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A prática do atletismo: uma realidade no meio escolar?

La práctica del atletismo. ¿Una realidad en el ámbito escolar?

 

*Pós-graduada em Educação Física escolar.

**Doutor em Psicologia Social. Docente da UNISUAM e UVA/RJ

(Brasil)

Luciana Silva Cardeal*

Valdo Vieira**

valdovieira@yahoo.com.br

 

 

 

 

Resumo

          O Atletismo é um esporte que permite múltiplas possibilidades de ações pedagógicas, porém parece não ter a devida importância no dia a dia escolar. Com o intuito de verificar sua inserção no meio escolar, foi solicitado a 16 professores de Educação Física, docentes atuantes na rede estadual do município de Duque de Caxias, município do Rio de Janeiro, que respondessem a um questionário sobre o ensino do Atletismo na escola. Constatou-se que 62,5% dos professores desenvolvem o Atletismo em suas aulas, porém, de forma adaptada, devido a falta de recursos materiais e espaço físico apropriados, o que é a mesma justificativa dos professores que não contemplam em seu planejamento o Atletismo. Constatou-se também que ter como estratégia a utilização de atividades recreativas é uma forma de motivar os alunos e fazê-los conhecer o Atletismo. Somando as demais informações coletadas, pode-se concluir ser importante que na formação em Licenciatura em Educação Física, o futuro professor tenha vivências em Atletismo em espaços e materiais adaptados, pois essa possivelmente será a sua realidade no cotidiano profissional.

          Palavras-chave: Atletismo. Escola. Educação Física.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 18, Nº 187, Diciembre de 2013. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    A atividade física desenvolvida pelos professores na escola que usam técnicas psicomotoras busca favorecer a motricidade natural e ajudar na melhor realização de movimentos no jogo, nas danças, na corrida, no salto, no correr e saltar, no correr e pular, a fim de proporcionar mais autonomia para criar novas formas corporais (RETONDAR, 2001). Essa concepção leva a crer que quanto maior o número de experiências motoras, maior será a capacidade de desenvolver autonomia de movimento após o término da escolarização formal, porém esses conteúdos não costumam ser trabalhados em sua dimensão conceitual e atitudinal. (DARIDO, 2001).

    Entende-se que a prática de atividade física vivenciadas na infância e adolescência se caracteriza como importante atributo no desenvolvimento de atitudes, habilidades e hábitos que podem auxiliar na adoção de um estilo de vida ativo na vida adulta (Guedes; Guedes, 1996 apud DARIDO, 2008). Portanto é fundamental a necessidade de novos conteúdos nas aulas de Educação Física, ou mesmo melhor aproveitamento do que já está no programa de ensino.

    Um desses conteúdos pertinentes é o Atletismo. Entretanto, com toda a sua importância dentro da Educação Física, pela íntima relação com a História dos Esportes desde a pré-história, pelo aspecto utilitário, ou então na Grécia, com a realização dos Jogos Olímpicos da Antiguidade, mesmo assim, o Atletismo é um esporte muitas vezes negligenciado na Educação Física escolar. Isso é confirmado com a afirmação de Lencina (1999 apud MEURER; SCHAEFER; MIOTTI, 2008; FAGANELLO; MATTHIESEN, 2007), que culpa a falta de infraestrutura física das escolas como um dos principais motivos pelo desinteresse em trabalhar o Atletismo nas aulas de Educação Física.

O Atletismo

    A Confederação Brasileira de Atletismo define a modalidade da seguinte maneira: “o Atletismo é um esporte com provas de pista (corridas), de campo (saltos e lançamentos), provas combinadas, como decatlo e heptatlo (que reúnem provas de pista e de campo), o pedestrianismo (corridas de rua, como a maratona), corridas em campo (cross country), corridas em montanha, e marcha atlética.”

    Seu surgimento pode ter relação com o aparecimento do homem primitivo, já que os movimentos básicos do Atletismo tem relação com o instinto de sobrevivência (JUSTINO; RODRIGUES, 2009). Isto quer dizer que muito antes do esporte de rendimento, o homem em épocas primitivas dependia da força, velocidade e resistência para sobreviver. Sua condição de nômade exigia longas caminhadas, durante as quais lutavam, corriam, saltavam e nadavam. O homem era superior no reino animal no plano psicomotor, devido ao domínio de um gesto próprio que era a capacidade de atirar objetos, já que possui polegar em oposição aos demais dedos, facilitando a preensão, aperfeiçoando assim a habilidade de lançar (OLIVEIRA, 2008). Assim são retratados movimentos naturais que se assemelham a base do esporte Atletismo.

