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Educação Física no Brasil: a história que se contou

La Educación Física en Brasil: la historia que se contó

 

*Graduanda do curso de Licenciatura em Educação Física da

Universidade do Extremo Sul Catarinense, UNESC, Criciúma, SC

**Licenciado em Educação Física e Mestre em Educação pela

Universidade do Extremo Sul Catarinense, UNESC, Criciúma, SC
(Brasil)

Helen Rebelo Sorato*

helen_soratto@hotmail.com

Carlos Augusto Euzébio**

cae@unesc.net

 

 

 

 

Resumo

          A Educação Física (EF) no Brasil tem sua história baseada em contextos de transformações educacionais relacionadas com mudanças sócio-políticas marcadas principalmente pela ascendência de algumas instituições. No decorrer da história a EF têm passado por mudanças nos seus conhecimentos científicos, produzidos por referenciais das ciências naturais, sociais, e humanas. As concepções pedagógicas da Educação Física são frutos dessas mudanças, o que proporcionou novos significados para o âmbito escolar e acadêmico. A crítica presente se faz em relação a função escolar-social da Educação Física, que não se encontra legitimada a fim de atender a lógica do capitalismo e sim compreender a disciplina como um fenômeno histórico cultural que através de concepções progressistas seja possível construir uma práxis que contribua para a formação de indivíduos críticos agentes na transformação da sociedade.

          Unitermos: Educação Física. História. Epistemologia. Concepções pedagógicas.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 18, Nº 188, Enero de 2014. http://www.efdeportes.com/

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    “Perguntar o que é Educação Física só faz sentido, quando a preocupação é compreender essa prática para transformá-la”.

Introdução

    A educação em todo o seu processo histórico vem sendo alienada ao modelo de sociedade vigente, sendo uma peça fundamental para a reprodução do modelo econômico desta sociedade. Sabe-se que ao longo da história vivemos em uma sociedade dividida em classes, e a educação em todo esse processo está construída de forma a atender aos dominantes.

    Assim sendo, a Educação Física também reproduz esses interesses, contribuindo para conservação desse modelo configurado, alienando os indivíduos, preparando-os tão somente para o mercado de trabalho a fim de reproduzir a lógica do capital. A Educação Física constitui-se então nas escolas de práticas hegemônicas conservadoras e se não bastasse, constitui-se muitas vezes como uma disciplina menosprezada que não está legitimada de fato na escola, sendo caracterizada como uma prática inferior.

    A dificuldade de legitimação da Educação Física está inserida desde a história da educação, e compreender sua história, permite identificar melhor as razões pelas quais há uma desvalorização da disciplina, porque se confunde a função do professor e de que forma a educação contribui para a manutenção do modelo de sociedade atual.

    Para compreender todo esse processo é preciso primeiramente compreender como se deu a constituição da Educação Física no Brasil. Surgindo então, a necessidade do tema: Educação Física no Brasil: a história que se contou. Tendo como problemática para este estudo a seguinte pergunta: Qual é/foi à história contada sobre a Educação Física no Brasil nas constituições bibliográficas da área?

    Nossa pesquisa desdobra-se nos seguintes objetivos específicos: Estabelecer o processo histórico da constituição da Educação Física no Brasil; Apresentar e compreender os diferentes entendimentos epistemológicos sobre a Educação Física; Apresentar e compreender as principais concepções pedagógicas desenvolvidas na área.

    Selecionamos os autores ao qual estudamos pelas suas contribuições em relação ao tema, considerando-os relevantes á esta temática.

O processo histórico da constituição da Educação Física no Brasil

    Ao longo de todas as mudanças sociais e econômicas, a educação também adotou sentidos diferentes, e assim como parte integrante desta, a Educação Física. Ambas se tornaram um instrumento de reprodução do sistema vigente e não de emancipação humana.

    Para melhor compreensão de todo este processo que envolve o capital com a educação, detalharemos como a educação física se configurou ao longo dos anos sendo influenciada por três tendências que ficarão claras no decorrer deste artigo.

    Assim sendo, encontramos nas constituições bibliográficas da área que alguns teóricos percebem a Educação Física como “[...] elemento menor, secundário do fenômeno educacional. Não raro, visualizam-na unicamente como instrumento de veiculação da ideologia dominante, alienada e alienante, numa clara alusão à ótica critico reprodutiva”. (Sérgio apud CASTELLANI FILHO, 1991, p.25).

    Para dar início a história, encontramos que as atividades físicas dos primeiros habitantes no Brasil eram semelhantes às desenvolvidas na pré-história. Na luta pela sobrevivência praticavam diversas atividades. (SOARES, 2007).

    Segundo Betti (apud DARIDO, 2003), com o passar do tempo, essas atividades foram se modificando, surgindo a Educação Física1. Com a inclusão desta na escola, surgiu uma preocupação voltada à inclusão de exercícios físicos e as aulas eram constituídas de ginástica e dança. Com as reformas educacionais, a Educação Física ficou intitulada como ginástica.

    Ao analisarmos os estudos que tratam a Educação Física no Brasil, nos deparamos ainda com os que a vinculam à história das instituições militares no país, confundindo a história da Educação Física com a dos militares. A informação tem validade considerando que os primeiros professores de Educação Física marcaram-se pela presença dos militares. (CASTELLANI FILHO, 1991).

    A Educação Física no Brasil no século XIX era elemento de importância para a formação de indivíduos fortes e saudáveis que iriam contribuir para o desenvolvimento do país, que sairia da condição de colônia portuguesa para construir seu modo de vida. As instituições militares garantiam a manutenção da ordem para se chegar ao progresso. Isso leva a entender que a Educação Física é a Educação do Físico, mas nesta mesma compreensão há outra influência, a dos médicos, “[...] calcada nos princípios da medicina social de índole higiênica, imbuíram-se na tarefa de ditar à sociedade, através da instituição familiar, os fundamentos próprios ao processo de reorganização daquela célula social” (CASTELLANI FILHO, 1991, p. 39).

