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Corpo e estética: uma análise a partir do vídeo ‘Padrão de beleza da mulher brasileira’ exibido pelo programa ‘Fantástico’ e suas possibilidades didático-pedagógicas nas aulas de Educação Física

Cuerpo y estética: um análisis a partir del vídeo “Modelo de belleza de la mujer brasileña’ exhibido por 

el programa ‘Fantástico’ y sus posibilidades didáctico-pedagógicas en las clases de Educación Física

 

*Graduada em Educação Física (Licenciatura) pela Universidade Federal de Sergipe (UFS)

Membro do grupo de pesquisa “LaboMídia” e do grupo “Corpo e Governabilidade”.

**Graduado em Educação Física (Licenciatura) pela Universidade Federal de Sergipe (UFS)

Membro do grupo de pesquisa EDaPECI/UFS.

***Graduado em Educação Física (Licenciatura)

pela Universidade Federal de Sergipe (UFS)

(Brasil)

Jessica Vitorino da Silva Terra Nova*

vitorino_jessica@hotmail.com

André Luis Rodrigues Souza**

andreluis.ufs@gmail.com

Diego Severo da Silva Alves***

diego_ufs@hotmail.com

 

 

 

 

Resumo

          Esse artigo objetiva analisar o vídeo “Padrão de beleza da mulher brasileira” que foi ao ar no programa do Fantástico no dia 14/07/2013 a fim de apontá-lo como possibilidade de se tratar pedagogicamente questões ligadas ao “corpo e estética” nas aulas de Educação Física para uma turma de Ensino Médio. Tratou-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa, como uma investigação de vídeo a partir de um método de análise e compreensão de discursos veiculados pela televisão. De todas as possibilidades apontadas a partir do vídeo duas foram escolhidas para serem desenvolvidas e discutidas nessa proposta: a primeira delas diz respeito à questão histórica imbricada nos padrões de corpo construídos e transformados no decorrer dos anos conforme o contexto político, econômico e cultural; e, a segunda trata do o uso das tecnologias para conquistar o corpo que se deseja, o corpo padrão vendido pelos inúmeros discursos culturais e sociais. O vídeo possibilita ao professor de Educação Física elaborar aulas com várias questões, abordando a parte conceitual, procedimental e a atitudinal tendo em vista a transformação crítica dos alunos frente a mídia, frente e as tecnologias ligadas a manipulação do corpo com fins estéticos propagadas na contemporaneidade.

          Unitermos: Corpo. Estética. Mídia televisiva. Programa fantástico.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 18, Nº 187, Diciembre de 2013. http://www.efdeportes.com/

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1.     Introdução

    Corpo e estética, duas palavras que tem fortes imbricações em se tratando de suas representações na contemporaneidade. Temáticas complexas e amplas, embora bastante discutidas, polemizadas, disseminadas na sociedade atual. Na contemporaneidade o corpo e sua relação estética encontram-se muito relacionados aos veículos de comunicação presentes nos mais diversos espaços/artefatos culturais, responsáveis em capturar e reproduzir sentidos e significados que circulam na cultura, como televisão, rádio, revistas, jornais, esportes e publicidade, internet, músicas, filmes entre outros.

    Neste artigo a estética é compreendida como uma faculdade humana baseada “na consciência de que há uma harmonia entre o entendimento e a imaginação e que, uma vez que essa harmonia pode ser apreendida por qualquer ser racional, os juízos de gosto podem ser partilhados pelos outros atingindo assim a sua necessária objetividade” (BLACKBURN, 1997, p. 127). Conforme Sodré e Paiva (2002, p.38-39), é necessário compreender que o campo social recebe influências das aparências sensíveis, “não necessariamente instaladas na ordem do real, mas também do possível e do imaginário. Somos afetados todo o tempo por volumes, cores e ritmos, assim como por narrativas e frases.”

    A partir de sua extensão representacional no campo do cultural, o corpo é aqui apresentado como vetor semântico pelo qual a evidência da relação com o mundo é construída. Para Bártolo (2007), onde se encontra um corpo dever-se-á encontrar também uma rede de relações instrumentais, uma série em funcionamento, de operadores epistêmicos, uma lógica de produção de sentidos, de um determinado sentido legitimador da rede de relações, do funcionamento dos operadores, do próprio procedimento das lógicas produtivas.