    Há ainda os que consideram o Atletismo como toda e qualquer atividade que envolve as habilidades motoras de correr, marchar, saltar, lançar e arremessar, mas devemos ter certos cuidados com essa colocação, já que nem tudo o que envolve essas habilidades motoras é, necessária e exclusivamente, Atletismo, pois este envolve caracterizações normativas e técnicas de movimentos bem específicas. Portanto, a corrida do Atletismo não é uma corrida qualquer, assim como o saltar, o arremessar e o lançar não podem ser considerados de uma forma descontextualizada (MATTHIESEN, 2007).

    Os autores citam Souza (2005 apud SOUZA et al., 2006) para distanciar um pouco o Atletismo das atividades naturais, conceituando atividades naturais como patrimônio motor humano, enquanto Atletismo é a codificação dos gestos básicos em esporte, atividade social e cultural. E ainda enfatiza que devemos oportunizar a crianças e adolescentes que recuperem a alegria de jogar e brincar com as corridas, saltos e lançamentos, mesmo sendo inexpressiva difusão do Atletismo no âmbito escolar, o que talvez ocorra por ser muito comum, segundo Kunz (1998 apud MEURER; SCHAEFER; MIOTTI, 2008), o maior interesse pelos jogos com bola, do que saltar em altura, correr longas distâncias, e realizar outras provas que sejam pouco lúdicas no contexto escolar. E ainda segundo Oro (1984 apud MEZZAROBA, 2006), a bola é instrumento de comunicação interpessoal e de autoexpressão, portanto sendo o Atletismo preterido, considerado sem graça, por não usá-la.

Aplicação no meio escolar

    A iniciação ao Atletismo constitui a primeira fase do processo de ensino-aprendizagem para as formas de caminhar, correr, saltar, lançar e arremessar, de maneira ainda básica em relação aos padrões do esporte (MEZZAROBA, 2006). Porém muitos professores, durante as aulas, têm como único objetivo ensinar movimentos técnicos de uma modalidade esportiva, mais preocupados com o “saber fazer”. Com isso, conceitos e atitudes inerentes ao conteúdo ministrado ficam em segundo plano (PRADO; MATTHIESEN, 2007).

    Marca-se a partir dos 11 anos, a idade média para o início, por meio do jogo, do ensino do Atletismo, sendo essa fase favorável ao interesse por atividades que desafiem as qualidades físicas da criança. E por meio do Atletismo podem desenvolver gestos básicos que serão aplicados em outros esportes, além de qualidades físicas como velocidade, força, agilidade, destreza, entre outras (SOUZA et al., 2006).

    Marques e Iora (2009) alegam que mesmo com ampla possibilidade, a transmissão de repertório de movimentos e jogos é limitada por restrições como a falta de espaço e também falta de materiais apropriados, motivação e criatividade do professor, além de não haver uma formação continuada que permitiria novas formas de desenvolvimento das aulas. Os autores ainda relatam a falta de preocupação da Educação Física escolar em desenvolver inovações que contribuam com a descoberta de novas brincadeiras, jogos e possibilidades de movimento.

    O professor de Educação Física escolar, muitas vezes, não explora as possibilidades de contextualização da prática, seja por falta de material, ou por falta de conhecimento do contexto histórico-cultural da modalidade. O que pode levar a uma visão errônea de que a Educação Física é uma disciplina secundária no processo de formação da criança (PRADO E MATTHIESEN, 2007; MARQUES E IORA, 2009). Freire (1997) crê em um possível exagero de sua parte, mas ainda assim ele acredita que a falta de criatividade, o que leva a certo comodismo, é o que pode ser um dos graves empecilhos para uma Educação Física de melhor qualidade.

O Atletismo no currículo escolar

    Embora o Atletismo seja um dos conteúdos clássicos da Educação Física, porém é pouco difundido no Brasil. Isso se constata facilmente quando perguntamos em sala de aula, para os nossos alunos universitários, quem teve Atletismo em sua época durante a Educação Básica.

    A deficiência do ensino do Atletismo no período escolar que antecede ao Ensino Superior faz com que muitos cheguem a essa etapa com um conhecimento muito restrito sobre essa modalidade esportiva, que para muitos é baseado no que a televisão oferece, principalmente em épocas de Jogos Olímpicos, quando o esporte fica mais em foco (MATTHIESEN, 2007).

