, nas respostas dos outros dois professores esses aspectos não apareceram nos conteúdos trabalhados por eles em suas aulas.

    Ainda com relação às respostas dos conteúdos, outro professor citou: “cultura corporal planejada”. No entanto, o assunto foi tratado de forma superficial, e ainda, 10 professores apresentaram respostas para os conteúdos, predominantemente voltadas para uma visão restrita de saúde, como: “higiene”, “aptidão física”, “rendimento”, “performance”, dentre outras. Desta forma, as respostas dos professores não englobaram a corpo em sua totalidade.

    Na mesma proposta curricular da Secretaria de Educação constam, no conteúdo básico comum, os seguintes eixos temáticos para o Ensino Médio relacionados à saúde, com o seguinte tópico obrigatório: “relação entre esporte, saúde, doping e qualidade de vida” e como subtópicos complementares: “explicar as relações entre o esporte, saúde, doping e qualidade de vida”; “conhecer os efeitos do doping no organismo e seus malefícios para a saúde” (SOUSA et al., 2004, p. 56).

    Já nos Parâmetros curriculares Nacionais o tema saúde engloba alguns conteúdos a serem desenvolvidos na escola:

    “...Identificação de necessidades e características pessoais, semelhanças e diferenças entre as pessoas, pelo estudo do crescimento e desenvolvimento humano nas diferentes fases da vida (concepção, crescimento intra-uterino, nascimento/recém-nascido, criança, adolescente, adulto, idoso)...;

    “...Adoção de postura física adequada”; reconhecimento das doenças associadas à falta de higiene e no trato com alimentos: intoxicações, verminoses, diarréias e desidratação; medidas simples de prevenção e tratamento...”;

    “...Medidas práticas de autocuidado para a higiene corporal: utilização adequada de sanitários, lavagem das mãos antes das refeições e após as eliminações, limpeza de cabelos e unhas, higiene bucal, uso de vestimentas e calçados apropriados, banho diário”; “Responsabilidade pessoal na higiene corporal como fator de proteção à saúde individual e coletiva”; “respeito às potencialidades e limites do próprio corpo e do de terceiros...” (BRASIL, 1997b, pg. 77 e 78).

    Analisando os conteúdos apresentados pela proposta da Secretaria do Estado de Educação de Minas Gerais e dos Parâmetros Curriculares Nacionais com o tema saúde, os professores abordam tais conteúdos. Visto que quatro professores afirmaram que trabalham, em suas aulas, o assunto doping e a sua relação com a saúde, o esporte e a qualidade de vida. E, a maioria citou palavras como: “higiene”, “postura adequada”, dentre outras. Porém, não demonstram abordá-los em suas diferentes dimensões, como o corpo em sua totalidade relatadas nas diretrizes da Proposta Curricular da Secretaria do Estado de Educação de Minas Gerais, ao analisarmos as definições da saúde e demais palavras dos conteúdos desses mesmos professores.

    No questionário, também, foi solicitado aos professores que selecionassem dentre uma lista de palavras, 10 aspectos que consideram ser importantes a serem abordados em suas aulas no âmbito da Educação Física e no da saúde”. As palavras presentes nessa questão estão na Tabela 1 e na Tabela 2, respectivamente.

    Nas Tabelas 1 e 2 as palavras que caracterizavam aspectos primariamente da visão restrita da saúde estão do lado esquerdo, apesar de alguns desses tópicos não serem excluídos quando se trabalha com a visão ampliada. Do lado direito da tabela estão as palavras relacionadas primariamente com a visão ampliada da saúde para a Educação Física.

Tabela 1. Aspectos que os professores consideram importantes a serem abordados no âmbito da Educação Física Escolar

    Na Tabela 1 podemos constatar que as palavras: “ser humano integral”, “cultura corporal de movimentos”, “cidadania” e “ludicidade” foram as mais marcadas pelos participantes dessa pesquisa no que cerne a Educação Física Escolar. Além disso, 66,4% representam as palavras selecionadas relacionadas à visão ampliada (Tabela 1). Entretanto, as palavras mais selecionadas pelos professores, no que diz respeito ao tema saúde (Tabela 2), foram: “físico saudável”, “corpo saudável” e “prevenção de doença”. De forma semelhante, 62,6% marcaram aspectos compreendidos na visão restrita. Demonstrando que os professores têm consciência de trabalhar a Educação Física e o corpo em sua visão ampliada (dimensões cultural, social, dentre outras), porém quando se trata do tema saúde, a visão retoma a sua forma restrita (apenas dimensão biológica e responsabilidade individual).

Tabela 2. Aspectos que os professores consideram importantes a serem abordados no âmbito da Saúde

    Os aspectos “ser humano integral” e “cultura corporal de movimentos”, também foram apontados com frequência pelos professores (6 e 5 professores, respectivamente) no tema saúde (Tabela 2). Entretanto esses aspectos não apareceram quando eles responderam as perguntas sobre o conceito e os conteúdos com relação à saúde. Apenas um professor citou “cultura corporal planejada” em seus conteúdos. Dessa forma, confrontando os dados dessa tabela (2) com a tabela anterior (1) e com as respostas dos conceitos e conteúdos de saúde, surge a dúvida se esses temas selecionados na tabela (1) são trabalhados ou os professores apenas acreditam que eles devem ser abordados, mas não o fazem com relação ao tema saúde.

    Podemos concluir que ainda prevalece à visão restrita de saúde pelos professores Educação Física Escolar do Ensino Médio de Contagem, apesar de 100% dos professores entrevistados afirmarem que se mantêm atualizados. Entretanto, ao adotarem algumas palavras nos conceitos e conteúdos de saúde pelos professores, como: “social”, “espiritual”, “psicológica”, “cultura corporal planejada” e na Tabela 2: “ser humano integral”, “cultura corporal de movimentos”, demonstraram uma tendência de ampliação da visão de saúde.

    Dessa forma, considerando que é fato que a crença do professor rege suas ações práticas e que, de acordo com Neto (2003) as crenças do professorado de educação física da escola pública articulam-se com os demais elementos constitutivos de sua cultura docente como a experiência, a prática, o conhecimento e a sua formação. Pode-se, portanto, presumir uma forte influência do elemento experiência, ou seja, a vivência que esse indivíduo/professor teve na escola, quando no papel de discente que, a julgar pela faixa etária da amostra ainda predominava a visão restrita de saúde. De maneira que sua prática possui duas fortes e contraditórias influências: o que aprendeu na graduação, ou seja, como deveria ser, a visão ampliada que se “prega” no meio científico atual e, do outro lado, o que vivenciou na educação física escolar, ainda regida pelo conceito restrito. Possivelmente, essa contradição na formação do professorado de educação física explica a desarticulação dos conteúdos importantes da educação física escolar e o conceito de saúde.

Conclusão

    A concepção de saúde predominante no discurso dos professores foi o da visão restrita com foco no indivíduo e na dimensão biológica. Consequentemente, foi observado um reflexo dessa concepção nos conteúdos que são trabalhados nas aulas de Educação Física para o Ensino Médio quando se aborda o tema saúde.

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EFDeportes.com, Revista Digital · Año 18 · N° 190 | Buenos Aires, Marzo de 2014
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