    Sendo assim, essa pesquisa tem como objetivo analisar o vídeo “Padrão de beleza da mulher brasileira” que foi ao ar no programa do Fantástico no dia 14/07/2013 a fim de apontá-lo como possibilidade pedagógica no trato a questões relacionadas ao eixo “corpo e estética” nas aulas de Educação Física para uma turma de Ensino Médio.

    O texto encontra-se dividido em três partes: no primeiro momento procuramos apresentar a metodologia do trabalho em questão, no que se refere à proposição da descrição do vídeo bem como a apresentação dos instrumentos de análise e das temáticas sob as quais o vídeo foi analisado; no segundo, tratar a mídia como meio de produção cultural, tendo como foco o corpo e os padrões de beleza. Na parte final, os dados são tencionados a fim de construir possibilidades para a utilização do vídeo proposto enquanto uma possibilidade pedagógica de abordar o corpo e a estética, como conteúdos da Educação Física em nível de Ensino Médio, a partir de duas temáticas: “Padrões corporais: considerações históricas” e “Corpo, estética e tecnologia”.

2.     Metodologia

    Desde a década de 1970 muitos estudos estão sendo realizados como forma de analisar discursos midiáticos, o modo pelas quais estes estão sendo recepcionados pela população e também acerca do “como” e “o quê” se aprende por intermédio das mídias. Permeando pelo campo educacional pautam-se as indagações sobre como a escola poderá contribuir para que os sujeitos se tornem usuários criativos e críticos destas novas ferramentas e não meros consumidores compulsivos de representações novas de velhos clichês. (BELLONI, 2005, p. 8)

    Baseando-se nos estudos proposto por Ferrés (1996) o procedimento de analise para essa pesquisa se constitui. Tal autor aponta a necessidade de um método de análise e compreensão de discursos veiculados pela televisão. Para a escola é sugerido o método compreensivo, na medida em que este propõe uma verdadeira compreensão das técnicas televisivas que ajudam a superar as análises superficiais, mas sem provocar a perda do prazer proporcionado pela mesma, ou seja, formar cidadãos críticos de modo que não seja necessário abrir mão do prazer e satisfação de assistir televisão. Vale lembrar que “as potencialidades emancipatórias dos meios de comunicação e de educação dependem da capacidade dos indivíduos de se apropriarem deles.” (BELLONI, 2005, p. 31)

    Tendo percebido inúmeras referências que tornaram eficazes a prática de se trabalhar a mídia, tanto como objeto de estudo e análise, quanto como ferramenta didática também no contexto da Educação Física Escolar, nos questionamos acerca das possibilidades de se tratar pedagogicamente a temática “corpo e estética” a partir do vídeo “Padrão de beleza da mulher brasileira” exibido no programa “Fantástico” da Rede Globo na edição do dia 14 de Julho de 2013. O “Fantástico”, também reconhecido como uma Revista Eletrônica Semanal, é exibido todos os domingos e carrega uma característica importante por unir a informação e o entretenimento, é assim, um programa de grande destaque no cenário televisivo brasileiro.

    O vídeo é referente a uma reportagem. Com seis minutos e vinte e quatro segundos de duração trata de uma pesquisa realizada pelo SENAI com o objetivo de desvendar quais são as reais medidas da mulher brasileira. O vídeo se inicia com duas breves perguntas realizadas pelos apresentadores do programa, Zeca Camargo e Renata Ceribelli: “Magrinhas, tipo ampulheta, ou mais cheias de curvas. Existe um padrão de beleza para a mulher brasileira?”, “Hoje, será que as medidas de Ieda serviriam para as passarelas?”