    Os higienistas atribuíram à Educação Física a função de formar corpos saudáveis, robustos e harmoniosos que surgem em oposição ao corpo flácido e doentio do indivíduo colonial, mas que acabou contribuindo para que este modelo representasse uma classe e uma raça, acentuando as questões de preconceito e racismo. “A família nuclear e conjugal, higienicamente tratada e regulada, tornou-se nesse movimento, sinônimo histórico de família burguesa” (Costa apud CASTELLANI FILHO, 1991, p.42).

    O militarismo possuía a prática de exercícios sistematizados e a educação do corpo servia à promoção de saúde por meio de hábitos higiênicos, desenvolvimento da força, além de ser baseada no patriotismo. Sendo assim, denunciavam os malefícios da estrutura familiar do período colonial, proclamando-os profissionais competentes para redefinir os padrões da nova família brasileira baseados na conduta física, moral e intelectual. (CASTELLANI FILHO, 1991).

    Ao conquistar a sua Independência, o Brasil possuía metade da população composta pela massa escrava. O número de negros cativos foi crescendo e juntamente com isso, o medo de rebeldia, com a probabilidade de serem manipulados pelos portugueses com o intuito de recolonização. Portanto, o método higienista visava multiplicar a população branca, classe dominante por meio de tudo citado anteriormente, educação do físico, moral, intelectual e ainda sexual, garantindo este último a procriação por meio da Educação Física, esta associada ao fato em questão, que garantiria a reprodução da prole, de raças puras. (CASTELLANI FILHO, 1991).

    Ambas as concepções, higienista e militarista, consideravam a Educação Física como uma disciplina essencialmente prática que não necessitava de fundamentação teórica para lhe dar suporte.

    A Educação Física então possui conteúdo médico higiênico, uma vez que a classe dominante queria corpos saudáveis, mas nas condições da sociedade, as classes pobres eram tão precárias que para os médicos as doenças provinham disso, sendo necessário educar para mudança de hábito e costumes. O vigor físico dos trabalhadores era essencial para que o capital pudesse avançar, mas o corpo devia ser adestrado e disciplinado para que “nunca pudesse ir além de um corpo de um ‘bom animal’.” (SOARES, 2007, p.33).

    Contribuíram para este adestramento das classes trabalhadoras as instituições sociais, sendo a instituição escolar uma das referências na construção desse homem idealizado pelos burgueses e o exercício físico surge a partir de conceitos médicos.

    No período colonial a Educação Física aos olhos dos dominantes estava vinculada ao trabalho manual e físico, que era inferior em relação ao trabalho intelectual. Sendo assim, o primeiro pertencia aos escravos e o último aos dominantes. Este fato justifica o obstáculo do ensino técnico profissionalizante por parte da classe dominante por este assumir uma educação longe do trabalho de produção. (CASTELLANI FILHO 1991).

    Segundo Soares (2007), com o passar do tempo as massas começaram a tomar consciência de classe, o que acabou atingindo a burguesia. O fato exigiu o aperfeiçoamento urbano de forma mais sistemática, cuidando da vida dos indivíduos. As classes dominantes queriam garantir a saúde e uma educação higiênica aos pobres por afirmarem que estes possuíam muitos vícios e eram imorais. É nesse discurso que a Educação Física torna-se capaz de promover uma assepsia social.

    É importante ressaltar que a Educação Física era desprestigiada enquanto servia ao trabalho, mas valorizada pelos dominantes na medida em que era ludicidade e ocupação do tempo livre. Os higienistas se envolveram então, com a educação escolar sendo esta uma extensão da educação familiar, em que os pais influenciavam nas linhas pedagógicas a serem seguidas.

    Mafra (apud CASTELLANI FILHO, 1991) fazia referência às exigências dos pais na escola, exigindo que o ensino não expusesse os alunos ao sol, chuva, fadiga e exercícios em que poderiam se machucar. Os educadores passaram a defender a Ginástica nos colégios e a resistência surgiu por parte da classe dominante. Surgia também uma contrariedade em relação aos homens, que estavam acostumados com a ginástica das instituições militares, mas que não pertencia ao sexo feminino. A aula de ginástica não foi aceita pelo público, e as alunas eram proibidas pelos pais de praticarem a ginástica. Mas os educadores não desistiram e lutaram para tornar obrigatória a Educação Física no currículo escolar.

    A Educação Física era vista como disciplina que não necessitava de fundamentação teórica e estava “dividida” em educação do físico e da mente. Assim sendo, Azevedo (apud CASTELLANI FILHO, 1991) queria acabar com a dicotomia do ensino intelectual e físico surgindo à necessidade de desenvolver harmonicamente o que completa o indivíduo, mas o físico ainda se colocava a serviço do intelectual tornando-se uma visão dualista de homem.

    O papel da Educação Física, tratando da eugenia da raça, era formar mulheres fortes e sadias para assim terem condições de gerar filhos sadios para defenderem a Pátria. Sendo assim, é visível que este estava preocupado em adequar a educação aos padrões dos higienistas. A mulher, ligada sempre a imagem de mãe, deveria ter uma Educação Física:

    [...] integral, higiênica e plástica, e abrangendo com trabalhos manuais os jogos infantis, a ginástica educativa e os esportes, cingir-se exclusivamente aos jogos e esportes menos violentos e de todo compatíveis com a delicadeza do organismo das mães [...]. (CASTELLANI FILHO, 1991, p. 58).

    Da ideia de que as atitudes femininas são características biológicas, o sexo masculino sentiu-se superior a mulher, fugindo do fato de que essas atitudes estão ligadas a determinantes socioculturais e não biofisiológicos.

