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A formação do CEFD/UFSM e da FACDEF/UNT: 

um estudo comparativo sobre o predomínio dos conhecimentos

La formación del CEFD/UFSM y de la FACDEF/UNT: un estudio comparativo sobre la hegemonía de los conocimientos

 

*Autora. Professora em Educação Física pela Universidad Nacional de Tucumán, Argentina

Acadêmica de Pôs- Graduação em Educação Física - Especialização em Educação Física Escolar na Universidade Federal de 

Santa Maria. Integrante do grupo de pesquisa LEEDEF (Linha de Estudos Epistemológicos e Didáticos em Educação Física)

**Orientadora. Possui Graduação em Educação Física pela Universidade Federal de Santa Maria

Mestrado em Educação Física pela Universidade Federal de Santa Catarina e Doutorado

em Ciência do Movimento Humano pela Universidade Federal de Santa Maria. Professora

orientadora no Programa de Mestrado em EF da Universidade Federal de Santa Maria 

Coordenadora da Linha de Estudos Epistemológicos e Didáticos em EF- LEEDEF

Micaela Mano*

mik_mano@hotmail.com
(Argentina)

Maristela da Silva Souza**

maristeladasilvasouza@yahoo.com.br

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          A formação superior, nas ultimas décadas veio formando profissionais voltadas ás demandas do capital, ficando evidente nos projetos pedagógicos curriculares das universidades. No sistema capitalista, a formação é tratada como uma forma de qualificar o trabalhador, para que possa se inserir no mercado de trabalho. Entendemos que tanto a Argentina quanto o Brasil, são países do capitalismo dependente, e historicamente tem cumprido uma função especifica dentro do sistema capitalista. Na área dos conhecimentos, cumpre a função especifica de aplicar e reproduzir os conhecimentos dos países centrais. Neste contexto entendemos a necessidade de estudarmos a realidade da formação em EF de dois países que se colocam na história enquanto dependentes no processo de produção de conhecimento e formação profissional, o Brasil e a Argentina. Temos o interesse de contribuir no entendimento de que as realidades apresentadas nos Projetos Pedagógicos de Curso destes cursos fragmentam o conhecimento das ciências e com isso, contribuem para um processo de formação unilateral, baseado em uma concepção de conhecimento pragmático e subordinado ao mundo da empregabilidade.

          Unitermos: Currículo. Formação. Ciências. Países dependentes. Educação Física.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 18, Nº 186, Noviembre de 2013. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    A formação superior, nas ultimas décadas veio formando profissionais voltadas ás demandas do capital, ficando evidente esta afirmação nos projetos pedagógicos curriculares das universidades. Esses currículos, que no Brasil, são moldados pelas Diretrizes Curriculares Nacionais, acabam limitando o processo de aprendizagem do aluno em competências e habilidades que o sujeito deve adquirir e desenvolver a fim de conseguir se inserir, de imediato, no mercado de trabalho, como por exemplo, as competências e as habilidades do rendimento, da competição e do selecionamento. Já na Argentina, na Educação Física, podemos ver como esses currículos de formação de professores trazem uma forte presença do esporte, enquanto conteúdo quase único da área. Esporte este que não foge também da lógica capitalista, em que o melhor é aquele que consegue ser o mais rápido, o mais forte, excluindo os demais participantes que não atingem os objetivos de determinada modalidade. Neste processo de desenvolvimento do esporte, valoriza-se novamente, aquelas competências que permitem aos homens e mulheres serem “bem sucedidos” numa sociedade em permanente competição.

    Entendemos que tanto a Argentina quanto o Brasil, são países do capitalismo dependente, isto é, segundo Marini (2005), a

    “relação de subordinação entre nações formalmente independentes, em cujo marco as relações de produção das nações subordinadas são modificadas ou recriadas para assegurar a reprodução ampliada da dependência” (p.141).

    Esta dependência dos países periféricos é condição sine qua non para que as grandes potências continuem a sua “acumulação por desapropriação” (Lima apud Harvey), alcançando os fins do modelo de produção capitalista.

    A lógica deste modelo, a subordinação das necessidades humanas a seu objetivo não é diferente com a educação. Historicamente a America Latina cumpriu um papel determinado dentro do sistema capitalista, integrando-se à divisão internacional do trabalho. Na área dos conhecimentos, cumpre uma função especifica também, a de aplicar e reproduzir os conhecimentos dos países centrais.