    As imagens recortadas que representam o momento do resultado do concurso de Miss Universo 1963 pela qual Ieda é proclamada vencedora, é revezado com as falas da mesma e da repórter, em que primeiro comentam a cerca do vestido utilizado por Ieda nos quatro concursos que participou (Miss Porto Alegre, Miss Rio Grande do Sul, Miss Brasil e Miss Universo) e logo depois a cerca dos quesitos que afetam a constituição de um corpo belo. A partir de suas falas, Ieda e a repórter afirmam que a beleza pode independer de intervenções clínicas, ou seja, é possível obtê-la com naturalidade: “Ela, que não fez dietas, cirurgias plásticas, nem passou horas na academia para vencer concorrentes de todo o mundo. Beleza que preserva até hoje”; “Nunca fiz uma plástica”.

    De acordo com a repórter que guia a narrativa, naquela época o corpo perfeito para uma miss Universo era aquele que cabia em um simples maiô. Mais largo no quadril e bem mais largo em cima no busto. Ela afirma ter sido esse o padrão máximo de beleza para uma mulher em 1963. No decorrer, os comentários gradativos a cerca dos padrões da década de 1960, 1970 e 1980, caracteriza o momento deste vídeo reservado para a exposição da historicidade destes padrões de beleza da mulher brasileira, no caso. Segundo a repórter, a década de 1990, representou o momento em que todo mundo achava que as magras iam dominar o mundo, no entanto surgem as dançarinas, esbanjando outro padrão de beleza: o da mulher cheia de curvas bem mais generosas, “uma resposta as passarelas”. Segundo Glória Kalil, a consultora, “Foi na época de 1990 que apareceu o axé. Aí começaram de novo a aparecer umas mais ‘coxudas’. Ao lado de uma Gisele Bundchen, você vai ver que diferença que tem. Na altura, no formato do corpo. E hoje, 2013, nós temos praticamente três padrões de beleza”, compara Glória Kalil.

    A fala da Glória Kalil, sempre ilustrada com as imagens das modelos referentes com foco no assunto pela qual é tratado, é seguida de mais uma questão apresentada pela repórter: “Miss, modelo ou mulherão? Afinal, quem agrada mais? O padrão miss universo, da Ieda Maria? O padrão passarela, tipo Gisele Bundchen? ou o padrão mais cheio de curvas, da Valesca Popozuda?” Sem revelar às donas das medidas, pra não ter favoritismo, a repórter vai às ruas para conferir a opinião pública. Esta se trata de outra divisão de característica mais empírica da pesquisa abordada nesta reportagem.

    Os comentários do público aparecem sob os mais diversos níveis, são coletadas opiniões dos dois sexos, masculino e feminino, sobre qual dos três padrões eles preferem. Uma jovem ao optar por Valesca comenta: “Ah! Não sei... acho que ela tem o maior corpão, pernão, bundão”. “Eu acho que é mais proporcional. Mais natural e proporcional”, justifica um homem que optou por Gisele. A avaliação de uma senhora que escolheu Ieda parte da idéia de que esta possui um corpo mais moldado “ela tem as coxas grossas. Aqui ela tem uma silhueta muito bonita” (aponta para as curvas do tronco, especificamente da cintura). Outro homem que também optou por Valesca Popozuda diz: “A mulher que mais representa a mulher brasileira seria essa daqui” (aponta para a imagem de Valesca).

    Para responder tais dúvidas e esclarecer as colocações públicas, a reportagem segue colocando as questões pela qual o SENAI está interessado em investigar tal problemática. O pesquisador do SENAI/CETIQT, Flávio Sabra, comenta a cerca da avaliação:

    Flávio Sabra: “Se eu fizer um comparativo entre Ieda Maria Vargas, as mulheres tanto do busto, quanto na cintura, quanto no quadril elas tão maiores. É perceptível em todas as faixas etárias. O busto, hoje, a gente encontra 89 (cm). A gente está aí com uma cintura de 78 cm e o quadril cresceu em 4 cm no comparativo ao corpo dela.”

    Neste quesito o vídeo se encerra com comentários de mulheres brasileiras, como da atriz Thaís Araujo, da ex-modelo Luiza Brunet e da consultora de moda Glória Kalil. Thaís além de comentar acerca destes padrões procura fazer uma avaliação a cerca de seu próprio corpo, principalmente em relação ao seu bem-estar. Luiza Brunet e Glória Kalil, detém suas opiniões a cerca da beleza mulher de um modo geral. Para ambas a beleza é individual, cada uma tem a sua, independente de modelos ou padrões, ou seja, “cada mulher é uma mulher linda. Ela tem que encontrar nela a beleza dela, cuidar do corpo de dentro pra fora pra ter uma vida saudável, pra ter uma longevidade bonita”, complementa Glória: “Eu acho que mais feliz e mais bonita é quem se olha no espelho e se acha bonita”.

