Disciplina em aulas de Educação Física
Sheila Aparecida Pereira dos Santos Silva
Lecturas: Educación Física y Deportes | http://www.efdeportes.com/
revista digital | Buenos Aires | Año 5 - Nº 18 - Febrero 2000

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     NAKAYAMA (1996, p. 105) reforça o argumento sobre a inadequação das estratégias de ensino e do relacionamento professor-alunos ao afirmar a presença de apenas um modo de relação presente na vida escolar, o coercitivo, deixando claro que a evolução cognitiva e moral da criança é ignorada:

     "A coação ocorre nas escolas, portanto, na forma de imposição de regras pré-estabelecidas por meio do poder de autoridade, na figura do professor que usa de punições e recompensas para manter a obediência dos alunos. Tal coação parece fortalecer relações de respeito unilateral entre professores e alunos, manter as regras escolares como exteriores às crianças e favorecer uma prática imitativa e egocêntrica das mesmas."

     Considerando que a disciplina resulta de um amadurecimento individual, GRAMSCI (1976, apud FRANCO, 1986) destaca que pode-se afirmar que é disciplinado aquele que é capaz de comandar a si mesmo, de se impor aos caprichos individuais. Disciplina, para ele, não é o oposto da liberdade e tampouco algo que deve ser fixado do exterior. Nesta forma de pensar, disciplinar-se é tornar-se independente e livre.


O que se entende por indisciplina
     Entende-se por indisciplina, o comportamento em desacordo com as regras estabelecidas. De acordo com ROSADO (1990), indisciplina é a evidência do conflito entre valores e ideologias presentes numa escola.

     Segundo DE LA TAILLE (1996) , a compreensão deste tipo de comportamento necessita basear-se em investigações mais detalhadas sobre o aluno e sobre o ambiente escolar, porque pode ser proveniente de duas naturezas diversas:

     "Se entendermos por disciplina comportamentos regidos por um conjunto de normas, a indisciplina poderá se traduzir de duas formas: 1) a revolta contra estas normas; 2) o desconhecimento delas. No primeiro caso, a indisciplina traduz-se por uma forma de desobediência insolente; no segundo, pelo caos dos comportamentos, pela desorganização das relações" (p.10)

     PIERÓN & EMONTS (1988, apud ROSADO, 1990), apresentam como manifestações de indisciplina os comportamentos mencionados a seguir: recusa de obediência ao professor; grosseria para com o docente; conversas intempestivas; parar a ação sem perturbação; não respeito pelo material escolar; deixar a sala; perturbar a aula; barulho de bolas em horário indevido; modificação da atividade proposta pelo professor; quando considerados os alunos dispensados das aulas, o a indisciplina se manifesta quando os mesmos perturbam a aula; deixam o local das aulas ou empreendem conversas intempestivas.


O que se entende por incidentes disciplinares
     A definição mais clara de incidentes disciplinares que encontramos em nossa revisão, foi elaborada por CLOES, M.; DEMBLON, S.; PIROTTIN, V.; LEDENT, M. & PIERON, M. (1998), Segundo os autores,

     "(...) les incidents sont essentiellement définis comme des épisodes de la vie de la classe au cours desquels les règles qui dictent le bom fonctionenement de l'enseignement sont bafouèes." (p. 80)

ou seja, os incidentes disciplinares são definidos, essencialmente, como os episódios da vida da classe em que as regras ditadas para o bom funcionamento do ensino são desrespeitadas.

     Na tentativa de caracterizar os incidentes disciplinares, CLOES et alii (1998) obtiveram de 222 professores pesquisados os aspectos seguintes:


     Posteriormente agruparam estas respostas em quatro categorias de incidentes disciplinares:

  1. de comportamento geral: ausência às aulas, agressividade, nervosismo, porte de armas, roubos, masturbação (sic);

  2. em relação à atividade física: não trazer material adequado, abandono da atividade, desrespeito ao material, perturbação do ambiente;

  3. em relação ao professor: conflitos relacionais, recusa da autoridade;

  4. em relação aos colegas: desrespeito, agressões físicas e verbais.


     Esclarecem, ainda, que 81% dos incidentes disciplinares costumam ocorrer nos locais de aula, 14% nos vestiários e 3,4% fora da escola.


O que se entende por comportamento fora-da-tarefa ou "off-task"
     Considerado por SIEDENTOP (1983, apud ROSADO, 1990, p. 53) como uma manifestação de indisciplina, o comportamento fora-da-tarefa ou "off-task" é uma expressão utilizada na literatura da área da Educação Física (GRAHAM, 1992 ; TAYLOR, J. L., 1978; TENOSCHOK, M. 1985) para referir-se à falta de participação do aluno quando uma atividade lhe é atribuída, ou como um comportamento de evasão durante as atividades sem, no entanto, distrair ou incomodar outros alunos por sua desatenção.