    Contudo, segundo Lourenção (apud CASTELLANI FILHO, 1991), o que determina tais diferenças entre homens e mulheres são os fatores ambientais, que através do tempo, vão determinando as capacidades diferentes existentes entre os sexos. E é nesse processo que a Educação Física deve adaptar-se a tais diferenças e compreender que estas são frutos das condições culturais existentes na sociedade.

    Sendo assim, é possível explicar a imagem de mulher ligada unicamente ao papel de mãe, uma vez que na ginástica diferenciavam-se as atividades das mulheres justificando que elas tinham condições limitadas pelo fator biofisiológico, mas não compreendiam que estavam possibilitando aos homens se desenvolverem mais em destrezas físicas, pois as mulheres não podiam praticar estas atividades, estavam restringidas aos afazeres domésticos.

    Segundo Castellani Filho (1991), a Educação Física, se tornara mais tarde componente do currículo da escola primária e secundária. A Associação Brasileira de Educação queria averiguar os métodos de Educação Física e enquanto não fosse criado o método nacional de Educação Física a ser ensinado em todas as instituições de ensino ficaria adotado o método francês, sendo que tal método consistia em exercícios ginásticos.

    Nesse período histórico, eram importados modelos de práticas corporais, como o método alemão e o método francês. Os conteúdos de Educação Física eram repetições mecânicas de gestos e movimentos. Surgiram ainda em outros momentos outros métodos ginásticos, dentre eles o método sueco e o desportivo generalizado. (MARINHO, s/d).

    Com o passar do tempo nos encontramos com uma reforma em que a Educação Física passa a ser obrigatória.

    A Educação Física deve fazer parte dos programas de ensino, mas não com o caráter de facultativa, deve ser obrigatória. De que nos servirá ter milhões de doutores que representam milhões de doentes? Não podemos deixar de tratar, com o maior empenho possível, do nosso aprimoramento racial, do robustecimento do povo. (CASTELLANI FILHO, 1991, p. 77).

    Surge uma sensível mudança no papel da Educação Física, que além de se preocupar com a eugenização da raça brasileira - voltada para os princípios da Segurança Nacional, em que o cidadão deveria cumprir seu dever de defender a pátria frente aos perigos internos, conflito que desestruturou a ordem política econômica levando a perigos externos de um conflito a nível mundial- visava assegurar a industrialização com mão de obra adestrada.

    Cabia a Educação Física “cuidar da preparação, manutenção e recuperação da força de trabalho do Homem brasileiro”. (CASTELLANI FILHO, 1991, p. 81).

    Surge então, a Educação Física e a Educação Moral e Cívica articuladas para dar conotação ditada pela política de governo. Desta forma: “[...] o ensino Cívico seria ministrado em todos os graus e ramos de ensino e a Educação Física seria obrigatória nos cursos primários e secundários, sendo facultativa no superior.” (CASTELLANI FILHO, 1991, p. 85).

    A escola tornara-se um instrumento de veiculação da ideologia dominante, no caso, a favor do Estado e cabia a Educação Física a:

    [...] ‘militarização do corpo’, (que se dava em 3 patamares, quais sejam, o da moralização do corpo pelo exército físico, o do aprimoramento eugênico incorporado a raça e a ação do Estado sobre o preparo físico e suas repercussões no mundo do trabalho), a qual se deu concomitantemente, á ‘militarização espiritual’. (Lenharo apud CASTELLANO FILHO, 1991, p. 85).

    Articulada com a preocupação da produção procurava-se estabelecer um processo de educação da classe trabalhadora baseada nos princípios burgueses.

    Segundo Rolim (apud CASTELLANI FILHO, 1991), a missão da Educação Física nos estabelecimentos fabris é o fortalecer os corpos, mediante os desportos e jogos ao ar livre que devem compensar o esforço feito no trabalho, e que deve proporcionar força, alegria e saúde.

    Para tanto, os objetivos da Educação Física estavam inculcados na industrialização e a utilização das horas de folga com diversão para reparar os danos e ter mais energia, assumindo importância como meio de “transformação do indivíduo, em cidadão útil, a coletividade”. (CASTELLANI FILHO, 1991, p.98).

    Assim sendo, as inspirações liberalistas deram lugar a uma tendência tecnicista, sendo esta, embasada na formação técnico profissionalizante, compondo o quadro de teorias despidas de criticidade, visando adequar o plano educacional ao modelo de desenvolvimento econômico que se inseria no Brasil, sendo então, pautada nos princípios do capital. (CASTELLANI FILHO, 1991).

    Na concepção liberal o estudante é o fim da educação, enquanto na tendência tecnocrática este é o instrumento da educação. Não se trata então, da construção de homens, mas da construção da força de trabalho por meio da qualificação técnica.

    De acordo com Castellani Filho (1991) a Educação Física continuou a representar os papéis que não eram próprios dela, para a definição da política educacional frente à economia. Assim a Educação Física se inseria num contexto de uma prática sem teoria, sendo esta, refletida apenas a educação do físico numa compreensão de saúde.

    A compreensão da Educação Física enquanto ‘matéria curricular’ incorporada aos currículos sob a forma de atividade – ação não expressiva de uma reflexão teórica, caracterizando-se dessa forma, no ‘fazer pelo fazer’ – explica e acaba por justificar sua presença na instituição escolar, não como um campo do conhecimento dotado de um saber que lhe é próprio, específico – cuja apreensão por parte dos alunos refletiria parte essencial da formação integral dos mesmos, sem a qual esta não se daria – mas sim enquanto uma mera experiência limitada em si mesma, destituída do exercício da sistematização, e compreensão do conhecimento, existente apenas empiricamente. (CASTELLANI FILHO, 1991, p. 108).