    Com as imagens da Miss 1963, Ieda Maria Vargas, o vídeo se encerra e neste momento, a partir das falas, imagens e discursos apresentados no vídeo da reportagem é que tais perspectivas de tematização para as aulas de Educação Física foram pautadas. Optou-se por selecionar algumas das temáticas mais enfatizadas no vídeo, capazes de fazer relações com a vida cotidiana dos jovens e adolescentes de Ensino Médio. Tais temáticas abrangem, de certo modo, discussões específicas que são incorporadas nos padrões reconhecidos, ditados e difundidos socialmente.

3.     Mídia, corpo e estética

    A mídia como uma grande produtora de cultura, com todos os seus artefatos, têm sido o órgão principal de mediações. De acordo com Brandl Neto e Campos (2010), os meios de comunicação/as mídias, de modo geral, são em grande parte tendenciosos, nunca imparciais ou neutros e geralmente se colocam a serviço de uma classe específica. Segundo os autores estes recursos são constantemente contraditórios, “ao mesmo tempo em que publicam uma notícia sobre o corpo visando à saúde e o bem-estar, publicam inúmeras outras promovendo a doença, seja física ou psíquica”. (BRANDL NETO; CAMPOS, 2010, p. 90) Este conjunto de discursos, apresentados de forma sutil, vem acompanhado de um turbilhão de mensagens – sobre o que é bom, feio, bonito, normal, etc. – com a tentativa de definir certos padrões para a sociedade.

    A ação e o poder que a mídia exerce sobre os corpos, produzida através de seu discurso, torna-os objeto de diferentes pretensões. As propagandas mercadológicas carregadas de “valores” e impressões, através da falácia sobre um corpo belo e/ou saudável, padronizam os sujeitos como também interferem na auto-imagem e no bem-estar dos mesmos. O consumismo humano gerado a partir de expectativas de alcance ao padrão desejável propõe o surgimento de novas necessidades, antes inexistentes. A roupa da moda, o corte de cabelo daquela atriz famosa, cremes de anti-envelhecimento, “shakes” ou pílulas de emagrecimento, até mesmo a escolha das práticas corporais são determinadas pelo comando midiático.

    O mercado oferece tecnologias variadas para a conquista do corpo desejado [...]. São infinitas as formas de arquitetar a beleza artificial que as clínicas, far­mácias e até mesmo canais especializados em televendas oferecem, mas tudo tem um preço a se pagar, e às vezes paga-se com a vida. Essas tecnologias estão aí e sendo incentivadas aber­tamente, de uma forma perigosa, pelos meios de comunicação mais procurados pelos jovens. (CRUZ, 2008, p.2 apud SILVA; SANTOS; MEZZAROBA, 2011, p. 45).

    Em muitos casos, muitos jovens se fazem uso da mídia sem o cuidado de analisá-la e contextualizá-la, avalia-se tal caso como um problema/dificuldade comum. “Sem perder de vista “as finalidades maiores da educação, ou seja, formar o cidadão competente para a vida em sociedade o que inclui a apropriação crítica e criativa de todos os recursos técnicos à disposição desta sociedade” (BELLONI, 2005, p.5) aponta-se para a escola, para o professor, tanto o papel de construir conhecimentos apropriados para o uso adequado das máquinas, como também o de educar tais sujeitos para recepcionar tais discursos.

4.     Tematização do áudio-visual

    Para facilitar a didática textual, optamos por separar as duas temáticas e transcorrê-las separadamente, mesmo entendendo que estas se inter-relacionam. Cabe lembrar que tais temáticas e reflexões foram aqui avaliadas como relevantes para o apontamento de discussões nas aulas de Educação Física Escolar. Neste sentido, passamos a apresentá-las.