    “Cada pais, mesmo que atrasado, foi levado á estrutura das relações capitalistas e se viu sujeito ás suas leis de funcionamento. Enquanto cada nação entrou na divisão internacional do trabalho sobre a base do mercado mundial capitalista, cada uma participou de forma peculiar e em grau diferente na expressão e expansão do capitalismo, e jogou diferente papel nas distintas etapas de seu desenvolvimento” (Novack, 2008, p. 41)

    A educação e formação são pautadas, então, pelas necessidades do mercado de trabalho. Como esclarece Fonseca apud Meneghel e Santos (2012, p. 5) “a educação potencializa para o emprego, perdendo sua especificidade como formação humana; funcional ao capital e perversa ao trabalho”.

    Desta forma a educação de modo em geral, e a EF em particular acaba por reproduzir modelos importados.

    “Desta forma, a educação superior em países de capitalismo dependentes, como o Brasil, nasceu para adaptar as exigências educacionais e culturais desta sociedade de classes, marcada pelo binômio imperialismo-dependência. Este padrão dependente de educação superior será [...] aprofundado na atual configuração do capitalismo, na medida em que permanece como tarefa central da educação superior, nos países periféricos, a transmissão e adaptação de conhecimentos produzidos nos países centrais” (Lima, 2005, pag.317).

    Neste contexto, em que educação e capital se entrelaçam e avançam na história rumo a manutenção de uma sociedade mundial dividida em aqueles países que dominam e aqueles que são dominados, é que entendemos a necessidade de estudarmos a realidade da formação em EF de dois países que se colocam na história em quanto dependentes no processo de produção de conhecimento e formação profissional, o Brasil e a Argentina. Neste sentido levantamos as seguintes questões: O que há de comum e de diferente entre estas duas realidades? O que a formação da EF nestes dois países contribui para fortalecer ou resistir à política de desigualdade mundial?

    Nosso interesse pelo tema se dá pela formação da pesquisadora na Facultad de Educación Física de la Universidad Nacional de Tucumán e a passagem pelo Centro de Educação Física e Desportes da Universidade Federal de Santa Maria. As diferenças e semelhanças que nelas encontramos, aumentaram o interesse pelo tema de formação dos professores de educação física. Assim como também as aproximações aos espaços do DACEF/ UFSM (Diretório Acadêmico), debates do MEEF (Movimento Estudantil de Educação Física) e a inserção na LEEDEF (Linha de Estudos Epistemológicos e Didáticos em Educação Física), fizeram com que a vontade de compreender e estudar a formação e os seus determinantes sociais materializa-se neste projeto.

    No sentido de melhor nos envolvermos com nossa problemática de estudo e obtermos respostas mais sistematizadas, nos aproximaremos do tipo de conhecimento que é ensinado nos currículos dos referidos cursos. Para tanto, nossa análise problematizará mais especificamente no processo de formação em Educação Física do CEFD e da FACDEF como se estabelece a formação no que se refere à relação entre os conhecimentos das Ciências Sócias e as Ciências Naturais. Temos o interesse de contribuir no entendimento de que as realidades apresentadas nos Projetos Pedagógicos de Curso destes cursos fragmentam o conhecimento das ciências e com isso, contribuem para um processo de formação unilateral, baseado em uma concepção de conhecimento pragmático e subordinado ao mundo da empregabilidade.

    É nessa conjuntura, da formação voltada às demandas do capital, que cada momento histórico se utilizará da EF para legitimar seu projeto. A negação das ciências sociais na formação dos futuros professores em educação física e a hegemonia das ciências naturais, que faz com que ocorra uma relação desigual entre as áreas de conhecimentos científicos e conseqüentemente no processo de entendimento da área, fazem com que esse trabalho tome importância, principalmente por ser desenvolvido num momento de reestruturação curricular no CEFD-UFSM, onde a EF está sendo debatida confrontando-se projetos antagônicos de formação, ainda com a aprovação do curso de Licenciatura Ampliada que se apresenta como uma superação dos atuais PPC's. No que corresponde a FACDEF, a premissa com que o problema de estudo surgiu foi baseado na realidade vivida pela autora nos seu processo de formação. Como nós, professores de educação física, vamos ensinar se não é da forma com que aprendemos?