    Mais tarde, no espaço escolar, a Educação Física passa a ser obrigatoriedade do Ensino Superior, tinha o papel de colaborar por meio do caráter lúdico esportivo com o fim do movimento estudantil para tentativas de rearticulação política. Eis “[...] os traços alienados e alienantes absorvidos pela ‘personagem’ vivida pela Educação Física”. (CASTELLANI FILHO, 1991, p. 121).

    O esporte surge como conteúdo da Educação Física como estratégia de governo, na medida em que esta atuaria na promoção do país por meio do êxito em competições. (DARIDO, 2003). O governo queria através do Esporte, calar os jovens desviando sua atenção das questões sócio políticas. Em troca do bom comportamento através do silêncio, os jovens ganhariam algumas recompensas, e estas estavam ligadas ao esporte.

    [...] os Diretórios Acadêmicos, seriam transformados em alegres centros recreativos ou, na melhor das hipóteses, em clubes esportivos, cujos atletas envergariam, com orgulho, camisas olímpicas coma inscrição ‘University of Brasil’ no peito. (Poerner apud CASTELLANI FILHO, 1991, p.121).

    Assim, sendo, surge a prática corporal esportiva, que foi importante para a política do corpo, orientada pelos princípios da concorrência e do rendimento incentivada pela ginástica, promovendo a aptidão física, a saúde e a capacidade de trabalho, rendimento individual e social. A Educação Física pauta no esporte a nova técnica corporal com o objetivo de representar o país no cenário internacional. Os princípios eram os mesmos, desenvolver o corpo a fim de maior desempenho, agora no caso, atlético. (BRACHT, 1999).

    A influência do esporte se tornara tão grande na escola que como afirma o Coletivo de Autores (1992) o esporte passou a ser esporte na escola e não da escola. E nesse contexto o professor se tornara um treinador. Assim sendo, a Educação Física estava voltada para o rendimento e por consequência a seleção dos mais habilidosos.

    O modelo esportivista hoje é criticado, mas ainda se constitui nas escolas por meio das práticas hegemônicas. A Educação Física surge em meio de um processo de avanço da automação da mão de obra e se deve a isso a construção do modelo de corpo produtivo que a educação se encarregava de formar.

    Mais tarde, com as ciências sociais e humanas implantadas na área da Educação Física, surgiu uma crítica do paradigma da aptidão física, dando enfoque ao um movimento renovador na Educação Física brasileira. “O desconhecimento da história da EF fez com que não se percebesse que esse movimento apenas atualizava o percurso e a origem histórica da EF e, portanto, que ele não rompia com o próprio paradigma da aptidão física”. (BRACHT, 1999, p. 77).

    Atualmente, é possível perceber os movimentos que buscam recuperar o papel corpóreo no que diz respeito aos processos de aprendizagem embasados nas ciências naturais. No entanto, sabe-se que esse entendimento de ser humano tem bases concretas na forma como o homem vem produzindo e reproduzindo a vida.

    Tal crítica constituiu aos poucos uma corrente progressista. Nas duas últimas décadas foram colocadas várias propostas pedagógicas e hoje, a Educação Física, conta com diversas alternativas delas, embora a prática pedagógica ainda resista a mudanças.

    Segundo Bracht (1999) o desafio marcante da Educação Física é se legitimar na escola, porém, fora de uma concepção crítica, a promoção da saúde ainda é uma tentativa conservadora de legitimar a Educação Física na escola, mas é notório que nem assim se assegurará, visto o crescimento da oferta e consequentemente consumo dos serviços ligados às práticas corporais fora do âmbito da escola, tratando aqui das escolinhas de iniciação esportiva, academias, enfim, que permitem o acesso à atividades físicas, sem depender da Educação Física escolar.

    Assim sendo, apresenta-se mais fácil além de necessário encontrar argumentos para legitimar a Educação Física na escola em uma visão crítica em que a cultura corporal é tão importante, sendo esta responsável em não apenas reproduzir a vida do cidadão, mas permitir que o indivíduo se aproprie criticamente disto e exerça de fato sua cidadania, eis a tarefa da Educação Física escolar. (BRACHT, 1999).

Os diferentes entendimentos epistemológicos sobre a Educação Física

    Para a burguesia, a ciência positivista deveria encontrar as fórmulas para que se mantivesse a ordem natural das coisas. Augusto Comte (apud SOARES, 2007) via nesse sentido a necessidade de hierarquização. A Educação Física se enquadra nesse cenário com uma visão biológica e naturalizada de sociedade direcionada a manutenção da ordem. Assim as transformações sociais passaram a ser explicadas a partir das leis biológicas por meio de pesquisas científicas. E estas afirmam que as desigualdade sociais são determinadas pelos fatores hereditários e genéticos sendo então naturais passados de geração sem possibilidade de mudança.

    Tal teoria era considerada instrumento de poder a burguesia na medida que “[...] ‘demonstrando’ dados biológicos isolados da vida dos indivíduos em sociedade, ideologicamente confirmavam a superioridade de uns sobre os outros [...].” (SOARES, 2007, p. 17).

    Para as ciências biológicas o corpo é uma estrutura mecânica que não pensa. Sendo assim, “a ciência é controle da natureza e, portanto, da nossa natureza corporal. A ciência fornece os elementos que permitirão um controle eficiente sobre o corpo e um aumento de sua eficiência mecânica.” (BRACHT, 1999, p. 73).

    A competição, por exemplo, que é eixo do capitalismo, é entendida nessa teoria como elemento natural do desenvolvimento da sociedade. Os mais aptos vencem e isso contribui para melhorar a raça. A eugenia servia para explicar o domínio da classe dominante, em que as evidências apontadas pela ciência eram observáveis. A explicação da sociedade passa a ser as bases biológicas e o homem e suas práticas sociais se limitam a essa ciência.