4.1.     Padrões corporais: breves considerações históricas

    O corpo é uma entidade social e simbólica que ultrapassa os limites genéricos, naturais, biológicos. Entender que este é parte de uma construção histórica, que carrega consigo os mais variados signos presentes nos mais diversos contextos e que através do corpo se estabelece os padrões sociais, com vista nos interesses mercadológicos, é a idéia central que sustenta a discussão dessa temática.

    Por ser histórico e acompanhar os parâmetros culturais, sociais, econômicos, etc. que se instituem na sociedade periodicamente, pode-se afirmar que o ser humano vive em um processo contínuo de metamorfose corporal na medida em que este se constitui e reconstitui a partir das suas relações com os outros e com o mundo que os cerca. Sant’Anna (2000) em seu trabalho “As Infinitas Descobertas do Corpo”, afirma que “o conhecimento do corpo é por excelência histórico, relacionado aos receios e sonhos de cada época, cultura e grupo social.” Não há dúvida, portanto, que o homem, por si só, é produto do seu corpo, sobrepondo as características estéticas a quaisquer outras.

    A busca incessante por uma imagem saudável, jovial e invejável, reforça o conceito de que o corpo é objeto dos anseios e desejos de cada sociedade, conforme a época por qual passa. Este desejo pelo corpo belo desperta no individuo a procura excessiva por cirurgias plásticas, dietas, suplementações e atividades físicas, independentemente dos gastos e riscos inerentes ao descontrole por um corpo ideal. O corpo modelado se tornou algo obrigatório, e as “gordinhas”, antes admiradas, se tornaram a representação do fracasso pessoal.

    No vídeo analisado a pergunta inicial realizada pelos apresentadores do programa já incita, envolta a dúvida, tal processo de mudanças sob os padrões corporais, diga-se, de beleza. Uma das temáticas mais enfatizadas se refere aos padrões de beleza constituídos socialmente e suas diversas mudanças e transformações no decorrer histórico, não esquecendo que a noção de um “corpo perfeito” há muito existiu, muda-se apenas os padrões (as medidas, as formas, o modo de vestir, etc.). É uma percepção clara quando os elaboradores da reportagem optam por comparar um padrão da década de 1960 representado pela figura da Ieda Maria Vargas aos padrões mais atuais, da Gisele Bündchen e da Valesca Popozuda.

    Nos anos de 1960, a mulher assumiu uma postura mais erotizada, curvilínea e desafiadora. Passou a valorizar mais o seu corpo, usando vestidos rodados e minissaias, deixando-o mais à mostra. Nos anos de 1970, o estilo hippie despontava com roupas largas, faixa de pano na cabeça, sapatos plataforma e cabelos sem corte definido. Os anos 1980, por sua vez, traduziam a sensualidade e sofisticação das mulheres, marcado por paetês, decotes, topetes, cabelos assimétricos, cores e brilho. A extravagância e ostentação da mulher eram os símbolos da época. Na década de 1990 a mulher atlética, destemida e inteligente despontava cada vez mais, pois o corpo passa a ser visto como veículo de poder, de sedução e atração do indivíduo.

    A cada década há uma nova forma de cultuar o corpo, novas tendências são seguidas e novos estilos de vida aparecem. As características presentes numa determinada época, nem sempre, ou quase nunca, se coadunam com as exigências de um novo período social, político e econômico. Tanto é assim, que as medidas apresentadas pela Miss Universo brasileira Ieda Maria, nos anos de 1960, não se enquadram nas exigências atuais do mundo da moda, como bem demonstra o vídeo sobre este quadro.

    A discrepância entre as noções de beleza e corpo ideal é bastante visível entre as décadas, uma vez que as mulheres tinham que ter o corpo mais curvilíneo, alto e magro, ora mais cheinho; a pele ora opaca, ora bronzeada. Atualmente, tem-se o convívio simultâneo de três padrões com suas medidas bem específicas, seja miss, modelo ou mulherão, embora, o corpo mais cobiçado pela população brasileira, segundo pesquisa do Fantástico, seja aquele com pernas grossas, busto grande e belas curvas, o “corpo mulherão”, disseminado pelas dançarinas de axé music na década de 1990. Dentre todas essas transformações, transições de contextos, é possível rotularmos “o padrão”, específico, da mulher brasileira? Diante de tantas tensões é cabível tal rótulo?