    O Atletismo é um esporte que permite facilmente a adaptação de materiais e espaços, basta que o professor tenha interesse e criatividade para oferecer o conhecimento dessa modalidade a seus alunos (SOUZA et al., 2006). Neste ponto creio que ser importante destacar dois aspectos que podem estar afastando o Atletismo da escola: comodismo dos professores, o que pode ampliar o segundo aspecto, que é a falta de interesse por parte dos alunos. Com base na experiência profissional, percebi isso quando tentei introduzir o conteúdo para meus alunos e em sua maioria tive uma rejeição inicial, por acharem, de antemão, chato e um pouco complicado para compreensão, diante da grande quantidade de modalidades.

Metodologia

    Para analisar como o Atletismo é aplicado no conteúdo escolar e mesmo o porquê da sua não aplicação, foi feito um levantamento a partir de um questionário aplicado a professores de Educação Física vinculados a rede estadual de ensino do Estado do Rio de Janeiro, que atuam em um bairro de Duque de Caxias, e cada escola abrangendo principalmente o segundo segmento do ensino fundamental.

    O questionário utilizado foi validado por 3 professores pós-graduados e foi composto por 11 perguntas, abertas e fechadas, e revisto após um estudo piloto realizado com professores também atuantes no ambiente escolar.

    Foram visitadas 4 instituições de ensino na região escolhida. Todos os professores participantes da pesquisa têm pelo menos um ano de experiência no magistério e permanecem como regentes de turma em suas respectivas instituições de ensino.

    Foram questionados 16 professores (11 homens e 5 mulheres), a fim de conhecer suas considerações sobre o ensino do Atletismo nas escolas, e quais as dificuldades e razões que poderiam estar excluindo esse conteúdo, e que sugestões teriam sobre como elaborar um programa de iniciação do Atletismo nas aulas de Educação Física.

Resultados

    Os dados obtidos revelam que 62,5% (10 professores) afirmaram que o Atletismo faz parte do seu conteúdo programático (a Tabela 1 mostra as modalidades desenvolvidas), enquanto dos 37,5% (6 professores) que não desenvolvem o Atletismo em suas aulas, 4 deles alegaram como principais motivos a falta de materiais apropriados, espaço físico específico e motivação por parte dos alunos. Outro professor mencionou a falta de experiência na escola e o último professor não manifestou opinião.

Tabela 1. Modalidades incluídas nos conteúdos programáticos dos professores entrevistados.

    Dos 16 professores questionados, a maioria (15 professores) teve o Atletismo como uma das disciplinas curriculares na graduação, mesmo assim encontram dificuldades para aplicação do conhecimento pela grande diferença entre a graduação e as condições apresentadas no ambiente escolar.

    Em relação aos recursos materiais necessários e disponíveis para a aula, não foi estabelecido no questionário um padrão do que realmente seriam recursos apropriados para implantação do Atletismo nas aulas de Educação Física, ficando livre a interpretação por parte dos professores. Assim, 11 professores (68,75%) declararam não possuir materiais apropriados para o desenvolvimento do Atletismo, sendo que desses, 4 também citaram a falta de espaço apropriado e a falta de segurança como limitações. Essas questões colaboram para tornar o Atletismo pouco atrativo na escola e em um aprendizado deficiente, caso ministrassem esse conteúdo.

    Dos cinco professores que declararam possuir recursos materiais apropriados para suas aulas de Atletismo citaram os seguintes instrumentos de trabalho: cones, cordas, plinto, bastões. Nenhum dos cinco professores citou algum material próprio do esporte nas suas aulas. E por fim, mantendo a coerência, todos os professores que declararam inicialmente não desenvolver o Atletismo em suas aulas, também declararam que não possuíam materiais e espaço apropriados, reforçando mais uma vez os motivos da ausência do Atletismo no planejamento e execução de suas aulas.

    O Atletismo desenvolvido de forma lúdica, segundo os professores, é possível, resposta dada mesmo pelos docentes que não aplicam o Atletismo em suas aulas. De uma forma geral, pode-se sintetizar as opiniões dos respondentes na seguinte afirmação: estafetas, contestes, jogos de pique e corridas adaptadas com obstáculos, desenvolvidos como atividades recreativas, remetem ao Atletismo, motivam e que, dessa forma - ‘brincando’ - os alunos passam a conhecer o Atletismo.

    E em relação aos recursos didáticos (vídeos, imagens, livros e apostilas) utilizados pelos professores para auxiliar no processo de ensino-aprendizagem do Atletismo, 68,75% (11) utilizam esses recursos. Na tabela 2, pode-se observar os recursos didáticos utilizados pelos professores.