    Partindo do entendimento da EF enquanto pratica historicamente construída e socialmente apropriada, que se constitui a partir dos elementos da cultura corporal, tentaremos contribuir nesse acumulo coletivo de conhecimentos em relação à formação e as formas de superação que se apresentam. Como aponta o Coletivo de autores

    “a materialidade corpórea foi historicamente construída e, portanto, existe uma cultura corporal, resultado de conhecimentos socialmente produzidos e historicamente acumulados pela humanidade que necessitam ser retraçados e transmitidos” (COLETIVO DE AUTORES, 1992)

Problema

    A formação do CEFD/UFSM e da FACDEF/UNT considera a relação entre os conhecimentos das Ciências Sócias e das Ciências Naturais?

Objetivo

    Analisar as diferenças e semelhanças do processo de formação em EF da FACDEF e CEFD/UFSM no que se refere a relação estabelecida entre os conhecimentos das ciências sociais e naturais.

Metodologia

    Nossa pesquisa se fundamentará no Materialismo Histórico Dialético, pois o entendemos como “o modo de pensarmos as contradições da realidade, o modo de compreendermos a realidade como essencialmente contraditória e em permanente transformação” (Konder, 2000 p. 7.), permitindo-nos desta forma compreender de forma mais ampla as complexidades da realidade. Como aponta Andrey e Sério (apud Couto, 2012) o conhecimento não se produz pelo reflexo do fenômeno, o conhecimento tem que desvendar, no fenômeno o que lhe é constitutivo. O método para produzir esse conhecimento “deve permitir que se descubra por trás da aparência o fenômeno tal como é realmente, e mais, o que determina, inclusive, que ele apareça da forma como o faz.” (ANDREY, SÉRIO apud COUTO, 2012, p.7)

    Segundo o método dialético a realidade não é diretamente aprendida. Precisa decorrer de um processo de análise do mais complexo (abstrato) para o mais simples e logo retorna ao conhecimento inicial agora concreto. É um processo de descompor e recompor uma síntese anterior, um conhecimento prévio.

    Como resalta Marx (apud Konder 2000) "O concreto é concreto porque é a síntese de várias determinações diferentes, é unidade na diversidade." (KONDER 2000, p. 45) Ainda Marx esclarece que o conhecimento não é um ato e sim um processo. O método materialista histórico dialético é um procedimento que conduz a investigação à produção de conhecimento objetivo que permita ir alem do superficial, da aparência do fenômeno tal como se nos apresenta na compreensão da realidade (Kosik apud Kuenzer, 1998). Sintetizando, é a análise da sociedade e seus componentes que nos permitem transformar essa realidade em leis do pensamento, ou seja, em conhecimento.

    Usaremos como “categorias metodológicas” (KUENZER, 1998), as categorias da Totalidade, Contradição, Historicidade e Mediação e como “categorias de conteúdos” (KUENZER, 1998) Formação; Currículo; Educação Física; Ciências.

    Para Kuenzer (1998) as categorias metodológicas correspondem às leis objetivas e universais e nos permitem estudar qualquer objeto, em qualquer realidade abarcando um análise mais geral que nos permitirá entender as relações entre o objeto estudado e os fenômenos universais. As categorias de conteúdo são recortes particulares definidos a partir do objeto e da finalidade da investigação que nos permitirão entender de que modo estas leis gerais se expressam e são reproduzidas na especificidade do objeto de estudo. Em síntese, a autora afirma que a metodologia se define através da expressão das leis universais (categorias metodológicas) e a sua aplicação ao particular (as categorias de conteúdo).

    “São as categorias que servem de critério de seleção e organização da teoria e dos fatos a serem investigados, a partir da finalidade da pesquisa, fornecendo-lhe o princípio de sistematização que vai lhe conferir sentido, cientificidade, rigor, importância.” (KUENZER, 1998, p. 62).