4.2.     Corpo, estética e tecnologia

    Aparatos tecnológicos, dentre as mais variadas espécies, nada mais fazem do que reforçar a necessidade humana de superar sua frágil natureza corpórea. Com o advento da modernidade, o imperativo da constituição de um novo homem, outros parâmetros educacionais relativos ao corpo representante dessa nova ordem são enfatizados. É um corpo que necessita ser transformado a qualquer custo, e para tanto é minimizado, fragmentado, esquartejado a partir de um viés racional pela qual compartilha o conhecimento científico.

    O mercado, que adquiri maior força em meio a todas essas tensões, é o órgão que sustenta e gerencia toda essa produção, inculca necessidades antes inexistentes de modo que movimente o consumo e o capital, neste contexto o corpo tem sido o principal alvo de investimento. Os veículos midiáticos, nesta via, sãos os principais responsáveis pelo elo de interlocução entre o mercado e o consumidor que deseja um corpo perfeito, invejável, padronizado.

    A cultura que se institui é o modo de referência de uma representação de um contexto, não é possível falar de homem sem falar de cultura e vice-versa. Dietas, cirurgias plásticas, cosméticos, horas na academia são ferramentas/tecnologias de intervenções corporais mais difundidas, e que, sobremaneira, sobrepõe à idéia de um corpo natural, tendo em vista o suprimento de uma necessidade que foge daquelas ditas vitais, emergenciais, regidas pelo instinto.

    O papel das mídias na sociedade pode ser pensado a partir do seu poder de propor definições da realidade via agendamentos e tematizações. Nestas definições da realidade, além de um trabalho de reprodução de elementos da cultura e da sociedade que a constitui e da qual participa ativamente, pode ser percebido também esse trabalho discursivo concomitante de produção e instituição de sentidos. O conjunto de discursos da mídia traz uma multiplicidade de vozes que propõe diferentes definições do que seja “certo”, “bom” ou “bonito”.

    A mídia também gera um quadro totalmente contraditório e confuso. Enquanto propaga o consumo de alimentos hipercalóricos, a sociedade e a própria mídia em si, impõe corpos magros. Surgem, portanto, os mais diversos tipos de transtornos sejam alimentares, psíquicos, sociais, etc. O que essas doenças expressam? A coerção social sobre o corpo feminino, vítima de idealizações largamente difundidas pelos meios de comunicação. Aparentemente, o corpo pertence à natureza, seu metabolismo e fisiologia.

    A relação da natureza do corpo e as tecnologias pensadas com a intencionalidade de transformá-los são enfáticas no vídeo da reportagem. Como reforça a fala da Iêda Maria, o corpo da mulher dos anos 1960 era, em geral, um corpo natural, desprovido de recursos tecnológicos. Há décadas percebemos que a tecnologia voltada ao corpo está ganhando muito espaço. Em busca do corpo desejado, diversas tecnologias estão sendo implantadas, essas que vão de um suplemento alimentar, aparelhos para academia, engenharia genética, esteróides anabolizantes, cirurgias plásticas, etc.

    O vídeo do Fantástico “padrão da mulher brasileira” propõe esse diálogo quando explicita Iêda Maria Vargas, miss dos anos 1960, como uma “mulher natural” por não se utilizar de nenhum aparato tecnológico (moderno). A mulher dessa época possuía o corpo “natural”, ao contrário dos corpos das modelos e principalmente das dançarinas, modelos corporais também representados na matéria do Fantástico. O Corpo da dançarina, muito mais que o da modelo, pode-se dizer que é um “corpo tecnológico”, pois está conectado com a indústria da beleza, na medida em que se investe cada vez mais em tecnologia para oferecer uma gama de recursos para “turbinar” o corpo feminino. São produtos para o cabelo, pele, rosto, do silicone, principal referência nos corpos destas dançarinas.

    Segundo Giddens (2001 p.367 apud CAETANO, 2006), os vários tipos de mídia, como jornais ou a televisão, têm uma ampla influência sobre nossas experiências e sobre a opinião pública, não apenas por afetarem nossas atitudes de modo específico, mas por ser, muitas vezes, o único meio de acesso ao conhecimento do qual dependem muitas atividades sociais.