     Diferencia-se do que SIEDENTOP (1983, apud ROSADO, 1990, p. 54) identifica como comportamento de desvio pelo fato deste impedir a continuação da atividade por parte de um ou vários alunos.

     Tendo apresentado os entendimentos a respeito do que seja disciplina, indisciplina e comportamentos correlatos, resta-nos perguntar:

     A revisão da literatura evidencia a ausência de referências específicas ao comportamento de docentes em início de carreira no que se refere a este particular.

     De uma forma geral, a literatura ocupa-se, em maior escala, das causas da indisciplina (CARTER, 1989; CLOES et alii., 1998; DE LA TAILLE, 1996; FERRAZ, 1997; FRANCO, 1986; MELLO, 1981; PIERÓN & EMONTS, 1988; RAMOS, 1960; ROSADO, 1990; TAYLOR, 1978; ZIBAS, 1982) e de propostas para lidar com os alunos visando sua prevenção (BARRETO, 1981; BERNSTEIN, 1977; CARTER, 1989; CHURCHWARD, 1998 [adaptado de MCDANIEL, 1986]; CLOES et alii.,1998; FRANCO, 1986; GNAGEY, 1970; MAKARENKO, 1980; MELLO, 1981; ROSADO, 1990; TAYLOR, 1978; TENOSCHOK, 1985; TODOROVICH & CURTNER-SMITH, 1998), e muito pouco se ocupa do comportamento do professor diante dos incidentes disciplinares (CLOES et alii.,1998; FRANCO, 1986; GNAGEY, 1970).

     Mesmo entre estes três últimos estudos referenciados, não foram pesquisados docentes de Educação Física em início de carreira; apenas CLOES et alii. (1998) levam em consideração o tempo de exercício no magistério dos docentes pesquisados, dividindo a população pesquisada em "professores com mais de 10 anos de magistério" e "professores com menos de 10 anos de magistério", ou seja, mesmo que docentes iniciantes se situem neste segundo grupo populacional, não é conferido qualquer destaque aos docentes nos dois primeiros anos de exercício profissional.


As causas dos incidentes disciplinares
     Na literatura revista, verificamos que o estudo do comportamento disciplinado aparece com mais freqüência nas décadas de 70 e 80, cujas causas são atribuídas eminentemente ao aspecto afetivo como decorrência da vivência dos alunos em condições ecônomico-sociais pouco favoráveis, ressurgindo com menor intensidade neste final da década de 90, ainda situando a origem dos problemas disciplinares em fatores psicológicos, mas agora passando a analisar os comportamentos dos alunos tendo como referência o estágio de desenvolvimento cognitivo-moral no qual se encontram (FERRAZ, 1997) de acordo com a teoria de Jean Piaget.

     Outra abordagem presente neste final de década é a que localiza a origem do comportamento disciplinado no confronto existente entre o indivíduo e o auto-conceito gerado a partir das relações sociais, ou seja, o indivíduo pauta suas ações, censura seus atos, baseado no sentimento de vergonha do olhar alheio (DE LA TAILLE, 1996).

     Os estudos situados no final da década de 70 e início da década de 80, apresentam em comum uma constatação de que os alunos provenientes de meios sociais economicamente pouco privilegiados, cujos pais não são capazes de fornecer-lhes atenção e orientação em quantidade e qualidade adequadas, padecem de uma "carência afetiva" generalizada (BARRETO, 1981; MELLO, 1981; RAMOS, 1960; TAYLOR, 1978;). É comum, neste período, que a causa da indisciplina seja atribuída unicamente ao aluno. Quanto a isto, FRANCO (1986, p.62) afirma que

     "Em geral, quando os educadores referem-se ao problema da disciplina na escola, normalmente o reduzem a algo que diz respeito somente ao aluno. O problema da disciplina passa a ser entendido como o da indisciplina do aluno."

     No entanto, há trabalhos que acusam que não se atribui o problema aos alunos de uma forma geral, mas, em especial, ao aluno pobre (BARRETO, 1981; MELLO, 1981; RAMOS, 1960), caracterizado como vítima do meio social desprivilegiado, vítima da sua história de vida frequentemente permeada de conflitos familiares (BARRETO, 1981), à falta de saúde, de boa alimentação, ao cansaço por necessitar auxiliar na manutenção da casa e a uma falta de motivação no sentido de acreditar que é possível sair da condição social na qual se encontram (RAMOS, 1960).