    A Educação Física influenciada pelo liberalismo e positivismo passou a se organizar seguindo normas, hierarquia e disciplina. Primeiro aderiu suas regras aos esportes, “[...] permitindo a todos ganhar no jogo e vencer na vida pelo seu próprio esforço [...]”. (SOARES, 2007, p. 50).

    Segundo Soares (2007), na consolidação dos ideais da burguesia a Educação Física ocupa um corpo a-histórico, sendo a expressão física da sociedade do capital, constituindo-se de uma visão positivista de ciência em que o homem passa a ser definido nos limites biológicos. Tal modelo é considerado mecanicista em que o conhecimento é a cópia do objeto e a sociedade é regida por leis naturais, compreende-se que esta evolui do simples ao complexo.

    Para Castellani Filho (1991) existe hoje na Educação Física brasileira um movimento embasado em três tendências, sendo uma delas apresentada pela Biologização, tendência esta que compreende o movimentar-se humano apenas em seu aspecto biológico enfatizando as questões de performance esportiva, e á eficiência da produtividade. Se faz presente então nesta tendência, o caráter médico, aquele ao qual vê a saúde em seus aspectos biofisiológicos. Outra tendência é a Psicopedagogização da Educação Física, em que predomina o tecnicismo. Visa uma formação acrítica, em busca de uma capacitação qualificada da mão de obra, decorrentes da Teoria do Capital.

    Essas duas tendências, integram o quadro de tendências acríticas da Filosofia da Educação, caracterizadas pela prática tecnicista e pelo neopositivismo, enquanto surge outra tendência, baseada na Concepção Histórico Cultural. Essa se caracteriza como uma “[...] ação política, a medida que busca possibilitar a apropriação, pelas Classes Populares, do saber próprio a cultura dominante, instrumentalizando-as para o exercício pleno de sua capacidade de luta no campo social”. (CASTELLANI FILHO, 1991, p.220).

    Cabe então, a Educação Física socializar o conhecimento histórico pertinentes à Motricidade Humana, vinculando essa compreensão de movimento ao fator de cultura, uma vez que o Homem é um ser cultural, portanto a Educação Física trata então dos aspectos sócio antropológicos do movimento humano. Trata-se de compreender que o que define a consciência corporal do homem é a compreensão dos fatores ligados aos aspectos socioculturais pertinentes no contexto histórico da sociedade. (CASTELLANI FILHO, 1991).

    Segundo Gamboa (2007) a Educação Física/Ciências do Esporte, assim como outras áreas do conhecimento se encontra numa fase de definição epistemológica que progride na medida em que clareia seu campo por meio das pesquisas cientificas com as críticas dos procedimentos e resultados, no mundo das ciências relaciona-se a epistemologia.

    Segundo Bracht (1993) há uma flutuação das subáreas das ciências naturais (fisiologia, medicina) às ciências humanas (pedagogia, sociologia, filosofia).

    Gamboa (2007) denomina essas flutuações de colonialismo das ciências mães uma vez que se aplicam os métodos e teorias dessas ciências mães. A Educação Física está encontrando novos campos em que se justificam os fenômenos na ação concreta e prática do movimento, da motricidade humana e da cultura corporal. Por tratar de fenômenos físicos e humanos não pode a Educação Física se enquadrar apenas nas ciências físicas ou humanas, sendo necessário encontrar uma nova categoria para justificar as especificidades desse novo campo epistemológico.

    Para Gamboa (2007), a Educação Física se encontra em um lócus privilegiado do processo educativo por abordar as situações que constitui e desenvolve o ser humano a partir das condições naturais e sociais que se inter-relacionam.

    Segundo Santin (apud GAMBOA 2007) a Educação Física encontra seu fundamento básico no próprio homem. Este quem sustenta a Educação Física, o corpo e o homem são intrínsecos, o homem se movimenta, o corpo se movimenta e interligando o movimento humano como manifestação supera o dualismo de corpo e mente.

    Ganha espaço também a tendência que tem como matriz epistemológica o Materialismo Histórico e a Filosofia da Práxis, em que o homem se aproxima da compreensão histórica e age como transformador da natureza. (GAMBOA 2007).

    Bracht (1999) compreende que a Educação Física, como componente do sistema universitário brasileiro acaba por incorporar as práticas científicas típicas desse meio, buscando consequentemente, a qualificação do corpo docente, passando a adotar discussões pedagógicas influenciadas pela sociologia e a filosofia da educação baseada no marxismo.

    Essas teorias chamadas de progressistas sugerem procedimentos didático pedagógicos que as possibilitem ao se tematizarem as formas culturais do movimentar-se humano, um esclarecimento crítico a seu respeito, desvelando suas vinculações com os elementos da ordem vigente. Estas tentativas de constituir um arcabouço teórico-prático que permitisse avanços no campo didático-pedagógico – enfrentando claramente os limites das proposições crítico reprodutivistas – precisaram encontrar uma base filosófica/epistemológica/ontológica constitutiva de uma compreensão, narrativa e intervenção que se pretendiam (pretendem) revolucionárias.

    As concepções crítico superadora e crítico emancipatória situam-se no campo acadêmico e político – nas produções das revistas especializadas; nos cursos de formação inicial; nos programas de pós-graduação; nas secretarias de educação e na produção bibliográfica – de forma mais evidente e marcante. Estas concepções empregam diferentes referenciais acordando, contudo, na adoção de elementos de matrizes críticas. Esgrime-se neste sentido a lógica dialética para a crítico-superadora, e o agir comunicativo para a crítico-emancipatória.

    Segundo Coletivo de Autores (1992) os princípios da lógica dialética são constituídos pela totalidade, pelo movimento, pelas mudanças qualitativas e pela contradição. “Na perspectiva dialética favorece a formação do sujeito histórico à medida que lhe permite construir, por aproximações sucessivas, novas e diferentes referências sobre o real no seu pensamento.” (COLETIVO DE AUTORES, 1992, p.34).