    Nossa pesquisa se utilizará da técnica de análise documental e se constituirá em um estudo comparativo1. Entendemos que a pesquisa documental nos permite contextualizar o fenômeno a ser estudado estabelecendo relações diacrônicas e sincrônicas entre acontecimentos passados e atuais (YUNI, URBANO, 2003 p 73). Para tanto, seguiremos um caminho que proporcionará desvelarmos nossas categorias de conteúdo na sua relação entre o geral, o particular e o singular, sem perder de vista nossa problemática de pesquisa. Para isso, o estudo seguirá os seguintes itens:

1.     Brasil e Argentina: A relação entre educação e capital

    Tomando como ponto de partida o termo de capitalismo dependente, tentaremos explicar porque os países da America Latina, particularmente Argentina e Brasil correspondem aos chamados países periféricos do capitalismo, e como essa condição a que foram impostos pelos grandes capitais e pelo baixo preço de troca das relações internacionais fazem com que toda sua vida (política, social, econômica, educativa, etc.) esteja à ordem dos países centrais.

    Desde o enfoque marxista de Marini (2005), a dependência “é entendida como uma relação de subordinação própria da forma como o capital e os interesses de seus donos se internacionalizam de maneira cada vez mais integrada e intensificada” (p. 33). Desta forma, a dependência passa a ser o mecanismo central com que se subordinam territórios, sujeitos, países subdesenvolvido. O subdesenvolvimento (característica dos países da periferia) e consequentemente, o desenvolvimento são processos indissociáveis, dado que o segundo se nutre das relações desiguais as que é submetido o primeiro.

    Para entender como essas relações de subordinação se dão no presente, devemos conhecer os fatos do passado. Como explica Marini, “A historia da America Latina não era uma historia à parte com relação à historia dos países desenvolvidos, mas, sim, um elemento integrado e indissociável do sentido de totalidade posto em movimento por um determinado grupo com o afã de internacionalizar e protagonizar seu modelo” (2005. p. 31).

    Para garantir os interesses dos países centrais e levar a diante o processo de mundialização da sociedade burguesa (classes dominantes), os organismos internacionais (Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial, UNESCO) sugeriram que as políticas (e reformas) dos países da periferia se enquadrem nas exigências políticas e econômicas dos países imperialistas. Estas políticas neoliberais se caracterizam pela não intervenção do Estado nas áreas sócias, porém o Estado vai atuar para os grandes capitalistas, empresas, bancos.

    Para esclarecer como se da essa relação de subordinação aos interesses do capital (ora por políticas, ora por recomendações), veremos as recomendações feitas pelo Banco Mundial para à educação superior dos países do capitalismo dependentes: “as nações situadas na classe de renda baixa ou médio-baixa [...] devem se limitar a desenvolver a capacidade de acessar e assimilar novos conhecimentos” (BANCO MUNDIAL apud LEHER, 2011) que serão produzidos pelos países centrais. Como próprio LEHER faz referência a elas, “educação superior minimalista”.

    As diretrizes curriculares que trilharam a formação dos estudantes, submetidas à lógica do capital (de mão de obra barata, qualificada, flexível e polivalente) trarão uma formação intimamente relacionada com a economia, pautada pelas necessidades do mercado de trabalho. No sistema capitalista, a formação é tratada como uma forma de qualificar o trabalhador, para que possa, minimamente, se inserir no mercado de trabalho. (MENEGHEL, SANTOS, 2012). Como afirma Lima (2005), a educação superior é concebida no marco da empregabilidade e a formação voltada para o mercado de trabalho.

    A formação visa à aquisição de competências e habilidades que lhe permitirão se adaptar as exigências de um mercado em constantes mudanças. Logo, essa formação, transforma-se na mercadoria de troca do trabalhador, a sua força de trabalho, único bem com que, através da sua venda, poderá se inserir no mercado.

    “Uma formação pautada pelas mudanças produtivas que servem a manutenção da lógica de acumulação capitalista não vem no sentido de melhor ‘qualificar’ os trabalhadores, bem pelo contrário, servem a lógica de qualificar para o mercado de trabalho, desqualificando a formação e a vida dos trabalhadores” (MENEGHEL, SANTOS 2012. p.12)

2.     A EF no Brasil e na Argentina: a relação das ciências sociais e naturais na sua história

    A história da área da EF brasileira tanto como a da Argentina, demonstra a hegemonia das ciências naturais no que corresponde a produção de conhecimentos e formação profissional. Como resgata Bracht (2003), num primeiro momento na perspectiva higienista, passando por sua fase militarista e colocada também ao serviço do sistema esportivo. Dessa forma, desde seu início, os aportes de conhecimentos científicos vieram das ciências mães, se referenciando em áreas tais como a medicina, psicologia, entre outras.