5.     Considerações finais

    Pensando nas possibilidades de tornar os sujeitos críticos e reflexivos frente aos padrões, discursos e comportamentos influenciados ou impostos pela mídia foram pontuados alguns temas recorrentes circundantes ao eixo enfatizado: “o corpo e estética”, que podem ser abordados na escola, inclusive pelo professor de Educação Física. A partir do vídeo sugerido existem outras inúmeras temáticas capazes de gerar discussões a cerca de várias outras concepções que estão ocultas com os alunos, como estética, obesidade, saúde, bem-estar etc. Vale ressaltar que as discussões e as associações com o vídeo foram pautadas de modo superficial o que propicia, apenas, o levante de algumas noções a cerca do que está sendo discutido na área, mas abre, portanto, possibilidades de alçar vôos maiores frente ao tema em perspectivas futuras, conforme os interesses pessoais de cada professor.

    Abrir o leque dos alunos frente aos discursos que permeiam no seu universo imagético e simbólico, as influências incorporadas sem consciência que leva a transformações comportamentais diversas, muitas prejudiciais à saúde, as tecnologias impregnadas na busca do corpo padrão, o consumo exacerbado, os fatores de risco bem como os fatores que nos colocam de bem com a vida, consigo mesmo e com o mundo, faz parte da função social que o professor, a escola e a educação, de um modo geral pertence. No entanto a aula não precisa se restringir apenas à teoria. O vídeo possibilita ao professor elaborar uma aula com várias questões, abordando a parte conceitual, procedimental e a atitudinal tendo em vista a transformação crítica dos alunos frente à mídia, frente à “chuva” de tecnologias propagadas nesta contemporaneidade.

Referências

  • BÁRTOLO, J. Corpo e Sentido: estudos intersemióticos. Livros LabCom, 2007.

  • BELLONI, M. L. O que é Mídia-Educação. Campinas, SP: Autores associados, 2005.

  • BEZERRA, H. P. de O. Corpo e Saúde: Reflexões sobre o quadro “Medida Certa”. Natal: UFRN, 2012.

  • BLACKBURN, S. Dicionário Oxford de Filosofia. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.

  • BRANDL NETO, I.; CAMPOS, I.G. de. A influência da mídia sobre o ser humano na relação com o corpo e a auto-imagem de adolescentes. IN: Caderno de Educação. Marechal Cândido Rondon, v. 9, n. 17, p. 87-99, 2. sem., 2010.

  • CAETANO, G.J. Saúde é o que interessa! O resto não tem pressa. Secretaria de Estado da Educação do Paraná. Educação Física, 2006. Disponível em: http://www.coweb.com.br/arq/arq3727.pdf. Acesso em: 9 de set. 2013.

  • FÉRRES, J. Tecnologia e Educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.

  • FUGIKAWA, C.S.L; et al. Educação Física – Ensino Médio. Curitiba: SEED/PR, 2006.

  • PESQUISA investiga qual o padrão de beleza da mulher brasileira. Globo TV/ Fantástico. 6,24min. Son, Color. 14 Jul. 2013. Disponível em: http://globotv.globo.com/rede-globo/fantastico/v/pesquisa-investiga-qual-o-padrao-de-beleza-da-mulher-brasileira/2692170/. Acesso em: 10 de set. 2013.

  • SANT'ANNA, D.B. de. As infinitas descobertas do corpo. In: Cadernos pagu. Revista Semanal do Núcleo de Estudos de Gênero. Campinas: Unicamp, 2000.

  • SILVA, M. de L.; SANTOS, V.E.A. MEZZAROBA, C. A compreensão de alunos do Ensino Fundamental de uma Escola Pública sobre saúde, corpo e mídia a partir da telenovela “Malhação”. Caderno de Educação Física Marechal Cândido Rondon, v. 10, n. 19, p. 43-54, 2. sem., 2011.

  • SODRÉ, M.; PAIVA. R. O império do grotesco. Rio de Janeiro: Mauad, 2002.

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