    Para Kunz (2006) a didática comunicativa fundamenta a função do esclarecimento e da prevalência de racionalidade comunicativa, na qual se desenvolvem ações comunicativas, ou intenções simbolicamente mediadas. A estrutura básica deve estar apoiada em pressupostos teóricos com base em critérios de uma ciência humana e social, formando alicerces do conhecimento para um agir racional-comunicativo. A emancipação é entendida como o processo que media o uso da razão crítica e todo o seu agir social, cultural e esportivo, desenvolvidos pela educação.

    Para tais teorias se concretizarem, é necessário compreender o objeto da Educação Física que é o movimentar-se humano, “não mais como algo biológico, mecânico ou mesmo apenas na sua dimensão psicológica, e sim como fenômeno histórico- cultural.” (BRACHT, 1999, p. 81).

    Os objetivos e as propostas pedagógicas da Educação Física foram se modificando ao longo dos séculos e todas as tendências influenciam hoje de algum modo na formação profissional e nas práticas pedagógicas dos professores.

As concepções pedagógicas desenvolvidas na Educação Física

    Uma maneira ideal (no sentido Webberiano) de “organizar” historicamente a Educação Física é a estruturação pelo que ficou denominado de “tendências”. Estas tendências representavam um certo modelo hegemônico em determinado período histórico e em última análise significaria um instantâneo do estado da arte da área em sua manifestação escolar.

    Segundo Ghiraldelli Júnior (2003) é possível resgatar cinco tendências da Educação Física brasileira. Até 1930 a Educação Física Higienista; de 1930 a 1945 a Educação Física Militarista; De 1945 a 1965 a Educação Física Pedagogicista; Pós 64 a Educação Física Competitivista e por fim a Educação Física Popular.

    O que tem em comum entre elas é a visão de Educação Física com a finalidade da manutenção da saúde individual, presas no lema “mente sã e corpo são”.

    A Educação Higienista busca resolver os problemas da saúde pública pela educação na medida em que pretende disciplinar os hábitos das pessoas e as afastarem das práticas que prejudicam a saúde e a moral. Busca livrar as pessoas das doenças e dos vícios preocupando-se com a formação de corpos sadios e fortes dispostos a ação. “O cuidado com o corpo surge, então, desprendido das possibilidades (ou impossibilidades?) que cada indivíduo, inserido nesse sistema social, possui para adquirir e preservar a saúde e manter o padrão estético corporal imposto pela mídia”. (GHIRALDELLI JÚNIOR, 2003, p. 24)

    A Educação Física Militarista não se pode confundir com a Militar, pois não se restringe apenas ao preparo do físico. Por meio da Educação Física, busca formar indivíduos capazes de suportar guerra. Possui o espírito de nacionalismo preparado para defender a pátria. O papel da Educação Física é de “‘colaboração no processo de seleção natural’, eliminando os fracos e premiando os fortes, no sentido da ‘depuração da raça’.” (GHIRALDELLI JÚNIOR, 2003, p.18). A Educação Militarista estava inspirada no fascismo que visava a formação do homem obediente.

    A Educação Física Pedagogicista encara a Educação Física como uma prática educativa, em que a educação do movimento é capaz de promover a educação integral. (GHIRALDELLI JÚNIOR, 2003). A ginástica, a dança e o desporto são meios para educar, mas também levar o aluno a aceitar as regras.

    A Educação Física Competitivista é caracterizada pela competição e a superação individual em que o atleta é considerado herói. (GHIRALDELLI JÚNIOR, 2003). A Educação Física se restringe ao desporto de alto nível, vinculada ao treinamento e ao rendimento. Nessa tendência o desporto seria capaz de aumentar o rendimento também educacional e trazer medalhas olímpicas ao país.

    A Educação Física Popular segundo Ghiraldelli Júnior (2003) está ligada a ludicidade e cooperação. Compreende que a educação dos trabalhadores está organizada para o confronto imposto pela luta de classes, com o objetivo de construir uma sociedade democrática.

    Segundo Darido (2003), em oposição as vertentes tecnicistas, esportivistas e biologistas surgem movimentos inspirados na história social pelo qual o Brasil passava. Tais concepções visam romper com o modelo mecanicista que embasava a Educação Física até então.

    A tendência Desenvolvimentista está estruturada na aprendizagem e no desenvolvimento motor. O objetivo da Educação Física é trabalhar as habilidades e capacidades motoras, oferecendo experiências de movimento adequadas ao nível de crescimento e desenvolvimento da criança, a fim de que a aprendizagem das habilidades motoras seja alcançada. Porém, nesta tendência não existe preocupação com a reflexão, com alfabetização e com a transformação, embora estas possam ocorrer como consequência. (DARIDO, 2003).

    A tendência Construtivista Interacionista segundo Darido (2003) é apresentada como uma proposta metodológica que se opõem as linhas de Educação Física escolar anteriores que buscavam o desempenho máximo de padrões de comportamento sem considerar as diferenças individuais e as experiências dos alunos, visando selecionar os mais habilidosos para competição. No Construtivismo Interacionismo a intenção é a construção do conhecimento a partir da interação do sujeito com o mundo, onde o conhecer é um processo constante de reorganização. As habilidades motoras precisam ser desenvolvidas, mas deve estar claro quais serão as consequências do ponto de vista cognitivo, social e afetivo. As habilidades motoras devem ser desenvolvidas num contexto de jogos e brincadeiras,

    Segundo Darido (2003) a tendência da Psicomotricidade condiciona todos os aprendizados escolares. Leva a criança a tomar a consciência de seu corpo, coordenação motora, equilíbrio, lateralidade. A Educação Física tem como objeto aperfeiçoar ou normalizar o comportamento geral da criança e favorecer a sua integração social, possibilitando as crianças condições para exporem suas dificuldades e ajuda-las a superar. “Assim, a psicomotricidade advoga por uma ação educativa que deva ocorrer a partir dos movimentos espontâneos da criança e das atitudes corporais, favorecendo a gênese da imagem do corpo [...]”. (LE BOUCH apud DARIDO, 2003).