    Em meados, na Europa, e final, no Brasil, do século XIX a EF se apropria do discurso higienista dando “ênfases à saúde e à formação de hábitos morais para combater os problemas de vícios e imoralidade, que, segundo a burguesia, ocorria porque as classes populares viviam sem regras” (Souza e Baccin, 2009, p. 5). A preocupação com o cuidado e higiene do corpo, fonte de lucro, foi à necessidade concreta que a EF veio a satisfazer. Caracterizou-se pelo corpo saudável, a limpeza, a moral e bons costumes dos homens (corpos) trabalhadores que seriam submetidos a extensas jornadas laborais.

    A EF argentina tem sofrido diversos avanços e retrocessos, segundo as ideias dominantes da época, mas sempre teve uma características bem marcada em reproduzir os sistemas estrangeiros. Durante muito tempo teve-se como diretriz a disciplina civil e o caráter de exercitação higienista a procura da saúde e da maior energia física.

    Como afirma Aisenstein (2006) a EF servia para a educação corporal e moral. A educação do corpo parecia ser uma exigência emanada da higiene e da economia. A formação do caráter podia ser entendida também em termos de preparação para o trabalho, o esforço e a perseverança.

    Ainda na fase higienista, surge o cuidado do corpo dentro das escolas, através da implementação exercícios físicos (Rousseau, Guths Muths, Pestalozzi, Basedow) enquanto conteúdo curricular; e logo mais os métodos ginásticos (Jhan, Amoros, Ling) que foram a sistematização dos exercícios físicos. É a partir da EF que se procura a educação corporal e a formação moral da criança; entendia-se a formação do caráter como preparação para o trabalho, o esforço e a perseverança.

    Logo com a EF militarista se reforçaram as idéias positivistas da fase higienistas, dando se lugar à busca do vigor físico, a disciplina e a ordem. Desta vez a EF teria que formar homens e mulheres fortes para a crescente indústria, o exército e a pátria, disciplinados, obedientes e respeitosos da hierarquia social.

    Como ressalta Aisenstein (2006, p. 37) num fragmento do livro Higiene de l'exercice chez les enfants et les jeunes gens do Dr. Lagrange traduzido para os professores de EF argentinos a traves do Conselho Nacional de Educação; “o exercício é ante tudo uma coisa útil. Os serviços que presta não se limitam ao individuo, se estendem a toda a nação, dado que todos os cidadãos tem o dever de utilizar suas forças em defesa do pais”. Vemos aqui como o pensamento da EF higienista se funde com a intenção militarista de que ela venha a formar os cidadãos que defenderam a pátria.

    A EF nas fases higienista e militarista, apenas reproduziam os métodos ginásticos europeus, não construindo o conhecimento, mas sim buscando-o nos países de referência da época. Ainda assim, esses modelos não provinham exclusivamente da área da EF. Como explica Bracht,

    “O que é importante ressaltar é que o campo da EF era marcado menos como um campo acadêmico de produção do conhecimento, e mais, como de aplicação do conhecimento (cientifico). Os métodos ginásticos eram construídos aplicando-se os conhecimentos da anatomia, da fisiologia e da medicina ao campo dos exercícios físicos” (BRACHT, 2003, p. 29).

    Um momento que não pode ser esquecido nessa construção da identidade da EF é o acontecido após a II Guerra Mundial, o fenômeno da esportivização da EF.

    Como aponta Moraes (apud Bracht, 2003) o esporte moderno teve sua origem na Europa, fruto de profundas mudanças na sociedade e nos jogos tradicionais. Foi assim que em plena revolução industrial e consolidação do sistema capitalista que o esporte tomou forma. O esporte moderno se difundiu à medida que o modo de produção capitalista se consolidou e dissipou pelos continentes.

    O esporte se impôs a EF, deixando-a subordinada a ele. Logo a EF foi orientada para melhorar o desempenho esportivo do país (Bracht, 2003). Foi o esporte então que deu legitimidade ao novo discurso da EF por se aproximar aos planos de educação e saúde que dela se esperavam.