     Ainda analisando o problema sob a ótica social, ROSADO (1990) tomando como base os escritos de Bordieu & Passeron, atribui a indisciplina à heterogeneidade da população escolar com um conseqüente choque entre seus valores e ideologias. Menciona, como agravante, a falta de correspondência entre o que a população procura na escola e o que realmente encontra nela. Talvez possamos deduzir que a população coloca muito mais expectativas em relação à sua vida escolar do que a própria escola tem condições de atender.

     RAMOS (1960) afirma , ainda, que o meio social "ensina" a indisciplina e que os alunos acabam procurando comportar-se de forma diferente àquela estabelecida pelas normas escolares com a intenção de "chamar a atenção" dos colegas e do professor. É deste tipo de compreensão que resulta a conduta do professor de "ignorar" o aluno que se comporta indisciplinadamente, permeada pela teoria da modelagem comportamental que recomenda, entre outras técnicas, não fornecer reforços aos comportamentos indesejados.

     Estes estudos apresentam em comum o pressuposto que os alunos são frutos modeláveis pelo meio social ou pelo ambiente circundante, ou seja, pelas "contingências de reforço" presentes neste ambiente. Isto justifica a abundância de recomendações, na literatura pedagógica, da adoção de técnicas de modelação ou modelagem comportamental fundamentadas no comportamentalismo ou "behaviorismo" do qual B.F. Skinner é o maior expoente.

     Sem tomar como referência o meio social, há estudos que atribuem as causas da falta de adesão do aluno às atividades desenvolvidas no meio escolar ao medo de falhar, à falta de auto-confiança por parte do estudante (TAYLOR, 1978) e à sua baixa auto-estima (CARTER, 1989).

     PIERÓN & EMONTS (1988, apud ROSADO, 1990) também atribuem aos conflitos psicológicos as causas do comportamento indisciplinado, porém acrescentam a consideração dos aspectos interpessoais ao mencionarem que

     "(...) cada problema de disciplina apresenta uma história particular, resultando, provavelmente, de um longo percurso, de uma série de conflitos mais ou menos aceites, mais ou menos resolvidos entre os alunos entre si, entre os alunos e o professor, entre os alunos e a Escola."

     FRANCO (1986, p. 63) já havia acusado em seu trabalho que a compreensão das causas da indisciplina não podia centrar-se apenas na análise do aluno mas afirmava que a disciplina

"(...) diz respeito a todos os elementos envolvidos com a prática escolar e precisa ser compreendida como algo necessário para atingir um fazer pedagógico coerente e eficaz, estando, dessa forma, intimamente ligada à forma como a escola organiza e desenvolve seu trabalho".

     Com esta afirmação, chamava a atenção para a influência da organização e das normas administrativas da escola sobre o comportamento dos alunos, como também para a necessidade do professor centrar a análise do problema nos próprios procedimentos pedagógicos.

     Os responsáveis pela administração escolar são criticados por encontrarem-se distanciados das questões pedagógicas e, devido a isto, frequentemente incorrerem no erro de "perderem de vista" as finalidades educacionais da instituição escolar.

     Em pesquisa realizada por HARDY (1996 apud CLOES et alii, 1998), alunos entrevistados acerca do assunto, afirmam que a indisciplina pode ser uma forma de demonstrar o quanto suas aulas são desinteressantes e o quanto estão descontentes com a escola.

     O descontentamento com a atitude de alguns professores também pode refletir na disciplina. Segundo ZIBAS (1982), apesar de não ser possível atribuir a causa da indisciplina ao sarcasmo, ironia e depreciação dos alunos, comportamentos que costumam predominar entre os professores, estas atitudes em nada colaboram para melhorar o relacionamento com os alunos ou o comportamento destes.

     Historicamente, após a Revolução Francesa, medidas visando a expansão da escolarização ao povo em geral, resultaram num aumento da população frequentadora das escolas que, por isso, vieram a "agigantar-se" (ROSADO, 1990). Tal "agigantamento" contribuiu para aumentar as dificuldades referentes ao seu gerenciamento e tornou as relações humanas mais distantes e impessoais.

     O problema da impessoalidade das relações humanas pode estabelecer ligação com a perspectiva de análise de DE LA TAILLE (1996) que atribui a indisciplina, entre outros fatores, "ao enfraquecimento do vínculo entre moralidade e sentimento de vergonha", ou seja, o olhar do professor em direção ao comportamento inadequado do aluno pode nem mesmo afetá-lo se este se considera apenas mais um em meio a uma massa de alunos, ou seja, se este se considera não identificável.