    A tendência de Aptidão Física e Saúde busca contribuir para a melhoria da saúde, para a qualidade de vida das pessoas. Nesse sentido, a Educação Física Escolar tem por objetivo criar nos alunos o prazer e o gosto pelo exercício. Não basta que o aluno domine técnicas ou regras, mas saiba também como realizar essas atividades com segurança e eficiência. Segundo Darido (2003) essa tendência mostra-se preocupada com o condicionamento físico do aluno, com um fim biológico tendo conhecimento da fisiologia, biomecânica, nutrição e anatomia. Dessa forma a educação física escolar abrange a saúde envolvendo a frequência cardíaca, respiração e alimentação no preparo físico.

    De acordo com Bracht (1999) nas duas últimas décadas a Educação Física brasileira pode e vem sendo trabalhada nas escolas embasadas em algumas concepções, cada qual com sua especificidade e embora a prática pedagógica ainda resista a mudanças.

    Uma das propostas do autor pauta na abordagem desenvolvimentista, com o objetivo de oferecer as crianças oportunidades de experiências de movimento garantindo o seu desenvolvimento natural. “Sua base teórica é essencialmente a psicologia do desenvolvimento e da aprendizagem”. (BRACHT, 1999, p.78).

    A psicomotricidade entra como outra abordagem, mas nela, o movimento é apenas um instrumento em que as formas de se movimentar não são consideradas um saber a ser transmitido pela escola. Na abordagem de Aptidão Física, a principal tarefa da Educação Física é a promoção da saúde. (BRACHT, 1999).

    Kunz (2006) apresenta ainda outras três concepções. A primeira delas é a concepção Biológica Funcional, a qual enfatiza o exercício físico por meio do condicionamento físico dos alunos. Realizam atividades físicas de forma metódica e diferenciada de acordo com sexo e idade com o objetivo de promover a saúde.

    A segunda concepção é chamada pelo autor de Formativo Recreativa, em que o papel da Educação Física é contribuir na formação das habilidades motoras e da personalidade, desenvolvendo atividades coletivas de forma a evitar a competição e priorizar o prazer e a espontaneidade.

    E a terceira concepção se pauta na hegemonia do contexto escolar sendo denominada de Técnico Esportiva. Visa descobrir na escola o talento esportivo introduzindo todos á cultura esportiva pautada no rendimento dos padrões esportivos.

    Outra concepção apontada pelo autor é a Crítico emancipatória, trata-se de uma concepção progressista de educação, pois as propostas abordadas até aqui não estão vinculadas ao uma teoria crítica da educação, por não abordarem a criticidade diante do papel da educação na sociedade capitalista.

    Segundo Kunz (2006) a concepção Crítico Emancipatória busca alcançar por meio do movimento humano o desenvolvimento de algumas competências. Essas competências são a autonomia, a competência objetiva e a social. Trata-se de apresentar ao aluno o conhecimento cultural e historicamente acumulado para ser estudado com criticidade.

    O conteúdo principal do trabalho pedagógico da Educação Física Escolar, é o movimento humano e a Educação Física [...] busca alcançar, objetivos primordiais do ensino, e através das atividades com o movimento humano, o desenvolvimento de competências como a autonomia, a competência social e a competência objetiva. (Kunz, 2006, p.107).

    Dentro da perspectiva progressista surge ainda outra proposta denominada de Crítico Superadora, embasada na pedagogia histórico crítica, em que o objeto da área de conhecimento Educação Física é a cultura corporal que se consolida nos seus diferentes temas, esta tendência se pauta na superação das classes sociais e sistematiza o conhecimento em ciclos. (Coletivo de Autores, 1992).

    O Coletivo de Autores (1992, p.50) conceitua a Educação Física como [...] uma prática pedagógica que, no âmbito escolar, tematiza formas de atividades expressivas corporais como: o jogo, esporte, dança, ginástica, formas estas que configuram uma área de conhecimento que podemos chamar de cultura corporal.

    Procuramos não nos estender nesse trabalho, deste modo abarcamos as principais concepções desenvolvidas graças a sua contribuição em relação ao tema, pois há uma maior fonte de pesquisa para as concepções mencionadas acima, embora ainda podemos citar a abordagem de aulas abertas, abordagem humanista, Educação Física plural, Educação Física sistêmica, abordagem tecnicista , abordagem cultural, abordagem fenomenológica, abordagem dos jogos cooperativos, além dos Parâmetros Curriculares Nacionais, entre outras.

Considerações finais

    Considerando o processo histórico da Educação Física no Brasil, compreendemos que esta se desenvolveu fortemente ligada às instituições médica, militar e esportiva, sendo historicamente subordinada aos interesses destas instituições. A Educação Física surge com o papel de promoção de corpos saudáveis, dóceis, preocupados com a estética, mão de obra e nacionalismo, porém essa determinação inicial se altera por seio das mudanças históricas.

    A crítica que se faz é dada pela análise da função da educação e por ser parte integrante desta, a Educação Física, como se o seu papel fosse contribuir para a reprodução da sociedade capitalista marcada pela dominação e pelas diferenças de classe. Pois é notória a divisão da sociedade em classes sociais, em que de um lado está a classe dos opressores que detêm as propriedades e a riqueza, e de outro a classe dos oprimidos, cada vez mais pobres, sem direitos, sem valorização do seu trabalho, instruídos e manipulados a atender aos interesses dominantes a fim de reproduzir a lógica capitalista.