    Na Argentina, a importância do esporte veio conjuntamente ao modelo político, econômico e social do Estado de Bem-estar, que visava formar homens e mulheres correspondentes ao modelo de identidade nacional do governo. A promoção e desenvolvimento da pratica esportiva veio também como um complemento para uma grande parte da população, a formação que os jovens adultos adquiririam ao incorporar-se ao serviço militar. Neste período de grande ascenso e pratica social do esporte o governo de Perón deu impulso a criação de Centros Nacionais de Educação Física e Institutos de Formação de professores de Educação Física na maioria das províncias argentinas. Centros que trouxeram na sua concepção uma forte identidade esportiva pelo momento político em que foram criados.

    Mais uma vez, as ciências naturais dominaram os conhecimentos da área em relação às ciências sócias. Como já foi estudado por diversos autores, o esporte valorou, e ainda valora, o movimento/técnica (com suas características mecânicas) por cima do sujeito que se movimenta (com suas características sócias), despojando-o de todo subjetividade.

    O esporte transformou-se quase em sinônimo de EF, deixando relegadas as outras manifestações da cultura corporal como as danças, lutas, jogos por nomear alguns. Esse esporte veio se materializar, em muitas instituições formadoras de professores, nos projetos políticos pedagógicos. Uma vez tendo a EF subordinada à instituição esportiva com seus valores e princípios, como rendimento, comparação, sobrepujança, reproduziram-se através do esporte os interesses da sociedade capitalista.

    A partir desta hegemonia, se forjou um objeto de estudo apoiado nas defesas biologicistas. Esta ligação com as ciências biológicas veio como meio pra a EF ganhar reconhecimento social e criar status enquanto área de conhecimento, legitimando-se assim no campo científico.

    A divisão das ciências naturais e ciências sociais na EF, materializada a partir da fragmentação entre licenciatura e bacharelado, não permite entender a totalidade da mesma enquanto pratica pedagogia transformadora da sociedade capitalista e ao professor como agente dessa transformação.

3.     A formação do CEFD/UFSM e da FACDEF/UNT

    Como já foi explicado anteriormente, as categorias de conteúdo trarão elementos específicos do tema abordado. Partiremos destas categorias para entender o contexto atual, suas repercussões e o que ele representa num âmbito mais amplo; elas farão uma mediação entre o universal e o concreto.

    Tomando as categorias de conteúdo que foram nomeadas acima, neste ponto abarcaremos as instituições desde o ponto de vista histórico trazendo apontamentos da relação entre as ciências sociais e ciências humanas na formação de professores e como isso se ligou ao cenário nacional da Educação Física.

    Analisaremos todos os currículos do CFED/UFSM e da FACDEF/UNT. Utilizando esse material analisaremos a relação de distribuição do conhecimento na grade curricular, utilizando uma divisão das disciplinas para melhor entender como essa distribuição acontece. Dividiremos as disciplinas em, disciplinas específicas e biológicas, disciplinas das ciências humanas e disciplinas de estágio/prática curricular2. Visualizando as disciplinas, passaremos a analisar o conteúdo das especificas a fim de entender como se da a relação Ciências. Sócias- Ciências. Naturais no processo de ensino aos alunos.

4.     Sínteses finais.

    Após os analises que foram numerados acima, faremos um resgate dos elementos do trabalho a fim de entender como o sistema capitalista, e nossa condição de países dependentes fazem com que a educação em geral e a formação em educação física em particular esteja ao serviço dos interesses dos grandes capitais e da classe dominante. Ressaltaremos como também essa relação entre as ciências na formação do CEFD e da FACDEF fazem com que o currículo esteja fragmentado e contribua para uma formação unilateral. Apontaremos para a superação da dualidade historicamente evidenciada na formação docente, pautando-se na possibilidade da formação unificada, mesmo não havendo fragmentação no sentido dois currículos.

Notas

  1. Sobre a metodologia, será desenvolvida e aprofundada no percurso da pesquisa.

  2. Entendemos disciplinas específicas como as que tratam do conhecimento específico da Educação Física, como o esporte, as lutas, a dança e o lazer; as disciplinas biológicas são as disciplinas que tratam do conhecimento das ciências-mães dentro das ciências naturais, como física e anatomia; as disciplinas das ciências humanas são baseadas nos conhecimentos desta ciência, como filosofia e sociologia; e as disciplinas de estágio e prática curricular são as que se focam na atuação prática e vivências, sendo este o maior objetivo, mas não limitando-se a ele.

Referências bibliográficas

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