     Apesar de concordar com DE LA TAILLE (1996) quando afirma "que os juízos alheios têm grande peso e formarão a primeira camada da imagem que terá de si", creio que seja necessário considerar neste tipo de abordagem, se o juízo de qualquer pessoa, seja ela professor ou não, expresso a respeito de outra possui algum significado para esta.

     Dentre as muitas tarefas que se colocam para a Educação, inclui-se a de facilitar aos alunos um desenvolvimento moral adequado tendo como objetivo uma "moralidade adulta".

     De acordo com a teoria de desenvolvimento moral de Piaget, há duas características básicas na "moralidade adulta". A primeira é a predominância da consideração da intencionalidade humana na análise da responsabilidade pelos atos e, a segunda, manifesta-se no cumprimento de regras de conduta tendo como base o consentimento entre as partes (consentimento mútuo), o que é proveniente de relações sociais de cooperação.

     Ora, se é amplamente aceita a compreensão a respeito da existência de estágios no processo de desenvolvimento cognitivo, havendo aqueles nos quais é característico da criança compreender o mundo a partir de uma perspectiva bastante particular, individual, não possuindo condições de colocar-se na perspectiva do outro, é possível inferir que uma das prováveis causas do comportamento indisciplinado, desatento e ausente durante as aulas seja, justamente, o estágio de desenvolvimento cognitivo no qual o aluno se encontra. Ou seja, não encarando tais comportamentos como resultantes de uma deficiência do desenvolvimento cognitivo infantil, mas como algo característico de determinado estágio no qual o aluno se encontra.

     Este aspecto foi mencionado e exemplificado por FERRAZ (1997, p. 28) da seguinte forma:

     " Em que pese a possibilidade de diferentes interpretações da aplicação de uma regra por dois adultos, ou seja, se o defensor cometeu pênalti ou não, o que quero ressaltar é que a diferença pode estar na limitação das estruturas cognitivas para a aprendizagem de uma regra. No caso de duas crianças com níveis de desenvolvimento cognitivo muito diferentes, o que pode estar em jogo é a incapacidade de entender certas regularidades."

     Em relação a isto, as questões que se colocam são:

     Estão os professores suficientemente informados a respeito das características infantis no que se refere ao relacionamento entre o desenvolvimento cognitivo e afetivo-social?;

     São os professores, principalmente aqueles em fase inicial da carreira docente, capazes de compreender e saber lidar com as peculiaridades de cada aluno durante as faixas etárias em que é possível encontrar, num mesmo grupo, alunos situados em estágios de desenvolvimento cognitivo e afetivo-social diferenciados?

     Poucas pesquisas existem em relação a esta problemática.


Comportamentos que professores apresentam como reação aos incidentes disciplinares
     Visando investigar a relação entre comportamento docente e incidentes disciplinares em aulas de Educação Física, CLOES et alii (1998) entrevistaram 28 (vinte e oito) professores a respeito da origem dos incidentes disciplinares vindo a detectar 68,1% dos respondentes não a identificam na escola ou no trabalho da equipe pedagógica, sendo que distribuíram-se da seguinte forma: 35,7% a atribuiu às características dos alunos, tais como educação recebida da família e motivação para a aprendizagem; 21,7% a condições sociais e materiais, tais como racismo e pobreza e 10,7 % a problemas familiares e inadequação da relação do aluno com o meio escolar. Os 31,9% restantes estariam distribuídos entre os que conferem responsabilidade à coesão e estabilidade da equipe pedagógica e ao estilo do professor, sendo que aqueles que responsabilizam o professor representam apenas 7,1% do total dos entrevistados.

     Nesta população, verificou-se que entre 62,5 a 80% dos professores consegue identificar um aluno, em especial, como o centro da origem dos incidentes disciplinares. Referem, ainda, que os professores em início de carreira, mostram-se mais sensíveis a detecção destes incidentes por estarem ansiosos em garantir uma boa condução das aulas, havendo, no entanto, uma situação paradoxal pois, a própria inexperiência do professor acaba permitindo que se estabeleça um clima favorável aos incidentes disciplinares.

     Outro fator mencionado nesta pesquisa é o "stress" do professor pois é perceptível que quando o professor encontra-se neste estado, sua tendência é utilizar maior número de punições aos alunos ao invés de outros meios como o diálogo, a intervenção não-verbal, as soluções construídas em conjunto com os próprios alunos.

     Buscando uma visão mais pormenorizada a respeito do comportamento indisciplinado, procuramos detectar nas pesquisas suas características e suas consequências para o aluno de maneira individual, como também para o grupo no qual está inserido no interior da escola.


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