    Enquanto existir a sociedade dividida em classes a escola continuará sendo um ponto de partida para a exploração das massas e os professores sempre acabarão por defender os interesses do Estado (preposto da classe dominante em uma posição marxista clássica) se não tiverem claro a função da sua prática pedagógica no âmbito escolar.

    Buscando dar base ao ensino nas escolas surgiram diferentes concepções pedagógicas no decorrer dos tempos, e enquanto umas se fundamentavam na perspectiva da psicomotricidade e desenvolvimento motor, outras visavam contribuir para superação dessas vertentes pautadas na promoção de saúde, no tecnicismo e no desporto. No entanto, a escola se encontra marcada de práticas hegemônicas influenciadas pelas tendências históricas e é também – existem outros motivos marcantes – devido a esse contexto relacionado a interesses e valores da sociedade que a Educação Física assume um caráter de disciplina inferior, ainda mais na medida em que muitos professores não possuem nenhuma fundamentação teórica diante as práticas inseridas no âmbito escolar, apresentam práticas sem reflexão, baseadas no fazer pelo fazer, além de limitar seus conteúdos de ensino. O fato contribui para não legitimação da Educação Física escolar e para conservação do modelo configurado, que aliena os indivíduos, os preparando somente para o mercado de trabalho.

    Travou-se então no interior da Educação Física uma luta desde seu processo de constituição, entre as ciências biológicas e as sociais humanas, desta forma as concepções de Educação Física e seus objetivos na escola devem ser repensados. A busca de novos campos se concretizou por meio da contestação da ordem vigente, havendo um crescimento de matrizes críticas sob o ponto de vista da produção do conhecimento.

    Dentro das perspectivas críticas - que se pretendem revolucionárias - é necessário considerar o homem como um sujeito histórico que se apropria da cultura historicamente produzida, que se desenvolve na medida em que age e transforma a natureza das coisas. O conhecimento acumulado historicamente pela humanidade precisa ser ressignificado e transmitido aos alunos, sendo importante possibilitar ao aluno uma noção de historicidade corporal que lhes permita se compreender como sujeito histórico. Nesta reflexão a cultura corporal é admitida como linguagem em que o homem e a realidade são compreendidos dentro de uma visão de totalidade, o conhecimento se dá em espiral e deve ser compreendido como provisório.

    A identidade epistemológica da Educação Física não se encontra em um conhecimento científico próprio, assim sua identidade vai se construindo conforme as necessidades de cada época e dos interesses sociais vigentes, por isso é preciso ter clareza do real interesse da Educação Física escolar, a fim de contribuir para construção de um caminho próprio, crítico, comprometido com a transformação social. É preciso caracterizar a Educação Física por sua importância para a emancipação humana. Quanto a sua legitimação na escola, modestamente acreditamos que esta continuará a existir enquanto possuir função sócio-educativa que a justifique.

    Compreendemos nesse sentido, ser de extrema importância a utilização de teorias crítico progressistas. As concepções crítico emancipatória e a crítico superadora devem se fazer presentes na realização das práticas pedagógicas dos professores. É necessário compreender a Educação Física como um fenômeno histórico cultural, como uma disciplina que trata de um conhecimento, denominado de Cultura Corporal segundo Coletivo de Autores (1992) e de movimento humano (Cultura Corporal de Movimento) segundo Kunz (2006), que apresente aos alunos os diferentes conteúdos da Educação Física como conhecimento cultural construído historicamente pelo homem.

    Compreendemos deste modo, que a Educação Física pode e deve se justificar pela sua prática pedagógica por meio da articulação da teoria e prática. Práxis esta transformadora da realidade, preocupada com a formação de sujeitos capazes de se posicionar criticamente diante da cultura corporal em busca de uma superação de classe.

Nota

  1. Temos clareza do grande salto temporal posto nesta passagem, mas lembramos que o trabalho se preocupa em balizar o debate bibliográfico efetivamente realizado pelos autores tomados como referência. Neste sentido elaborações mais consistentes da formação humana como horizonte histórico não foram aqui contempladas.

Referências

  • BRACHT, Valter. A constituição das teorias pedagógicas da educação física. Cadernos Cedes, Centro de Educação Física e Desportos, Universidade Federal do Espírito Santo, ano XIX, nº 48, Agosto/99.

  • ______. Educação física/ciências do esporte: que ciência é essa? In: Revista Brasileira de Ciências do Esporte, v. 14, n.3, 1993, pp. 111-118.

  • ______. Educação Física e Ciência: cenas de um casamento (in) feliz. In: Revista Brasileira de Ciências do Esporte. V.22, n. I, p. 53-63, set.2000.

  • CASTELLANI FILHO, Lino. Educação física no Brasil: a história que não se conta. 3. ed. Campinas, SP: Papirus, 1991.

  • COLETIVO DE AUTORES. Metodologia do Ensino de Educação Física. São Paulo: Cortez, 1992.

  • DARIDO, Suraya Cristina, Educação física na escola: questões e reflexões. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 2003.

  • GAMBOA, Silvio Sánchez. Epistemologia da educação física: as inter relações necessárias. Maceió: EDUFAL, 2007. 165p.

  • GHIRALDELLI JÚNIOR, Paulo. Educação física progressista: a pedagogia crítico-social dos conteúdos e a educação física brasileira. 8. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2003. 63 p.

  • KUNZ, Elenor. Transformação didático pedagógica do esporte. 7ª ed. Ijuí: Unijuí, 2006.

  • MARINHO, Inezil Penna. Historia da educação física no Brasil. São Paulo: Cia. Brasil 140 p.

  • SOARES, Carmen Lúcia. Educação física: raízes européias e Brasil. 4. ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2007. 143 p. (Coleção Educação Contemporânea).

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