Tabela 2. Recursos didáticos utilizados pelos professores

Considerações finais

    As escolas da região do estado do Rio de Janeiro investigada não possuem espaços próprios para a prática do Atletismo, sendo que uma delas não possui espaço algum para a prática das aulas, complicando ainda mais a possibilidade de aplicação do Atletismo. Cabe ressaltar que embora isso dificulte a prática, não inviabiliza que sejam desenvolvidos os aspectos conceituais e atitudinais.

    Foi possível constatar que o Atletismo é um conteúdo utilizado nas aulas de Educação Física, porém com muitas restrições. O fato de professores desenvolverem o Atletismo sem recursos, enquanto outros docentes da mesma escola não tem a mesma preocupação, reforça as palavras de Freire (1997), que crê em uma possível falta de criatividade e comodismo por parte dos professores de Educação Física na escola.

    E ainda ficou caracterizado que os professores que responderam ao questionário acreditam na capacidade do Atletismo ser aprendido na escola, seja de forma técnica ou lúdica, utilizando criatividade, recursos visuais e parte do conhecimento da graduação para estimular a vivência do Atletismo. Corroborando com a afirmação feita por Darido (2001) e Retondar (2001), de que quanto maior for o número de experiências motoras, mais autonomia para criação de formas corporais e domínio de movimentos após o fim de sua vida escolar o jovem terá e isto contribuirá para a uma vida ativa.

    A partir da análise dos dados dos questionários, percebe-se que o Atletismo na escola está intimamente ligado a jogos recreativos, o que pode auxiliar na recuperação da alegria da prática do esporte preconizada por Souza (2005 apud SOUZA et al., 2006) quando bem aplicado pelos professores.

Referências

  • COLETIVO DE AUTORES. Metodologia de ensino da Educação Física. São Paulo: Cortez, 1992.

  • DARIDO, S.C. Os conteúdos da Educação Física escolar: influências, tendências, dificuldades e possibilidades. Perspectivas em Educação Física escolar, Niterói, RJ, v. 2, n. 1 (suplemento), 2001.

  • FAGANELLO, F.R.; MATTHIESEN, S.Q. Pesquisando dissertações de mestrado e teses de doutorado relacionadas ao Atletismo: contribuindo para a sua difusão no campo escolar. Revista Digital, Buenos Aires, ano 12, n. 108, mai., 2007.

  • FREIRE, J.B. Educação de corpo inteiro – teoria e prática de educação física, ed. 4, São Paulo: Scipione, 1997.

  • JUSTINO, E.O.; RODRIGUES, W. Atletismo na escola: é possível? Educacaofisica.org.

  • OLIVEIRA, V.M. O que é Educação Física, ed. 11, São Paulo: Brasiliense, 2008.

  • MARQUES, C.L.S.; IORA, J.A. Atletismo escolar: possibilidades e estratégias de objetivo, conteúdo e método em aulas de Educação Física. Revista Movimento, Porto Alegre, v. 15, n. 2, p. 103-118, abr.-jun., 2009.

  • MATTHIESEN, S.Q. Atletismo: teoria e prática. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2007.

  • MEURER, S.T.; SCHAEFER, R.J.; MIOTTI, I.M.L. Atletismo na escola: uma possibilidade de ensino. EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, ano 13, n. 120, mai., 2008. http://www.efdeportes.com/efd120/atletismo-na-escola.htm

  • MEZZAROBA, C. et al. A visão dos acadêmicos de Educação Física quanto ao ensino do Atletismo na escola. EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, ano 10, n. 93, fev., 2006. http://www.efdeportes.com/efd93/atlet.htm

  • PRADO, V.M.; MATTHIESEN, S.Q. Para além dos procedimentos técnicos: o Atletismo em aulas de Educação Física. Motriz, Rio Claro, SP, v.13, n.2, p. 120-127, abr.-jun., 2007.

  • RETONDAR, J.J.M. A importância do ensino rítmico na escola. Perspectivas em Educação Física escolar, Niterói, RJ, v. 2, n. 1, p. 13-24, 2001.

  • SOUZA, P.D. et al. Atletismo nos jogos internos da Educação Física: compreendendo os motivos do desinteresse de sua prática. EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, ano 11, n. 103, dez., 2006. http://www.efdeportes.com/efd103/atletismo-educacao-fisica.htm

  • VIEIRA, S.; FREITAS, A. O que é Atletismo: história, regras e curiosidades. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2007.

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